Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/20.6PCCSC.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
IN DUBIO PRO REO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE INSANÁVEL
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
AUSÊNCIA
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
TELECONFERÊNCIA
COVID-19
ROUBO
COAUTORIA
CUMPLICIDADE
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas al. a) e c) do n.º 1 do art. 432.º (nova redação da Lei n.º 94/2021, de 21-12 - art. 11.º - que procede à alteração ao CPP).
II - De qualquer modo, a limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impede este tribunal de conhecer oficiosamente dos vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova –, se eles resultarem do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e se a sua sanação se revelar necessária à boa aplicação do direito, como este tribunal vem afirmando em jurisprudência constante.
III - No caso concreto, houve dupla conforme, ou seja, foi confirmada na totalidade a decisão da 1.ª instância, sendo negado provimento ao recurso dos arguidos para a Relação (fosse quanto a questões colocadas a nível da decisão proferida sobre a matéria de facto, fosse quanto a questões de direito, e, também, quanto à medida das penas parcelares/individuais e única).
IV - Da leitura do acórdão recorrido, seja pela apreciação da prova feita pelo próprio coletivo de juízes desembargadores, seja quando estes se socorreram de alguma motivação da matéria de facto feita pelo coletivo da 1.ª instância, verifica-se que se trata de uma leitura lógica e coerente de valoração da prova. Não padecendo o acórdão recorrido dos vícios do art. 417.º do CPP, nomeadamente o invocado erro notório na apreciação da prova, nem de qualquer violação do princípio da presunção de inocência e/ou do princípio in dubio pro reo, tal implica, assim, a impossibilidade de este tribunal de recurso poder modificar a decisão sobre a matéria de facto.
V - Em audiência de discussão e julgamento, nos termos do art. 332.º, n.º 1, do CPP, “é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.ºs 1 e 2 do art. 334.º” — isto é, nos casos de “falta (..) do arguido notificado para a audiência”, e nos casos de “ausência do arguido”. Os casos abarcados pelo disposto no art. 334.º, n.º 1, do CPP, referem-se às situações em que o arguido falta porque não pode ser notificado ou porque faltou injustificadamente, e no n.º 2 do mesmo dispositivo estão previstas as situações em que o arguido está impossibilitado de comparecer designadamente por doença grave.
No caso sub judice o arguido foi devidamente notificado, e não faltou injustificadamente, pelo que não se verifica nenhuma das condições previstas no n.º 1 do art. 334.º, do CPP.
Por outro lado, também não se verifica a condição prevista no n.º 2 do mesmo dispositivo, uma vez que o arguido não estava doente, mas sim em isolamento profilático por ter tido um contacto de risco com reclusos portadores de infeção (COVID-19).
VI - Não estando verificada nenhuma das condições previstas nos n.os 1 e 2 do art. 334.º, do CPP, que permitira a realização da audiência sem a presença obrigatória do arguido, e tendo o arguido o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, estaríamos perante uma nulidade insanável.
VII - No caso presente, porém, o arguido esteve presente no início da audiência de julgamento, realizada no dia 09.02.2021, tendo, então, prestado declarações sobre os factos e, nessa data, foi informado que a audiência de julgamento iria continuar no dia 22.02.2021, pelas 14 horas. No dia 22.02.2021, o arguido não esteve presente em julgamento (nem presencialmente, nem através de vídeo conferência), por se encontrar recluído no E.P. de Lisboa, em isolamento profilático, pelo que o tribunal entendeu, então, em despacho que proferiu na sessão de julgamento de 22.02.2021, que a presença dos arguidos, no reinício da audiência de julgamento, não era absolutamente imprescindível à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, tanto mais que que o julgamento já se tinha iniciado, tendo os arguidos estado presentes em tribunal, na primeira sessão, e prestado as declarações que bem entenderam, não tendo o julgamento terminado, nesse dia, e tendo, igualmente, em conta a natureza do processo, em que estavam presos três arguidos, o dever e direito constitucionais de realização da justiça em tempo oportuno e, ainda, o direito fundamental dos próprios arguidos a verem esclarecida a sua situação processual no mais curto espaço de tempo possível.
VIII - Ora, o art. 333.º, n.º 1, do CPP, refere que se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
E no n.º 2 que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do art. 117.º.
IX - Destes preceitos legais decorre que a não presença do arguido, quando a sua presença não seja tida por essencial para a descoberta da verdade, não obsta ao início do julgamento, com a audição das pessoas presentes; e também que o arguido pode comparecer e prestar declarações até ao encerramento da audiência na primeira data designada, se entretanto comparecer; e ainda que pode ser ouvido na segunda data designada para o julgamento, mas desde que o seu defensor o requeira até ao encerramento da audiência na primeira data. Trata-se, pois, de um ónus do arguido, não do tribunal.
X - No caso presente, o recorrente estava impedido de comparecer por se encontrar em isolamento profilático por contacto de risco com reclusos portadores de infeção (COVID-19) e, não sendo absolutamente imprescindível a sua presença para a descoberta da verdade material, não existia fundamento legal para o adiamento da referida sessão. O julgamento já se tinha, aliás, iniciado, tendo o recorrente estado presente em tribunal e prestado declarações, tal como esteve presente na última sessão de julgamento, onde novamente prestou declarações, pelo que o seu direito de comparência e de prestar declarações em julgamento não foi, de todo, prejudicado, foi, aliás, devidamente acautelado, em nada ficando prejudicado o seu direito de defesa, tendo sido asseguradas as garantias de defesa.
XI - Ao direito que assiste ao arguido em estar presente na audiência de julgamento nem sempre se contrapõe o dever do tribunal de adiar a audiência para permitir o exercício daquele direito. A tal se opõem os princípios da concentração e da celeridade processuais, de acordo com os quais, a regra deverá ser a continuidade da audiência consagrada no art. 328.º, e a exceção o seu adiamento. Tanto mais tratando-se, como no caso sub judice, de um processo em que estavam presos três arguidos, tendo por isso caráter urgente.
XII - Não se verifica, pois, a nulidade prevista no art. 119.º, al. c), do CPP, quanto à realização da sessão de julgamento do dia 22 de fevereiro de 2021, na ausência do recorrente Pedro Tavares, nem ficou prejudicado o seu direito de defesa, previsto no art. 32.º da CRP.
XIII - Não se verifica a irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação via whatsapp nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido, quando a inquirição das testemunhas por telechamada foi realizada em pleno estado de emergência, decorrente da pandemia da doença Covid-19, ao abrigo do disposto no art. 6.º-B, n.º 7, al. a), da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 e na redação então em vigor, e quando tal inquirição foi realizada sem a presença de qualquer outra pessoa no espaço físico onde aquelas se encontravam, e sem que qualquer uma delas tivesse assistido ao depoimento prestado pela outra, conforme decorre da gravação da audiência de julgamento, tendo o tribunal a quo solicitando especificadamente a retirada do local do ofendido.
XIV - Mas, ainda que se considerasse que, por mera hipótese, tal “ambiente” não tinha sido propiciado às referidas testemunhas, o vício daí decorrente já há muito se encontrava sanado, ficando, assim, a omissão em causa ficaria relegada para o plano das meras irregularidades nos termos do disposto no art. 123.º do CPP.
XV - Estar-se-ia, pois, perante uma omissão que constituiria uma irregularidade, a poder ser enquadrada no n.º 1 do art. 123.º do CPP, o qual dispõe que “as irregularidades só determinam a invalidade dos actos quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificadas para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado“. Não obstante presentes no acto, nenhum interveniente processual manifestou, no decorrer da referida sessão de julgamento, ou nos três dias subsequentes àquela, qualquer oposição à inquirição das testemunhas em apreço por essa via, nem invocou a existência de qualquer irregularidade, pelo que, ainda que existisse, a mesma se encontraria sanada, nos termos do art. 123.º do CPP.
Decisão Texto Integral:


 Proc.º nº 89/20.6PCCSC.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

I. RELATÓRIO

 1. No Processo Comum, com julgamento em Tribunal Colectivo, nº 89/20...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., por acórdão proferido em 6 de Abril de 2021, foi decidido julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação e, em conformidade com isso, condenar os arguidos nos seguintes termos:

- O arguido AA:

a) pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos 210.° n.°s 1 e 2 al. b), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 204.°, n.° 2 als. a) e f) ex vi artigo 202.°, al. b) todos do Código Penal, e pelos artigos 75.° n.° 1 e 76.°, n.° 1, do Código Penal, a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, als. c) (quanto à arma de fogo) e d) (quanto às munições) da Lei 5/2006, de 23/02 (na sua redacção actual introduzida pela Lei 26/2010, de 30/08 e pela Lei 12/2011, de 27/04, a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

c) pela prática de um crime de coacção agravado, previsto e punido pelo artigo 154.° n.° 1 e 155.°, n.° 1, al. a), ex vi artigo 131.°, do Código Penal, (na pessoa de BB), a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

d) pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 40.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, conjugado com a Tabela I-C anexa ao mencionado diploma e constante no artigo 2.° da Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, a pena de multa de 100 dias à razão diária de 5 euros, num total de 500€ (quinhentos euros) de multa;

Fixar-lhe a pena única em 12 anos e 7 meses de prisão e 500€ de multa;

*

- O arguido CC:

a) pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos 210.° n.°s 1 e 2 al. b), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2 als. a) e f) ex vi artigo 202.°, al b) todos do Código Penal, e pelos artigos 75.° n.° 1 e 76.°, n.° 1, do Código Penal, a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, als. c) (quanto à arma de fogo) e d) (quanto às munições) da Lei 5/2006, de 23/02 (na sua redacção actual introduzida pela Lei 26/2010, de 30/08 e pela Lei 12/2011, de 27/04, a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

c) pela prática de um crime de coacção agravado, previsto e punido pelo artigo 154.° n.° 1 e 155.°, n.° 1, al a), ex vi artigo 131.°, do Código Penal, (na pessoa da ofendida BB), a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

Fixar-lhe a pena única em 12 anos e 7 meses de prisão.

*

Inconformados com o acórdão condenatório, recorreram os arguidos AA e CC para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão de 26 de outubro de 2021, deliberou:  

«- Dar como não escrito o segmento do ponto 42, dos factos considerados provados, quando refere “designadamente procurando ocupação profissional que lhe permitisse obter rendimentos (…)”.

- Declarar parcialmente procedente o recurso do arguido, AA, no respeita à declaração de perda do telemóvel de marca ..., modelo ... (cf. apreensão a fls. 21), ordenando-se a entrega do mesmo ao recorrente;

- No mais, confirma-se o douto acórdão recorrido, negando-se provimento às restantes questões suscitadas nos recursos dos arguidos, AA, DD e CC».

*

Ainda inconformados, recorrem os arguidos para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

Arguido AA:

A) Emerge o presente recurso do Douto Acórdão que condenou o arguido AA numa pena de 12 anos e 7 meses de prisão e 500 € de multa pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de coação agravado, bem como de um crime de consumo de estupefacientes;

B) O arguido AA foi ainda condenado a pagar, solidariamente, ao ofendido EE o montante de €: 15.000,00 a título de Indemnização;

C) O Recorrente, para integral análise do seu Recurso, dá aqui por reproduzido tudo o que alegou supra nas suas Motivações;

D) Como questão inicial, o recorrente continua a considerar que o Tribunal a quo violou as regras de processo inerentes à audiência de discussão e julgando quando permitiu que duas testemunhas fossem inquiridas via ..., nas instalações do I... que gerido pelo ofendido/demandante EE e através do telemóvel deste;

E) Ao serem ouvidas as testemunhas BB e FF através de meio de comunicação à distância que não pertença das próprias, mas sim do ofendido pessoa singular, parte interessada nos autos, nas instalações da ofendida pessoa colectiva, e também parte interessada nos autos, quer o princípio da imediação, quer os princípios do testemunho imparcial, independente e verídico, se encontram em crise;

F) A audição das testemunhas BB e FF, no tempo, lugar, e meios utilizados, viola assim o n.º 1 do artigo 512.º do C.P.C., o n.º 1 do artigo 138.º, o artigo 348.º e o artigo 96.º, todos do C.P.P., impondo-se a repetição das inquirições em sala de audiências, preferencialmente, ou em ambiente que propicie a imparcialidade, independência e veracidade do depoimento;

G) Dando cumprimento ao disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, o Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 1 a 7, 9, 18 a 31, 40 a 42 do Douto Acórdão recorrido e os parágrafos terceiro, quarto e sétimo a nono dos factos que resultaram por provar;

H) O Recorrente AA afirma que não sabia ao que ia, que pensava que se tratava de uma situação de cobrança, nunca lhe foi dito que ia para um assalto, que por pensar que não se tratava de nada de ilegal utilizou a viatura de propriedade de sua mãe e que só no local lhe foi ordenado que tapasse o rosto, o que fez mediante a colocação de um gorro do trabalho e um cachecol, mas sendo certo que não levava luvas;

I) O Recorrente AA foi claro e coerente, ao ter dito que saiu do trabalho pelas 8 horas da manhã, conforme folha de ponto a folhas 1169 destes autos, bem como que só teriam chegado ao local dos factos “pelas 9 horas e tal” e que nunca lá tinha estado em momento anterior;

J) O Recorrente AA desconhecia que o DD levava uma arma consigo, tendo o DD afirmado e confessado nas declarações que prestou em Julgamento que não disse a ninguém que trazia a referida arma consigo e que ninguém sabia da existência da mesma, aliás como consta do Acórdão Recorrido;

K) Quando o Recorrente AA foi surpreendido com a realidade de um assalto, totalmente novidade para o mesmo, manteve-se afastado do local onde foi exibida a arma e praticadas as agressões no ofendido EE e onde foi exibida a arma a BB, tendo-se mantido próximo do carro do ofendido EE e do carro da mãe;

L) O Recorrente AA desconhecia e ainda desconhece se existiu algum acordo ou plano delineado entre os outros dois intervenientes para a prática do roubo, mas se tal foi delineado foi-o com o seu completo e total desconhecimento;

M) O Recorrente AA, efectivamente, é o 3.º elemento, aquele que não levava arma nem a apontou, aquele que não agrediu, que usou um gorro e um cachecol e que não usou luvas, o que por surpresa devido à inesperada realidade do roubo, o qual desconhecia ir acontecer, permaneceu mais afastado do local das ameaças com arma, das agressões físicas e da concretização da tomada de posse da mala com o dinheiro;

N) Atente-se ainda no facto de que é dele a impressão palmar na face externa do vidro da porta traseira esquerda do ... 508, propriedade do ofendido EE, conforme Descrição n.º 3 da Guia de Entrega de fls. 706, a que corresponde ao vestígio “A” referido a fls. 717 e a fls. 718, sendo que esse vestígio “A” se encontra reproduzido a fls. 720, todas estas folhas destes autos, com a conclusão de que este vestígio é pertença do Recorrente AA;

O) Todos estes factos conjugados, concretamente, o vestígio “A” da impressão palmar do Recorrente AA, como o não uso de luvas por este, a sua permanência junto aos carros e mais distante do local das referidas ocorrências, o uso de gorro e cachecol, a surpresa pela desconhecida realidade de ser um roubo e não uma cobrança, o receio de interromper e evitar a conduta do roubo dos dois restantes elementos por medo de qual viesse a ser a conduta do portador da arma contra si, fazem concluir com certeza de que o Recorrente AA é o 3.º elemento, o qual não tem participação na conduta delituosa do roubo, da posse de arma nem da coacção, bem como não fez qualquer parte da eventual delineação de um qualquer plano, nem dele tomou qualquer conhecimento, pelo que a co-autoria se mostra totalmente afastada quanto ao mesmo;

P) Acresce referir ainda que a descrição da testemunha e ofendido EE é bem clara ao dizer que o 3.º elemento foi o que esteve mais afastado de si, não teve qualquer conduta contra si, manteve-se junto ao seu carro e trazia posto um gorro e um cachecol no rosto, sendo que os restantes tinham passa-montanhas;

Q) Também as testemunhas BB e FF são claras ao dizerem que o 3.º elemento usava gorro e cachecol, que se manteve mais afastado dos dois restantes, mais próximo do carro e no meio da estrada, sendo que foram os dois restantes que, respectivamente, um empunhou a arma para o ofendido e para a testemunha BB e o outro foi quem agrediu o ofendido EE;

R) Por último, é manifestamente claro que o Recorrente AA foi credível na demonstração de que está arrependido de ter praticado a conduta que adoptou nesse dia 11 de Fevereiro de 2020, da forma como a confessou total e sem reservas, bem sabendo que a mesma terá consequências na sua vida, vida essa que estava encaminhada, definida e determinada, quer pessoal, quer profissionalmente;

S) Assim, as Provas Testemunhais e Documentais que supra foram invocadas permitem impor que aos concretos pontos de facto supra impugnados sejam dadas respostas distintas das Recorridas;

T) Sem prescindir, o Tribunal a quo deu como provado que o Recorrente, em coautoria com os demais arguidos, delinearam um plano para assaltar o estabelecimento comercial I..., na ..., E... e que, no dia 11 de fevereiro de 2020, deslocaram-se às imediações desse estabelecimento por volta das 8h00 da manhã, onde aguardaram a saída do Sr. EE;

U) Nunca se procedeu à análise do conteúdo dos telemóveis dos arguidos e a restante prova não permite concluir pela existência de qualquer plano prévio ou combinação entre os arguidos;

V) Não existe um único elemento que permita dizer-se que os arguidos aguardaram a saída do Sr. EE desde as 8h00 na manhã, nas imediações do I...;

W) Não foram juntas quaisquer imagens de videovigilância aos autos que atestem essa informação;

X) Nenhuma testemunha prestou depoimento no sentido de ter conhecimento ou de ter presenciado qualquer facto que indique a existência de um plano delineado entre os arguidos para a realização do assalto nem a sua permanência, no dia 11/04/2020, desde as 8h00 da manhã nas imediações do estabelecimento comercial onde se alega ter decorrido o assalto;

Y) Procedendo-se à carga e descarga de mercadoria no I... todas as manhãs, os empregados que realizaram essa tarefa também nunca foram inquiridos;

Z) Nenhuma prova permite retirar qualquer elemento que possibilite inferir que os arguidos delinearam um plano de assalto ao Sr. EE nem muito menos que ali se encontrava desde as 8h00 da manhã no dia 11/02/2020;

AA) O Recorrente AA, através da junção aos presentes autos na sessão de Julgamento realizada no dia 22/02/2021, conforme fls.…, da Folha de Picagem da sua prestação de trabalho, demonstrou cabalmente que o mesmo esteve no seu posto de trabalho em ... até às 8 horas da manhã desse dia 11/02/2020, o que impedia o mesmo de estar no local da ocorrência dos factos à mesma hora, no entanto o Tribunal da Primeira Instância e o Tribunal da Relação, passando por cima deste facto concreto, afirma e dado como provado que o Recorrente estava no local dos factos às 8h00m do dia 11/02/2020;

BB) Demonstrou-se que o arguido AA não sabia que ia para um assalto, que desconhecia a existência da arma na posse do DD, como desconhecia e desconhece se houve algum plano ou acordo delineado, pois não participou em tal, dando-se aqui como reproduzido tudo o que foi alegado supra quanto à surpresa do deparar-se com o assalto, não ter luvas, a recolhida impressão palmar, o não ter participado nos actos do assalto, como seja ameaçar com a arma, coagir, agredir e subtrair a mala com o dinheiro;

CC) O Recorrente não é co-autor porque não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime;

DD) O cerne da questão quanto ao enquadramento jurídico penal dos factos no anterior, como no presente recurso, é, reafirma-se, a subsunção dos mesmos à figura jurídica da co-autoria ou da mera cumplicidade;

EE) Ensina-nos o Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal II, pág. 253 que, «Não há co-autoria sem acordo, ao menos na forma mínima de mera consciência e vontade de colaboração de várias pessoas, na realização do crime»;

FF) Eminente Jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, in Acórdão proferido a 15/04/2009 no Processo n.º 09P0583, publicado in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/43c7ad2e38e242d2802575ba00466b2f, in Acórdão proferido a 05/06/2012 no Processo n.º 148/10.3SCLSB.L1.S1, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/efc30399c47f7f3d80257a8b003b4dfe?OpenDocument&Highlight=0,armas,muni/prct.C3/prct.A7/prct.C3/prct.B5es e in

 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido a 11/03/2014 no Processo n.º 205/12.1GGSTB.E1,https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=109A0027&nid=109&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao= nos ensinam quando se verifica a co-autoria ou a cumplicidade e a respectiva dicotomia entre esses dois institutos;

GG) O Recorrente limita-se, eventualmente, a facilitar o facto principal, por medo, por receio, por desconhecimento de com quem está a lidar, concretamente o portador da arma, por não saber se o tentar efectuar algum acto para evitar e impedir o resultado, poderia conduzir a que ele próprio viesse a ser a vítima, ou pior, pelo fundado receio que teve de que venham a fazer mal à sua família;

HH) Pelo que, por força do in dubio pro reo e da manifesta falta de provas, impõe-se que se deem quanto a si como não provados os pontos 1. a 7. dos factos dados como provados constantes do Douto Acórdão recorrido;

II) O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de Direito, sendo que o que aqui está em causa é matéria de Facto e factos dados como provados quando não o deviam ter sido;

JJ) Esta decisão, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 1 a 7, é uma clara e notória violação do nº 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, o que aqui expressamente e para todos os efeitos legais se invoca;

