Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
219/14.7TVPRT-C.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
IDENTIDADE DO PEDIDO
IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ) / CASO JULGADO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 576.°, N.°S 1 E 2, 577.°, AL. I), 578.°, 580.°, N.°S 1 E 2, 581.°, 582.°.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29/09/2011, PROCESSO N.º 3831/05.1TBSTS.P1.S1;
-DE 24/04/2013, PROCESSO N.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1.
Sumário :
I. A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente como dilatória – tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.

II. Ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo.

III. A essencial identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial das causas petendi invocadas numa e noutra das acções em confronto, não sendo afectada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções, nem pela invocação na primeira acção de determinada factualidade, perspectivada como meramente instrumental ou concretizadora dos factos essenciais.

IV. Não ocorre a excepção de caso julgado quando as pretensões materiais formuladas nas duas acções em confronto, para além de representarem vias jurídicas alternativas e estruturalmente diferenciadas para alcançar a tutela jurídica de determinado interesse, assentes em pressupostos legais perfeitamente autónomos, implicaram a formulação de pedidos estruturalmente diferentes, envolvendo a via seguida na primeira acção, já definitivamente julgada improcedente, a formulação de pedidos de reconhecimento e condenação numa obrigação de transmitir ou restituir determinados valores patrimoniais, alicerçada, a título principal, na execução de um contrato de mandato sem representação, e a título subsidiário, na verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, ao passo que o pedido formulado na subsequente acção opera antes no plano dos direitos reais, envolvendo, de forma essencial, a realização de uma separação de bens próprios, com imediato reconhecimento do direito de propriedade, e um juízo divisório dos bens que se entenda estarem em comunhão ou contitularidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA interpôs acção declarativa contra a sua ex-convivente de facto, BB, e os dois filhos de ambos, CC e DD, peticionando:

a) Reconhecer-se a verificação da União de Facto entre A. e Ia Ré, e bem assim declarar-se o momento do fim da mesma, durante o ano de 2009, ou apurar-se outra data em data que o Tribunal aceitar como comprovado;

b) Reconhecer-se e declarar-se a destrinça dos bens existentes na titularidade do A. e da Ia Ré, e/ou dos 2ª e 3° RR, à data reconhecida como de cessação da união de facto entre estes, e em consequência declarar-se, condenando-se todos os RR. a reconhecer o A. como único e exclusivo proprietários dos bens descritos no anterior artigo 165° da presente acção, e bem assim todos os seus frutos e rendimentos;.

c) Mais devem todos os RR. ser condenados a restituir ao A. os bens que se reconheçam e declarem ser pertença e propriedade exclusiva do A., na medida em que estejam na sua titularidade e/ou posse.

d) Mais devem, se necessário, declarar-se a invalidade/nulidade de todos e quaisquer negócios realizados pela Ia Ré, com os 2ª e 3o RR, respeitantes à transferência de bens do A (e/ou dele e da Ia R), para os 2ª e 3° RR, em particular as doações a que se referem os imóveis melhor descritos no anterior artigo 162° da presente peça, com todas as consequências legais nos termos expostos, nomeadamente procedendo-se ao cancelamento dos respectivos registos a favor destes;

e) Mais deve, no que respeita aos bens sujeitos a registo, imóveis e participações sociais descritas no anterior artigo 162° da presente peça, ser oficiosamente determinado e ordenado o seu averbamento quanto à respectiva propriedade a favor do A., com todas as consequências da Lei;

f) Sem prescindir e subsidiariamente para a hipótese de se entender que, dos bens melhor identificados nos anteriores artigo 165° da presente peça, só devem considerar bens próprios do A. os que lhe advieram directa ou subrrogadamente por sucessão devendo os outros considerar-se comuns de A e Ia R, devem então reconhecer-se que todos os bens constantes do artigo 162° da presente peça, embora sendo bens comuns de A e Ia Ré, devem no entanto ser entre ele partilhados/repartidos na proporção de 2/3 para o A e 1/3 para a Ia Ré nos termos expostos

g) Ainda sem prescindir, por fim e sempre subsidiariamente para o caso de se entender mais adequado a prova que venha a ser produzida, deve pelo menos reconhecer-se e condenar-se todos os RR. a reconhecerem que todos os bens constantes do artigo 162°da presente peça são bens comuns, em compropriedade e partes iguais, do A. e da Ia Ré.

h) Devendo sempre ordenar-se oficiosamente o cancelamento de todos e quaisquer registos quanto aos bens imóveis e participações sociais que possam incidir sobre os mesmos a favor dos Ia, 2a e 3o RR.

Citados os RR., vieram, além do mais, arguir excepção dilatória de caso julgado, alegando que o primeiro segmento do objecto do processo, relativo aos pretendidos efeitos da cessação da união de facto que havia ligado o autor à 1ª ré, constitui "causa" definitivamente resolvida por sentença judicial transitada em julgado, proferida no processo n.° 68/11.4TVPRT, que o ora autor propusera contra as mesmas l.a e 2.a rés,-entretanto confirmada pela Relação do Porto.

Na sequência da tramitação dos autos, foi proferiu despacho saneador que decidiu:

"Assim, por considerados verificados os respectivos pressupostos, pelas razões e fundamentos expostos, julgo procedente a excepção de caso julgado invocada, respeitante aos bens e depósito objecto da anterior acção, e, ao abrigo do disposto nos arts. 576°. n.°s lei, 577°, ai i), 578.°, 580.°, n.° 1 e 2, 581.°, 582° e 278.°, n.° 1, ai. e), todos do Cód. Proc. Civil, absolvo, nessa parte, os demandados da instância."

2. Inconformado, apelou o A., tendo a Relação julgado a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida devendo, pois, o objecto do processo abranger todos os pedidos formulados pelo Autor na sua petição inicial.

