Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
234/11.2TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
DANO EMERGENTE
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO DE EMBARCAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO FRETE DE OUTRA EMBARCAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 562.º E 566.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 22-11-2012, PROCESSO N.º 110/2000, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. No âmbito da responsabilidade civil contratual é indemnizável, como dano emergente, o custo suportado pelo credor com o fretamento de uma embarcação para substituir a única embarcação que detinha e que sofreu danos que obrigaram à sua paralisação no âmbito da execução de um contrato de docagem e de reparação naval.

II. Para o apuramento do montante global do prejuízo, mediante a ponderação da “compensatio lucri cum damno” torna-se necessária a demonstração de factos que revelem a existência de um diferencial em benefício do credor.

III. Tal não se verifica se apenas se apurou que o credor procedeu ao fretamento de uma embarcação e que, por isso, teve de proceder ao pagamento do respetivo frete.

Decisão Texto Integral:
I – Numa ação que AA, S.A., moveu contra a REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, tendo por objeto a responsabilidade civil contratual conexa com danos que ocorreram no âmbito de uma operação de docagem e de reparação naval, foi formulado um pedido de indemnização que a 1ª instância fixou em de € 438.957,28.

A A. recorreu para a Relação que lhe reconheceu o direito de indemnização adicional correspondente ao custo do fretamento de uma embarcação para o exercício da atividade que era desempenhada com a utilização da sua embarcação que sofrera os danos e relativamente ao período em que esteve imobilizada para sua reparação.

A R. interpôs recurso de revista no qual apenas coloca em causa o acórdão da Relação, na parte em que reconheceu à A. o direito de indemnização com base no custo do fretamento de uma embarcação de substituição, suscitando a esse respeito a seguintes questões:

- Nulidade do acórdão por falta de indicação da fundamentação de direito;

- Saber se os custos de fretamento de um navio de substituição são indemnizáveis, por constituírem um dano, ou se, para o efeito, a A. teria de alegar outros factos reveladores dos prejuízos causados.


II – Matéria de facto que é relevante para o recurso de revista:

1. À data do acidente, a A. explorava comercialmente a sua única embarcação, a BB, e inicialmente estava previsto que os trabalhos de reparação durariam pelo menos cerca de 2 meses (95º da b.i.);

2. A A. fretou a embarcação CC à DD, Lda, para continuar a exercer sua atividade de extração de areias, enquanto a embarcação BB se encontrava a reparar (96º da b.i.);

3. Entre Maio de 2009 e Outubro de 2009 a A. pagou à empresa DD, Lda, as quantias discriminadas nas faturas abaixo indicadas:

Nome         Data da fatura       N° da fatura         Valor

DD Ldª                15.05.09                130             12.693,90

DD Ldª                29.05.09                134             684,00

DD Ldª                09.06.09                136             12.759,45

DD Ldª                26.06.09                141             12.779,40

DD Ldª                30.06.09                146             1.368,00

DD Ldª                09.07.09                149             12.656,85

DD Ldª                31.07.09                155             12.488,70

DD Ldª                31.07.09                157             1.368,00

DD Ldª                19.08.09                164             12.012,75

DD Ldª                19.08.09                165             684,00

DD Ldª                09.09.09                172             12.688,20

DD Ldª                25.09.09                177             684,00

DD Ldª                21.10.09                182             12.913,35

DD Ldª                21.10.09                183             684,00 (98º da b.i.);

4. Com a embarcação CC, entre os meses de Maio e Novembro de 2009, a A. efetuou 9 descargas, com o volume de 2.020 m3 cada uma, num total de 18.180 m3 de areia extraída, sendo que com a embarcação BB a A. fez, entre Janeiro e 6-4-09, 11 descargas, com o volume de 1.290 m3 cada uma (159º da b.i.).


III – Decidindo:

1. Parece-nos evidente que não pode proceder a revista, devendo ser confirmado o acórdão recorrido.

Quanto à alegada falta de fundamentação, dir-se-á que numa ação em que se encontra estabilizada a decisão de mérito relativamente aos danos principais, ou seja, relativamente às despesas que importou a reparação do navio que sofreu os danos no decurso da execução do contrato de docagem e de reparação naval, com invocação do instituto da responsabilidade civil contratual, a parcela indemnizatória que está em causa relacionada com os danos suplementares correspondentes ao custo do fretamento de um outro navio obedece às mesmas regras de direito cuja enunciação, assim, parece dispensável tanto nas alegações como no acórdão que apreciou o recurso de apelação.