KK) Na apreciação da dinâmica do Crime de Roubo o Tribunal a quo falha igualmente na apreciação dos factos e na subsunção dos mesmos à figura jurídica da co-autoria;

LL) O Tribunal a quo perante os factos integrantes do Crime de Roubo tem tudo o que é necessário para subsumir os mesmos a um ou outro dos institutos jurídicos penais, i.e., ou a co-autoria ou a cumplicidade, mas decide pela co-autoria tout court sem conhecer, fundamentar e justificar a não aplicação das posições conflituantes com o seu juízo subjectivo quanto a se estar perante, quanto à pessoa do Recorrente, de cumplicidade;

MM) Esta decisão quanto ao Crime de Roubo não é de somenos importância porque violadora uma vez mais do princípio in dubio pro reo e do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, constantes do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, porque no ser-se co-autor ou ser-se cúmplice tem particular e especial relevância na definição e fixação do quantitativo da pena. Ser-se cúmplice nos termos do artigo 27.º do Código Penal implica a especial atenuação da pena;

NN) Assim, ao não apreciar, ao não julgar quanto à questão da dicotomia co-autoria vs. cumplicidade o Tribunal a quo julgou mal de Facto e de Direito, julgou contra os princípios constitucionais do in dubio pro reo e da aplicação da lei mais favorável ao Arguido, o que aqui e agora, para todos os efeitos legais, expressamente se invoca, devendo, nesta parte ser a decisão substituída por decisão que reconheça que o Recorrente é cúmplice mas nunca co-autor e, consequentemente, tenha em atenção a especial atenuação da pena;

OO) Sem prescindir, resulta do supra exposto, nomeadamente, o desconhecimento da existência da arma pelo AA, bem como o facto de o mesmo não saber que ia para um roubo, nem sabia se houve algum plano delineado, muito menos que participou nessa delineação, pelo que também quanto a este crime de Detenção e Posse de Arma Proibida não se admite a existência de co-autoria do Recorrente AA quanto a este crime de que se encontra acusado, pelo que, quanto a todas as questões referidas no precedente parágrafo, que nos levam para a questão da verificação ou não da co-autoria pelo Recorrente AA, remete-se para tudo o que supra se explanou quanto a esta questão da co-autoria no ponto em que se tratou do crime de Roubo Qualificado;

PP) Impõe-se dizer em consequência que, no âmbito do Crime de Detenção de Arma Proibida, não se aceita sequer que exista cumplicidade, muito menos co-autoria;

QQ) Por outro lado, quanto ao Crime de Detenção de Arma Proibida o arguido DD admitiu a posse da arma e referiu que os restantes intervenientes no roubo não tinham conhecimento que este portava aquele objeto;

RR) Por um lado, e conforme já se referiu e se demonstrou pelas passagens e transcrições anteriormente plasmadas, não existe nenhuma prova relacionada com o planeamento do roubo entre os arguidos, pelo que consequentemente, nenhuma prova existe de que planearam levar e usar uma arma, muito menor ficou provado, como o Tribunal a quo concluiu, que a existência e uso de arma durante a conduta do roubo foi cogitada como uma vantagem para essa actuação;

SS) Face à inexistência de prova em sentido contrário, não poderia o Tribunal a quo entender que os restantes arguidos sabiam que o arguido DD levava consigo uma pistola;

TT) A convicção do Tribunal a quo assenta, pois, numa ideia que não é sustentada por qualquer elemento probatório, exigindo-se que, mais uma vez, se aplicasse o princípio do in dubio pro reo – o que não veio a suceder e que, uma vez mais, implica uma incorreta decisão;

UU) Entende o Recorrente que quanto ao Crime de Detenção de Arma Proibida deverá ser emitida decisão, que substitua a proferida, no sentido da absolvição do Recorrente;

VV) Sem prescindir, por economia processual não se irá repetir tudo o que já foi dito supra, nomeadamente, quanto à confissão em Julgamento do arguido DD ser o único dos elementos a saber que levava a arma e o único que a usou, bem como ao facto de o Recorrente AA não saber que ia para um roubo, nem sabia se houve algum plano delineado, muito menos que participou nessa delineação, pelo que, também quanto a este crime de Coacção Agravada não se admite a existência de co-autoria do Recorrente AA quanto ao este crime de que se encontra acusado, que nos leva para a questão da verificação ou não da co-autoria pelo Recorrente AA neste crime de Coacção Agravada, remetendo-se para tudo o que supra se explanou quanto a esta questão da co-autoria no ponto em que se tratou do crime de Roubo Qualificado;

WW) De igual forma e no seguimento das questões anteriormente abordadas quanto à dicotomia co-autoria vs. cumplicidade, também neste crime de Coacção Agravada não pode estar em causa a dicotomia co-autoria vs. cumplicidade, primeiro porque apenas um dos três elementos, com o desconhecimento dos restantes arguidos, porta a arma, pelo que se pode afirmar que essa “posse vale título”, ou seja, é determinante para concluir que existe apenas um único agente nesse crime de Detenção de Arma Proibida;

XX) Mas também na apreciação dos factos e da dinâmica do Crime de Roubo, entendeu o Tribunal a quo dar provimento à tese da autonomização do Crime de Coação Agravado constante da Douta Acusação do Ministério Público;

YY) Defende o Recorrente que aqui mais uma vez julgou mal de facto e de direito o Tribunal a quo ao não apreciar o relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos;