Apos ter analisado os requisitos, objectivos e subjectivos, da excepção de caso julgado, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Como emerge da decisão proferida o tribunal recorrido considerou verificar-se a excepção de caso julgado estribado, essencialmente, na circunstância de que, face ao alegado e pedido na anterior acção, em comparação com o que se articula e peticiona na presente lide, constata-se, quanto aos bens e depósito objecto daquela acção, que o Autor recorrente não mais pretende do que ver reconhecido o seu direito de pertença de tais bens, quer pela via, então, do alegado incumprimento do mandato sem representação e enriquecimento sem causa, quer, agora, por via da cessação da união de facto, com restituição, total ou parcialmente, à sua esfera jurídica dos bens que invoca serem seus, o que implica sempre apurar se se verifica, ou não, uma situação de enriquecimento sem causa, ainda que só subsidiariamente aduzida, tanto mais que, na integração dos factos no direito aplicável, não está o tribunal vinculado à interpretação feita e invocada pelas partes.

Conclui, portanto, que caso o tribunal viesse, a final, a considerar procedente a presente acção, com base na verificação dos pressupostos daquele instituto jurídico, estar-se-ia a proferir uma decisão contrária à anterior que julgou a acção improcedente, com base na mesma pretensão quanto aos referidos bens, ou seja, a decisão anterior resolveu definitivamente o litígio das partes quanto ao seu objecto, não podendo a parte que, não obtém ganho de causa, vir, posteriormente, instaurar várias acções subsequentes, invocando outras configurações jurídicas, por forma a obter o mesmo efeito jurídico.

Deste entendimento, dissente o Autor recorrente.

Vejamos, então, de que lado se encontra a razão.

Em 2011, o Autor recorrente interpôs acção declarativa contra as aqui 1a e 2a Rés que correu termos na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.° de processo 68/11.4TVPRT, peticionando:

a) - Ser declarado que o imóvel sito na rua …, n° 224/228 no Porto, correspondente ao prédio urbano com a descrição 2321 da 2a Conservatória de Registo Predial do Porto (descrição em Livro N° 3731, Livro N° 11), inscrito na matriz sob o art. U-2120 da freguesia de Lordelo do Ouro (certidão permanente, código de acesso: PP-0291-72810-131206-002321) pertencente ao autor, e a ré condenada a transmitir ao autor a propriedade do referido imóvel, ou, em alternativa, caso se entenda não ser admissível a execução específica, ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 720.000.00€, montante correspondente ao valor actual do referido imóvel, com juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, por força do contrato de mandato sem representação celebrado entre autor e Ia ré;

b) - Ser declarado que os depósitos poupança, fundos de investimentos e demais valores existentes na conta bancária n° 008… no Banco EE, pertencem ao autor, e as rés condenadas a restituírem ou pagarem ao autor esses valores, no montante de 395.551,21€, actualizado com os respectivos juros bancários remuneratórios â presente data, e com juros de mora ã taxa legal desde a citação ate integral pagamento, por força do contrato de mandato sem representação celebrado entre autor e rés;

c) - Ser a 1a Ré condenada a restituir ao autor os bens móveis que se encontram na moradia sita na rua ..., n° 224, Lordelo do Ouro, Porto, descritos no antessente art. 139º da petição inicial por lhe pertencerem exclusivamente.

Subsidiariamente, relativamente aos pedidos formulados em a) e b):

Caso se entenda que os factos alegados nesta sede não consubstanciam um mandato sem representação, sempre deverá:

d) - A 1a ré ser condenada a restituir ou pagar ao autor a quantia de 720.000.00€, montante correspondente ao valor actual da moradia sita na Rua …, acima melhor identificada, com juros de mora desde a citação até integral pagamento, com base na extinção da união de facto e consequente enriquecimento sem causa da 1a Ré;

e) - A 1a e 2a rés condenadas a restituir ou pagar ao autor a quantia de 395.551,21 €, actualizada com os respectivos juros bancários remuneratórios à presente data, referente a depósitos poupança, fundos de investimentos e demais valores existentes na conta bancária n° 008… no Banco EE, com base na extinção da união de facto e consequente enriquecimento sem causa das rés com juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Nos referidos autos foi proferida decisão que absolveu as aqui 1a e 2a Rés do pedido.

Antes do mais, a decisão proferida nos autos que correram termos na 1a Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.° de processo 68/11.4TVPRT, definiu como objecto daquele litígio o seguinte: "A questão essencial a decidir na presente demanda traduz-se, a título principal, em dilucidar se entre autor e rés foram firmados contratos de mandato sem representação e bem assim apurar se estas incumpriram a obrigação de transferir para aquele os direitos adquiridos em execução desses mandatos. Subsidiariamente importa apurar se ocorreu uma situação de enriquecimento sem causa por parte das rés em resultado da cessação da união de facto que existiu entre autor e a 1ª co-ré."

Significa, portanto, que, em via principal, foi objecto dos aludidos autos a questão de saber se entre Autor e Rés, tinha sido celebrado contrato de mandato sem representação, e se o mesmo havia sido incumprido e, apenas no caso de tal improceder, como improcedeu, apurar se a 1a R, que permaneceu na titularidade de determinados bens, em virtude da cessação da união de facto mantida entre A. e Ia R., perdeu motivo/causa para a respectiva detenção.

