Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26175/16.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: USOS LABORAIS
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – FINTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / CONVENÇÃO COLECTIVA / ÂMBITO TEMPORAL DE CONVENÇÃO COLECTIVA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2ª ed., p. 111;
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. III, p. 247.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ 386, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º, 90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II, P. 143;
- DE 17-11-2016, PROCESSO N.º 1032/15.0T8BRG.G1.S1;
- DE 09-03-2017, PROCESSO N.º 401/15.0T8BRG.G1.S1.
Sumário :

1 – Os usos correspondem a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade e mantidas por um período de tempo considerável “de forma a permitir que se possa concluir no sentido da existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada.

2 – O período de três anos, durante o qual a empregadora continuou a considerar a pausa diária de 60 minutos, como tempo de trabalho, nos termos anteriormente estipulados no AE, entretanto substituído por ACT, expressamente considerado, nos termos do art. 503º, nº 3 do Código do Trabalho, globalmente mais favorável e que deixou de prever aquela pausa como tempo de trabalho, é tempo insuficiente para que se configure uma prática constante merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, não assumindo, por isso, a natureza dum “uso” relevante à luz do artigo 1º do Código do Trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

O SINTTAV — SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DAS TELECOMUNICAÇÕES E AUDIOVISUAL, o STPT — SINDICATO DOS TRABALHADORES DO GRUPO PORTUGAL TELECOM, o SINQUADROS — SINDICATO DE QUADROS DAS COMUNICAÇÕES e o SINDETELCO — SINDICATO DEMOCRÁTICO DOS TRABALHADORES DAS COMUNICAÇÕES E DOS MEDIA, intentaram a presente ação declarativa com processo comum, contra AA, S. A., pedindo que esta fosse condenada:

a)     A título principal:

- A reconhecer aos trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC, o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime da laboração contínua;

- A manter o direito dos mesmos trabalhadores a um dia de descanso compensatório quando cada um deles perfaz, com a soma do tempo de trabalho com as pausas diárias de 60 minutos, o período diário de 7.06 horas;

- A reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos prestado a partir de 1 de Junho de 2016 dos mesmos trabalhadores enquanto não se efetivarem os pedidos anteriores;

b)     Subsidiariamente:

- A reconhecer aos trabalhadores dos departamentos designados de SDA1, SDA2 e no INOC que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime de laboração contínua;

- A reconhecer-lhes como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos a partir de 1 de junho de 2016.

Para tanto alegaram que desde há mais de 40 anos que na Ré — anteriormente nos ex-AA e ex-‑AA — existem serviços que funcionam 24 horas por dia e 7 dias por semana, sendo abrangidos pelo regime de laboração contínua. Desde, pelo menos, o AE publicado no BTE de 1981 (BTE 1.ª série, n.º 23 de 22 de junho de 1981), que os trabalhadores em serviço de laboração contínua tinham direito, como parte integrante do seu período normal de trabalho, a uma pausa diária de 60 minutos, designada de 'pausa especial', que a R. sempre concedeu a todos os trabalhadores em serviço de laboração contínua, independentemente da sua filiação sindical, aplicando-se sempre, houvesse ou não serviço para realizar durante esse período.

A ‘pausa especial’ esteve consagrada nos sucessivos instrumentos de regulamentação coletiva, deixando de se encontrar prevista no ACT de 2013 (publicado no BTE, 1.° Série, n.º 20, de 29 de maio de 2013). Porém, mesmo a partir da entrada em vigor do ACT de 2013, a Ré continuou a reconhecer aos trabalhadores em serviço de laboração contínua o direito àquela pausa como parte integrante do período diário normal de trabalho. A partir de 1 de junho de 2016, a Ré, em alguns departamentos deixou de reconhecer o direito à pausa de 60 minutos como parte integrante do período diário normal de trabalho aos trabalhadores em serviço de laboração contínua, exceto nos turnos das 24 h às 8 h, só considerando tal pausa como tempo de trabalho quando o trabalhador tem que permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade.

Por via da pausa especial diária de 60 minutos, os trabalhadores ao fim de 7 dias de trabalho tinham direito a um dia de descanso compensatório adicional (anualmente tinham mais 33 dias de descanso).