ZZ) O crime de coacção é exemplo de crime de execução permanente e não vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de acção e de decisão, sendo elementos objectivos do tipo legal o emprego de violência e sendo o constrangimento daí resultante uma das possibilidades de execução do crime de roubo;

AAA) A subtracção através de violência atingiu-se com a retirada dos bens e, nessa parte do iter criminis, afigura-se claro que a privação da liberdade de acção e decisão não ultrapassou a fronteira da instrumentalidade. O domínio e a submissão pretendida pelos arguidos passaram, claramente, pelo coagir as vítimas. Cabe então considerar que o desvalor do crime de coacção encontra-se, todo ele, contido no crime dominante: o crime de roubo;

BBB) A perspectiva que nos deve nortear encontra-se na vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e., no desígnio criminoso;

CCC) Entende assim o Recorrente que quanto ao Crime de Coacção Agravada deveria ser emitida decisão, que substitua a proferida, no sentido da absolvição do Recorrente AA;

DDD) Sem prescindir, a confissão do Recorrente teve relevância para o Tribunal a quo determinar os Factos que respeitam ao Crime de Roubo, mas já não atendeu às mesmas declarações quanto à medida em que permitisse reconduzir a participação do Recorrente no preenchimento dos requisitos do instituto da cumplicidade, pois decidiu pela co-autoria do mesmo;

EEE) Questão fulcral, apesar da forma como o Tribunal a quo decidiu instilar a noção de «farinha do mesmo saco» ao tratar tudo como um todo ao invés da individualização dos actos concretos, relativamente, à participação de cada um dos arguidos e em especial do Recorrente no facto criminoso;

FFF) Erradamente, para o Tribunal a quo e para o tribunal da Relação é indiferente quem bateu, quem coagiu com arma de fogo, quem portava essa mesma arma. Não houve interesse do Tribunal a quo na obtenção da individualização da prática do facto criminoso na dinâmica do Crime de Roubo, o crime principal. Não houve interesse na obtenção da verdade material dos factos, pelo que julgou mal, julgou contra o Direito, julgou contra o Estado de Direito Democrático e julgou contra os Princípios do in dubio pro reu e da presunção de inocência;

GGG) O Recorrente é o único arguido que se encontrava empregado, que tinha uma vida familiar estabilizada com a companheira, com a filha desta e com a própria mãe, assim como frequentava espaços de socialização de forma assídua – ginásio – que buscava uma qualificação profissional que lhe permitisse assegurar um futuro mais prometedor para si e para os seus;

HHH) O Recorrente confessa que usou um gorro e um cachecol, sendo que a testemunha EE e a testemunha BB afirmam que quem estava com o gorro e o cachecol não se aproximou do ofendido EE, nem o agrediu, e, contudo, o Tribunal a quo decide que é o Recorrente quem apresenta mais probabilidades de ter sido o agressor;

III) A testemunha FF afirma que quem estava mais distante não tinha luvas, a única impressão palmar existente é do Recorrente que sempre afirmou estar sem luvas. Impressão palmar essa que demonstra não ter o Recorrente se aproximado do ofendido, muito menos para o agredir, mas também na dinâmica do assalto e no apuramento da verdade material dos factos não é esta questão relevante para o Tribunal a quo;

JJJ) O Arguido DD confessa que era ele que portava a arma, que os outros arguidos nada sabiam sobre a existência da mesma, mas tal é desconsiderado pelo Tribunal a quo e são todos condenados em grupo, ao invés de ser apreciada a participação individualizada de cada um no âmbito da dinâmica do assalto;

KKK) Defende o Recorrente que aqui, mais uma vez, julgou mal de Facto e de Direito o Tribunal a quo e o tribunal da Relação ao não apreciar o relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos e quando assim acontece, a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e assim prevalece o crime dominante: o chamado crime-fim;

LLL) Não houve interesse na obtenção da verdade material dos factos, pelo que julgou mal, julgou contra o Direito, julgou contra o Estado de Direito Democrático e julgou contra os Princípios do in dubio pro reu e da presunção de inocência, porque foi demonstrado por confissão do Recorrente que o mesmo usou um gorro e um cachecol, confissão confirmada pelas testemunhas da acusação EE e BB que afirmam que quem estava com o gorro e o cachecol não se aproximou do ofendido EE, nem o agrediu, e, contudo, o Tribunal a quo decide que é o Recorrente quem apresenta mais probabilidades de ter sido o agressor do ofendido EE. MAS COM QUE PROVAS?;

MMM) Existe erro notório sobre a apreciação da prova, desde logo, no caso de ofensa das leis da lógica, onde cabe um mar de situações de incompatibilidade objetiva e subjetiva de factos provados com factos não provados e vice-versa e ainda incompatibilidade entre meios de prova;

NNN) É verdade que a confissão só tem relevância para efeitos de atenuação especial da pena, quando possa ser valorada em termos de ausência de prova e em termos de manifestação sincera e inequívoca de culpabilidade;

OOO) Mas por todo o exposto, necessário se torna concluir que a confissão do arguido não constituiu “mera estratégia de defesa”, mas verdadeira e imprescindível colaboração na descoberta da verdade, para além de inequívoca manifestação de culpabilidade;

PPP) Face ao que o Tribunal da Relação veio referir no Acórdão recorrido, perpassa a ideia que o mesmo entende que se o Arguido recorre da decisão condenatória, porque não pode pactuar com o ataque aos seus direitos ao lhe serem imputada a prática de crimes que entende, que defende, que pugna por não ter cometido, e atente-se que no caso concreto, só um entende não ser co-autor nem ter cometido porque quanto aos restantes só entende estar-se perante uma diferença na interpretação da aplicação da co-autoria ou da cumplicidade, já não existe confissão, perguntando-se, onde está a ser dada a garantia constitucional de o Arguido Recorrente exercer o seu Direito à Defesa;

