Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1202/15.0T8BJA-A.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CITAÇÃO PESSOAL EM PESSOA DIVERSA DO CITANDO
PRESUNÇÕES
LOCAL DA CITAÇÃO
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS EM GERAL / NULIDADES DOS ACTOS / ACTOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 188.º, N.º 1, ALÍNEA E), 191.º, N.º 1, 225.º, N.º 4 E 230.º, N.º 1.
Sumário :
I. Na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece duas presunções juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento, cf. artigos 225.º, n. º4, e 230.º, n. º1, do CPC.

II. No entanto, a carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, e se for recebida por um terceiro que não se encontre num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e o consequente recebimento pelo destinatário, não havendo lugar à aplicação das presunções.           

III. No caso, a carta não foi enviada para a residência ou local de trabalho do citando mas para um outro local onde vivia a tia do réu a quem foi entregue a carta de citação, pelo que não se verificam as presunções que impunham ao citando a sua ilisão.

IV. Persistindo a dúvida se o réu teve ou não conhecimento da citação deve concluir-se pela nulidade da citação, por força dos artigos 188.º n.º1 e) e 191.º n.º1, do CPC.  

Decisão Texto Integral:                 
Acordam no Supremo Tribunal de justiça


                                     

Na acção executiva, instaurada pela AA, S.A. contra BB, que tem por título executivo uma sentença condenatória, veio este deduzir oposição mediante os presentes embargos de executado, pedindo a extinção da execução.

Alega factos relativos à falta de citação na acção declarativa de que emerge o título executivo, entendendo que este deve ter-se como inexistente.

        

Foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente os embargos entendendo que o embargante/executado não ilidiu, como lhe competia, a presunção de que a citação lhe foi entregue, assim como não se verifica a prescrição invocada.

O Embargante, inconformado, interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência revogar a sentença recorrida e, nessa conformidade, em julgar procedente a oposição à execução e extinta a execução.

A Embargada/exequente, inconformada, interpôs o presente recurso de revista com as seguintes Conclusões:

1. O douto Tribunal a quo incorre em erro na aplicação e interpretação dos artigos 225.º, n.º 3 e 230.º, n.º 1 do CPC, ao entender não se poder concluir pela validade e eficácia da citação do ora Recorrido para a acção declarativa, uma vez que “as premissas que possibilitavam, com recurso à presunção, concluir desse modo, não se encontram verificadas, atendendo a que a carta com vista à citação do ora recorrente não foi enviada para o local da sua residência”.

2. Em primeiro lugar, importa notar que a morada para a qual foi enviada a carta destinada à citação do Réu, a saber, R............. São ...., correspondia à morada que a Recorrente conhecia como residência do ora recorrido.

3. Sendo certo que nem a carta remetida com vista à sua citação, nem as cartas subsequentes de i) advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa, ii) notificação da sentença proferida na acção declarativa em apreço, iii) nota de custas de parte e iv) reforma de custas de parte- – todas elas remetidas para a Rua de S............- vieram devolvidas.

4. Não tendo sido dado, pelas pessoas que as recepcionaram, qualquer alerta ou indicação, no sentido de não ser aquela a morada do ora recorrido ou de o mesmo nela já não residir.

5. É precisamente neste ponto que a situação de facto dos presentes autos se demarca daquela que serviu de base ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2011, proc. n.º 2718/08.0TBOER-A. L1-7 já que, neste caso, as cartas de citação – ainda que abertas - foram devolvidas com a menção “encontra-se no estrangeiro”, assim suscitando a questão da eventual não citação do Réu.

6. Mais, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa distancia-se ainda da situação do nosso caso concreto pela circunstância da relação de proximidade do citando com o terceiro que recepcionou a carta de citação - a saber, militar em serviço na base da NATO de Oeiras - não ter o mínimo de correspondência com a que se estabelece – de forma muito mais estreita - entre o ora Recorrido e a sua tia, o que obsta a afirmar, neste último caso, ser plausível que o ora Recorrido não tenha tido conhecimento do conteúdo do acto de citação.

7. De facto, ainda que a tia do Recorrido tenha esclarecido, em sede de audiência de julgamento, que não lhe entregou pessoalmente a carta, certo é que recebeu na suposta antiga morada do sobrinho, a colocou no local onde era habitual deixar a

correspondência destinada ao mesmo, e a verdade é que a referida missiva já lá não se encontra.

8. É assim evidente que o citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa versa sobre uma situação de facto distinta daquela que enforma os presentes, afigurando-se perigosa e, por esse motivo, indesejada, a transposição, quase que integral, operada pelo douto Tribunal a quo, das soluções de direito apresentadas no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

9. Em face do exposto, se o que realmente importa, para efeitos de aplicação da presunção contemplada nos artigos 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC, é que “o patamar de convencimento atinja um nível algo superior àquele que correntemente se recorre na abordagem judiciária” de que o terceiro estava em condições de prontamente entregar a carta ao citando e, assim, a “suposição razoável” de que essa entrega teve lugar e o citando teve oportuno conhecimento do acto, não se vislumbra qualquer justificação materialmente bastante para se afastar o funcionamento dessa presunção no caso concreto.

10. Não sendo minimamente satisfatória a tese acolhida pelo Tribunal a quo, ao justificar o não operar desta presunção no simples facto de a tia do ora recorrido não se encontrar na residência actual deste último.

11. De resto, sempre se diga que, à luz das regras de experiência comum e padrões de normalidade, não é crível que o ora recorrido não tenha tido conhecimento de nenhuma das missivas recepcionadas naquela morada, Rua d............., n.º ..........

12. Em face do que ficou exposto, tendo a tia do ora recorrido recebido a mencionada carta e assinado o respectivo aviso de citação, opera assim a presunção consagrada nos artigos 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC, considerando-se efectuada a citação, na pessoa do citando, no dia 02-09-2015, supondo-se que aquela foi oportunamente entregue ao destinatário.

13. Presunção que não logrou ilidir como, aliás, confirmou o douto Tribunal a quo.

14. Termos em que o presente recurso deverá proceder in totum, revogando-se o acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo e julgando-se improcedente a oposição à execução apresentada pelo ora recorrido, com que se fará a acostumada Justiça.

 

     Não foram apresentadas contra-alegações.

        

Colhidos os vistos legais.  

  Cumpre apreciar e decidir

Tal como resulta das conclusões do recurso de revista, que delimitam o seu objecto, a única questão suscitada é relativa à citação do embargante na acção declarativa donde emerge a sentença condenatória que constitui o título executivo e suas consequências.

        

Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. Em 19.07.2012 a embargada notificou judicialmente o embargante, para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1 do CC, informando que pretendia fazer valer judicialmente o seu direito de reembolso relativamente aos montantes pagos por força da resolução de um sinistro, no caso de se vir a gorar a resolução extrajudicial do mesmo;

2. Nessa data o embargante residia na Rua da........, n.º ..., em São .....;

3. Em 11.07.2015 a embargada intentou contra a embargante acção declarativa de condenação, pedindo a condenação daquele no pagamento da quantia de € 890.855,38, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;

4. Em 01.09.2015 foi expedida a citação do embargante para a Rua de ...... n.º ..., ........ ......;

5. O aviso de recepção foi assinado em 02.09.2015 por CC e do mesmo consta que “Este aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário”;

6. Em 17.09.2015 foi expedida carta registada dirigida ao embargante, remetida para a R....... n.º... 7... São ..., com o assunto Advertência em virtude de a citação não ter sido feita na própria pessoa;

7. O embargante não apresentou contestação;

8. Em 01.07.2016 foi proferida sentença, que condenou o embargante no pagamento peticionado pela embargada;

9. Em 12.04.2017 a embargada intentou, contra o embargante, execução para pagamento de quantia certa, fundada na sentença proferida na ação declarativa;

10. Na data em que foi efectuada a citação o embargante não residia na Rua ............... São  ---      

Foi considerado não provado o seguinte facto:

   a) O embargante não recebeu a citação ou notificação indicada em 5.

Fundamentos de direito

      Como se referiu, a única questão a apreciar é relativa à citação do embargante/réu na acção declarativa donde emerge a sentença condenatória que constitui o título executivo em causa.

      O Tribunal da 1ª instância, com base na matéria apurada e pelo facto de não se ter provado que o embargante não recebeu a citação relativa à acção declarativa concluiu, em face das presunções previstas nos artigos 225.º, n.º4, e 230.º, n.º1, do CPC, que a citação é válida e foi eficaz.

O Tribunal da Relação de Évora, contrariamente, considerou não se poder concluir pela validade e eficácia da citação do embargante/recorrido na acção declarativa, uma vez que “as premissas que possibilitavam, com recurso à presunção [artigos 225.º n. º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC], concluir desse modo, não se encontram verificadas, atendendo a que a carta com vista à citação do ora recorrente não foi enviada para o local da sua residência.

      

A Recorrente/embargada discordou deste entendimento, tendo suscitado a questão a apreciar.  

Vejamos então

A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender – art.219º, nº1 do CPC, constituindo, assim, o garante da salvaguarda do contraditório e de uma efectiva tutela jurisdicional.

A forma mais usual de citação pessoal é a citação por via postal, efectuada por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, como decorre do disposto nos arts 225.º, nº 2, alínea b) e 228.º, n. º1 do CPC.

A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando - art.228.º, n. º2 do CPC.

A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, art.225.º, n.º 4 do CPC, tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário - art.230.º, nº1 do CPC.

