Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27/16.0YHLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
MARCAS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL / MARCAS / RECURSO JUDICIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / CONTRADIÇÃO DE JULGADOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 116.
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª edição, Almedina, 55, 56, 58 e 59.
- José Lebre de Freitas/A. Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil” Anotado, 2.ª edição, Tomo I, Volume 3.º, 17.
- Luís Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos Recursos, 2009, 315.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 39.º E SS., 46.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.ºS 1, AL. D), E 2, 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18.09.2014 (PROCESSO N.º 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1), DE 02.06.2015 (PROCESSO N.º 149/14.2YHLSB.L1.S1) E DE 24.11.2016 (PROCESSO N.º 1655/13.1TJPRT.P1.S1), ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
-DE 13.07.2010 (PROCESSO N.º 4210/06.9TBGMR.S1), DE 18.04.2012 (PROCESSO N.º 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1), DE 20.11.2014 (PROCESSO N.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1), DE 20.05.2015 (PROCESSO N.º 321/12.0YHLSB.L1.S1) E DE 13.09.2016 (PROCESSO N.º 671/12.5TBBCL.G1.S1), ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Em regra, não cabe recurso para o STJ do acórdão do tribunal da Relação proferido no âmbito do recurso, de plena jurisdição, previsto nos arts. 39.º e ss. do CPI.

II - Essa regra de irrecorribilidade, fixada no art. 46.º, n.º 3, do CPI é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente a contradição de julgados.

III - A contradição de julgados aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além do mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito.

IV - A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos, sido feita de modo diverso.

V - A inexistência do fundamento invocado (contradição de julgados) em ordem a permitir a revista “atípica”, obsta a que dela se tome conhecimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I –  Sagrimar – Empreendimentos Turísticos, SA. requereu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ao abrigo do disposto nos artigos 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, a concessão do registo da marca nacional n.º 000013 “MARTINHAL Quinta do Lago”.

Por despacho de 16 de abril de 2015, proferid0 pela Exma. Directora de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em quem fora delegada essa competência, foi recusado o registo dessa marca.

Interpôs, então, recurso desse despacho para o Tribunal da Propriedade Intelectual, alegando, em síntese, que:

É uma empresa de renome nacional que opera na área de hotelaria em Portugal, gerindo a cadeia hoteleira que utiliza o nome de MARTINHAL, com estabelecimentos em Lisboa, Cascais, Sagres e na Quinta do Lago.

O pedido de registo da marca em análise pretendeu, tão só, distinguir o seu estabelecimento sito na localidade de Quinta do Lago, aliás como faz com os outros estabelecimentos do grupo “MARTINHAL”.

A expressão “Quinta do Lago” é utilizada por outros players do sector hoteleiro.

A recorrida não pode arrogar-se no direito de usar em exclusivo a expressão “Quinta do Lago”, até porque esta corresponde a uma localidade sita na freguesia de ..., concelho de ..., e, mesmo que assim não fosse, o sinal “Quinta do Lago” tornou-se um sinal fraco, descritivo, tendo perdido capacidade distintiva.

Por outro lado, os sinais em causa não são confundíveis e também a marca registanda não se confunde com a denominação social da reclamante: “Quinta do Lago - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, SA”.

O registo da marca em apreço não originará atos de concorrência desleal.

Concluiu pela procedência do recurso e pela revogação do despacho do INPI que não concedeu o registo da marca nº000013.

2. Citada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º do CPI, a recorrida Quinta do Lago, Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, SA alegou, em suma, que:

É titular de vários registos prioritários, como sejam a marca nacional n.º 000047, destinada a assinalar, entre outros, “serviços hoteleiros, snack-bares, bares e boîtes”; o logótipo n.º 00063 “QUINTA DO LAGO”, nominativo, e, bem assim, a sua firma “QUINTA DO LAGO – Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A.

O registo de tais sinais distintivos a favor da recorrente confere-lhe o direito de uso exclusivo sobre a expressão “QUINTA DO LAGO”.

As marcas em causa destinam-se a assinalar o mesmo tipo de serviços.

A “Quinta do Lago” não é uma localidade, mas o nome de um empreendimento turístico.

Por tais razões, o despacho recorrido deve ser mantido, recusando-se o registo da referida marca.

Foi proferida sentença que julgou procedente o recurso interposto e, em consequência, revogou o despacho recorrido que não concedeu proteção ao registo da marca nº 000013 “MARTINHAL Quinta do Lago”.

Discordando dessa decisão, a Quinta do Lago, Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, SA apelou, sem êxito, tendo a Relação de … confirmado a sentença recorrida.

