Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
251/09.2TYVNG-H.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO A FAVOR DA MASSA
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
PEDIDO RECONVENCIONAL
DEFESA POR EXCEPÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE - RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO - ESPÉCIES DE ACÇÕES - INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I., 115/117; Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 222/223; Lições de Processo Civil, 1º, 207.
- Antunes Varela, “Linhas Fundamentais do Anteprojecto do novo Código de Processo Civil”, RLJ, Ano 121º/14.
- Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. 1, 130/131.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2ª edição, 2013, 303/305, 563.
- Castro Mendes, Limites Objectivos Do Caso Julgado Em Processo Civil, 1967, 303.
- Colecção PLMJ, “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas”, Anotado, 2012, 128/129.
- Gravato de Morais, Resolução Em Beneficio Da massa Insolvente, 2008, 41, 164.
- José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume 1º/19.
- José lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol 2º, 2001, 675.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 85.
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 210.
- Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 1993, 15.
- Ministério da Justiça, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, 2004.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 343.º, N.º1.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, NºS 1 E 2, 120.º, 123.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 274.º, AL. A).
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 7.º, N.º1.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 10.º, N.º3, ALÍNEA A), 266.º, N.º2, ALÍNEA A), 613.º, N.º3, 615.º, N.º1, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26 DE FEVEREIRO DE 2004, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 30 DE JANEIRO DE 2003 E DE 24 DE OUTUBRO DE 2006, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 21 DE FEVEREIRO DE 2006 E DE 14 DE NOVEMBRO DE 2006, IN SASTJ, SITE DO STJ.
Sumário :

I. A resolução em beneficio da massa insolvente aludida artigo 120.º do CIRE visa a reconstituição do património do devedor, fazendo reverter a seu favor todos os bens que por qualquer meio hajam sido dela retirados em seu prejuízo e dos respectivos credores.

II. Tal resolução pode ser efectuada extrajudicialmente pelo Administrador da Insolvência, através de carta registada com AR, devendo a mesma conter os elementos suficientes ao conhecimento pelo seu destinatário dos motivos pelos quais o negócio vai ser resolvido.

III. Embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos que a motivaram, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística.

IV. A acção de impugnação da resolução a favor da massa insolvente visa atacar a sobredita resolução nos precisos termos em que a mesma foi efectuada, não sendo permitido ao Administrador em sede de contestação vir alegar outra factualidade estranha à que estiver contida na carta resolutiva e por tal exceder o âmbito da acção, não podendo a defesa, assim organizada, ser levada em conta.

V. É de mera apreciação negativa a acção de impugnação da resolução a favor da massa, pois trata-se de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica concreta e precisa, paralela à das acções de impugnação de escritura de justificação notarial e com a qual não se pretende, não se visa e não se pode concluir, por uma qualquer condenação, pretendendo-se antes a declaração de que a resolução do contrato promessa feita a favor da massa insolvente não produziu qualquer eficácia.

VI. Nesta sede da simples apreciação, o âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito, pelo que se entende ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do Réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida, constituindo esta o contra ponto da posição do Autor ao pedir a declaração de inexistência do direito que o Réu se arroga.

VII. Se na reconvenção o Réu pretende ver declarada a eficácia da resolução por si efectivada através da carta enviada ao promitente comprador, tal pedido mostra-se inócuo, já que a improcedência da acção de simples apreciação negativa tem essa necessária consequência em termos prático-jurídicos, estando a coberto do caso julgado no que tange a tal constatação, tornando desnecessária qualquer outra providência por parte do Réu, maxime, a instauração pelo seu lado de uma acção de simples apreciação positiva.

VIII. Em tal sorte de acção, parece também não caber a defesa exceptiva.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I A, M, V, M S, M F e I, instauraram acção de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente ao abrigo do disposto no art. 125º do CIRE e por apenso ao respectivo processo de insolvência contra, a MASSA INSOLVENTE DE F & Cª, LDA, pedindo a revogação da resolução em benefício da massa do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a insolvente em 6 de Setembro de 2005 e respectivo aditamento ao mesmo datado de 17 de Setembro de 2007, cujo objecto é o prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua ….

Alegaram para o efeito e em síntese que em 20 de Novembro de 2009 receberam uma carta da Administradora da insolvência resolvendo em benefício da massa insolvente o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 6 de Setembro de 2005, resolução essa injustificada pois a mesma não consubstancia a alegação de qualquer facto, apenas uma mera remição para normas legais, não especificando em que termos aplica as normas nem explica o porquê da sua aplicação.

A Ré contestou e reconveio, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda do imóvel e respectivo aditamento, ou que se declare nulo, por simulação, ordenando-se a entrega imediata do imóvel em causa à massa insolvente.

Foi proferido despacho saneador que não admitiu o pedido reconvencional e que, julgando procedente a acção, declarou nula e de nenhum efeito a resolução operada pela Administradora de Insolvência.

Inconformada com tal despacho, a Ré Massa Insolvente dele interpôs recurso de Apelação o qual veio a ser julgado improcedente.

A massa Insolvente pediu Revista excepcional, invocando a oposição de Acórdãos, juntando vários Arestos fundamento, impugnação essa, que veio a ser admitida pela Formação a que alude o normativo inserto no artigo 721º, nº3 do CPCivil, na redacção de 2007, aí se entendendo, também, que atenta a junção plúrima de Acórdãos fundamento se teria em conta o deste Supremo Tribunal, se nada fosse dito em contrário, tendo a Recorrente, aliás e após a prolação daquela decisão, feito juntar certidão do mesmo, como resulta de fls 324 a 330.

Apresentou a Recorrente as seguintes conclusões:

- No dia 19 de Janeiro de 2013 foi proferida decisão pelo Tribunal de Comércio de … (1.º Juízo) no sentido de não admitir o pedido reconvencional deduzido pela Ré e julgar procedente a acção proposta pela Autora, declarando nula e de nenhum efeito a resolução enviada pela Administradora de Insolvência.

- Irresignada com a decisão, a Recorrente apresentou recurso de Apelação no Tribunal da Relação do Porto, alegando em síntese o cumprimento dos pressupostos legais exigidos para a resolução do negócio jurídico em benefício da massa insolvente, bem como os requisitos para a admissibilidade da reconvenção nos termos da alínea a) do artigo 266.º do Código de Processo Civil.

- Nesse âmbito, foi proferido o douto acórdão no sentido de negar provimento ao mesmo, confirmando a sentença recorrida, concluindo-se que “1.A falta de fundamentação da carta de resolução de acto prejudicial à massa determina a nulidade da mesma. 2.Na contestação a deduzir na acção de impugnação de tal acto resolutivo, não pode a massa deduzir pedido reconvencional exercendo o seu direito potestativo à resolução com fundamento em novos fundamentos ou pedindo a declaração de nulidade do negócio sob impugnação.”.

- Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com o douto Acórdão que ora se recorre, entende a Recorrente que no caso em apreço se depara com uma crassa violação da lei substantiva e violação ou errada aplicação da lei do processo de normas instituídas pelo nosso ordenamento jurídico, concretamente os artigos 120.º e 123.º ambos do CIRE, artigos 236.º e 436.º ambos do Código Civil e artigo 266.º do Código de Processo Civil.

- Sendo que, os tribunais superiores já se pronunciaram sobre a fundamentação legalmente exigível das cartas de resolução nos termos do artigo 120.º do CIRE, bem como a admissibilidade do pedido reconvencional nas acções de impugnação nos termos do artigo 125.º do ClRE, revelando-se contrárias ao acórdão que ora se recorre, concretamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2006, relatado por Sebastião Póvoas, processo n.º 06A945. (Artigo 14.º do ClRE)

- Acresce que o douto Acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos do artigo 615.º alínea c), por remissão do artigo 666.º do Código de Processo Civil que estatui é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

- O presente recurso terá assim como objecto: a fundamentação da carta de resolução em benefício da massa insolvente entregue pela Senhora Administradora de Insolvência aos Recorridos e a admissibilidade do pedido reconvencional entregue pela Recorrente.

- Os Recorridos receberam a carta da Senhora Administradora de Insolvência no dia 20 de Novembro de 2009, a resolver o contrato de promessa de compra e venda outorgado no dia 06 de Setembro de 2005 e seu aditamento outorgado no dia 17 de Setembro de 2007 referente ao prédio urbano rés-do-chão com garagem e logradouro, sito na rua …, descrito na conservatória do Registo Predial urbana sob o artigo …, inscrito sob artigo … em benefício da massa nos termos do artigo 120.º n.º1, 2, 3, 4, 123.º, 124.º e 126.º do CIRE.

- A Senhora Administradora de Insolvência apresentou a seguinte fundamentação para a resolução: A 21 de Maio de 2009, às 08,10 horas foi proferida sentença de declaração de insolvência da devedora ti F & C.ª, Lda.; Aí foi nomeada a Administradora de Insolvência a signatária da missiva; Entretanto em 6 de Setembro de 2005 e em 17 de Setembro de 2007 foi alegadamente outorgado um contrato promessa de compra e venda referente a um prédio urbano rés-do-chão e andar e uma garagem e logradouro, sito na rua …, descrito na conservatória do Registo Predial urbana sob o artigo …, inscrito sob artigo …; Que a promitente vendedora F & C.ª, Lda. já se encontrava no limiar da sua insolvência; Deste modo, a alegada outorga daquele contrato promessa, era um acto prejudicial à massa insolvente, pois diminuía (como diminuiu) a satisfação dos credores da insolvência, que desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do dito prédio; Assim, por ter legitimidade e estar em tempo (artigo 123 do CIRE) vem a administradora de insolvência, declarar para todos os efeitos legais, a RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE, do referido contrato-promessa de compra e venda. Deve, V. Ex.s de acordo com o artigo 126.º nº1 do CIRE, reconstruir a situação que existia se o ato não tivesse sido praticado, no prazo legal de 8 dias, restituindo à MASSA INSOLVENTE o património da insolvente com o respeito devido pelos direitos dos credores, sendo o prédio urbano, rés-do-chão e andar com garagem e logradouro sito na rua …, descrito na conservatória do Registo Predial urbana sob o artigo …, inscrito sob artigo …, a estes pertencentes e trazido ao acervo do património da insolvente. Acresce que, caso V. Ex.ª não declare apresentar e restituir o bem, alegadamente prometido vender à massa insolvente para os aludidos efeitos, designadamente a saber (prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro sito na rua …, descrito na conservatória do Registo Predial urbana sob o artigo …, inscrito sob artigo …) dentro do prazo fixado, serão aplicadas as sanções previstas na lei de processo para depósito de bens penhorados que falte à oportuna entrega deles, nos termos do artigo 126.º n.º3 do CIRE, pelo que proceder-se-á ao arresto de bens de V.Ex.ª para garantia do que seja o valor do prédio prometido vender, acrescido de custas e despesas, assim como instauração do respectivo procedimento criminal. De lembrar a V. Ex.ª que a declarada RESOLUÇÃO pressupõe a má fé de terceiro, a qual, porém, se presume neste caso, dado que se trata da prática de acto cuja pratica ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente e de se ter aproveitado empresa especialmente relacionada com a insolvente. (Cfr. Artigo 120.º n.º 4 e 5 alínea b) do CIRE.

- Analisada a carta de resolução enviada pela Senhora Administradora de Insolvência, ao abrigo do artigo 236.º do Código Civil, conclui-se que a declaração da resolução sustenta os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo que é a resolução em benefício da massa insolvente.

- Ora, constam da declaração de resolução factos concretos apresentados pela Senhora Administradora de Insolvência que sustentam os requisitos gerais previstos no artigo 120.º do CIRE designadamente: a) realização pelo devedor de actos ou omissões; b) prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente; c) verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência; e d) existência de má-fé do terceiro.

- Retenha-se que a Senhora Administradora de Insolvência indica e apresenta o documento que sustenta a declaração de insolvência da devedora, mencionando a sua data 21 de Maio de 2009;

- Alega a outorga do contrato-promessa de compra e venda e o seu aditamento a data de cada um e identifica de forma clara a fracção a que respeita, apresentando a respectiva certidão predial.

- Identifica a fracção autónoma que por via daquele acto está fora do acervo do património da massa insolvente, concretamente o seu valor, está assim alegada e fundamentada a prejudicialidade do acto para a massa insolvente.

- Mais refere que a presunção de má-fé de terceiro (situação iminente de insolvência, o carácter prejudicial do acto e de se ter aproveitado empresa especialmente relacionada com a insolvente).

- Ademais, não é exigível a fundamentação exaustiva pela Senhora Administradora de Insolvência quando resolve o negócio em benefício da massa insolvente.

- A carta resolutiva tem, por isso, de conter a fundamentação factual que determina a resolução, ou seja, tratando-se de resolução condicional a enumeração dos factos que traduzem a prejudicialidade para a massa e os que caracterizam a má-fé do adquirente, a não ser que este pressuposto seja dispensado, porque presumido, como ocorre nas situações a que alude a 2ª parte do nº4 do art. 120º do CIRE.

- A declaração de resolução que ora se aprecia cumpre ainda as formalidades previstas no artigo 123.º do CIRE.

- Acrescente-se que os Recorridos entenderam perfeitamente o alcance da declaração resolutória, como se constata do petitório que apresentaram.

- De salientar que, em consonância com o regime geral da resolução, no qual se consagra que a mesma se pode fazer por simples declaração à outra parte (cfr. art. 436º, nº 1 do Cód. Civil), esta norma não exige que a resolução se concretize através de acção judicial, bastando-se para o efeito com uma simples comunicação por carta registada com aviso de recepção.

- A resolução opera-se assim por meio de uma declaração unilateral, recepticia, que, neste caso, se funda na lei e que, para ser eficaz, tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo os seus efeitos logo que recebida/conhecida por este.

- Pelo que, a motivação apresentada pela Senhora Administradora de Insolvência revela-se suficiente e satisfaz as exigências previstas na lei para a resolução do contrato promessa de compra e venda e aditamento do prédio urbano rés-do-chão com garagem e logradouro, sito na rua …, descrito na conservatória do Registo Predial urbana sob o artigo …, em benefício da massa insolvente.

- Em relação ao pedido reconvencional apresentado pela Recorrente, estabelece na alínea a) do artigo 266.º do código de Processo Civil que “quando o pedido do réu emerge de fato jurídico que serve de fundamento à acção ou defesa” é admissível a reconvenção.

- Defende-se em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 27.04.2006 (proc. n.º 06A945) que “tratando-se de uma contra-pretensão uma nova acção dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do Autor” - E que a primeira condição de admissibilidade do pedido reconvencional imposta pela mencionada alínea a) pressupõe que este pedido assente na mesma causa de pedir da ação, ou seja, que ancore num fato jurídico (real e concreto) invocado pelo autor para fundamentar o direito que se arroga.

- E ainda que a invocação do réu, como meio de defesa, de acto ou facto jurídico com virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir a pretensão formulada pelo autor.

- A recorrente contestou defendendo-se por impugnação e por

excepção (peremptória), nesta última modalidade de defesa colocou em crise a validade do negócio celebrado entre o recorrido e a insolvente, designadamente a nulidade do contrato-promessa de compra e venda e do aditamento por simulação absoluta.

- Estão assim verificados os pressupostos substantivos necessários à admissibilidade da reconvenção, sem que se tenha que promover qualquer apreciação quanto ao seu mérito, o qual só poderá ser objecto da apreciação em momento ulterior.

- Ora no caso em apreço, constata-se que a recorrente alegou, para tanto, factos essenciais e instrumentais, que a provarem-se, poderão, eventualmente, conduzir ao acolhimento do seu pedido.

- Por isso, pese embora a natureza da presente acção (simples apreciação negativa) e o ónus da prova pertencer, como predito, à massa insolvente, pensamos que esta ré pode formular reconvenção, sendo esta admissível se o pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à sua defesa, como se entende ocorrer no caso dos autos.

- Admitida a reconvenção, importa que o processo prossiga, com a elaboração do despacho de condensação e subsequente instrução, com vista ao apuramento, em julgamento, da factualidade alegada pela ré/reconvinte.

- Ora, no entendimento da recorrente o douto Acórdão recorrido mune-se de uma parca fundamentação de direito aliada a uma errada interpretação da lei, está assim inquinado por nulidade nos termos do artigo 615.º alfnea c), por remissão do artigo 666.º do Código de Processo Civil que estatui é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. - Ademais, viola de forma crassa as normas substantivas estabelecidas quer no artigo 120,º e 123.º ambos do CIRE, quer as dispostas nos artigos 436.º e 236.º ambos do Código Civil e também a norma processual prevista no artigo 266.º do Código de Processo Civil.

- Sendo que está ainda em oposição às decisões consagradas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2006, relatado por Sebastião Póvoas, processo n.º 06A945.

Nas contra alegações os Autores pugnam pela manutenção do julgado.

II A questão que se coloca no caso sujeito é a de saber se em sede de acção de impugnação de resolução a favor da massa insolvente é ou não admissível a dedução, por banda do Administrador da massa insolvente, de pedido reconvencional.

 Foram declarados como provados os seguintes factos:

- Em 27 de Março de 2009, deu entrada o pedido de declaração de insolvência da devedora F & Cª, Lda.

- Em 21 de Maio de 2009 foi decretada a insolvência da devedora F & Cª, Lda..

- Por carta com A/R de 19 de Novembro de 2009 enviada aos Autores, a administradora da insolvência veio declarar a resolução em beneficio da massa insolvente do contrato promessa de compra e venda outorgado em 6 de Setembro de 2008 e aditamento ao mesmo em 17 de Setembro de 2007, referente ao prédio urbano de rés do chão e primeiro andar com garangem e logradouro, sito na Rua …, descrita na CRP sob o nº… e inscrito no artº… com o seguinte teor:

1. A 21 de Maio de 2009 às 08,10horas foi proferida sentença de declaração de insolvência de devedora F & CQ, Lda. ( ... ).

2. Aí foi nomeada para administradora de insolvência a aqui signatária.

3. Entretando, em 06 de Setembro de 2008 e em 17 de Setembro de 2007, foi alegadamente outorgado o contrato-promessa de compra e venda, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, descrita na CRP sob o n.º … e inscrito no art …, (...).

4. Ora, a promitente-vendedora F & Cª, Lda. já então se encontrava no limiar da sua insolvência.

5. Deste modo, aquela alegada outorga daquele contrato-promessa de compra e venda, tratou-se de um acto prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal acto, inevitavelmente, diminuía, como diminuiu, a satisfação dos credores da insolvência, que, desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do dito predio. 6. Assim por ter legitimidade e estar em tempo cfr. artº 123° do CIRE, vem a AI declarar para todos os efeito legais a RESOLUÇÃO EM BENEFIFIO DA MASSA INSOLVENTE do referenciado contrato-promessa de compra e venda.

7. Deve Vª Exª de acordo com o artº 126°, 1 do CIRE reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, no prazo legal de 8 dias, restituindo à massa insolvente o património da insolvente, com o respeito devido pelos direitos dos credores, sendo o prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, descrita na CRP sob o n.º… e inscrito no artº…, a estes pertencentes e trazido para o acervo patrimonial da insolvente.

8. Acresce que, caso Vª Exª não declare apresentar e restituir o bem à massa insolvente, alegadamente prometido vender à massa insolvente para os aludidos efeitos, designadamente, o prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, descrita na CRP sob o n.º… e inscrito no artº …, dentro do prazo fixado serão aplicadas as sanções previstas na lei (. .. ).

9. Deverei lembrar que a declarada resolução pressupõe a má fé de terceiro, a qual porém, se presume neste caso, dado que se trata da pratica de acto cuja pratica ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente – artº 120°, n.º 5, aI. b) do CIRE.

10.(. .. )” .

1.Da impugnação da resolução do negócio em beneficio da massa insolvente.

A causa petendi na presente acção assenta na inexistência dos pressupostos necessários à resolução do contrato promessa havido em 17 de Setembro de 2007, entre os Autores, aqui Recorridos e a Insolvente, cujo objecto é a compra e venda do imóvel constituído por rés do chão e primeiro andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, resolução essa efectuada pela Administradora da Insolvência por carta registada com AR, enviada àqueles em 19 de Novembro de 2009.

Pretendem os Autores, assim, a revogação da resolução efectuada.

O processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nº1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que sejam por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo, cfr Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, Colecção PLMJ, 2012, 128/129; Carvalho Fernandes e João labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 2013303/305.

Conforme deflui do preâmbulo do CIRE, a resolução em beneficio da massa insolvente a que se alude no normativo inserto no artigo 120º, visa a «(…)reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto especifico – a “resolução em beneficio da massa insolvente” –que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património(…)» destinando-se tal expediente a «(…)apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostrem prejudiciais para a massa.(…)», cfr Gravato de Morais, Resolução Em Beneficio Da massa Insolvente, 2008, 41; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 210; Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2004.

Dispõe aquele normativo, no seu nº1, o seguinte: «Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo.», acrescentando o seu nº2 que «Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.».

De harmonia com o apontado normativo, por entender ter-se tratado de um acto prejudicial à massa insolvente a celebração com os Autores/Recorridos, por banda da Insolvente, do contrato promessa de compra e venda do imóvel supra identificado, a aqui Recorrente, Administradora da Insolvência, procedeu à respectiva resolução através de carta registada com AR, de 19 de Novembro de 2009, que em cópia faz fls 24 a 26, de harmonia com o preceituado no artigo 123º do CIRE.

Naquela missiva a Administradora da Insolvência baseou o seu fundamento resolutivo na circunstância de o contrato promessa havido com os Autores, bem como o respectivo aditamento, terem tido lugar no limiar da insolvência da devedora, promitente devedora, o que por si indiciaria, a se, a prática de um acto criador de uma situação prejudicial à massa porque tal acto (sic) «(…) inevitavelmente, diminuía, como diminuiu, a satisfação dos credores da insolvência, que, desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do dito prédio.(…).

Em principio a prejudicialidade do acto necessita de ser demonstrada, nos termos do nº1 do apontado artigo 120º do CIRE e do artigo 342º, nº1 do CCivil, cabendo ao Administrador da insolvência alegar e provar, caso se imponha, a bondade do direito potestativo por si exercitado extrajudicialmente.

In casu, os Autores/Recorridos, instauraram a sobredita acção de impugnação da resolução extrajudicial efectuada pela Administradora, aqui Recorrente, contra a massa insolvente, uma vez que entendem, na sua tese, que o negócio cuja revogação se pretendeu com aquela declaração não foi celebrado com vista a prejudicar a massa, alegando ainda que a resolução é injustificada pois a mesma não consubstancia a alegação de qualquer facto, apenas uma mera remição para normas legais, omitindo qualquer especificação sobre a incidência de tais normas, nem o porquê da sua aplicação.


A acção de impugnação da resolução não se destina a atacar os aspectos puramente formais da carta resolutiva enviada pelo Administrador da insolvência, mas também os aspectos substanciais contidos na mesma: não nos podemos esquecer que a Administradora alegou, no caso sujeito, na missiva enviada aos Autores/Recorridos que o contrato promessa e seu aditamento haviam sido efectuados em prejuízo da massa.

Sem querermos ser extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, entendendo que a Lei embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.

Assim, sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade como a que foi enunciada nos pontos 4. e 5. da aludida carta, pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, l.c., 563;Gravato de Morais, ibidem, 164 (embora este Autor pareça ser mais exigente nos requisitos substanciais, ao referir-se que no caso «a resolução carece de especifica motivação»); Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol 1/130/131.

É que, tal enunciação, destituída de qualquer elemento fáctico que nos possa conduzir à asserção de que, por qualquer forma entre os Autores e a Insolvente foi o negócio havido em manifesto prejuízo da massa (vg por ter sido efectuado por um preço inferior ao de mercado, por os intervenientes bem saberem da situação de pré-insolvência e mesmo assim terem negociado, e/ou por outras razões minimamente enunciadas), não poderá valer, sem mais, como resolução, pois o destinatário tem de saber pelo menos, em termos suficientes, quais os factos que conduziram à destruição do negócio e que seriam susceptíveis lhe porem fim.

Só com uma alegação desse jaez, os Autores poderiam devolver à massa insolvente o ónus de alegação e prova de que o direito à resolução foi bem exercido pela Administradora e não numa situação como a dos autos em que por aquela foi de todo em todo omitida qualquer factualidade concreta, para além daquela enunciação genérica de que «(…) em 06 de Setembro de 2008 e em 17 de Setembro de 2007, foi alegadamente outorgado o contrato-promessa de compra e venda, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, descrita na CRP sob o n.º … e inscrito no art…, 4. Ora, a promitente-vendedora F & Cª, Lda. já então se encontrava no limiar da sua insolvência. 5. Deste modo, aquela alegada outorga daquele contrato-promessa de compra e venda, tratou-se de um acto prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal acto, inevitavelmente, diminuía, como diminuiu, a satisfação dos credores da insolvência, que, desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do dito prédio (...)9. Deverei lembrar que a declarada resolução pressupõe a má fé de terceiro, a qual porém, se presume neste caso, dado que se trata da pratica de acto cuja pratica ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente – artº 120°, n.º 5, al. b) do CIRE.(…)».

A justificação especificada, mas tardia, apenas aconteceu em sede de contestação, articulado este desadequado para o efeito, tendo em atenção a própria natureza da acção que tem por objecto por em causa uma resolução efectuada e nos precisos termos em que a mesma foi feita, não noutros que possam vir a ser trazidos aos autos e completamente desconhecidos do seu destinatário: este só poderá impugnar o que conhece e na medida do seu conhecimento, não podendo ser surpreendido com outra factualidade, sem prejuízo de a mesma poder ser utilizada pelo Administrador da insolvência numa acção de resolução do contrato, mas esta é temática diversa que transcende o aporema daqui.

Temos assim, à guisa de conclusão, que o direito potestativo de resolução do contrato por parte do Administrador da Insolvência, a que alude o normativo inserto no artigo 120º do CIRE, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística.

2.Da admissibilidade do pedido reconvencional.

Neste exercício de esgrima sobre a bondade da sua pretensão, a Ré, aqui Recorrente, apresentou a sua defesa por impugnação, por excepção e deduziu pedido reconvencional, pedindo a declaração da resolução do contrato promessa e seu aditamento, ou caso assim se não entendesse, a declaração de nulidade do mesmo contrato e seu aditamento, por simulação.


O segundo grau, na esteira do que já vinha decidido pela primeira instância, entendeu que não seria de atender o pedido formulado pela então e ora Recorrente, nos seguintes termos:
(…) Constata-se, assim, que, na sua contestação, o Administrador de Insolvência, não só veio completar com factos, preenchendo a causa de resolução por si invocada na carta de resolução, como veio invocar toda uma nova factualidade que extravasa os fundamentos por si invocados como causa de resolução, pretendendo exercer na presente ação um novo direito potestativo à resolução A Jurisprudência vem qualificando tal ação como de simples apreciação negativa na medida em que visa a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência.
A impugnação visará, tão só, a negação dos factos invocados pelo administrador da insolvência para fundamentar a resolução que declarou extrajudicialmente.
E, como tal, na contestação à ação de impugnação não podem ser supridas as deficiências de fundamentação da declaração de resolução
Quanto à reconvenção, implicando a mesma um alargamento do objeto do processo, com a acumulação de uma nova ação no âmbito de um processo pendente, a lei impõe restrições à sua admissibilidade, exigindo, nomeadamente uma certa conexão com a ação principal
Ora, ao contrário do defendido pelo Administrador de Insolvência nas suas alegações de recurso, o seu pedido reconvencional não emerge da defesa do réu, sendo que quando a al. a), do nº2 do art. 274º do CPC fala em “acto jurídico que serve de fundamento à defesa” refere-se a facto que tenha feito defensivo útil
Com efeito, encontrando-se em causa a impugnação de determinado acto resolutivo operado através da carta que lhes foi enviada a 19.011.2009, só se mostravam relevantes para o desfecho da ação de impugnação os factos que conduzissem à validade ou invalidade de tal resolução.
Os pedidos formulados pela Ré a título reconvencional e os factos que os sustentam já nada têm a ver com a resolução exercitada pela carta enviada aos ora AA., pretendendo enxertar na presente ação o exercício de um direito de resolução fundado numa causa distinta ou o reconhecimento da nulidade do negócio com base em factos inteiramente novos e sem qualquer relevância para a apreciação da legalidade da comunicação de resolução aqui em impugnação.
Como já foi sustentado pelo STJ no Acórdão de 17-09-2009, “tendo o pedido reconvencional de emergir de facto jurídico que seve de fundamento à acção ou à defesa (art. 274º, nº1, al. a), do CPC), e sendo a própria acção de impugnação o meio processual adequado para atacar um acto do Administrador da Massa Insolvente (ou seja, já uma defesa por sua própria natureza), não pode a contestação/reconvenção servir para se alterar a causa de pedir da resolução – e consequentemente a acção (…). A reconvenção (…) apenas podia visar a declaração de reconhecimento da validade do acto resolutivo tal como apresentado na carta registada enviada ao A., com as respetivas consequências condenatórias (…)”.

Quid inde?

Começa a Recorrente por imputar ao Acórdão recorrido um vício de nulidade, por ausência de fundamentação.

Dispõe o normativo inserto no artigo 615º, nº1, alínea b) do NPCivil, ex vi do disposto no artigo 613º, nº3 do mesmo diploma (aqui aplicável por força do disposto no artigo 7º, nº1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho) que os despachos são nulos quando «Não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.».

É pacífico o entendimento de que só existe invalidade da decisão quando falte em absoluto a fundamentação, já não o sendo quando esta é apenas meramente deficiente ou em que se verifica uma insuficiente densidade fundamentadora, cfr José lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol 2º, 2001, 675 e inter alia o Ac STJ de 26 de Fevereiro de 2004 (Relator Araújo de Barros) in www.dgsi.pt.

In casu resulta inequivocamente que a decisão se encontra devidamente fundamentada, tendo o Tribunal recorrido demonstrado porque não se verificavam, no seu entendimento, os requisitos substanciais para a admissão do pedido reconvencional, de harmonia com a previsão normativa inserta na alínea a) do artigo 274º do CPCivil do CPCivil na versão anterior, onde a Recorrente balizou o seu petitório (actual 266º).

Questão diversa é a de a Ré/Recorrente não concordar com as razões que foram aduzidas na decisão impugnada, mas este conspectu nada tem a invalidade estrutural desta que poderia conduzir à sua nulidade nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b) do NCPCivil, mas antes com a sua bondade intrínseca.

Neste particular e como argumentos substanciais para a revogação da decisão interlocutória recorrida alega a Recorrente ter formulado um pedido que transcende a simples improcedência da pretensão dos Autores/Recorridos em conexão com o facto jurídico que serve de fundamento à acção, existindo, no seu entender, suficiente ligação entre os factos invocados na acção e na reconvenção, de tal sorte que deveria ter-se como verificada aquela conexão exigida na lei processual, na alínea a), do n°2, do artigo 266°, do NCPCivil, e ter sido admitido o pedido reconvencional com base no disposto no aludido segmento normativo.

 

Dispõe o aludido artigo 266º, nº2, alínea a) do NCPCivil que a reconvenção é admissível «Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;».

Daqui deflui que, por um lado, o pedido reconvencional pode fundar-se no todo ou em parte na mesma causa de pedir que o pedido do Autor e, por outro, pode este mesmo pedido basear-se total ou parcialmente nos mesmos factos em que o Réu sustenta uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.

Os Autores fundaram o seu petitório na circunstância de entenderem que a declaração de resolução do contrato promessa com os mesmos havido e cujo objecto é o prédio urbano, rés-do-chão e andar com garagem e logradouro sito na rua …., formulada pela Administradora da insolvência, aqui Ré/Recorrente, não continha a alegação de qualquer facto, mas uma mera remissão para preceitos legais, insuficiente, pois, para consubstanciar a sua pretensão.

Aquando da sua contestação a Ré veio-se defender por impugnação, alegando factualidade que no seu entender contraria a versão dos Autores; em sede de defesa indirecta, aduz ainda elementos factuais conducentes à invalidade do negócio, vg, a sua nulidade, bem como o aditamento, por simulação absoluta.

Fazendo apelo a tal defesa, a Ré/Recorrente peticionou em sede reconvencional: a resolução do contrato promessa cuja impugnação é suscitada pelos Autores/Recorridos, ou, em alternativa, caso assim não seja entendido, a declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda, bem como o respectivo aditamento, ordenando-se em qualquer das hipóteses a sua imediata restituição à massa insolvente.

Este pedido, assim formulado, traduz na sua génese, uma constatação judicial da destruição dos efeitos do negócio havido entre os Autores e a Insolvente, o que conduziria, em tese, à sua subsunção nos requisitos enunciados da admissibilidade da reconvenção, enquanto contra-acção.

Contudo, para assim concluirmos, sem mais, necessário se torna, primeiramente, saber de que tipo de acção se cura no caso sujeito: se estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, como defende alguma jurisprudência, ou antes perante uma acção declarativa comum, normal portanto, sem qualquer tipo de especialidade no seu iter

Preceitua o artigo 10º, nº3, alínea a) do NCPCivil que as acções de simples apreciação têm por fim «(…) obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto;».

Trata-se assim de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica. Versando esta acção sobre uma relação jurídica concreta e precisa paralela à das acções de impugnação de escritura de justificação notarial e com a qual não se pretende, não se visa e não se pode concluir, por uma qualquer condenação, o que se pretende é uma declaração de que a resolução do contrato promessa feita a favor da massa insolvente não produziu qualquer eficácia, não foi operante, cfr a este propósito José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º/19; Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 1993, 15, Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, 1º, 207; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 85; Anselmo de Castro Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I., 115/117; Ac STJ de 21 de Fevereiro de 2006 (Relator Fernandes Magalhães) e de 14 de Novembro de 2006 (Relator Silva Salazar), in SASTJ, site do STJ.

Neste tipo de acções, o seu elemento caracterizador reside, em termos de ónus da prova, à sujeição ao regime inserto no artigo 343º, nº1 do CCivil, competindo nas mesmas, a quem ocupa a posição de Réu, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

De outra banda, a improcedência de uma acção de simples apreciação negativa, não conduz à absolvição do demandado do pedido, implicando antes o reconhecimento da existência do direito deste, que assim fica definitivamente estabelecido em face da parte contrária; por outro lado, a sua procedência, não envolve uma qualquer condenação da parte contra quem é proposta, mas a declaração de que a revogação do contrato promessa efectuada através de carta pela Administradora da Insolvência não produziu quaisquer efeitos.

Quer dizer, nesta sede da simples apreciação, o âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito, pelo que se entende ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do Réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida, constituindo esta o contra ponto da posição do Autor ao pedir a declaração de inexistência do direito que o Réu se arroga, «(…) A ideia de que só há lugar à réplica quando na contestação for invocada alguma excepção ou quando for deduzida reconvenção, expressa na nova redacção do nº 1 do artigo 502º do CPC, não bastava obviamente para consagrar a admissibilidade normal da réplica nas acções de mera apreciação negativa, visto na contestação dessas acções não haver, em princípio, nem alegação de qualquer excepção, nem dedução de reconvenção, mas apenas a alegação dos factos constitutivos do direito que o R. se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que o R. afirma.(…), apud Antunes Varela, in Linhas Fundamentais do Anteprojecto do novo Código de Processo Civil, RLJ, Ano 121º/14.

De facto, se na reconvenção o Réu pretende ver declarada a eficácia da resolução por si efectivada através da carta enviada ao promitente comprador, tal pedido mostra-se inócuo, já que a improcedência da acção de simples apreciação negativa tem essa necessária consequência em termos prático-jurídicos, estando a coberto do caso julgado no que tange a essa constatação, tornando desnecessária qualquer outra providência por parte do Réu, maxime, a instauração pelo seu lado de uma acção de simples apreciação positiva, cfr Ac STJ de 30 de Janeiro de 2003 (Relator Oliveira Barros) e de 24 de Outubro de 2006 (Relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt.

Na contestação também parece não caber a defesa exceptiva, de direito material ou peremptória, posto que tal defesa atentos os contornos da acção, apenas se destina à alegação e prova dos factos onde o Réu faz assentar o seu direito, direito este que é impugnado pelo Autor e cujo ónus da prova impende sobre aquele, de harmonia com o preceituado no artigo 343º, nº1 do CCivil, «(…) A sentença que acolhe um pedido de simples apreciação negativa deixa indiscutível a subsistência da negação; e por extensão a insubsistência da afirmação contrária. A sentença que rejeita um pedido de simples apreciação negativa deixa indiscutível a insubsistência da negação, e por extensão a subsistência da afirmação contrária (…)», in Castro Mendes, Limites Objectivos Do Caso Julgado Em Processo Civil, 1967, 303.

E, estando nós em sede de resolução contratual, o que pressupõe a existência de um contrato validamente celebrado, não teria qualquer cabimento abrir-se a discussão sobre uma possível invalidade do negócio, nomeadamente, por o mesmo ser nulo por simulação, o que, aliás, nem foi sequer equacionado pela Administradora da Insolvência aquando do envio da carta, sendo questão que apenas é suscitada na acção.

De todo o modo, o que o CIRE prevê é a faculdade de o Administrador da Insolvência proceder à resolução dos negócios efectuados pelos Insolventes, em prejuízo da massa, extrajudicialmente, e não que o mesmo se aproveite de tal expediente para proceder, motu próprio, à anulação ou declaração de nulidade de tais negócios: para o fazer, terá de recorrer a juízo e instaurar as pertinentes acções.

Daqui resulta que qualquer defesa nesse sentido e tendente a ver declarada a invalidade do negócio resolvido, porque encerra em si uma condenação – a devolução do que foi prestado – é incompatível com este tipo de acções de simples apreciação.
 
Assim.

Os Autores vieram alegar matéria conducente à verificação da sem razão da Administradora, por forma a inviabilizar a eficácia da resolução por aquela exercida, sobre esta apenas impendia o ónus de alegar a factualidade tendente a demonstrar que a resolução do contrato por si efectuada o tinha sido de forma adequada, de molde a tornar o exercício desse direito potestativo indiscutível.

E, não só a defesa na acção se exauria com a sobredita defesa tout court, como também os articulados, posto que, como acima procuramos demonstrar este tipo de acção não comporta nem defesa por excepção, nem dedução de pedido reconvencional, sem embargo, todavia, como já dissemos, a Administradora poder em acção declarativa autónoma a instaurar contra os aqui Autores/Recorridos, vir discutir a eventual nulidade do contrato havido com a Insolvente e por simulação de tal negócio.

O que a Administradora da Insolvência não pode, no âmbito desta acção negatória e porque a tal se opõem as regras lógico-processuais, é fazer enxertar uma acção comum, normal, cujo fim é substancialmente diverso, extravasando por completo a finalidade pretendida pelo Autor no seu recurso a juízo.

A admitir-se este desvio processual, estar-se-ia a desvirtuar a essência deste tipo especifico de acções – as de simples apreciação – condenando-as a uma mera letra de Lei, porquanto no caso sujeito, a Ré/Recorrente, no seu articulado de defesa deduzindo pedido reconvencional com vista à declaração da resolução do contrato promessa e sua alteração, admitindo-se que este pedido assim formulado esteja contido naqueloutro que formulado foi pelos Autores, já que, afinal das contas, provem do mesmo facto jurídico, isto é, do contrato promessa e respectivo aditamento celebrado entre os Autores e a Insolvente, é estar-se a admitir que um pedido com vista à apreciação e constatação de que um acto não produziu determinados efeitos possa conter um pedido de condenação, o que de todo em todo, aquela mera apreciação não comporta, nem mesmo indirectamente, «(…) A contestação-reconvenção que então, e nessa parte, constitui acção do réu contra o autor, passará no processo a associar-se à inicial, trazendo-lhe um novo e distinto objecto – o que nunca acontece na contestação-defesa ainda mesmo na de excepção-direito – e tanto pode ser formulada cumulativamente com a contestação-defesa, como prescindir desta, restringindo-se a contestação unicamente á própria reconvenção – hipótese de o réu nada ter a por à acção senão quanto aos pedidos ou pretensões que se julgue com direito contra aquele.(...)», apud Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 222/223.

Neste particular, o pedido reconvencional não poderia ter sido considerado, como não foi.

Improcedem, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão sob censura.
 
Custas pela massa insolvente.


Lisboa, 25 de Fevereiro de 2014

(Ana Paula Boularot)


(Pinto de Almeida)


(Azevedo Ramos)