Em desfecho daqueles autos foi concluído que: "Em face da improcedência do pedido principal cumpre, em conformidade com o preceituado art 469° do Cód. Processo Civil, apreciar o pedido que o autor deduziu de forma subsidiária. Como se notou, a este propósito, o demandante busca fundamento jurídico para essa pretensão apelando ao instituto do enriquecimento sem causa. E procura suportar facticamente tal pedido na circunstância de, com o fim da união de facto que existiu entre o autor e a 1a co-ré, ter terminado o projecto de vida em comum e o investimento material de ambos com esse objectivo, deixando as demandadas de ter causa justificativa para usufruírem dos mencionados bens, gerando-se consequentemente um enriquecimento injustificado dos seus patrimónios, ao manterem a propriedade e gozo de bens que foram adquiridos exclusivamente com dinheiro daquele, cuja fruição apenas tinha razão de ser na pendência da aludida união de facto.

Portanto, na alegação do autor, estaríamos em presença de um enriquecimento por prestação, na modalidade de recebimento com base em causa que deixou entretanto de existir (conditio ob causam finitam), ou seja, a situação em que a causa jurídica da prestação realizada desaparece posteriormente a sua realização, situação essa que se mostra normativamente contemplada, entre outras, no n° 2 do art. 473°.

Ora, no caso vertente, não se verifica qualquer dos enunciados pressupostos, já que o autor, desde logo, não logrou demonstrar que fosse o titular do património que alegadamente terá sido transferido para a esfera jurídica das demandadas.

De igual modo, não provou a ausência de causa justificativa, sendo certo que, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, a falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.°, por quem pede a restituição.

Não bastará para esse efeito, segundo as regras do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa.

Por que assim, por inverificação dos mencionados pressupostos, de igual modo terá de improceder o pedido formulado a título subsidiário"

Ora, perante o assim decidido o tribunal recorrido conclui, como supra se mencionou , que o Autor recorrente não mais pretende do que ver reconhecido o seu direito de pertença de tais bens, quer pela via, então, do alegado incumprimento do mandato sem representação e enriquecimento sem causa, quer, agora, por via da cessação da união de facto, com restituição, total ou parcialmente, à sua esfera jurídica dos bens que invoca serem seus, o que implica sempre apurar se se verifica, ou não, uma situação de enriquecimento sem causa, ainda que só subsidiariamente aduzida.

Não se pode sufragar, salvo o devido respeito, este entendimento.

Efectivamente, o pedido subsidiário formulado nos autos que correram termos sob o n.° de processo 68/11.4TVPRT, não se confunde com o pedido de reconhecimento da existência e cessação de união de facto, e consequente divisão do património existente à data dessa cessação.

Na verdade, aquele pedido, contendia com o facto de, no entender do Autor recorrente, as Rés naqueles autos não terem qualquer causa que legitimasse a detenção de determinado património.

Ao ter sido decidido como foi, naqueles autos, que os pressupostos do enriquecimento sem causa não se verificavam, apenas se apurou que o Autor não logrou demonstrar a falta de motivo para a detenção dos bens.

Todavia, coisa substancialmente diferente é proceder-se à divisão de património constituído na constância de uma relação em tudo análoga à dos cônjuges, e que terminou.

Não se poderá olvidar, como noutro passo já se referiu que a ratio da excepção dilatória de caso julgado, assenta na "preocupação" de impedir que o órgão jurisdicional seja chamado a decidir novamente e contrarie o sentido de decisão anterior.

Ora, nos presentes autos, mesmo que o Tribunal a quo conclua pela entrega ao Autor dos bens identificados nos autos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT, esse entendimento não ofenderá a decisão anteriormente proferida, no sentido em que essa entrega apenas resultará da divisão do acervo existente à data da cessão da união de facto, e não porque concluiu pela verificação de ausência de causa na detenção pelas RR., dos sempre referidos bens.

Ou seja, a preocupação que subjaz à figura do caso julgado, aqui não se verifica:-a decisão eventualmente proferida em relação a todos os bens nesta lide identificados, seja em que sentido for, nunca poderá ofender a decisão proferida no processo que correu termos com o n.° 68/11.4TVPRT.

Acresce que, para que se possa concluir pela verificação da excepção de caso julgado, importa que cumulativamente estejam preenchidos três pressupostos já acima enunciados.

Acontece que, essa identidade, não cremos, salvo outro e melhor entendimento, que aqui se verifique.

Analisando.

- Identidade de sujeitos

Não se verifica in casu tal identidade física ou da posição processual ocupada pelas partes nos termos sobreditos, pois que, não coincide o interesse substancial das partes no desfecho da demanda.

O tribunal a quo no despacho recorrido discorreu, sob este conspecto, do seguinte modo: "Assim, à excepção do 3.° R., as partes são as mesmas, apenas se tendo adicionado à presente acção esse demandado como sendo o sujeito para quem a 1." Ré terá transmitido parte dos bens alegadamente adquiridos na constância da união de facto, embora sem assumir uma nova identidade sob o ponto de vista da sua concreta qualidade jurídica, diferenciadora da 2.a Ré, sua irmã, na anterior acção."

Concluindo: "Por não se tratar de uma mera identidade física, nem mera posição processual, mas sim da sua posição processual relativamente à relação jurídica substancial, sabendo-se, como se referiu, que não tem relevância o facto de se formular outros pedidos, considera-se serem as mesma as partes do ponto de vista da sua qualidade jurídica, como intitulados possuidores ou detentores de tais bens/depósito''

Não se acompanha, salvo o devido respeito, este entendimento.

Com efeito, o interesse das 1a e 2a RR nos autos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT, quanto ao pedido principal, era determinado pela demonstração de inexistência de quaisquer contratos de mandato. E, quanto ao pedido subsidiário, centrava-se o respectivo interesse na demonstração de motivo justificativo para a detenção daqueles bens.

Nos presentes autos, a 1a Ré figura como ex-convivente da união de facto que existiu entre Autor e 1a Ré, com o correspondente interesse directo na divisão do património constituído na constância daquela união de facto.