Persistindo inconformada, interpôs recurso de revista excepcional, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:
1) O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de … que, negando provimento ao recurso de apelação interposto pela Recorrente, confirmou a sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, e que, consequentemente, manteve a revogação do despacho do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial ("INPI") que não havia concedido o registo da marca nacional n.° 000013 MARTINHAL QUINTA DO LAGO, confirmando, assim, proteção à referida marca para assinalar serviços na classe 43.
2) O presente recurso de revista excecional é interposto ao abrigo do artigo 672.°, n.° 1, alínea c) do CPC, porquanto o acórdão recorrido confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença proferida em primeira instância e está em manifesta contradição com o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de …, 8ª Secção, proferido no processo 26/16.2YHLSB.L1 —cf. Doc. n.° 1 (acórdão fundamento).
3) Caso se entenda que in casu não estão verificados os pressupostos do artigo 672.°, n.° 1, c) do CPC, o presente recurso de revista deverá sempre ser admitido ao abrigo do artigo 629.°, n.° 2, d) do CPC, atenta a contradição do acórdão recorrido com o já referido acórdão fundamento e de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça plasmado no acórdão de 23/06/2016, proferido no processo n.° 1248/14.6YRLSB.S1.
4) No acórdão fundamento discutiu-se entre as mesmas partes destes autos se a expressão "QUINTA DO LAGO", que integra a denominação social e diversos sinais distintivos da Recorrente (marca nacional 000047 e logótipo n.° 00063), tem capacidade distintiva ou se é um elemento considerado genérico e inapropriável para distinguir produtos ou serviços e se, consequentemente, o sinal que integra a marca nacional n.° 000012 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" (mista) da Recorrida constitui imitação dos direitos anteriores da Recorrente e se a sua utilização para assinalar serviços na classe 43 consubstancia uma prática de concorrência desleal.
5) Já no caso dos autos discute-se se a marca nacional n.° 000013 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" (nominativa) da Recorrida infringe, por imitação, os mesmos direitos anteriores da Recorrente. O facto de a marca da Recorrida em causa no acórdão fundamento integrar um sinal misto enquanto a marca sob discussão é formada por um sinal meramente verbal não mitiga as semelhanças que levam a que em ambos os casos esteja em causa a mesma questão fundamental de direito: determinar se as marcas "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" consubstanciam uma imitação dos direitos da Recorrente.
6) Em ambos os processos a questão foi discutida à luz dos artigos 223.°, 245.°, n.° 1, 239.°, n.° 1, a), b) e e) e n.° 2 e 317.°, n.° 1, a), todos do CPI, pelo que em ambos os casos está-se no domínio da mesma legislação.
7) Apesar da perfeita analogia das situações, no âmbito do processo 26/16.2YHLSB.L1 o Tribunal da Relação de … entendeu que a expressão "QUINTA DO LAGO" integrante da marca, do logótipo e da denominação social da Recorrente é fantasiosa e tem capacidade distintiva, o que levou à conclusão que a marca 000012 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" da Recorrida é uma imitação dos direitos da Recorrida e o seu uso para assinalar serviços na classe 43 pode levar à prática de atos de concorrência desleal, ao passo que no presente caso o acórdão recorrido entendeu que "QUINTA DO LAGO" é um elemento genérico que indica a proveniência geográfica dos serviços da Recorrente, o que significa que a marca 000013 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" da Recorrida não imita os sinais da recorrente nem o seu uso implica potenciais atos de concorrência desleal.
8) Assente na correta apreciação da matéria factual trazida à discussão pela Recorrente naqueles autos, o acórdão fundamento entendeu, em suma; que: i. O nome "Quinta do Lago" é um nome de fantasia criado por AA e corresponde a uma área geográfica localizada na freguesia de ..., concelho de ..., de acesso reservado, onde está instalado o complexo do empreendimento urbano-turístico onde a Recorrente exerce a sua atividade; ii. Verificam-se no caso concreto todos os requisitos de imitação de marca previstos no artigo 245.°, n.° 1 do CPI, i.e., a prioridade dos direitos da Recorrente, a semelhança ou afinidade dos serviços assinalados, e a semelhança gráfica e fonética entre os sinais da Recorrente "QUINTA DO LAGO" e a marca da recorrida "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" a ponto de poder induzir facilmente em erro o consumidor; iii. Ao disputar, no mesmo local, a mesma clientela, o uso da marca "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" pode levar à prática de atos de concorrência desleal.
9) À luz da mesma matéria factual, mas que não foi levada na devida conta, o acórdão recorrido entendeu essencialmente o seguinte: i. O nome "Quinta do Lago" corresponde a uma localidade geográfica e, assim, é um elemento genérico e isento de capacidade distintiva, o qual não pode ser exclusivamente apropriado por nenhum agente de mercado para assinalar produtos ou serviços provenientes daquela "localidade"; ii. Naqueles termos, não se encontra verificado o pressuposto de imitação de marca previsto na alínea c) do n.° 1 do artigo 245.° do CPI pela marca n.° 000013 "MARTINHAL QUINTA DOLAGO" da Recorrida; iii. Consequentemente, não há indícios de que a Recorrida pretenda praticar atos de concorrência desleal ou que estes sejam possíveis independentemente da sua intenção.
10) É manifesta a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, os quais se pronunciam de forma absolutamente oposta quanto à capacidade distintiva da expressão "QUINTA DO LAGO" e quanto à imitação dos direitos da Recorrente pelas marcas "MARTINHAL QUINTA DO LAGO" da Recorrida.
11) A oposição de julgados ímpõe a revogação do acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 672.°, n.° 1, alínea c), e sempre do artigo 629.°, n.° 2, alínea d), com a consequente recusa do registo da marca nacional n.° 000013 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO".
12) Nestes termos, em face de tudo quanto antecede, e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.s Exa.s,: a)     Seja admitido o presente recurso de Revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.°, n.° 1, c) do CPC; Subsidiariamente, b) Seja admitido o presente recurso de Revista, ao abrigo do artigo 629.°, n.° 2, d) do CPC; e Cumulativamente, c)   Seja revogado o acórdão recorrido e, em consequência, recusado o registo da marca nacional da Recorrida n.° 000013 "MARTINHAL QUINTA DO LAGO", para assinalar serviços na classe 43.