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a R. contestou, por exceção, alegando falta de pagamento da taxa de justiça e ineptidão da petição inicial por contradição entre causas de pedir e pedidos, e por impugnação, sustentando que a denominada 'pausa especial' é apenas uma das particularidades de uma das formas de organização do trabalho, da sua exclusiva competência. A 'pausa especial' sempre correspondeu ao intervalo de descanso entre períodos de trabalho diário. A partir de 1 de junho de 2016 organizou as escalas de trabalho dos departamentos identificados na petição inicial, sujeitos a período de trabalho semanal de 35 h ou 35,5 h, de modo a que o intervalo de descanso, entre períodos de trabalho diário, não fosse considerado como tempo de trabalho. Posteriormente a 1 de junho de 2016 não ordenou a nenhum trabalhador sujeito a um período de trabalho semanal de 35 h ou 35,5 h que permanecesse disponível para prestar a sua atividade durante o intervalo de interrupção do período de trabalho diário.

Saneado o processo, no qual foram as arguidas exceções julgadas improcedentes e realizado o julgamento foi proferida a sentença julgando-se a ação totalmente improcedente e absolvendo-se a R. dos pedidos.

Inconformados, os AA. apelaram, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Termos em que se acorda conceder parcial provimento à apelação e nessa medida revogar a sentença recorrida e, em consequência:

i. condenar a apelada:
· a reconhecer aos trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC, o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime da laboração contínua; e
· a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos gozada pelos mesmos trabalhadores a partir de 1 de Junho de 2016 em cada dia em que, além dela, tiverem cumprido o seu horário de trabalho.

ii. no mais, manter a sentença recorrida.

Custas pela apelada, na proporção de metade, pois que delas estão os apelados isentos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, 5.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 4.º, n.º 1, alínea f) e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela 1-B a ele anexa).»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, arguindo a nulidade do acórdão e impetrando a sua revogação e a sua absolvição dos pedidos.

Os recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.

A Relação apreciou, em conferência, as arguidas nulidades, considerando-as improcedentes.

Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Ex.mª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1. O douto Acórdão em crise, pese embora constitua uma peça jurídica que encerra inegável labor, ainda assim parece, salvo melhor [opinião], não ser totalmente conforme à lei e ao direito, além de padecer da nulidade apontada, que certamente será provida.

2. Isto é, por omitir, em absoluto, pronunciar-se sobre as duas questões expressamente suscitadas pela Ré e que, salvo melhor, conduziriam à rejeição e ou ao não conhecimento da questão nova.

3. A saber e respetivamente, a circunstância das alegações dos Autores não conterem verdadeiras e próprias conclusões e de ter sido suscitada, apenas nessa sede, dado nada ter sido alegado nesse sentido em primeira instância e por isso não foi objeto de discussão, a pretensa distinção entre a "pausa especial" e o "intervalo de descanso".

4. De qualquer modo e sem prejuízo da apreciação das nulidades invocadas, afigura-se que a douta decisão é ainda assim merecedora de objetiva censura.

5. Com efeito e pese embora se não aceite a conclusão de que "pausa especial" e "intervalo de descanso" constituam realidades distintas, até pelo que está assente no Ponto 14, ainda assim tal distinção só teoricamente poderá ser admissível.

 6. Dado os Autores nada terem concretamente alegado a propósito da forma como estava organizada a prestação da atividade dos trabalhadores que beneficiavam da atribuição do regime da "pausa especial".

7. Ou, por contraposição, como estava organizada a prestação da atividade dos trabalhadores que beneficiavam do regime de "intervalo de descanso".

8. Limitaram-se a afirmar, de forma conclusiva, que a Ré manteve o regime da "pausa especial".

9. Quando, por não se saber em que consistia esse regime, é impossível saber se essa forma de organização de trabalho correspondia ao regime da "pausa especial" ou, e ao invés, regime de "intervalo de descanso".

10. Até porque como se sublinhou, foi dado como provado (Ponto 34) facto que os Autores aceitaram, que a denominada "pausa especial" correspondeu sempre ao intervalo para refeições e descanso.

11. Deste modo, da fatualidade dada como assente não é possível concluir, como erroneamente é feito no Acórdão em crise, que a Ré tenha mantido o regime da "pausa especial".

12. Na verdade, da fatualidade inserta no Ponto 9, não é possível inferir que a Ré tenha mantido o regime da "pausa especial".

13. Apenas e tão só que se manteve a organização dos horários e forma de contabilização dos tempos de trabalho.

14. Se essa organização e forma de contabilização correspondia à "pausa especial" é questão para a qual não existe resposta, dado que, como se referiu, nenhum facto foi alegado de forma a poder ser definido esse regime, por contraposição ao regime de "intervalo de descanso".

15. Deste modo não era passível de considerar como uso o regime da "pausa especial", por várias razões.

16. A primeira das quais, como se sublinha na Decisão imerecida e injustamente revogada, por não se acharem preenchidos os respetivos pressupostos para que seja reconhecido como Fonte de Direito.

17. Uma vez que a manutenção da forma de organização de trabalho por parte da Ré constitua ela ou não "pausa especial", correspondeu ao exercício do direito que o nº 7, da cláusula 50ª, do AE de 2013 lhe conferiu.

18. Nunca a uma prática que fosse tido como não obrigatória, nem vinculante.

19. Acresce que e de forma totalmente desconcertante, o Acórdão em crise reconhece indistinta e indiferenciadamente o direito à pausa especial dos trabalhadores dos três Departamentos que identifica, sem curar de atender ao que ficou assente no Ponto 8 dos factos.

20. De facto, ficou demonstrado que a alteração na forma de organização de trabalho implementada pela Ré a partir de 1/06/2016, fosse ela ou não de “pausa especial", não se aplicou a todas as situações, nem a todos os trabalhadores.

21. Donde tal Decisão só poderia ser aceite caso se tivesse restringido a dois turnos ou aos trabalhadores com horário semanal inferior a 40 horas.

22. Ora, tal restrição jamais poderia ser feita, dado nada ter sido alegado no sentido de saber se todos ou alguns dos trabalhadores desses três departamentos estavam ou não sujeitos a horário inferior a 40 horas semanais.

23. Razão pela qual sempre se defendeu que, a análise desta questão não é passível de ser feita em termos teóricos, mas apenas perante uma concreta situação de prestação de trabalho.

24. Ora, na ordem jurídica portuguesa foi já proferida decisão, transitada em julgado e que se junta ao abrigo do disposto no artigo 651º, do Cód. Proc. Civil, que não reconheceu a dois trabalhadores, por sinal de dois dos departamentos abrangidos no Acórdão em apreço, o direito a que a pausa de 60 minutos fosse considerada como tempo de trabalho.

 25.  Mais uma razão para reparo do Acórdão proferido, dado que esses dois trabalhadores, por força e autoridade do caso julgado, jamais poderiam ser abrangidos pelo seu sentido decisório.

26. Resulta deste modo manifesto que o Douto Acórdão proferido é merecedor de objetiva censura, por ter infringido o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Cód. Proc. Civil e no artigo 3º do Cód. Civil, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que dando provimento ao presente recurso, julgue a ação improcedente e absolva a Ré de todos os pedidos, doutra forma não se fará rigorosa aplicação da lei e haverá fundado motivo para se afirmar não ter sido feita JUSTIÇA!

Os recorridos formularam as seguintes conclusões:

“1 - As definições de "pausa especial" e de "intervalos de descanso" são matéria de Direito plasmada nos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis à Ré, pelo menos, desde o ACT de 1981 dos TLP até ao AE de 2007, publicado no BTE, 1ª série nº 14, de 15 de Abril de 2007, deixando a pausa especial de se encontrar prevista a partir da vigência do ACT de 2013 publicado no BTE, 1ª série, nº 20, de 29 de Maio de 2013.

2 - A pausa especial, conforme previsto na cl.ª 41 n.º 1 do citado AE de 2007, publicado no BTE, 1ª série nº 14, de 15 de Abril de 2007 é um direito atribuído a qualquer trabalhador no regime de laboração contínua, filiado e não filiado em associações sindicais, pelo simples facto de estar afecto a esse regime.

3 - Até 1 de Junho de 2016 o direito à pausa especial coexistiu sempre, na sua aplicação pela R., com o intervalo de descanso destinado ou não à refeição, pelo que, os trabalhadores de laboração continua também beneficiavam desse intervalo, conforme previsto na cláusula 42.ª do citado AE de 2007.

4 - Não assiste razão à ora recorrida quando alega que os A.A. teriam de alegar de forma concreta como estava organizada a prestação da sua actividade, pois o que está em causa é o direito à pausa especial como um direito para os trabalhadores integrados no regime de laboração continua e que tem somente a ver com a "contabilização do tempo de trabalho", conforme resulta do facto provado sob o nº 10.

5 - A alteração, a partir de 1 de Junho de 2016, da aplicação pela R. da pausa especial, substituída pelo regime da cláusula 50º nº 5 do ACT foi comunicada ao co-A., SINTTAV, por oficio da Ré, cujo teor foi dado como provado e reproduzido no ponto 11 da matéria de facto.

 6 - A circunstância da R. afirmar, no mencionado oficio, que a pausa especial prevista na clª 41ª do AE da PTC de 2007, publicado no BTE, 1ª série nº 14, de 15 de Abril de 2007 respeita a um intervalo de descanso, é uma mera conclusão, tendo em consideração a cláusula 42ª do mesmo AE.

7 - A aplicação efectiva da pausa especial coexistiu sempre com a aplicação efectiva dos intervalos de descanso, até 1 de Junho de 2016, relativamente aos trabalhadores da laboração contínua, consistindo estes intervalos na interrupção intercalada no período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição, (v. clª 41ª e clª 42ª do AE da PTC de 2007, publicado no BTE, 1ª série nº 14, de 15 de Abril de 2007), o que sucedeu até 1 de Junho de 2016.

8 - A R. alega que transitou em julgado a decisão proferida no processo nº 26473/16.1T8LSB, do Juiz 2, do Juízo de Trabalho da Comarca de Lisboa que não reconheceu, a dois trabalhadores, que a pausa de 60 minutos fosse considerada como tempo de trabalho, mas não juntou certidão com nota desse trânsito e, em qualquer caso, sem prejuízo das diferenças na causa de pedir, não constitui razão, conforme pretende, para que seja revogado o Acórdão proferido.

9 - Não deverá assim merecer qualquer censura o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora sob revista, pois assim será feita JUSTIÇA!”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos foram instaurados em 25 de outubro de 2016.

O acórdão recorrido foi proferido em 23 de maio de 2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia;

2 – Se a pausa de 60 minutos, para descanso ou para tomada de refeições, dos trabalhadores afetos aos departamentos designados SDA1 (atualmente NOC1), SDA2 (atualmente NOC2) e INOC, com período de trabalho semanal de 35h e 35,5h, filiados nos AA, deve ser considerada como tempo de trabalho.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1. A Ré presta serviços, cujo funcionamento tem que assegurar 24 horas por dia e 7 dias por semana, que estão abrangidos pelo denominado 'regime de laboração contínua'.

2. O denominado 'regime de laboração contínua' consiste na laboração ininterrupta com rotação pelos diferentes turnos, podendo ser de folgas fixas ou rotativas, distinguindo-se do regime de turnos rotativos por este regime pressupor a laboração com interrupção diária e rotação pelos diferentes turnos, podendo ser de folgas fixas ou rotativas.

3. A referida distinção do regime de trabalho em laboração contínua e em turnos rotativos encontrava-se consagrada nos AE's dos ex-TLP, desde, pelo menos o AE publicado no BTE de 1981, publicado no BTE 1.ª série n.º 23 de 22 de Junho de 1981.

4. Independentemente da filiação sindical dos seus trabalhadores, os ex-TLP e as empresas que lhe sucederam, nomeadamente a Ré, conferiram aos mesmos os direitos previstos nos acordos de empresa (AE's) ou instrumentos de regulamentação colectiva que foram sendo celebrados.

5. A 'pausa especial' esteve consagrada nos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva, pelo menos desde o ACT de 1981 dos TLP até ao AE de 2007, publicado no BTE, 1.ª série n.º 14, de 15 de Abril de 2007, deixando de se encontrar prevista a partir da vigência do ACT de 2013 publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2013.

6. O ACT de 2013 (cláusula 50.ª) substituiu o regime de pausa especial convencional por outro em que o intervalo para refeição só entra no cômputo do horário diário de trabalho desde que o trabalhador permaneça no posto de trabalho ou na sua proximidade para intervir em caso de necessidade.

7. A Ré a partir de 1 de Junho de 2016 deixou de contabilizar como tempo de trabalho a pausa de descanso ou para tomada de refeições, de 60 minutos, como tempo de trabalho nos turnos das 8h às 16h e das 16h às 24h.

8. Essa alteração foi aplicada aos turnos das 8h às 16h e das 16h às 24h, mas não ao turno das 24h às 8h, nem aos trabalhadores que praticam 40 horas semanais.

9. Desde 1 de Junho de 2016, a escala dos trabalhadores afectos aos departamentos designados SDA1 (actualmente NOC1), SDA2 (actualmente NOC2) e INOC, com período de trabalho semanal de 35h e 35,5h, deixaram de prever como tempo de trabalho a pausa de 60 minutos para descanso ou tomadas de refeição.