Em segundo lugar, não apresenta efetivo relevo a discussão em torno da qualificação jurídica do “custo adicional” correspondente ao montante pago pelo fretamento de uma embarcação alternativa para o exercício da atividade de extração de areias.

Na verdade, para todos os efeitos e para o que realmente interessa, não há dúvida alguma de, dentro das regras da responsabilidade civil contratual em que nos situamos, estamos perante uma despesa que apenas foi realizada pelo facto de a embarcação da A. ter sofrido um acidente que obrigou à sua imobilização para reparação.

Trata-se de um dano emergente (e não de lucro cessante) relativamente ao qual estão presentes todos os pressupostos da responsabilidade que obrigam a R. à sua indemnização, com especial destaque para o nexo de causalidade.

O custo do fretamento de um navio de substituição do acidentado teve em vista a obtenção de lucros que poderiam derivar do prosseguimento da atividade de extração de areias a que a A. se dedicava e se dedica. Não fora o acidente que afetou a embarcação da A., este teria a oportunidade de prosseguir com a mesma atividade sem necessidade de efetuar a despesa suplementar que teve de arcar para evitar os prejuízos que a imobilização da sua única embarcação determinaria.

Com as devidas proporções e adaptações, não existe qualquer diferença entre a situação dos autos (fretamento de uma embarcação para substituição de outra que carecia de reparação) e aquela - muito mais frequente em ações de responsabilidade civil automóvel e cuja solução é pacífica – em que se trata de ressarcir os custos do aluguer de um veículo para substituir outro veículo que o lesado utilizava para o exercício de alguma atividade comercial ou industrial, como forma mais aproximada de alcançar a reconstituição natural, nos termos do art. 562º do CC.

Nestas situações ninguém coloca em causa que a reconstituição natural da situação em que o lesado ficaria se não tivesse ocorrido o evento passa precisamente ou pela atribuição de um veículo de substituição durante o período de reparação (art. 562º do CC), ou pela atribuição de um valor correspondente ao custo de um veículo que porventura seja alugado pelo lesado para desempenhar as mesmas tarefas que desempenhava o veículo sinistrado (art. 566º do CC). Conclusão ainda mais evidente quando se trata, como acontece com a embarcação em causa, de um ativo (o único ativo, aliás) utilizado para o exercício de uma atividade lucrativa.


2. Por certo que com o fretamento da embarcação a A. procurou manter a sua atividade lucrativa, mas é precisamente a despesa correspondente que deve ser indemnizada, uma vez que se a A. não tivesse tomado essa iniciativa poderia imputar à R. os lucros cessantes conexos com a situação de inatividade da única embarcação que detinha para o exercício da sua atividade.

Não existe razão alguma sequer para qualquer operação de redução desse montante mediante a consideração da compensatio lucro cum damno.

Se acaso a R. considerava que o prejuízo da A. não correspondia àquele montante e que, para o efeito, deveriam ser considerados eventuais ganhos que a A. obteve com a operação de fretamento de uma embarcação (, deveria ter alegado ou provado os factos respetivos v.g. maior capacidade da embarcação para a extração de areias, menor custo de navegação, etc.), sendo manifestamente insuficiente para o efeito a prova de que num determinado período temporal (Maio a Novembro de 2009) a A., com a sua embarcação, conseguiu um determinado volume de extração de inertes e que com a embarcação por si fretada conseguiu, num outro período (Janeiro de 2009 a 6-4-09), um volume superior.

Em sede de fixação da indemnização devida por responsabilidade civil contratual ou extracontratual a compensatio lucro cum damni corresponde a matéria de exceção que deve ser integrada por factos cujo ónus de alegação e de prova recai sobre a parte que a invoca, sendo manifestamente insuficientes aqueles que se apuraram para considerar procedente tal defesa.

É esta, aliás, a jurisprudência deste Supremo que designadamente e extrai do Ac. de 22-11-12, 110/2000, www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que “na atividade de alegação e prova dos factos relevantes para se aferir, já não da existência jurídica do direito de indemnização, mas do objeto, conteúdo e montante concreto da obrigação de indemnizar -nomeadamente para aplicação dos cálculos informadores da teoria da diferença contida no art. 566º, nº 2, do CC - recai sobre o lesante o ónus de alegar e provar os factos, favoráveis à oposição ou contestação que deduziu, que são determinantes de uma redução do valor normal da indemnização pretendida pelo lesado – nomeadamente, os que estão subjacentes ao instituto da compensatio lucri cum damno, provando quais as concretas vantagens que o lesado teria auferido em consequência do facto danoso, determinantes de uma redução do valor indemnizatório peticionado”.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da Recorrente.

Notifique.


Lisboa, 7-6-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo