Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MELO LIMA | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO RECURSO LABORAL LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PESSOA COLETIVA | ||
Data do Acordão: | 11/05/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS. DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO - PROCESSO COMUM / SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - ABÍLIO NETO, Novo “Código de Processo Civil” Anotado, 2ªEd. Janeiro/2014, EDIFORUM – Lisboa, p.10. - ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, Coimbra Editora LIM., 1981, Vol. II, p. 271, 279, Vol. V, pp. 139, 503. - ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, 1981, Vol. I, p. 56. - ANTUNES VARELA E OUTROS, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 47 e ss.. - GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, p. 498. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2007: - ARTIGOS 456.º, N.º1, 457.º, N.º1, AL. C), E N.º2, 458.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGOS 542.º, N.º1, 543.º, N.ºS 2 E 3, 544.º, 615º N.º1, AL. B), 666.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 1.º, N.º2, AL. B), 77.º, N.º1. LEI 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 5.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22.10.2008, PROCESSO N.º 08S1028; DE 17.06.2009, PROCESSO N.º3845/08 – 4ª, SUMÁRIOS, JUNHO/2009. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 103/95; E, DE 22.02.1995, PROCESSO Nº 595/93 – 2ªSEC.. | ||
Sumário : | 1. Exprimindo a Recorrente a sua impossibilidade – que diz «total» - de enxergar os fundamentos de facto e de direito que, na decisão recorrida, subjazem à condenação em multa por litigância de má fé, está a apontar um vício da decisão, em concreto a nulidade da falta de fundamentação. 2. No recurso de revista interposto, não observando a Recorrente o formalismo definido no artigo artigo 77º, nº1, do CPT, é de considerar extemporânea a nulidade arguida apenas na alegação do recurso, dela não se podendo conhecer. 3. A parte prejudicada pela má fé da outra parte, querendo obter indemnização dos prejuízos sofridos, há-de pedi-la, podendo fazê-lo no tempo em que o julgue mais oportuno, e sem que lhe seja exigível que o pedido seja formulado com indicação de quantia certa. 4. No âmbito do CPC/2007, sendo a parte uma pessoa coletiva ou uma sociedade, a responsabilidade por custas, multa e indemnização por litigância de má fé recai – de forma «substitutiva» e «não cumulativa» - sobre o seu representante que esteja de má fé (art. 458.º). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO 1. Na Ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, instaurada, em 11 de Abril de 2008, por AA contra BB, Lda, o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido em 11 de novembro de 2013, deliberou: «a) Indeferir os requerimentos da R. e b) Condenar a R. como litigante de má fé, na multa de € 9.000,00 e em indemnização a favor da A., a determinar oportunamente. c) Ordenar a notificação das partes para se pronunciarem quanto ao montante da indemnização a fixar à A., em consequência da condenação da R. como litigante de má fé. 2. Inconformada com esta decisão, dela traz recurso de Revista a R., BB, Lda, rematando a respetiva alegação com as seguintes conclusões: 3. A A. não apresentou contra-alegação. 4. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, tomando como questão a apreciar saber (i) se a R. deve ou não ser condenada como litigante de má fá e, (ii) na eventualidade afirmativa, se o seu legal representante deveria ter sido chamado à ação para se defender da possibilidade de condenação como litigante de má fé, emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. 5. A R. Recorrente, em resposta, pronunciou-se críticamente sobre aquele Parecer. 6. Distribuído o projeto pelos Exmos Adjuntos, é altura de decidir. II Fundamentação. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto dos recursos é delimitado pelas respetivas conclusões (art. 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC/2013 – artº 7º/1 do Diploma Preambular), cumpre apreciar e decidir: O presente recurso de revista respeita ao Acórdão proferido, em 11 de novembro de 2013, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito da ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, instaurada, em 11 de abril de 2008, por AA contra BB, Ldª. Visto as datas da instauração da ação e da prolação do acórdão recorrido, são aplicáveis, respetivamente: (i) no âmbito da lei adjetiva laboral, o Código de Processo de Trabalho na redação anterior à conferida pelo Decreto-Lei Nº 295/2009, de 13 de outubro; (ii) no âmbito da lei adjetiva civil, o Código de Processo Civil, na redação conferida pela Lei Nº 41/2013, de 26 de junho (Artigo 5º do diploma preambular), sem prejuízo da ponderação, com referência ao caso concreto, dos princípios da retroatividade in melius e da proibição da retroatividade in pejus. Argumenta a Recorrente: (…….)
Quid iuris? Para o conhecimento da questão importará recordar os factos processuais que lhe são pertinentes. i. Em 29 de outubro de 2012, o Exmo. Relator, no Tribunal da Relação do Porto, proferiu o seguinte despacho: «Prevenindo a necessidade de vir a ser aplicado o disposto no artº 720º do Código de Processo Civil, dada a postura processual da R., notifique as partes para se pronunciarem em dez dias, querendo.» [Fls.47] ii. Responderam, respetivamente: iii. Inscrito em Tabela para a sessão de 21 de março de 2013, o Tribunal da Relação, em Conferência da mesma data, tendo por «manifestamente infundados os incidentes deduzidos pela R. depois da prolação do acórdão de 2011-06-13, em que foi ordenada a reintegração da A. na empresa R., tentando evitar o seu trânsito em julgado, é adequada a aplicação do expediente processual previsto no Artº 720º do CPC, nomeadamente, a extração de traslado e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido», deliberou: «qualificar como manifestamente infundados os incidentes deduzidos pela R. depois da prolação do acórdão de 2011-06-13, pelo que se ordena a extração de traslado e a remessa dos autos ao tribunal recorrido.» [Fls.76 a 81] iv. Por requerimento, de 16 de abril de 2013, a R. viria arguir a nulidade do Acórdão referido em III. Porém, sobre tal requerimento incidiria a decisão do Exmo. Relator a considerar o Acórdão transitado em julgado e a ordenar o cumprimento do deliberado no mesmo acórdão quanto à extração de traslado e à remessa dos autos ao tribunal recorrido . [Fls.97] v. Uma vez considerado cumprido o disposto no artº 720º/4 do CPC (Versão 2007), o Tribunal da Relação, em nova Conferência, a 11 de novembro de 2013, tomou a Deliberação transcrita em I.1, a saber: indeferimento dos requerimentos da R.; condenação desta , como litigante de má fé, na multa de € 9.000,00 e em indemnização a favor da A., a determinar oportunamente; ordem de notificação das partes «para se pronunciarem quanto ao montante da indemnização a fixar à A., em consequência da condenação da R. como litigante de má fé.» * Violação do princípio da preclusão, como pretende a Recorrente? Dispunha o artigo 720º do CPC: «1. Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, levará o requerimento à conferênca, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 456º, que o respetivo incidente se processe em separado. 2. O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados. 3. (……) 4. (……) 5. (……)» Com este normativo foi propósito do legislador reforçar o regime de defesa contra as demoras abusivas, evitar, enfim, o uso por alguma das partes «de meios tendentes a entorpecer o movimento do processo». Estabeleceu, por isso, que, «parecendo manifesto» ao Relator o propósito de alguma das partes obstar (I) ao cumprimento do julgado ou (ii) à baixa do processo ou (iii) à sua remessa para o tribunal competente, ou, de todo o modo, (iv) pela suscitação de incidentes, obstar ao trânsito em julgado da decisão, dever ele, Relator, «frustrar a tentativa de obstrucionismo», tomando as «providências tendentes a inutilizar o jogo malicioso, a chicana do requerente». Afigurando-se-lhe verificado tal propósito de obstrução, incumbe-lhe, então, submeter o assunto à conferência que, de sua vez, responderá à questão de saber se «é ou não claro que o requerimento não visa a outra coisa que não seja fazer obstrucionismo». A conferência dará resposta afirmativa, se reconhecer o «propósito malicioso», ou dará resposta negativa, se não tiver este por verificado. Com ALBERTO DOS REIS, aqui seguido de perto, dir-se-á que os casos figurados no normativo, «condensam-se todos nesta fórmula: ‘entorpecer a ação da justiça’. Por isso o incidente findará, naturalmente, pela condenação do requerente como litigante de má fé (artº 465º)» ([1]) No caso concreto, a notificação decorrente do despacho antedito em i., para as partes se pronunciarem, querendo, sobre a eventual «necessidade de vir a ser aplicado o disposto no artº 720º do Código de Processo Civil, dada a postura processual da R.», limita-se ao cumprimento do ónus jusprocessual do contraditório (audiatur et altera pars), de modo a ser facultado às partes o efetivo exercício do direito de se pronunciarem e serem ouvidas sobre a questão a submeter a deliberação em sede de conferência. A delimitação objetiva desta não impõe, como parece óbvio, que o colégio dos Desembargadores, em Conferência, se pronuncie e/ou decida quanto à eventual litigância de má fé. Reconduzir-se-á, apenas, como se deixa referido, a responder – confirmando ou infirmando – à questão prévia sobre o denunciado obstrucionismo de uma das partes. O que vale por dizer que a A., tal como a Recorrente, não foi notificada senão para o direito de se pronunciar sobre a questão a submeter à Conferência, nos exatos e restritos termos em que esta foi anunciada. Era, então, prematura a questão da pretensão da formulação do direito à indemnização, maxime no respeitante à definição do quantum debeatur. Compreende-se, por isso, que o Tribunal da Relação, em passos sucessivos, tenha deliberado em sede de Conferências: primeiro, «qualificar como manifestamente infundados os incidentes deduzidos pela R. depois da prolação do acórdão de 2011-06-13»; depois, em 2ª Conferência, condenar a R. como litigante de má fé, na multa de € 9.000,00 e em indemnização a favor da A., a determinar oportunamente e ordenar a notificação das partes «para se pronunciarem quanto ao montante da indemnização a fixar à A., em consequência da condenação da R. como litigante de má fé». Importará, neste conspecto, ter em linha de conta que se a condenação em indemnização depende do pedido da parte prejudicada - «se esta a pedir» (Artº456º/1 CPC/2007; 542º/1CC/2013) – já a fixação do seu conteúdo competirá ao tribunal - «O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a em quantia certa», «com prudente arbítrio, o que parecer razoável» (Art. 457º/1 al. c) e 2 do CPC/2007; 543º/2 e 3 do CPC/2013). Dizer, então: se é certo que a parte prejudicada pela má fé da outra parte quiser obter indemnização dos prejuízos sofridos, há-de pedi-la, podendo fazê-lo no tempo em que o julgue mais oportuno – a lei não marca o tempo em que o pedido deve ser formulado -, não é menos certo que a lei não exige que o pedido seja formulado com indicação de quantia certa, na justa medida em que é atribuição do tribunal a fixação do montante. ([2]) Obviamente, para a parte prejudicada advirá proveito na indicação dos prejuízos sofridos. In casu, foi o Tribunal que, com vista ao cumprimento do seu dever de fixação do conteúdo indemnizatório, convidou as partes – com respeito, uma vez mais, pelo contraditório – a pronunciarem-se «quanto ao montante da indemnização a fixar à A.» Havendo de entender-se, de acordo com o princípio da preclusão que «só dentro de determinados prazos podem as partes produzir as afirmações dos factos que lhes aproveitem», não se vê como da economia dos factos processuais adquiridos, segundo a sequência que se deixa anotada, se possa ou deva concluir no sentido da violação daquele princípio. A fortiori, visto o singular cuidado na observância do contraditório, não se vislumbra como possa ter sido beliscado, sequer, o princípio da igualdade. Improcede, pois, o argumento adrede aduzido pela Recorrente. Na alegação de recurso, sob o título «DOS VÍCIOS DO DOUTO ACÓRDÃO», a Recorrente alegou, e levou, depois, ao quadro das conclusões, os itens descritos de 4 a 8, inclusive, onde referiu: Os vícios do douto acórdão a que a Recorrente se reporta consubstanciam a nulidade de sentença (rectius, de acórdão) prevista no artigo 615º nº1 al b) do CPC: «1. É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.» (ex vi arts. 1º /2 al. b) CPT e 666º /1 do CPC) Exprimindo a Recorrente a sua impossibilidade – que diz «total» - de enxergar os fundamentos de facto e de direito que, na decisão recorrida, subjazem à condenação em multa por litigância de má fé, está, por óbvio, a apontar um vício da decisão, em concreto a nulidade da falta de fundamentação. Apontamento que, a mostrar-se verificado, lesa, por razões práticas, a parte vencida a quem – até com fundamento constitucional no princípio do processo devido (due process) - cabe o direito de saber «por que razão lhe foi desfavorável a sentença», tendo mesmo a «necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior», que, de sua vez, «carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.» ([3]) Estamos, todavia, no âmbito do processo laboral, onde, nos termos do artigo 77º, nº1, do CPT, «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso» Dizer, um processo onde pontificam regras próprias para a arguição das nulidades da sentença e/ou do acórdão. Sobre este modo próprio da arguição, no âmbito da lei adjetiva laboral, das nulidades quer da sentença proferida em 1ª instância, quer do acórdão proferido no Tribunal da Relação, mostra-‑se feliz a seguinte resenha desenhada por Abílio Neto que, aqui, se acolhe e reproduz:
Qual o interesse e/ou razão de ser de um tal procedimento? Justifica o mesmo autor: «Esta compartimentação recursal radica, de acordo com o entendimento comum, na preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis reguladoras do processo de trabalho e visa dar ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme antes de mandar subir o recurso. Para que tal faculdade possa ser exercida – acrescenta-se – é necessário que a arguição seja feita na parte do requerimento que é dirigida ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida (1ª instância ou Relação) e não na parte do requerimento que é dirigido ao tribunal superior, porquanto não faria qualquer sentido que o juiz do tribunal a quo pudesse debruçar-se sobre questões cuja apreciação foi solicitada ao tribunal ad quem.» Não se desconhece que, apesar de uma exposição assim tão linear e tão clara, o Autor que vem de ser citado tem por injustificada a interpretação deixada traduzida. Respeita-se a discordância mas acolhe-se o pensamento transcrito na justa medida em que dele defluem quer o modus procedendi quer a ratio legis com que a jurisprudência, nomeadamente ao nível deste STJ e desta Secção Social, nemine discrepante, se vem pronunciando pelo integral acolhimento da liturgia processual recursiva deixada descrita. Este modus procedendi jusprocessualmente definido não se mostra mínimamente observado pela Recorrente. Destarte, como vem sendo igualmente unânime o sentido decisório jurisprudencial, é de considerar extemporânea a nulidade arguida apenas na alegação do recurso, dela não se podendo conhecer. ([4]) 3.3.1 A Recorrente coloca, neste âmbito, uma dupla questão: (i) a omissão do contraditório relativamente à pessoa do representante da R. e (ii) a condenação em multa e indemnização que incidiu sobre a R., com ofensa da norma ínsita no artigo 458º do CPC/2007. Incorretamente, entende-se, suscita a Recorrente tal dupla questão. Dizer: falece-lhe, desde logo, o pressuposto do interesse em agir no que respeita à omissão do contraditório relativamente à pessoa do representante da R. A eventual condenação ou não condenação do Representante da Ré é res inter alios, que, de todo lhe é alheia. Se condenado fosse o Representante da R., bem se compreenderia a reclamação, pelo próprio interessado, contra a inobservância do contraditório. Mas, o Representante da Ré não foi condenado. A sê-lo, caber-lhe-ia, seguramente, legitimidade e interesse em agir para, entendendo-o, recorrer da decisão. Mas, repete-se, não foi. Então, não se trata de questão, que importe conhecer. Cumpre conhecer, sim, a questão da invocada condenação indevida da R., como litigante de má fé, sob a justificação da violação do disposto no artigo 458º do CPC/2007. 3.3.3 Perante o quadro fáctico deixado desenhado, é de concluir, se bem se interpreta, que o Tribunal da Relação relevou e balizou, em sede de conduta de entorpecimento processual por parte da Recorrente, um período cujo início de contagem é de reportar à prolação do acórdão de 13 de junho de 2011 e se estende até ao momento em que o Tribunal da Relação lançou mão da notificação das partes para a eventual necessidade de aplicação do disposto no artigo 720º do C.P.C. [Despacho de 29.10.2012 - Fls. 47>49], ou, se assim melhor for entendido, até à prolação do acórdão de 21 de março de 2013, no qual foram qualificados «como manifestamente infundados os incidentes deduzidos pela R. depois da prolação do Acórdão de 13 de junho de 2011» [Fls.81] Vale dizer, a atividade processual posta em causa respeita, na ponderação mais larga, ao período compreendido entre 13 de junho de 2011 e 21 de março de 2013, logo num período anterior à vigência do CPC/2013, entrado em vigor a 1 de setembro de 2013. O que implica, necessariamente, a consideração de dois regimes jusprocessuais diferentes, sucedâneos no tempo: (i) o regime vigente no tempo da conduta processual objeto da sanção da litigância de má-fé (tempus delicti) e (ii) o regime vigente à data da prolação da decisão condenatória. Correspetivamente: enquanto ali, no tempo da prática processual tida por reprovável, se dispunha, no âmbito do CPC/2007, «Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir» (artigo 456º/1), mas se dispunha, de outro passo, «Quando a parte for um incapaz, uma pessoa coletiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa» (458º); diferentemente, à data da prolação da decisão sob recurso, - vigorando já o CPC/2013 -, o legislador, mantendo embora aquela primeira norma «Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir» (542º/1), expurgou do segundo normativo a responsabilidade do representante da pessoa coletiva ou da sociedade, limitando-a à do representante do incapaz: «Quando a parte for um incapaz, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa» (544º). Perguntar-se-á: uma tal diferença representará uma alteração no que concerne à responsabilização sancionatória, no sentido de que enquanto no regime coetâneo da prática processual sob juízo, valia a regra da responsabilização do representante - e apenas do representante - por via duma violação culposa, pelo próprio, de deveres de conduta no processo, já no novo Código do Processo Civil, uma tal responsabilidade apenas poderá ser assacada à representada? 3.3.4 Não se desconhece que o artigo 5º da lei Preambular do CPC/2013, dispõe no item nº1: «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes». Com tal normativo, o legislador, primo conspectu, parece ter assumido em plenitude, o entendimento doutrinário de que «[a] lei processual nova é de aplicação imediata, quer às ações ainda não instauradas no momento da sua entrada em vigor, quer às então já pendentes. Uma lei processual aplicar-se-ia sempre, portanto, aos processos, ou porções de processos, que ocorram durante a sua vigência» Recorda-se o ensinamento de ANSELMO DE CASTRO, vindo de citar: Será de acolher esta interpretação conferindo-lhe um sentido de aplicação absoluta? Tem-se por pertinente a observação produzida por Abílio Neto: «(u)ma coisa é a lei nova ser de aplicação imediata e outra, bem distinta, é o legislador, direta ou encapotadamente, ter-lhe conferido efeitos retroativos, isto é, ter pretendido que a lei nova era aplicável aos atos processuais pretéritos. E isso não fez. E daí que a validade e regularidade dos atos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência do qual foram praticados…» ([7]) Estando em causa, como aparentemente está, uma sanção de cariz disciplinar jusprocessual, será, pelo mínimo, razoável questionar a direta aplicabilidade, ao caso, do princípio da proibição da retroatividade in pejus, ou, em formulação positiva, da aplicabilidade do princípio da retroatividade in melius. Aplicabilidade que, em termos gerias e abstratos, não se recusa. Colhe-se, neste sentido, o ensinamento de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA: «É problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo (Leia-se : artº 29º da CRP) são extensíveis a outros domínios sancionatórios. A epígrafe «aplicação da lei criminal» e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação direta apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respetivas sanções). Há-de porém, entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar. Será o princípio da legalidade lato sensu (mas não o da tipicidade), da não retroatividade, da aplicação retroativa da lei mais favorável, da necessidade e proporcionalidade das sanções» (cfr. art. 32º 10)» ([8]) Questão será saber se uma tal interpretação encontra razão de ser em face do quadro normativo aplicável in casu. 3.3.5 Optando-se por uma aplicação da lei nova sem pruridos de retroatividade, não sobraria qualquer questão relativamente a uma aplicação da sanção de multa à R., enquanto parte litigante de má fé, visto, de uma parte, o disposto no artigo 542º/1 do CPC/2013: «Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir» , e, de outra, a exérese da responsabilidade do representante da pessoa coletiva no artigo 544º do mesmo diploma. Diferentemente, sendo de acolher como aplicável, hic et nunc, o princípio da proibição da retroatividade in pejus - como se tem por razoável e se deixa justificado -, será, então, de concluir no sentido do pretendido erro de julgamento, na justa medida em que a lei vigente à data dos factos não comportava a condenação da R., sendo esta, como no caso, uma sociedade. Vale dizer, com referência à redação dada pelo DL Nº 180/96, de 25-09, ao CPC, valia a solução de uma responsabilidade exclusiva do representante das pessoas coletivas ou sociedades: sendo a litigância de má fé consequência da atuação reprovável de quem age no processo, então, cabendo a autoria de tal atuação ao representante, a lei imputava-lhe a correlata responsabilidade pelo pagamento das custas, multa e indemnização. (Artigo 458º) Responsável, seguramente, quando, e apenas quando, comprovada a sua intervenção direta e reprovável ([9]) no processo. De todo o modo, uma responsabilidade exclusiva, ou dizer «substitutiva», «não cumulativa»([10]), como decorria do ensinamento de Alberto dos Reis:
Destarte, na axiologia subjacente à condenação por litigante de má fé, com referência à lei coetânea dos factos, sendo a parte uma pessoa coletiva ou sociedade, tomava-se tal litigância como consequência necessária da atuação reprovável de quem agia no processo, de sorte que, cabendo a autoria de tal atuação ao representante, sobre ele recaía a condenação em custas, multa e indemnização, que não à parte que representava. Nesta conformidade, tem-se por normativamente não justificada a condenação da R. sociedade como parte litigante de má fé. III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido nos segmentos em que: (a) foi condenada a R. como litigante de má fé, na multa de € 9.000,00 e em indemnização a favor da A., a determinar oportunamente; (b) foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem quanto ao montante da indemnização a fixar à A., em consequência da condenação da R. como litigante de má fé. Sem custas.
Anexa-se Sumário.
Lisboa, 5 de novembro de 2014
Melo Lima (Relator)
Fernandes da Silva
Pinto Hespanhol
________________ [8] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, pág. 498 |