Portanto, a demanda, pressupõe que seja verificada tal relação (união de facto entre Autor e 1a Ré) e respectiva cessação, que o património existente à data dessa cessação e constituído na pendência da mesma seja dividido/partilhado e que seja entregue a cada um dos ex-conviventes o que é de cada um.

Evidentemente que, para este efeito, necessário será que o sobredito património seja, antes do mais, especificado. Depois, que do património identificado, seja distinguido aquele que se deverá considerar comum, e aquele que se deverá considerar próprio. E, para que tal seja possível, necessário se torna aferir da proveniência dos bens identificados.

Feita tal indagação, é que o património que se achar comum é dividido, e o que se achar próprio, é restituído ao respectivo titular.

O reconhecimento da propriedade exclusiva do ora Recorrente sobre determinados bens, não é assim a causa petendi.

A divisão do património existente, à data da cessação da união de facto entre Autor e 1a Ré, acarretará, por consequência, e na óptica do Autor, o reconhecimento daquela propriedade.

Por via do exposto, o interesse que a 1a Ré mantém nos presentes autos, salvo melhor entendimento, será tão só o de também demonstrar que determinados bens que compõem o património identificado (ou, eventualmente, a sua totalidade) surgiram na constância da união de facto por via comum ou por via sua, sendo de considerar, subsequentemente, bem comum ou seu bem próprio e não que detém os aludidos bens com causa justificativa, ou que não incumpriu qualquer mandato, como acontecia naquela outra acção.

Em relação à 2a Ré, cuja presença nestes autos mostra-se necessária por causa dos negócios (formais e destituídos de substância) realizados entre esta e a Ia Ré., sobre bens que integram o património existente entre o A., e a Ia Ré, à data da cessação da união de facto.

Falha, portanto, desde logo, este pressuposto.

- Identidade do pedido

Paralelamente, é pressuposto da excepção de caso julgado a identidade do pedido.

A mesma afere-se, como noutro passo já se referiu, pela similitude dos efeitos jurídicos que se pretendem obter na causa já decidida e na causa a decidir.

Ora, o que o Autor recorrente, substancialmente, pretende é, definitivamente, dividir o património constituído na constância da união de facto entre si mantida e já cessada com a 1a Ré, que se considerar comum, e bem assim, que lhe seja devolvido o património que se considere próprio-que seja reconhecida uma data para a separação e "partilhada" e/ou entregue a cada um dos ex-conviventes de facto, os bens que a cada um pertencem.

Porém, como já acima se sublinhou, para que tal aconteça, o Autor recorrente tem de identificar todos os bens que compunham tal património na data em que findou a união de facto que manteve com a Ia Ré, especificando a proveniência dos mesmos, de forma que o tribunal possa concluir pela qualificação de cada um desses bens enquanto próprios de A. e Ia R., e enquanto comuns.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.09.2013, "A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado"

Assim, e em primeiro lugar, não se pode entender que existe identidade do pedido, só pelo facto do Autor recorrente, naqueles outros autos, ter alegado (mas não pedido o reconhecimento), quer da união de facto quer a respectiva cessação em 2009-e muito menos a separação/divisão do respectivo património.

O Autor recorrente só nos presentes autos peticiona o reconhecimento daquela realidade e cessação da mesma em determinada data.

Para além disso, o efeito prático-jurídico dos autos será o mesmo, se a protecção jurisdicional pedida for a mesma, e esta versar sobre o mesmo conteúdo e objecto.

O que o Autor recorrente nestes autos pede é que seja liquidado o património constituído na pendência da união de facto que manteve com a Ia Ré.

Ora, aquele património é composto, entre outros bens, por aqueles cuja restituição se pedia nos autos que correram termos com o n.° 68/11.4TVPRT.

Todavia, o facto da liquidação do património que existia aquando a cessão da união de facto, contemplar aqueles bens (e outros), não determina que o objecto e conteúdo do direito cuja tutela o recorrente reclama, sejam os mesmos.

O objecto da presente lide é uma universalidade patrimonial, composta por um conjunto determinado de bens e de direitos, isto é, o património objecto destes autos terá que ser visto como um todo, o património constituído na constância da união de facto.

O facto de o nosso ordenamento não prever um instituto jurídico específico para a liquidação de património resultante de união de facto, nem por isso, ou pela ocorrência daqueles outros autos, está o Autor recorrente impossibilitado de vir, pelos presentes, requerer a liquidação daquele património.

De igual modo, quanto à 2a Ré, o pedido formulado nesta acção é substancialmente diferente, porque diferente se revela o efeito prático-jurídico que da eventual procedência do mesmo, resultará.

Pede o Autor recorrente na presente lide, que os negócios celebrados entre 2a Ré e 1a Ré, sejam considerados nulos por simulação. Ora, tal pedido não encontra a mínima correspondência com os autos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

Ou seja, os pedidos são substancialmente diferentes, pois que diferentes são os efeitos jurídicos da respectiva procedência-naquele outro litígio, era assacada às Rés responsabilidade contratual; nestes autos, o pedido, emana do reconhecimento de existência e cessação de relação análoga à dos cônjuges, divisão do respectivo património e nulidade dos actos posteriores à cessação da união de facto, sobre o referido património.

Não se verificando, também quanto ao pedido, o preenchimento desse requisito para que se conheça da excepção de caso julgado.

- Identidade da causa de pedir

Para que possa concluir-se pela verificação da excepção de caso julgado é necessário que a causa de pedir da nova acção e da acção anterior sejam idênticas.

No que tange à 2a Ré nunca se poderá falar de repetição da causa de pedir.