QQQ) O Arguido, ora Recorrente, sente que está a ser injustiçado, que estão a ser violados preceitos e direitos consagrados legalmente, e que, por essa razão, recorre e, consequentemente, constata que o Tribunal superior entende que a confissão, parcial ou não, passa a uma total desvalorização na fixação do quantum condenatório, na fixação da sanção aplicável, porque o recurso é por esse Tribunal entendido como o corolário da manifestação de uma retratação da confissão. Se o Arguido recorre, já a confissão não é válida. Se o Arguido não recorre quando a decisão é menos correcta ou injusta então a confissão é válida;

RRR) Só podemos entender estar perante uma gritante violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e de toda a pessoa singular ou colectiva ter direito a um julgamento justo e equitativo, bem como a poder recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis por, no seu entender, violarem preceitos legais e constitucionais;

SSS) Conclui-se, assim, que se mostram verificados os pressupostos previstos no artigo 72.º do Código Penal, integrando-se a confissão dos factos, como assunção de culpa, nas circunstâncias posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a culpa do agente e, por isso, merece censura a decisão recorrida ao não ter atenuado especialmente a pena aplicada ao arguido;

TTT) A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena;

UUU) A medida concreta da pena não é de todo compreensível. A realidade é que o Tribunal a quo sopesou em demasia os antecedentes criminais do Recorrente e não valorizou com a devida ponderação que o arguido se encontrava a trabalhar e socialmente integrado e é uma pessoa jovem que se envergonha do seu passado criminal;

VVV) Tudo o que supra foi alegado em termos de Matéria de Facto, sendo devidamente analisado e ponderado, impõe Decisão Final distinta da proferida e que é objecto de Recurso, com a qual se discorda, por ser demasiado severa para o Recorrente;

WWW) Assim, uma melhor apreciação da prova produzida e uma correcta interpretação das normas legais aplicáveis, impõem que a condenação do Recorrente, a ocorrer seja numa pena de período temporal mais curto;

XXX) A pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização do agente do crime;

YYY) Por sua vez, o desiderato da ressocialização, tendo de ser avaliado em concreto, não pode deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma possível separação do Recorrente da comunidade, especialmente dos familiares;

ZZZ) Em especial, sendo um adulto jovem, não faz sentido que o Recorrente cumpra uma longa pena de prisão, que em nada contribui para a respectiva reintegração social, quando é certo que estava inserido na comunidade;

AAAA) Em face do exposto, da melhor apreciação da prova produzida e de uma correcta interpretação das normas legais aplicáveis, a pena a aplicar in casu deverá ser especialmente reduzida;

BBBB) Sem prescindir, dando aqui tudo o que foi reproduzido supra nas sua Motivações, o Recorrente não teve uma actuação em co-autoria com os demais, pelo que, consequentemente falha o requisito da causa praticada pelo mesmo Recorrente, que não agrediu, não ameaçou com arma, não sabia ao que ia, não fazia parte do eventual plano delineado pelos outros dois e, consequentemente, não havendo causa, não pode haver efeito, muito menos nexo causal entre a actuação e o resultado dessa actuação, pelo que, o Recorrente AA deve ser absolvido do pedido de pagamento da Indemnização que foi atribuída ao ofendido EE.

Verifica-se efectivamente que o Douto Acórdão Recorrido violou o disposto nos artigos 20.º, 29.º, 32.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 211.°, com referência ao artigo 203.º, n.º 1, al. b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 207.º, os artigos 131.°, 132.°, n.°s 1 e 2, al. h), 22.º, n.°s 1 e 2, als. b) e c), 23.° e 73.°, n.° 1, als. a) e b), os artigos 143.º, 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. h) do n.° 2 do art. 132.°, 22.°, n.°s 1 e 2, als. b) e c), 23.° e 73.°, n.° 1, als. a) e b), todos do Código Penal.

*

- Arguido CC:

I. A ausência do arguido na audiência de discussão e julgamento de 22/02/2021.

1. Entendeu o Tribunal da Relação ... que a ausência do arguido na audiência de discussão e julgamento não consubstancia qualquer nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no disposto na alínea c) do Artigo 119.º, por referência à alínea a) do n.º 1 do Artigo 61.º, ambos do C.P.P.

2. Sucede que a audiência de discussão e julgamento de 22/02/2020 decorreu sem a presença do arguido, por causa que não lhe era imputável.

3. O Estabelecimento Prisional ... informou o Tribunal que o recorrente e o coarguido DD encontravam-se em isolamento profilático e que não poderiam comparecer à diligência agendada (e-mail de 17 de fevereiro de 2021).

4. Não obstante o requerimento, ditado para a ata, a solicitar o adiamento da diligência e a invocação da nulidade da realização da diligência, a audiência de discussão e julgamento teve lugar, sem que o recorrente estivesse presente (nem, tão pouco, à distância, através de videoconferência), fazendo uma implícita aplicação do Artigo 333.º do C.P.P.

5. A presença do arguido na audiência é obrigatória (n.º 1 do Artigo 332.º do C.P.P.), sem prejuízo do disposto nos Artigos 333.º e 334.º, ambos do C.P.P.

6. Segundo o disposto na alínea a) do n.º 1 do Artigo 61.º do C.P.P., o arguido goza do direito de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito.