Foi oferecida contra-alegação a pugnar pela inadmissibilidade do recurso e o processo foi presente à formação prevista no art.º 672º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, que decidiu pela inadmissibilidade da revista excepcional, determinando a sua distribuição como revista normal.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade tida por relevante pelas instâncias é a seguinte:

1. A recorrente é titular do registo da marca nacional n.º 000047, de sinal misto, com reivindicação de cores: “preto, vermelho, amarela, verde e azul-marinho”, requerido em 09-06-1999 e concedido em 27-07-2001.

2. Esta marca destina-se a assinalar, entre outros, os seguintes serviços: “serviços hoteleiros, snack-bares, bares e boîtes”, da classe 43ª por referência à Classificação Internacional de Nice.

3. A recorrente é titular do registo de logótipo n.º 00063, de sinal nominativo, “QUINTA DO LAGO”, requerido em 13-11-1979 e concedido em 24-01-1986.

4. A recorrente está registada na Conservatória do Registo Comercial de ..., usando a firma QUINTA DO LAGO – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, S.A., com sede em Quinta do Lago, ..., ..., ... - cf. fls. 205 verso.

5. A Sagrimar, Empreendimentos Turísticos, SA. solicitou ao INPI, em 18-10-2013, o registo da marca nacional n.º 000013, de sinal verbal “MARTINHAL Quinta do Lago”.

6. Esta marca destina-se a assinalar os seguintes serviços: “serviços de hotéis; reservas de hotéis; organização de alojamentos para férias; serviços de agência de marcação e/ou reserva de alojamento em hotéis; serviços de hotel, restaurante e abastecimento; serviços hoteleiros para o fornecimento de instalações para conferências, reuniões, exposições e/ou sessões de formação; fornecimento de instalações hoteleiras para exposições comerciais, feiras comerciais, conferências, congressos, palestras e/ou reuniões; serviços de bar; snack-bares; restaurantes; serviços de reservas de restaurantes; restaurantes (alimentação); infantários; creches; serviços de informações, de assessoria e de consultadoria relacionados com todos os serviços atrás referidos, incluindo esses serviços prestados em linha a partir de uma base de dados informática e/ou através de internet ”, por referência à classe 43ª da Classificação Internacional de Nice.

7. A recorrente, em 30-12-2013, deduziu reclamação à eventual concessão do registo da marca nacional n.º 000013 alegando que, com esta, se induzirá os consumidores em erro ou confusão podendo estes efetuar um juízo de associação do sinal reclamado aos seus sinais de comércio, existindo elevado grau de semelhança entre os sinais e afinidade de produtos assinalados, possibilitando situações de concorrência desleal.

8. A Sagrimar, em 27-02-2014, contestou tal reclamação alegando que os sinais são dissemelhantes e que apenas pretende tornar claro que o empreendimento turístico que irá explorar se situa na Quinta do Lago.

9. Por despacho de 06-11-2015, a Senhora Diretora da Direção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, indeferiu o pedido de registo de marca nacional n.º 000013.

10. Vigora em Portugal, desde 22-07-1991, a marca nacional n.º 000078 “HOTEL QUINTA DO LAGO”, de sinal verbal, da titularidade de GRAMPIAM - INVESTIMENTOS HOTELEIROS, S.A., assinalando “serviços hoteleiros”.

11. Vigora em Portugal, desde 01-08-1991, a marca nacional n.º 000056 “HOTEL QUINTA DO LAGO”, de sinal misto, da titularidade de GRAMPIAM - INVESTIMENTOS HOTELEIROS, S.A., assinalando “serviços hoteleiros”.

12. Vigora em Portugal, desde 05-01-2010, a marca nacional n.º 000026 “MONTE DA QUINTA RESORT - QUINTA DO LAGO - ALGARVE”, de sinal misto, da titularidade de MONTE DA QUINTA (PROPRIEDADES), S.A., assinalando “agências de alojamento [hotéis, pensões]; alojamento (agências de -) [hotéis, pensões]; alojamento temporário (aluguer de -); alojamentos temporários (reserva de -); aluguer de alojamento temporário; aluguer de salas de reuniões; aluguer de tendas; bar (serviços de -); berçários; cafés-restaurantes; cafeterias; campos de férias (serviços de -) [alojamento]; casas de férias; férias (casas de -); férias (serviços de campos de -) [alojamento]; hotéis (reserva de -); hoteleiros (serviços -); reserva de alojamentos temporários; reserva de hotéis; restaurantes para serviço rápido e permanente [snack-bares]; restaurantes [refeições]; restaurantes «self-service»”.