 10. Entre o início de vigência do ACT de 2013 e a data referida em 9, a Ré manteve aos trabalhadores que prestam serviço em regime de laboração contínua, a organização dos horários e forma de contabilização dos tempos de trabalho até então praticados, que previam a 'pausa especial'.

11. A alteração referida em 9 foi comunicada ao SINTTAV através da carta cuja cópia se encontra a fls. 18 e 19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

12. A alteração referida em 9 não abrangeu todos os serviços da Ré que laboram em regime de 'laboração contínua'.

13. Aos trabalhadores abrangidos pela alteração referida em 9, a Ré passou a aplicar o regime previsto na cláusula 50.ª n.º 5 do ACT de 2013.

14. A denominada 'pausa especial' correspondeu sempre ao intervalo para refeições e descanso.

15. Desde 1 de Junho de 2016 os trabalhadores afectos aos departamentos referidos em 9 não têm que permanecer junto ao seu posto de trabalho nos períodos de intervalo para descanso ou refeição nem têm que estar disponíveis para a realização das suas tarefas, podendo sair das instalações da empresa.

16. O período para descanso ou refeição não é o mesmo para todos os trabalhadores afectos a um mesmo turno e funciona no período entre as 12 horas e as 15 horas.

17. Em cada turno presta actividade mais do que um trabalhador.

18. Relativamente aos trabalhadores contratualmente sujeitos ao período de trabalho de 40 horas semanais, a Ré continuou a considerar o intervalo de descanso, entre os períodos de trabalho diário, como tempo de trabalho."

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia.

Na tese da recorrente o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, porquanto a Relação não se pronunciou sobre a questão que suscitara nas contra-alegações da apelação consistente no facto das alegações (da apelação) dos autores “não conterem verdadeiras e próprias conclusões, fundamento para a sua rejeição”.

Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC a sentença ([5]) é nula quando:[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Traduz-se no incumprimento do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608º, do mesmo diploma onde se estabelece que «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Nos termos do art.º 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, cabe ao juiz relator deferir todos os termos do recurso, designadamente, «(…) convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respectivas alegações, nos termos do n.º 3, do artigo 639.º».

Ou seja, caso as conclusões não observem os ditames prescritos no art. 639º, nºs 1 e 2 do CPC, a consequência será o convite ao seu aperfeiçoamento e não a rejeição ou o não conhecimento do recurso. Como resulta deste preceito cabe ao relator aferir de deve dirigir o convite ao aperfeiçoamento ou, se entender que aquelas normas foram suficientemente observadas, determinar, no despacho liminar, o prosseguimento dos autos.

Nos termos do nº 3 do art. 652º do CPC, se a parte se considerar prejudicada pelo referido despacho pode reclamar para a conferência.

No caso, o relator proferiu despacho referindo que “[n]ada aparenta obstar ao conhecimento da apelação” e determinou o cumprimento do disposto no art. 87º, nº 3 do CPT. É certo que a arguente não foi notificada deste despacho mas foi-o do parecer do Ministério Público, ou seja, teve conhecimento que o recurso foi aceite e nada disse nem apresentou qualquer reclamação para a conferência.

Pelo referido, não tinha o coletivo da Relação que se pronunciar sobre a conformidade ou desconformidade das conclusões da apelação.

Refere ainda a recorrente que o acórdão também é nulo por não se ter pronunciado sobre a questão que suscitara nas contra-alegações consistente no facto de não ter sido discutida na primeira instância a distinção entre “pausa especial” e “intervalo para descanso” e de os recorrentes apenas a trazerem à colação nas alegações, tratando-se, por conseguinte, de uma questão nova de que o tribunal não poderia conhecer.

Consta do acórdão revidendo: «a pausa especial de 60 minutos prevista no AE de 2007, por um lado, e o intervalo de descanso nele mas também agora previsto no ACT de 2013, ainda que e em moldes algo diferentes, por outro, correspondem a realidades diferentes não merece dúvidas de quaisquer espécie, desde logo porque se fossem uma e a mesma coisa não faria sentido que o seu tratamento fosse feito em duas normas daquele IRC», e mais adiante, «por um lado e como de resto já o dissemos, a pausa especial é uma realidade diversa do intervalo de descanso aí previsto».

Como daqui resulta, a Relação ao pronunciar-se sobre a diferenciação entre a pausa especial e o intervalo para descanso, considerou que não se tratava de uma questão nova, como efetivamente não era.