Assim, na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece, em ambos os preceitos, uma presunção juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento - factos que a lei tem por apurados e que só cedem mediante prova em contrário por parte do interessado, nos termos do art.350.º, nº2 do Código Civil, ou seja, pelo convencimento jurisdicional de que, embora toda a regularidade formal do acto, a carta não foi oportunamente entregue ao citando, ou então, este não teve efectivo conhecimento da mesma, em qualquer dos casos, em circunstâncias devidas a factos que não lhe são imputáveis. E, só na medida em que forem ilididas as referidas presunções é que se pode considerar verificado o vício da falta de citação, ao abrigo do art.188.º, nº1, alínea e) do CPC.

Todavia, o funcionamento das presunções que subjazem às disposições dos referidos artigos 225.º, n.º4, e 230.º, n.º1 do CPC, só serão possíveis de

ocorrer se a entrega da carta para citação, pelo distribuidor do serviço postal, a pessoa diversa do citando, cumpra todos os pressupostos formais dessa entrega, designadamente, a de ser feita nos locais referidos no art.228.º, n.1 do CPC. A carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, mas se for entregue a terceira pessoa, também, esta deverá encontrar-se nos mesmos locais (residência ou local de trabalho do citando), exigência que se justifica, como se refere no acórdão recorrido, face às ilações de natureza substantiva que as carências de uma citação judicial são passíveis de acarretar na esfera jurídica da parte.

Na verdade, o próprio art.224.º, n.º1 do CPC, sobre o lugar da citação, prevê que ela se possa fazer em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, o citando, na sua residência ou local de trabalho, pelo que a especificidade da citação feita em pessoa diversa, ao abrigo do art.228.º, n.º 2 do CPC, também, só será viável se o terceiro se encontrar na residência ou local de trabalho do citando. Com efeito, se o terceiro que recebe a carta de citação não se encontrar num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e consequente recebimento pelo destinatário, não ocorrendo, assim, as aludidas presunções.        

    No caso em apreço, resultou provado:

 - Em 01.09.2015, na aludida acção declarativa, foi expedida a citação do embargante para a Rua ............... 7...... São ....., tendo o aviso de recepção sido assinado em 02.09.2015 por CC e do mesmo consta que “Este aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário”,

- Na data em que foi efectuada a citação o embargante não residia na Rua ............... ......São .....

- O executado/embargante não apresentou contestação.

      Resultou assim apurado que, na acção declarativa, a carta para citação do réu/embargante não foi endereçada para a sua residência ou local de trabalho, mas para um outro local que corresponderia, segundo as alegações do Recorrente, ao alegado local da anterior residência do réu/embargante. Sendo que o ónus da correcta identificação do réu, com a particular indicação do seu domicílio e local de trabalho, compete ao autor da acção – art.552.º, nº 1, al. a) do CPC.

       Ora, como se referiu, a carta não foi enviada para a residência ou local de trabalho do citando mas para um outro local, onde se apurou que vivia CC (tia do réu) a quem foi entregue a carta de citação. Assim, tendo a referida carta sido entregue e recebida por uma terceira pessoa, num outro local que não a residência ou local de trabalho do citando, não se impunha a este qualquer ónus por não haver lugar às presunções que importariam ao citando a sua ilisão.    

Por outro lado, resulta da matéria apurada uma ambiguidade no que respeito a saber se o destinatário da citação chegou, ou não, a ter conhecimento desse acto, dado que não resultou provado se a embargante recebeu ou não a citação. A dúvida persiste pois não se apuraram factos no sentido de se poder concluir, com um nível de certeza bastante, que o citando teve conhecimento do conteúdo da citação.

A prática do acto de citação foi, assim, inquinada pela preterição de formalidades prescritas na lei, permitindo desonerar o citando de qualquer ónus probatório. Deste modo, como bem se concluiu no acórdão recorrido, a citação padeceu de nulidade, por força dos artigos 188.º n.º1 e) e 191.º n.º1, do CPC, o que é suficiente para comprometer a valia do acto e, desse modo, fazer integrar a previsão do art.729.º, al. d) do CPC, que consubstancia um dos fundamentos de oposição à execução baseada na falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.

Assim sendo, contrariamente às alegações da Recorrente, não operou a presunção do conhecimento da citação, tal como estabelecida nos citados artigos 225.º, nº4 e 230.º, nº1 do CPC, persistindo a dúvida que compromete a citação do réu na acção declarativa onde se gerou a sentença exequenda, dando viabilidade à oposição à execução, fundada no art.729.º, alínea d), do CPC, procedendo a oposição que conduz à extinção da execução.

Decisão

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso de revista interposto pela embargada/exequente e confirma-se o acórdão recorrido. 

  Custas pela recorrente.

Lisboa,  06 de Junho  de 2019

Paula Sá Fernandes (Relatora)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo Geraldes