13. Vigora em Portugal, desde 07-12-2011, a marca mista nacional n.º 000026 a favor de MIN LEACH - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA.

14. Vigora em Portugal, desde 09-12-2011, o logótipo nº00058 a favor de MIN LEACH - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA.

15. “Quinta do Lago” constitui o nome da localidade onde se situam aldeamentos turísticos pertencentes à freguesia de ..., concelho de ..., no Algarve, cf. fls. 44 e ss., 59, 61, 63 e ss, 82 e ss..

16. A Sagrimar é titular das marcas nº 000700 “Martinhal” Martinhal Cascais; 000005 Martinhal Chiado; e 000010 Martinhal Sagres. 

III – Fundamentação de direito

A apreciação do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4 , e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passa, em primeiro lugar, por decidir da admissibilidade do recurso interposto tendo por objecto a impugnação do acórdão da Relação confirmativo da sentença da 1ª instância que revogou o despacho de recusa do registo da marca junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ou seja, pela análise e dilucidação da invocada contradição de julgados e, só depois, concluindo-se pela existência dessa oposição é que haverá lugar à apreciação das restantes questões acopladas pela recorrente: imitação/confundibilidade dos sinais e concorrência desleal.

Como se sabe, o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais sofre limitações, mormente no acesso ao topo da hierarquia dos tribunais judiciais (STJ), entre elas figurando, por disposição legal, os acórdãos do Tribunal da Relação proferidos, no âmbito do recurso, de plena jurisdição, previsto no artigo 39º do Código da Propriedade Industrial, tendo por objecto a impugnação das decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial, nos quais se inclui a marca.

O acórdão da Relação que se pretende impugnar foi proferido precisamente no âmbito desse tipo de recurso, para o qual o artigo 46º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial, estabelece como tecto recursório o Tribunal da Relação. Essa regra de irrecorribilidade é, no entanto, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Cód. Proc. Civil, ou seja, quando estejam em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, decisão proferida contra a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados.

Não se verificando qualquer uma destas situações especiais permissivas da revista «atípica», cujo objectivo é garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo mais Alto Tribunal os conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, de acordo com a regra geral, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça[1], não será de admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tendo por objecto o acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso, de plena jurisdição, previsto no artigo 39º do Código da Propriedade Industrial.

A presente revista tem por fundamento precisamente a oposição de julgados, impondo-se, por isso, verificar se ocorre essa condição de admissibilidade do recurso, que, frise-se, não é também prejudicada pela limitação recursória decorrente da dupla conforme (artigo 671º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil)[2]. A contradição aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 629.º do Cód. Proc. Civil,  pressupõe a pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a questão de direito fundamental só é a mesma quando, por um lado, incida sobre idêntico (ou, em larga medida, coincidente) núcleo factual e, por outro, a sua subsunção, em termos de interpretação e aplicação dos mesmos preceitos haja sido efectuada de modo oposto ou, pelo menos, diverso[3]. Além disso, a oposição terá de ser frontal e incidir sobre decisões expressas relativamente a concreta questão, não abrangendo os argumentos ou fundamentos utilizados, nem sendo suficiente a oposição meramente tácita ou sequer uma diversidade implícita ou pressuposta[4].

Posto isto, cotejemos, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (o proferido pela Relação de Lisboa, em 15.12.2016, no processo n.º 26/16.2YHLSB.L1, cuja certidão constitui fls. 380 a 411), a fim de neles descortinar razões de identidade que, a ser aplicável o citado preceito adjectivo, conduzirão à admissão do recurso.

No acórdão recorrido, o quadro factual considerado como demonstrado foi já atrás elencado e, quanto à dilucidação se a marca registanda imita ou se confunde com a da recorrente, ou do seu logótipo, gerando concorrência desleal – nele se discorreu do seguinte modo:

Na composição das marcas vigora o princípio da liberdade, limitado, porém, por duas ordens de razões: uma delas diz respeito aos sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca (limites intrínsecos); outra, diz respeito aos sinais confrontados com situações anteriores, caso de existência de marcas anteriormente registadas para produtos ou serviços afins (limites extrínsecos).

Neste contexto, o registo será concedido se estiverem verificados os requisitos formais (enunciados os arts. 233º e 234º, do CPI e no Regulamento (CE) nº 207/2009, de 27/2/2009) e substanciais de proteção que, por sua vez, podem classificar-se em absolutos (visando garantir que o sinal registando é apto a desempenhar a sua função distintiva e indicativa para uma determinada categoria de produtos ou serviços) e relativos (dirigidos à salvaguarda dos direitos de terceiros constituídos anteriormente).