Na verdade, sendo os presentes autos, quanto à 2a Ré, uma acção de anulação, a causa de pedir nestes autos não se confunde com os que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

Quanto à 1a Ré, de modo semelhante, não se poderá concluir pela repetição da causa de pedir.

Conforme já tivemos ensejo de referir, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida na acção. E, optando o legislador pela teoria da substanciação, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil.

Isto é, a causa de pedir, consiste em todos os factos essenciais ou apenas naqueles factos essenciais, deduzidos pelo requerente, que subjazem as pretensões do mesmo, isto é, aqueles factos a que seja reconhecida relevância jurídica bastante para a tutela pretendida.

Entende o Tribunal a quo que o núcleo essencial da causa de pedir é a mesma nestes autos e nos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

Acontece que, mesmo considerando que existem factos alegados na presente acção, que também foram alegados naqueles outros autos, a causa de pedir nas duas acções é substancialmente diferente.

Dúvidas não existem de que o Autor recorrente, não pode requalificar juridicamente os factos através de outro instituto jurídico, em acção posterior.

Mas tal não significa que os mesmos factos não importem nova tutela jurídica.

Efectivamente, a ser como entende o Tribunal recorrido, nos autos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, podia o Sr. juiz desse processo ter conhecido da divisão do património constituído na circunstância da união de facto entre A. e Ia R., pois que se inseria na sua liberdade de qualificação jurídica dos factos alegados pelas partes.

Torna-se evidente que, um tal entendimento, é completamente inadequado e sem qualquer justificação ou suporte legal.

Estando o juiz, por efeito do artigo 609.° do CPCivil, impedido de conhecer de objecto diferente do peticionado, nunca o mesmo poderia ter conhecido, com autoridade de caso julgado, da cessação da união de facto e liquidação do património constituído na pendência daquela união.

O que se pedia naqueles autos, através dos factos essenciais e determinantes ao conhecimento de tal pedido, era o incumprimento de contrato de mandato sem representação pela 1a e 2a R., e da ausência de causa para a detenção de determinados bens.

Conforme refere o prof. Castro Mendes, a "Causa de pedir e excepções representam delimitações do pleito a decidir. Em todo o caso, há aqui uma diferença: é que a causa de pedir representa uma delimitação externa da matéria a decidir, as excepções uma delimitação interna. A causa de pedir delimita o assunto que o tribunal vai decidir, e ficará coberto pelo caso julgado; as excepções delimitam, dentro do assunto que o tribunal vai decidir, os pontos a ter em conta. E assim, produzido o caso julgado, podem-se fazer valer em nova acção outras causas de pedir não invocadas no pleito, relativas ao mesmo thema decidendum; mas não as excepções não invocadas contra a pretensão do autor" .

Segundo doutrina e jurisprudência correntes, embora a eficácia do caso julgado material incida nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, alcança também os fundamentos e as questões que nela se entroncam enquanto limites objectivos dessa decisão, em conformidade com o preceituado no artigo 621.° do CPCivil, na parte em consigna que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

Como ensinava o Prof. Antunes Varela e outros12, " (...) a eficácia do caso julgado, como se depreende do disposto nos artigos 498.° e 96.° (CPC), apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (...), ou seja, a resposta injuntiva do tribunal â pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir."

É o que se designa por "concepção restrita do caso julgado", perfilhada na nossa lei"

"'Portanto, a causa de pedir delimita o thema decidendum, mas não é ela própria o thema decidendum-daí que, o mesmo thema decidendum possa ser levado a juízo noutra acção sem que tal importe a repetição da causa de pedir. Por outro lado, dada a concepção restrita do caso julgado, a eficácia deste abrange apenas o juízo de mérito dado pelo Tribunal à pretensão do autor, nos moldes em que tenha sido formulado o pedido, e balizado pelo facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida.

Como assim, ainda que se entenda ser o thema decidendum da presente lide, coincidente com o thema decidendum dos autos que correram termos sob o n.° 68/11.4TVPRT na Ia Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, tal coincidência não é requisito da excepção de caso julgado, e as causas de pedir de uma e outra acção, continuam diferentes.

Destarte, salvo devido respeito, nenhum dos pressupostos necessários à verificação da excepção de caso julgado ocorrem no caso em apreço, razão pela qual o tribunal recorrido não podia ter julgado procedente a invocada excepção.

3. Inconformados, interpuseram os RR. recurso de revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1. Constitui um equívoco do acórdão recorrido a ideia de que a acção teria como objecto a “divisão” ou “liquidação” de um “património comum” que teria sido constituído durante a união de facto, entretanto terminada, que ligara o autor à primeira ré.

2. Na verdade, o autor, ora recorrido, não apresenta nenhuma “relação” de “bens comuns” (ou “sociais”) que devam ser sujeitos a “divisão”, em termos de desta resultar a atribuição, a cada um dos supostos “consortes”, de bens específicos e determinados.

3. O objecto do processo, tal como o autor o configura, não tem nenhuma semelhança com um processo de liquidação de patrimónios sociais nem, muito menos, com um processo de inventário, destinado a “dividir” um património comum.

4. Se assim fosse (se fosse esse o objecto do processo), o autor, agora recorrido, ter-se-ia limitado a “relacionar” o “acervo comum”, sem deduzir pedidos de reconhecimento de propriedade – pois que, como é sabido, a aquisição da propriedade sobre bens específicos integrantes de um património comum que se pretende “dividir” depende da partilha.

5. Pelo contrário, o que o autor, agora recorrido, pede, com base nos mesmos factos que já alegara no processo anterior (que perdeu), é que o tribunal o declare como proprietário exclusivo de bens certos e determinados (ou, subsidiariamente, comproprietário – mas sempre proprietário).

6. Quer dizer, o autor, num processo que, alegadamente, visaria a “divisão” de “bens comuns”, apenas pede, em primeira linha, que se declare que é o seu proprietário exclusivo – o mesmo que, insiste-se, já fizera no processo anterior (embora em relação a menos bens).

7. Verdadeiramente, o que o autor, agora recorrido, pretende (como já pretendia no processo anterior) é exactamente o contrário do que é típico pretender num processo de inventariação, liquidação e partilha de um acervo patrimonial comum: o que ele pretende é que os bens a que se refere (e a que já se referia no processo anterior) não sejam incluídos nesse alegado património comum e não sejam, portanto, divididos.

8. É esse, para usar o critério do acórdão recorrido, o seu “interesse substancial”.

9. Precisamente porque pressupõe identidade de pedido e de causa de pedir, a ocorrência da excepção de caso julgado, quando o objecto processual é plural (quando há vários pedidos e causas de pedir), tem ser averiguada, individualizadamente, em relação a cada objecto processual.

10. É, por conseguinte, perfeitamente possível, quando o processo é composto de vários objectos ou segmentos (como sucede no caso), que haja caso julgado quanto a um (ou vários) deles e não quanto aos demais.

11. Verificando-se, no caso, quanto ao segmento do objecto do processo abrangido, a tripla identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir) de que depende a excepção de caso julgado, é inatacável a sentença da primeira instância, impondo-se a revogação do acórdão recorrido.

12. No que concerne ao segmento do objecto do processo em apreço, os sujeitos da acção anterior (o autor, agora recorrido, e as 1.ª e 2.ª rés) continuam a ser sujeitos da acção posterior (onde ocupam exactamente as mesmas posições: o ali autor continua a ser aqui autor, agora recorrido, e as ali 1.ª e 2.ª rés continuam a ser aqui 1.ª e 2.ª rés).

13. No que concerne ao segmento do objecto de que se trata, o pedido é também o mesmo: referindo-se a mais ou a menos bens, o efeito prático-jurídico substancialmente visado pelo autor na presente acção é sempre e exactamente o mesmo que o levou a propor a acção anterior (que perdeu): obter a restituição do que, do seu ponto de vista, com a cessação da união da facto, lhe pertenceria em exclusivo.

14. “O núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções”, a anterior e a posterior, é exactamente o mesmo: factos que, segundo o autor, ora recorrido, demonstrariam que teria sido com recursos exclusivamente dele que teriam sido adquiridos os bens que, cessada a união de facto com a 1.ª ré, pretende, como então, que lhe sejam entregues.

15. É pois a mesma, também, a causa de pedir.

16. A alteração da qualificação jurídica, na acção posterior, de factos alegados na acção anterior, não altera a causa de pedir.

Eis, assim, expostas, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, as razões pelas quais se deve revogar o acórdão recorrido, repristinando a sentença da primeira instância, julgando-se totalmente procedente a revista.

O recorrido contra alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

4. Como se escreveu no Ac. deste Supremo de 24/4/13, proferido no P. 7770/07.3TBVFR.P1.S1:

O fenómeno – essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica – da indiscutibilidade do julgamento constante de decisão judicial transitada em julgado pode revelar-se, na prática, através de diferentes vertentes ou modalidades.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 19/2/09, proferido pelo STJ no P. 09B0081:

A excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal se veja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.

Assim., em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável (ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal: se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado - deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.

A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente (art. 494º, al. i) como dilatória - tem, pois, que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.

Pelo contrário, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado ( perspectivada no CC de 1867 como conduzindo a uma inclusão do caso julgado entre os meios de prova – arts. 2407, nº4, e 2502º e segs.), mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal

Menos evidente – na sua conexão e analogia substancial com a figura do caso julgado e a essencial vinculatividade que lhe está associada - é o fenómeno do efeito preclusivo, decorrente, desde logo, do funcionamento da previsão normativa constante do art. 489º do CPC, impondo ao demandado o ónus de oportuna e cumulativa dedução de todos os meios de defesa de que considere dispor no confronto da pretensão do autor. Este efeito preclusivo – que a doutrina - Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 178 e segs.) - , tende a aproximar e equiparar à vinculatividade própria da figura do caso julgado - implica que certas questões (particularmente as que se conexionam com os meios de defesa do demandado, ainda que reportados a um contradireito autónomo, por este invocável mediante reconvenção, com o fito de paralisar a pretensão do autor – veja-se o recente Ac. do STJ de10/10/12, proferido no P. 1999/11.7TBGMR.G1.S1, ) apesar de não abordadas e decididas, de modo explícito, no âmbito de certa acção, não possam voltar a ser recolocadas em acções futuras que corram entre as mesmas partes, em termos de afectarem potencialmente o direito já reconhecido com força de caso julgado, em consequência da existência de um ónus de suscitação, no momento próprio, pela parte interessada, não adequadamente cumprido por esta.

A questão da definição da identidade do pedido ou da pretensão material deduzida nas duas acções, sucessivamente propostas, passa essencialmente pela exacta delimitação do efeito jurídico pretendido pelo demandante, pela definição da forma de tutela que pretende obter, tendo-se, para tal, em conta, não propriamente a mera qualificação jurídica de tal pretensão, num plano puramente normativo, mas o efeito prático jurídico a alcançar

No que se refere à questão da identidade da causa de pedir entre a acção já definitivamente julgada e a supervenientemente proposta entre as mesmas partes, esta suscita-se sempre que nesta nova acção ocorre alguma inovação fáctica, configurável, todavia, como insuficiente para se poder afirmar que estamos confrontados com uma inovatória causa petendi. Em primeiro lugar – e como é incontroverso - não releva para este efeito uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante: podendo, na verdade, o juiz operar livremente a qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento ou suporte das respectivas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, é evidente que as várias possíveis configurações ou qualificações, situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados não podem suportar a propositura de uma nova acção, em que se pretendesse inflectir o sentido do julgamento através da construção de uma subsunção normativa ou enquadramento jurídico desses mesmos factos, diverso do invocado na primeira acção, já definitivamente julgada. É que tais possíveis qualificações ou subsunções jurídicas alternativas de uma mesma factualidade concreta constitutiva, emergentes apenas de uma diversa configuração ou coloração jurídica dos factos essenciais, invocados pelo autor, podiam, todas elas, ter sido conhecidas e apreciadas pelo juiz na primeira causa julgada – que podia perfeitamente ter convolado da qualificação jurídica feita pelo autor para a que tivesse por pertinente e adequada à justa composição do litígio – pelo que terão naturalmente de se ter por irremediavelmente consumidas ou precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada - e absolutamente imutável - factualidade concreta.

Do mesmo modo, é também evidente que não contende com a identidade da causa de pedir invocada em ambas as acções, sucessivamente intentadas, após definitivo julgamento da primeira, a inovação que consistisse em vir agora invocar factos meramente instrumentais ou probatórios, não alegados, nem processualmente adquiridos, na acção já definitivamente julgada: tratando-se, na realidade, de factos desprovidos, no plano jurídico material, de relevância substantiva, por dotados de uma função exclusivamente probatória - visando alcançar, por via indirecta (particularmente através de presunções naturais ou judiciais, alicerçadas nas regras ou máximas da experiência), a demonstração dos factos, esses sim, substantivamente relevantes para a solução jurídica do pleito e em que se ancoram decisivamente as pretensões das partes – é manifesto que em nada afectam a individualização e substanciação da causa petendi em que aparece estruturada cada uma das acções em confronto.

Mais delicada é a situação quando entramos no plano dos factos substantivamente relevantes para a apreciação da matéria litigiosa – podendo, no entanto, afirmar-se com segurança que a essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções. Na verdade, nem todos os factos constitutivos, substantivamente relevantes para o preenchimento da (ou das) fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis à composição do litígio relevam do mesmo modo para a definição da identidade e individualidade da causa de pedir – podendo, consequentemente, verificar-se alguma mutação -alteração ou ampliação - destes factos constitutivos, continuando, porém, a causa petendi a dever ser normativamente entendida como a mesma e única. O problema coloca-se com nitidez quando ambas as acções propostas assentam numa causa de pedir complexa, cujos aspectos estruturantes e fundamentais se mantêm intocados, procurando, porém, a parte vencida repetir a apreciação jurisdicional do litígio através da adição ou mutação de factos que – sendo embora substantivamente relevantes para o preenchimento das fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis - implicam, de um ponto de vista funcional (ou seja: face aos valores, bens jurídicos ou interesses subjacentes às figuras ou institutos jurídicos em função das quais é normativamente recortada ou delimitada a concreta factualidade constitutiva que integra a causa petendi invocada), uma modificação de elementos factuais meramente secundários, circunstanciais ou acessórios, implicando esta sua peculiar natureza e menor relevância substancial a conclusão de que, com tal alegação, não ocorre invocação na nova acção de uma nova e diversa causa petendi.

Importa, na verdade, para este efeito, distinguir entre o núcleo essencial da causa de pedir – que identifica e individualiza esta, implicando, em princípio, a sua falta o vício da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir – e a adição ou modificação de circunstâncias factuais que – não sendo embora meramente instrumentais, por dotadas de relevo exclusivamente probatório – têm, de um ponto de vista normativo, uma função material secundária, não afectando, por isso, a existência, integridade e a essencial identificação e individualização da concreta causa de pedir invocada em cada uma das acções. Supomos que a actual distinção, operada pelo actual art. 5º do CPC, entre os factos essenciais – definidores e concretizadores de um núcleo essencial e individualizador da causa de pedir - e os factos complementares e concretizadores daqueles (susceptíveis de aquisição processual até um momento tardio, eventualmente no decurso da própria fase de julgamento, nos termos do nº 3 desse preceito legal) poderá lançar, também nesta sede, alguma luz, fornecendo um critério operativo básico para as necessidades práticas de aplicação da figura da excepção de caso julgado: é que a simples inovação no âmbito da nova acção, intentada após definitivo julgamento da primeira, que se traduzir na alegação de factos que se devam qualificar como complementares ou concretizadores, mantendo-se intocado o referido núcleo essencial da causa de pedir, sujeita plenamente o demandante ao típico efeito da invocação da excepção de caso julgado, inibindo o tribunal de reapreciar a matéria litigiosa já julgada; ou seja, não é possível ao autor suprir o deficiente cumprimento do ónus de alegação que sobre ele recaia quanto a toda a factualidade constitutiva do seu direito (e que não conseguiu cumprir, apesar da actual e ampla flexibilização consentida pelo CPC) através de uma ampliação factual operada apenas em nova acção que continuasse a estar estruturada num núcleo fáctico essencial que permaneça imutável.

5. Na concreta situação dos autos, a vertente da figura do caso julgado que está em causa é obviamente a relativa à excepção dilatória de caso julgado, envolvendo, desde logo, a definição da identidade objectiva das duas acções sucessivamente propostas entre as mesmas partes: poderá, na específica e particular situação litigiosa, considerar-se que naquelas duas acções se verifica simultaneamente identidade do pedido e da causa de pedir?

Começando por abordar a problemática da identidade dos pedidos ou pretensões materiais deduzidas, parece-nos evidente que – mesmo partindo de uma concepção que caracteriza a individualidade do pedido em função do efeito prático jurídico que o demandante procura alcançar, mais do que através de um apelo à configuração estritamente normativa da pretensão., à sua coloração ou qualificação jurídica, feita em função de certa figura ou instituto jurídico - tem de concluir-se que, no caso dos autos, o A. formulou, nas duas acções que sucessivamente intentou, pretensões materialmente distintas.