Não só as partes aludiram a esta diferenciação nos articulados (art.ºs 19.º a 20.º da petição inicial e art.º 22.º da contestação), como na sentença se abordou a questão relativa à “pausa especial” a que alude a cláusula 41.ª do AE de 2007, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 14, de 15 de abril de 2007 e ao “intervalo de descanso” previsto na cláusula 50.ª prevista no ACT de 2013, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de maio de 2013, referindo-se expressamente, após a transcrição do teor daquelas cláusulas, que «(…) do ACT em vigor e do normativo convencional em apreciação – e os Autores aceitam – o actual regime convencional deixou de prever a anteriormente denominada “pausa especial”, que integrava o período normal de trabalho. Atualmente prevê-se apenas um intervalo para descanso (…)».

Em suma, o acórdão recorrido não enferma das apontadas nulidades.

4.2.2 – Se a pausa de 60 minutos, para descanso ou para tomada de refeições, dos trabalhadores afetos aos departamentos designados SDA1 (atualmente NOC1), SDA2 (atualmente NOC2) e INOC, com período de trabalho semanal de 35h e 35,5h, filiados nos AA, deve ser considerada como tempo de trabalho.

Entendeu a 1ª instância que a referida pausa, anteriormente prevista na cláusula 41ª do AE, publicado no BTE, 1ª Série, nº 14, de 15.04.2007, sob a designação de ‘pausa especial’ e considerada como tempo de trabalho, deixou de estar prevista como tal, no ACT de 2013, publicado no BTE, 1ª Série, nº 20, de 29.05.2013, e porque, nesse período, os trabalhadores não estão obrigados a permanecer junto ao seu posto de trabalho, nem têm que estar disponíveis para a realização das suas tarefas, podendo sair das instalações da empresa, não é ‘tempo de trabalho’, nem como tal tem que ser considerado por força do uso, apesar da empregadora, até 1 de junho de 2016, ter continuado a considerá-la, como ‘tempo de trabalho’, relativamente aos trabalhadores que prestam serviço em regime de laboração contínua.

Já a Relação considerou que tendo «a prática (a consideração da pausa especial pela empresa como tempo de trabalho) [sido] diariamente repetida pela apelada (facto provado enumerado em 2) ao longo do assinalado lapso temporal de praticamente três anos e relativamente a todos os trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados por SDA1, SDA2 e INOC (factos provados 9 e 10)» se consolidou como uso da empresa.

Vejamos.

Estabelecia o AE, publicado no BTE, 1ª Série, nº 14, de 15.04.2007:


Cláusula 41.ª

Pausa especial


1.      Considera-se parte integrante do período normal de trabalho a pausa diária de sessenta minutos a que têm direito os trabalhadores exclusivamente ocupados com o tráfego telefónico e telegráfico das estações telefónicas de horário permanente, incluindo as dos centros de grupos de redes já automatizados e os trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua.

2.      Para acerto de escalas dos trabalhadores referidos no número anterior, desde que haja prévio acordo do trabalhador, podem, a título excepcional, ser fixados períodos normais de trabalho de nove horas, nos quais se integra a pausa respectiva, mantendo-se o período normal de trabalho semanal que lhes esteja atribuído.

3.      Considera-se também parte integrante do período normal de trabalho diário a pausa diária de trinta minutos a que têm direito os demais trabalhadores aos quais tenha sido atribuída a modalidade de horário contínuo.

Por seu turno estabelecia a cláusula seguinte:


Cláusula 42.ª

Intervalo de descanso


1.      Considera-se intervalo de descanso a interrupção intercalada no período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição.

2.      O período normal de trabalho diário será interrompido por um ou mais intervalos de descanso de duração não inferior a trinta minutos nem superior a duas horas, salvo os casos em que seja fixado, por acordo, intervalo diferente.

3.      A nenhum trabalhador deverá ser atribuído horário que implique a prestação de mais de cinco horas consecutivas de serviço.

4.      Mantêm-se em vigor os intervalos de descanso em prática na empresa, ainda que de duração superior ou inferior aos limites fixados no n.º 2 desta cláusula.

O ACT de 2013, publicado no BTE, 1ª Série, nº 20, de 29.05.2013, nada referiu acerca daquela ‘pausa especial’, tendo na cláusula 50ª passado a prever apenas o intervalo de descanso:


Cláusula 50.ª

Intervalo de descanso


1.      Considera-se intervalo de descanso a interrupção intercalada do período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição.