Nesta conformidade, sob pena de violação do denominado princípio da verdade da marca, deve ser recusado o registo de marcas que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos:

- Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que se destina (al. l), do art. 239º, do CPI);

- Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (al. m), do art. 239º, do CPC).

Relativamente à existência de direitos anteriores, outros fundamentos podem ainda justificar a recusa do registo da marca. Efetivamente, o sinal a registar deve gozar de novidade relativa, face aos sinais distintivos que gozem de prioridade e respeitar ainda outros direitos de terceiros (direitos de autor, direitos de personalidade, direitos de propriedade). Além disso, não deve contribuir para facilitar a prática de concorrência desleal.

Consignam-se, assim, os denominados princípios da novidade e especialidade da marca, isto é, para excluir a novidade da marca exige-se que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor médio, mas também que se reportem aos mesmos (ou a semelhantes) produtos ou serviços. Isto é:

Na comparação entre duas marcas ou entre uma marca e outro sinal distintivo prioritário, a identidade ou afinidade dos sinais deve em primeiro lugar aferir-se em função dos produtos ou serviços a que se destinam, sendo necessário que estes se situem o mesmo mercado relevante, de modo a permitir uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os oferecem ao público. Ou seja, exige-se que entre os produtos ou serviços se verifique o que se costuma designar por elasticidade cruzada da procura.

Na aferição da novidade, não pode ainda olvidar-se que a comparação que define a semelhança se verifica entre um sinal e a memória que o consumidor possa ter de outro.

Com efeito: “O consumidor quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro, que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido, pela marca que o assinala, que é aquele que retinha na memória.”  Por isso, “é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas”, já que “o que importa ter em conta é a impressão global, de conjunto própria do público consumidor, que, desvalorizando pormenores, se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva. Quer dizer: “A imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca, e não pelas diferenças que poderiam resultar dos diversos pormenores considerados isolados e separadamente”.

Dito isto:

Estabelece-se no artigo 258.º do CPI que: “O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar no exercício de atividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor».

Por sua vez, estabelece-se no art. 245º, do mesmo Código que “a marca registada é imitada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:

a) a marca imitada tiver prioridade;

b) ambas as marcas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; e que

c) tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

Para efeitos da aferição do segundo requisito, importa ter presente o disposto no nº2, deste artigo, segundo o qual:

- Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe podem não ser considerados afins; e

- Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe podem ser considerados afins.

Como já se disse, mas nunca é demais lembrá-lo, a existência de risco de confusão deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores pertinentes, assumindo particular relevância a força distintiva do sinal”.

Acrescenta e concretiza, depois, que: “No caso em apreço a apelante é titular da marca nacional n.º 000047, de sinal misto, com reivindicação de cores: “preto, vermelho, amarelo, verde e azul-marinho”, destinada a assinalar, entre outros, os seguintes serviços: “serviços hoteleiros, snack-bares, bares e boîtes”, da classe 43ª por referência à Classificação Internacional de Nice.

É também titular do registo de logótipo n.º 00063, de sinal nominativo, “QUINTA DO LAGO”, requerido em 13-11-1979 e concedido em 24-01-1986.

Por sua vez, a apelada solicitou ao INPI, em 18-10-2013, o registo da marca nacional n.º 000013, de sinal verbal MARTINHAL QUINTA DO LAGO que foi recusado pelo INPI, decisão que a sentença ora recorrida não confirmou.

Confrontando as marcas em causa, e numa visão objetiva e de conjunto dos seus elementos integrantes, afigura-se-nos não haver semelhança gráfica, figurativa ou fonética entre a marca registanda e a marca anteriormente registada pela apelante.

Com efeito, e como bem refere o Tribunal a quo: Por um lado, temos a marca de sinal verbal, constituída por dois grupos de expressões verbais: MARTINHAL QUINTA DO LAGO. Por outro lado, temos a marca da ora apelante, de sinal misto/figurativo, constituída por uma única expressão verbal “Quinta do Lago”, escrita em cor preta, sob um elemento figurativo, de várias cores, que se assemelha à letra “Q” estilizada, com desenho de ondas na parte inferior.

Efetivamente, enquanto na marca da apelante a expressão “Quinta do Lago” aparece integrada no conjunto de outros sinais figurativos, na marca (nominativa) cujo registo foi solicitado pela apelada, a expressão comum “QUINTA DO LAGO” encontra-se associada a outro sinal verbal (MARTINHAL), de igual forma preponderante, sendo o conjunto assim formado que persiste na memória do consumidor e que empresta à dita marca individualidade distintiva. Acresce que nas alíneas c) e d) do nº1, do art. 223º, do CPI “tem-se em vista as marcas tradicionais (nominativas, figurativas ou mistas). Visam estas alíneas evitar que sejam monopolizadas como marcas expressões ou sinais indispensáveis à identificação de mercadorias ou necessárias para a identificação das suas qualidades e funções, ou cujo uso se vulgarizou. (…) Tratando-se de expressões meramente descritivas da realidade a que se reportam, devem poder ser, enquanto sinais genéricos, utilizados por qualquer um.”