Saliente-se que, como é manifesto, nenhuma dúvida se poderia razoavelmente suscitar quanto ao pedido deduzido, a título principal, na primeira acção, estribado em função da existência de uma relação contratual de mandato sem representação outorgado entre as partes e da obrigação de transmissão ao mandante dos bens adquiridos em execução do mandato.

O mesmo ocorre, bem vistas as coisas, relativamente à matéria do pedido subsidiário então deduzido, com base na invocação da figura e dos específicos pressupostos do enriquecimento sem causa. Embora fosse invocado, em sede de tal pedido, a extinção da união de facto, tal facto surgia, naquele contexto, como meramente instrumental, circunstancial ou concretizador dos pressupostos legais de tal figura, em termos de delinear o quadro fáctico subjacente, em que teria ocorrido o enriquecimento de um dos interessados à custa do empobrecimento do outro, sem causa justificativa da transferência patrimonial verificada.

Na verdade, a invocação da figura ou instituto geral do enriquecimento sem causa, objecto da pretensão que foi julgada improcedente na primeira acção, e a formulação de um pedido dirigido à obtenção de um juízo divisório do acervo patrimonial conseguido na pendência da situação de união de facto, entretanto dissolvida, representam vias jurídicas profundamente diversificadas para obter a tutela de determinado interesse patrimonial, implicando, aliás, a formulação de pretensões materiais perfeitamente diversificadas: é que, quer a invocação do dito contrato de mandato sem representação, quer a construção fundada no instituto do enriquecimento sem causa, implicam necessariamente a formulação de uma pretensão de natureza creditória ou obrigacional, que é co natural a tais institutos, que apenas podem originar para o demandado o surgimento de uma obrigação de transmitir para o mandante os bens adquiridos na execução do mandato sem representação (art. 1181º do CC) ou uma obrigação de restituir ao empobrecido aquilo com que injustamente se locupletou, nos termos do art. 473º do CC.

Pelo contrário, a pretensão formulada nesta acção, implicando uma destrinça dos bens próprios de cada interessado e um juízo divisório dos bens obtidos durante a pendência da união de facto, opera no plano dos direitos reais, levando – caso, no plano do mérito da causa, procedam os termos em que o A. pretende equiparar a dissolução da união de facto à partilha consequente à dissolução de uma situação matrimonial – à definição e concretização, no plano dos direitos reais, do seu direito sobre determinado acervo patrimonial adquirido na pendência da dita união – e sendo manifesto que apurar se, nesta acção, o A. logrou ou não relacionar adequadamente o acervo a partilhar, satisfazendo as exigências de um processo típico de inventariação, liquidação e partilha é matéria que se conexiona já com a decisão de mérito a proferir nos presentes autos…

Em suma: as pretensões materiais formuladas nas duas acções em confronto, para além de representarem vias jurídicas alternativas e estruturalmente diferenciadas para alcançar a tutela jurídica de determinados interesses patrimoniais, assentes em pressupostos legais perfeitamente autónomos, implicaram a formulação de pedidos estruturalmente diferentes, envolvendo a via seguida na primeira acção, já definitivamente julgada improcedente, a formulação de pedidos de reconhecimento e condenação numa obrigação de transmitir ou restituir determinados valores patrimoniais, ao passo que o pedido formulado na presente acção opera antes no plano dos direitos reais, envolvendo, de forma essencial, uma separação de bens próprios, com imediato reconhecimento do direito de propriedade, e um juízo divisório dos bens que se entenda estarem em comunhão ou contitularidade. (sobre a especificidade do pedido, alicerçado na obtenção de um juízo divisório de bens, relativamente a pretensões de outra natureza, veja-se o Ac. deste STJ de 29/9/11, proferido no P. 3831/05.1TBSTS.P1.S1).

E, assim sendo, a dedução de pretensões materiais estruturalmente diversificadas, operando umas no plano obrigacional e outras no plano do reconhecimento e concretização dos direitos reais, tem de concluir-se que as acções em confronto visam realizar formas de tutela material diferentes, obtidas através de pedidos prática e juridicamente bem diferenciados - que se não podem consequentemente reconduzir à realização do mesmo e específico efeito prático jurídico – ocorrendo assim, no plano objectivo, uma diferenciação material dos pedidos formulados.

De igual modo, tem de considerar-se – em consonância com a diversidade dos pedidos - que é diferente o núcleo essencial da causa de pedir, relativamente às pretensões deduzidas na primeira acção, já julgada improcedente, e na presente causa.

Tal conclusão é perfeitamente óbvia no que respeita à causa petendi estribada na invocação do contrato de mandato sem representação, não tendo naturalmente tal negócio jurídico nada a ver com a pretendida separação e partilha do património acumulado durante a vigência da união de facto; e o mesmo ocorre com o pedido de restituição do indevido, alicerçado na figura do enriquecimento sem causa, sendo então o núcleo essencial da causa de pedir a densificação e concretização dos pressupostos de tal instituto, surgindo – como atrás se referiu – a referenciação factual da extinção da dita união de facto como mero facto instrumental ou concretizador do alegado facto essencial locupletamento injustificado das RR.

A inexistência de identidade objectiva das acções em confronto torna inútil a abordagem da questão da possível identidade subjectiva, restando, deste modo, concluir pela inexistência da excepção dilatória de caso julgado, por não se verificaram as violações de lei invocadas pelos recorrentes.

5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 14 de Dezembro, de 2016

Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

Silva Gonçalves