2.      O período normal de trabalho diário será, regra geral, interrompido por um ou mais intervalos de descanso de duração não inferior a 30 minutos nem superior a 2 horas, salvo os casos em que seja fixado, por acordo, intervalo diferente.

3. A nenhum trabalhador deverá ser atribuído horário que implique a prestação de mais de 5 horas consecutivas de serviço, salvo nas situações de acordo com o trabalhador em que pode ser definida a prestação de trabalho até 6 horas consecutivas.

4. A pedido do trabalhador e por acordo com este, o intervalo de descanso pode ser reduzido ou excluído.

5. Considera-se compreendido no tempo de trabalho, sendo designado de intervalo de descanso com presença, o intervalo de descanso destinado a refeição, em que o trabalhador tem de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade.

6. O intervalo de descanso com presença terá a seguinte duração máxima de:

a)     60 minutos para trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua;

b)     30 minutos para os trabalhadores aos quais tenha sido atribuída a modalidade de horário contínuo;

c)      60 minutos para os trabalhadores a quem por necessidade de serviço, seja alterado eventualmente o horário de trabalho normal diário para o período de trabalho nocturno.

7. O disposto nos números 5 e 6 pode ser instituído quando tal se mostre favorável ao interesse da entidade empregadora e não cause prejuízo ao funcionamento do serviço ou não origine situações de desigualdade no serviço.

Está provado que a denominada 'pausa especial' correspondeu sempre ao intervalo para refeições e descanso (ponto 14 da matéria de facto provada).

Não vem provado, que os “trabalhadores exclusivamente ocupados com o tráfego telefónico e telegráfico das estações telefónicas de horário permanente, incluindo as dos centros de grupos de redes já automatizados e os trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua”, gozassem, para além da denominada ‘pausa especial’ de 60 minutos prevista na transcrita cláusula 41ª do AE 2007, do intervalo de descanso previsto na cláusula 42ª do mesmo diploma e posteriormente e até 1 de junho de 2016, na cláusula 50ª do ACT de 2013.

Por conseguinte, à falta daquela prova, o que efetivamente está em causa e importa saber é se o intervalo de 60 minutos que até 2013 estava previsto como ‘pausa especial’ e que, como vem provado, correspondeu sempre ao intervalo para refeições e descanso e era considerado parte integrante do período normal de trabalho, relativamente aos trabalhadores afetos aos departamentos designados SDA1 (atualmente NOC1), SDA2 (atualmente NOC2) e INOC, filiados nos AA., deve continuar a ser considerado tempo de trabalho.

Não vem questionado o efeito revogatório da referida cláusula 41ª do AE de 2007, face ao estatuído na cláusula 103ª do ACT 2013, que lhe sucedeu, e ao disposto no art. 501º, nºs 1, 3 e 4 do Código do Trabalho.

Por outro lado, tendo em conta que a ação é proposta pelas organizações sindicais, na apreciação do caso apenas há que ter em consideração os trabalhadores diretamente abrangidos pelas convenções coletivas atrás referidas, ou seja, os filiados nos AA.

A Relação entendeu que o sobredito período é ‘tempo de trabalho’ por força do uso, dado que a empregadora, após a entrada em vigor do ACT de 2013 e até 1 de junho de 2016, continuou a considerá-lo como tal.

Os usos laborais, sejam da profissão, sejam da empresa, constituem, nos termos do art. 1º do CT 2009, uma fonte específica do direito do trabalho, “(…) são vinculantes por si mesmos ou em função das características que certas práticas assumem. A repetição, a uniformidade e a continuidade dessas práticas, aliadas à sua licitude e à razoabilidade da expectativa de que se mantenham, transformam-nas em padrões de comportamento exigíveis. O carácter vinculante destas práticas é-‑lhes intrínseco, e pode ser, ou não, explicitamente reconhecido pela lei (…).

Em qualquer destas configurações, os usos laborais são (…) factos reguladores ou conformadores das relações de trabalho em certos âmbitos, e muito particularmente no da empresa concreta, sem, verdadeiramente, assumirem a natureza de "fontes intencionais" deste ramo de Direito([6]).

Os usos correspondem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, em cuja noção está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo([7]), “() de forma a permitir que se possa concluir no sentido da existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada([8]).