Nesta perspectiva, estabelece-se no nº 2, do art. 223º, do CPI que os elementos genéricos (referidos nas als. a), c) e d), do nº 1) que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.

De entre os sinais descritivos assumem especial importância os nomes geográficos. Nestes casos, à marca composta por um nome geográfico só pode ser atribuída eficácia distintiva se a denominação geográfica assumir um valor autónomo de fantasia, demarcando-se da referência à proveniência do produto ou serviço.

Ora, in casu, as marcas são constituídas por sinais indicadores da «proveniência geográfica» dos produtos ou serviços prestados (QUINTA DO LAGO). Como já acima se referiu, ao nome geográfico só é reconhecida capacidade distintiva se for adoptado de forma fantasiosa, se sugerir de uma forma inabitual a origem do produto. Não é isso que se passa no caso dos autos, pois o nome geográfico é usado precisamente para assinalar que os produtos ou serviços marcados são oriundos ou prestados na Quinta do Lago, nome da localidade pertencente à freguesia de ..., Concelho de ... (cf. ponto 15, dos factos provados). Não se mostra, pois, verificado o pressuposto elencado na al. c), do art.º. 245º, nº1, do CPI.

Da mesma forma, pelas razões já acima apontadas, não constitui fundamento de recusa do registo o facto de a “Quinta do Lago” fazer parte do logótipo da Apelante ou integrar a sua denominação social da Apelante…(….). Mais alega que o registo da marca pela apelada é susceptível de constituir concorrência desleal, nos termos consagrados no artigo 317.º, n.º 1, alínea a), do CPI. A noção de concorrência desleal, tal como vem configurada no CPI, pressupõe a existência de: (a) um ato de concorrência; (b) a inconformidade desse ato com as normas e usos honestos; (c) de qualquer ramo de atividade económica.

Desta forma, se o ato praticado tiver por finalidade atrair a clientela, mas não for contrário a essas normas não haverá, evidentemente, concorrência desleal, ainda que, como consequência da sua realização, a empresa consiga, na verdade, obter maior clientela à custa da clientela alheia. O que caracteriza a concorrência desleal não é o resultado final obtido, mas os meios utilizados para o alcançar. Numa primeira aproximação conceptual, pode afirmar-se, como refere Carlos Olavo, que “ato de concorrência é aquele ato susceptível de, no desenvolvimento de uma dada atividade económica, prejudicar um outro agente económico que, por sua vez, exerce também uma atividade económica determinada, prejuízo esse que se consubstancia num desvio de clientela própria em benefício de um concorrente”. Como ensina Oliveira Ascensão «o ato de concorrência desleal é um ato que vai contra as normas e usos honestos de um ramo de atividade. Supõe assim uma relação económica ou profissional que se rege por essas normas ou usos honestos. A mera contrariedade ao interesse público não caracteriza esta relação básica. Doutra maneira, perdia-se a fronteira entre concorrência ilícita e a concorrência desleal, como modalidade qualificada de concorrência ilícita».

Ora, no caso em apreço, como se escreveu na sentença recorrida, para além de os elementos genéricos que compõem a marca da apelante não serem susceptíveis de apropriação exclusiva, a verdade é que a configuração do conjunto é insusceptível de confusão: a marca da apelante são sinais mistos, enquanto a designação utilizada pela apelada são meros sinais nominativos.

Nesta medida, sendo lícita a utilização pela apelada dos elementos genéricos que compõem a marca registanda, não se vislumbra o mínimo fundamento para considerar que há indícios de a apelada pretende fazer concorrência desleal ou de que tal é possível independentemente da sua intenção. (…)”.

Por sua vez, no acórdão fundamento tiveram-se por demonstrados os seguintes factos:

1. A recorrida[5] é titular do registo da marca nacional n.º 000047, de sinal misto, com reivindicação de cores: “preto, vermelho, amarelo, verde e azul-marinho”, requerido em 09-06-1999 e concedido em 27-07-2001.

2. Esta marca destina-se a assinalar, entre outros, os seguintes serviços: “serviços hoteleiros, snack-bares, bares e boîtes”, da classe 43ª por referência à Classificação Internacional de Nice.

3. A recorrida é titular do registo de logótipo n.º 00063, de sinal nominativo, “QUINTA DO LAGO”, requerido em 13-11-1979 e concedido em 24-01-1986.

4. A recorrida está registada na Conservatória do Registo Comercial de ..., usando a firma QUINTA DO LAGO – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, S.A., com sede em Quinta do Lago, ..., ..., ... - cf. fls. 205 verso.

5. A Sagrimar, Empreendimentos Turísticos, SA. solicitou ao INPI, em 18-10-2013, o registo da marca nacional n.º 000012, de sinal misto/figurativo, com reivindicação de cores: “verde” para “MARTINHAL e “cinzento” para Quinta do Lago”.

6. Esta marca destina-se a assinalar os seguintes serviços: “serviços de hotéis; reservas de hotéis; organização de alojamentos para férias; serviços de agência de marcação e/ou reserva de alojamento em hotéis; serviços de hotel, restaurante e abastecimento; serviços hoteleiros para o fornecimento de instalações para conferências, reuniões, exposições e/ou sessões de formação; fornecimento de instalações hoteleiras para exposições comerciais, feiras comerciais, conferências, congressos, palestras e/ou reuniões; serviços de bar; snack-bares; restaurantes; serviços de reservas de restaurantes; restaurantes (alimentação); infantários; creches; serviços de informações, de assessoria e de consultadoria relacionados com todos os serviços atrás referidos, incluindo esses serviços prestados em linha a partir de uma base de dados informática e/ou através de internet ”, por referência à classe 43ª da Classificação Internacional de Nice.

7. A recorrida, em 30-12-2013, deduziu reclamação à eventual concessão do registo da marca nacional n.º 000012 alegando que, com esta, se induzirá os consumidores em erro ou confusão podendo estes efetuar um juízo de associação do sinal reclamado aos seus sinais de comércio, existindo elevado grau de semelhança entre os sinais e afinidade de produtos assinalados, possibilitando situações de concorrência desleal.

8. A recorrente[6], em 27-02-2014, contestou tal reclamação alegando que os sinais são dissemelhantes e que apenas pretende tornar claro que o empreendimento turístico que irá explorar se situa na Quinta do Lago.

9. Por despacho de 06-11-2015, a Senhora Diretora da Direção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, indeferiu o pedido de registo de marca nacional n.º 000012.

10. Vigora em Portugal, desde 22-07-1991, a marca nacional n.º 000078 “HOTEL QUINTA DO LAGO”, de sinal verbal, da titularidade de GRAMPIAM - INVESTIMENTOS HOTELEIROS, S.A., assinalando “serviços hoteleiros”.

11. Vigora em Portugal, desde 01-08-1991, a marca nacional n.º 000056 “HOTEL QUINTA DO LAGO”, de sinal misto, da titularidade de GRAMPIAM - INVESTIMENTOS HOTELEIROS, S.A., assinalando “serviços hoteleiros”.

12. Vigora em Portugal, desde 05-01-2010, a marca nacional n.º 000026 “MONTE DA QUINTA RESORT - QUINTA DO LAGO - ALGARVE”, de sinal misto, da titularidade de MONTE DA QUINTA (PROPRIEDADES), S.A., assinalando “agências de alojamento [hotéis, pensões]; alojamento (agências de -) [hotéis, pensões]; alojamento temporário (aluguer de -); alojamentos temporários (reserva de -); aluguer de alojamento temporário; aluguer de salas de reuniões; aluguer de tendas; bar (serviços de -); berçários; cafés-restaurantes; cafeterias; campos de férias (serviços de -) [alojamento]; casas de férias; férias (casas de -); férias (serviços de campos de -) [alojamento]; hotéis (reserva de -); hoteleiros (serviços -); reserva de alojamentos temporários; reserva de hotéis; restaurantes para serviço rápido e permanente [snack-bares]; restaurantes [refeições]; restaurantes «self-service»”.

13. Vigora em Portugal, desde 07-12-2011, a marca mista nacional n.º 000026 a favor de MIN LEACH - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA.

14. Vigora em Portugal, desde 09-12-2011, o logótipo nº 00058 a favor de MIN LEACH - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA.

15. “(eliminado pela Relação, na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto)[7].

E sobre a questão solvenda, escreveu-se no acórdão fundamento: (...) A marca, o logótipo e a denominação social da Apelante gozam de prioridade relativamente ao pedido de registo da Apelada Sagrimar SA. (…..) Nos dois casos trata-se de serviços turísticos idênticos. (…..) As duas marcas têm assim em comum este elemento verbal “QUINTA DO LAGO” com total semelhança gráfica e fonética ou outra como seja a inserção no conjunto, que induz facilmente o consumidor em erro ou confusão sobre a s empresas. O consumidor deste tipo de produto é muitas vezes estrangeiro que, ao olhar as duas marcas e ao verificar que existe este elemento semelhante, intui tratar-se de empresa do mesmo grupo económico….(….) Isto significa que as duas empresas vão disputar no mesmo local a mesma clientela. O consumidor vai ser necessariamente confrontado com as duas marcas em oposição. (….) Em suma, o uso da marca da Apelada é susceptível de levar à prática de actos de concorrência desleal”. E, antes, na fundamentação para eliminar o ponto 15. do elenco factual, escreveu-se que: “Quinta do Lago é nome de praia, a par de outras como do Garrão, do Ancão, etc, em …, .... Na freguesia de … (….) avultam dois resorts, empreendimentos turísticos de renome nacional e internacional, quais sejam o de Vale de Lobo e o da Quinta do Lago..(…). A localidade da “Quinta do Lago” não é mais do que a área da freguesia de …, concelho de ..., de acesso reservado, onde está instalado o complexo do empreendimento urbano-turístico da “Quinta do Lago”, que coincide com os seus limites, e onde a Apelante, entre outros, tem a sua sede e estabelecimento ou estabelecimentos. Trata-se portanto de uma área condominial onde está instalado o complexo do empreendimento urbano-turístico da “Quinta do Lago”…(….) “Quinta do Lago” foi uma designação de fantasia criada por AA para baptizar e publicitar o conceito de turismo que concebeu naquele espaço algarvio (….)”. 

Concluído este excurso, verifiquemos, então, se, como alega a recorrente, se pode considerar que, com base em factos, que são essencialmente idênticos se aplicou diferenciadamente o regime de proteção de que gozam as marcas e demais distintivos de comércio consagrado no Código da Propriedade Industrial.

Note-se, antes de mais, que para além da já assinalada diferença, no tocante ao ponto 15. do elenco factual, que se manteve no acórdão recorrido e foi eliminado do acórdão fundamento, existe outra diferença importante, incidente sobre as marcas: no primeiro está em causa uma marca de sinal apenas verbal/nominativo, inscrita sobre um fundo cinzento inócuo, por confronto com a de sinal misto/figurativo, de várias cores, a imitar uma espécie de ondulação, enquanto no último esteve em causa o confronto entre esta e outra também de sinal misto/figurativo, com duas cores. Pode, pois, dizer-se que a razão de ser para as discrepantes soluções a que chegaram os acórdãos em tela radica no respectivo substrato fáctico que não é idêntico. 

Neste contexto, face aos factos provados elencados no acórdão recorrido e no acórdão fundamento (que, como se disse, constituem os mais salientes pontos de contacto entre os casos decididos numa e noutra decisão) e atentando nas particularidades acima focadas, não se pode considerar, como sustenta a recorrente, que são idênticos os feitos a que se referiram os arestos em cotejo.

Deste modo, apesar de se ter como certo que, em ambos os arestos, se interpretaram as mesmas normas jurídicas – essencialmente, o disposto nos artigos 222º, 223º, 239º, 242º, 245º, 258º e 317º do Código da Propriedade Industrial –, não se pode deixar de reconhecer que existem diferenças não menosprezáveis entre a factualidade considerada num e noutro acórdão. E, sendo assaz díspares os factos em causa, jamais se poderia considerar que as referidas normas foram interpretadas e/ou aplicadas em sentidos opostos ou sequer diversos naquelas decisões.

Tudo isto para dizer, em suma, que inexiste o invocado fundamento (oposição de julgados) em ordem a abrir a porta recursória de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, através da via especial, caindo, assim, por terra a interposta revista, por inadmissível, arrastando na queda todas as restantes questões que a recorrente lhe acoplou.

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Pode, assim, concluir-se, em síntese, que:

1 - Em regra, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito do recurso, de plena jurisdição, previsto nos artigos 39º e ss. do Código da Propriedade Industrial.

2 - Essa regra de irrecorribilidade, fixada no artigo 46º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente a contradição de julgados.

3 - A contradição de julgados aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além de mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito.

4 - A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos sido feita de modo diverso.

5 - A inexistência do fundamento invocado (contradição de julgados) em ordem a permitir a revista «atípica», obsta a que dela se tome conhecimento.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se que é inadmissível o recurso interposto e consequentemente dele não se toma conhecimento.

Custas pela recorrente.

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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 14 de Setembro de 2017

António Piçarra - Relator

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Cfr, neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.09.2014 (processo 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1), de 02.06.2015 (processo 149/14.2YHLSB.L1.S1) e de 24.11.2016 (processo 1655/13.1TJPRT.P1.S1), acessíveis através de www.dgsi.pt, e António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, págs. 58 e 59.
[2] Cfr, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, obra citada, págs. 55 e 56.
[3] Cfr, neste sentido, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116, José Lebre de Freitas/A. Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição., Tomo I, Volume 3.º, pág. 17 (por referência a anterior versão do CPC, mas ainda actualizadas), e António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 58 e 59
[4] Cfr, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 58 e 59, Luís Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos Recursos, 2009, pág. 315, e, entre outros, os acórdãos do STJ de 13.07.2010 (processo 4210/06.9TBGMR.S1), de 18.04.2012 (processo 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1), de 20.11.2014 (processo 7382/07.1TBVNG.P1.S1), de 20.05.2015 (processo 321/12.0YHLSB.L1.S1) e de 13.09.2016 (processo 671/12.5TBBCL.G1.S1), acessíveis através de www.dgsi.pt.
[5] Recorrente neste processo.
[6] Recorrida neste processo.
[7] Tinha a seguinte redacção: “Quinta do Lago” constitui o nome da localidade onde se situam aldeamentos turísticos pertencentes à freguesia de Almancil, concelho de Loulé, no Algarve, cf. fls. 44 e ss., 59, 61, 63 e ss, 82 e ss..