Integrando, por força do AE 2007, até à entrada em vigor do ACT de 2013, o referido intervalo de 60 minutos, denominado ‘pausa especial’, o período normal de trabalho, o período de tempo de vigência do AE de 2007 não pode ser tido em conta para aferição do ‘uso’ da empregadora, precisamente porque esta estava vinculada por força daquele diploma a considerá-lo tempo de trabalho. Por conseguinte, para os referidos efeitos apenas releva o lapso de tempo que decorreu entre o início de vigência do ACT de 2013 e o dia 1 de junho de 2016, ou seja, cerca de 3 anos.

Para considerar a referida prática como um uso, foi decisivo para a Relação, o facto da mesma ter sido diariamente repetida durante praticamente três anos. Ou seja, o fator determinante não foi o lapso de tempo que durou a prática, mas o número de vezes em que ocorreu.

Porém, como resulta das considerações doutrinárias e jurisprudenciais atrás consignadas, o fator determinante para o uso vinculativo é o período de tempo da respetiva prática e não apenas o número de vezes em que ocorreu, embora este, consoante os casos, também possa ser relevante.

Consignou-se no acórdão referido na nota 8:

«O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 07/07/2010, proferido no processo nº 123/07.5TTBGC.L1.S1 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Vasques Dinis, considerou que a circunstância demonstrada de que, durante cerca de quatro anos após a conclusão do doutoramento, o trabalhador com o conhecimento do empregador, continuou a prestar o seu trabalho no mesmo regime presencial de 16 horas por semana, só pode ser entendida como mera tolerância, não consubstanciando uma prática ou uso laboral suscetível de lhe conferir o direito a manter, de forma permanente, aquele regime presencial de 16 horas semanais, pois, para além de não se poder considerar aquele período como um período longo de tempo que justificasse que o trabalhador tivesse adquirido legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, esse regime presencial seria mantido, o trabalhador sabia que tal regime era excecional.

(…)

É de todo pertinente a observação do Mestre José Andrade Mesquita de que o lapso de tempo necessário para que se constitua um uso pode até depender da frequência da reiteração, sendo necessário mais tempo para que se constitua o uso da empresa de uma gratificação anual, do que para o uso que consiste no tratamento diário de uma pausa como tempo de trabalho.

Assim, para que determinada prática, a nível de gestão empresarial, possa constituir um uso de empresa é necessário que a mesma se encontre sedimentada durante um considerável lapso de tempo, de forma a permitir que se possa concluir pela existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada.

O lapso de tempo necessário a atender para que se considere constituído um uso de empresa depende da frequência da reiteração do comportamento do empregador, devendo ser apreciado em cada caso concreto.

Quanto à necessidade de apreciação em cada caso concreto, o Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, refere que este é um dos raros aspetos em que existe consenso entre os autores, citando Ernst Heissmann quando este refere que “saber com que regularidade e durante quanto tempo é que é necessária que a conduta se repita é questão a que não se pode responder em abstrato, tudo dependendo do caso concreto”.»

No caso, é certo que a conduta da empregadora se repetiu diariamente. Mas também não é menos certo que apenas ocorreu durante cerca de três anos, lapso de tempo que não pode ser tido como considerável, por forma a fazer nascer na esfera jurídica dos trabalhadores, filiados nos AA e referidos na cláusula 41ª do AE de 2007, o direito a ver considerada a pausa de 60 minutos como tempo de trabalho, com a consequente vinculação da empregadora à manutenção daquela prática, sabedores como eram, de que até à entrada em vigor do ACT de 2013, aquela pausa integrava o período normal de trabalho por força do sobredito diploma e não por vontade unilateral da empregadora, não acompanhada da convicção de obrigatoriedade.

Em suma, o referido lapso de tempo de três anos é insuficiente para se considerar a prática em causa como uso da empresa, pese embora a sua repetição diária nesse período.

 

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista;

2 - Revogar o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença da 1ª instância.

3 – Sem custas da apelação e da revista, por os Autores delas estarem isentos.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 21.03.2019


Ribeiro Cardoso (Relator)


Ferreira Pinto


Chambel Mourisco

_______________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] E o acórdão - art.º 666º, n.º 1 do CPC.
[6] Monteiro Fernandes in ob. cit. pág. 106.
[7] Acórdão desta secção de 17.11.2016, proc. 1032/15.0T8BRG.G1.S1 (Gonçalves Rocha). No mesmo sentido, Júlio Gomes, “Dos Usos da Empresa em Direito do Trabalho”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIX (XXII da 2ª série), 2008, nºs 1-4, pág. 111.
[8]  Acórdão desta secção de 9.03.2017, proc. 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Chambel Mourisco).