7. Na presente situação, o arguido não esteve presente por motivos que lhe são alheios, quando queria ter assistido a tudo o que se passou e nunca prescindiu da sua presença.

8. Ademais, o arguido pretendia perguntar às testemunhas se a sua estatura e tom de pele correspondia àquela que as mesmas poderiam ter visto dos autores do assalto.

9. O n.º 1 e 2 do artigo 333.º do C.P.P. não se aplica às situações em que o arguido, devidamente notificado para comparecer, não se encontra presente por causa que não lhe é imputável, sendo inconstitucional a sua interpretação e aplicação neste sentido e a norma daí extraída, por violação do disposto no n.º 1 do Artigo 32.º da C.R.P.

10. Atento o direito que o arguido tem de assistir ao seu julgamento, ouvir os depoimentos das testemunhas (que quase todas as da acusação foram inquiridas nessa data), ver e ouvir a produção da prova e, em suma, exercer o seu direito de defesa de forma plena e sem restrições (o que não sucedeu no presente caso, por não estar presente), a prossecução da audiência sem a presença do arguido por causa que não lhe é imputável, consubstancia uma nulidade insanável, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do Artigo 119.º, por referência à alínea a) do n.º 1 do Artigo 61.º, ambos do C.P.P. – nulidade que, pela presente via, se invoca para todos os efeitos legais.

11. Pelo que deverão V.Exas. declarar a nulidade invocada, declarando inválida a sessão de audiência de discussão e julgamento de 22 de fevereiro de 2021 e todos os atos subsequentes.

Se assim não se entender,

II. A irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação via ... nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido EE.

12. O recorrente considera que o Tribunal a quo violou as regras de processo inerentes à audiência de discussão e julgando quando permitiu que duas testemunhas fossem inquiridas via ..., nas instalações do I... que é gerido pelo ofendido/demandante EE e através do telemóvel deste.

13. Entende o TR... que inexiste qualquer nulidade, começando por fundamentar que “EE não se constituiu assistente nos autos e não deduziu qualquer pedido de indemnização civil, termos em que não é demandante cível, não tendo, nessa medida, interesse no desfecho do processo”.

14. Ora, se tais factos são verdade, não menos verdade é que, ainda em sede de inquérito, a totalidade do valor subtraído foi devolvida ao Sr. EE e os arguidos ainda foram condenados a pagar-lhe uma indemnização de 15.000,00€.

15. Ademais, tal testemunha foi exatamente a vítima principal do assalto e é sócio gerente do I... (à porta do qual todos os factos ocorreram e certamente não tem interesse em que factos idênticos se repitam).

16. Consideramos, pois, que tal testemunha tem interesse direto no desfecho dos autos.

17. O facto de tais testemunhas terem prestado depoimento nas instalações do estabelecimento I..., com a presença próxima do gerente, interfere com a sua credibilidade, isenção e imparcialidade.

18. A inquirição das testemunhas deve decorrer num ambiente que propicie a imparcialidade, independência e veracidade do seu depoimento e em obediência ao disposto no n.º v1 do Artigo 512.º do C.P.C. (ex vi Artigo 4.º do C.P.P.).

19. Antes de iniciada a inquirição da testemunha FF (dia 22/02/2021, com início às 15:57 e término às 16:39, com passagens relevantes entre os minutos 00:00 e 00:10), a chamada ... foi atendida pela testemunha/ofendido EE, constando da gravação o seguinte:

“Juiz Presidente: Boa tarde.

Sr. EE: Olá boa tarde, EE, tenho aqui a dona FF.

Juiz Presidente: Muito obrigada. O senhor EE terá de sair, sim, obrigada, obrigada.

Sr. EE: Sim.”

20. Não se encontrava garantida a imparcialidade e independência do depoimento prestado pela testemunha quando o mesmo é prestado nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido/demandante e com recurso ao seu próprio telemóvel, sendo contrário ao princípio da imediação, independência e regras de inquirição.

21. O Tribunal violou o princípio da imediação, o princípio da imediação, o n.º 1 do Artigo 512.º do C.P.C. e os Artigos 96.º e 348.º, ambos do C.P.P., impondo-se a repetição das inquirições em sala de audiências.

Se assim não se entender,

Do erro na determinação da medida da pena

22. O Tribunal, ao aplicar e manter ao arguido uma pena de prisão de 12 anos e 7 meses de prisão, extravasa a sua medida da culpa, violando os Artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

23. O Tribunal sopesou em demasia cada crime em particular, os antecedentes criminais do arguido e não valorizou devidamente que o arguido se encontra socialmente integrado e é uma pessoa jovem que se envergonha do seu passado criminal.

24. Apesar de estarem em causa três crimes, a verdade é que todos se inserem numa mesma situação pontual/momento (um assalto).

25. O arguido, à data dos factos, encontrava-se ativo no mercado de trabalho, dava aulas de jiu-jitsu a crianças oriundas de meios desfavorecidos e tem um filho com 2 anos de idade.

26. O recorrente era um jovem com 29 anos à data dos factos.

27. A vida do arguido estava dentro das regras da sociedade e o recorrente pautava a o seu dia-a-dia pelo bem, dedicando-se a projetos sociais, como o desporto para crianças desfavorecidas (o que é de louvar).

28. Apesar do passado criminal do arguido (do qual se arrepende, leia-se), o arguido dispõe agora de inserção profissional e é pai de uma criança que precisa da sua presença para um normal crescimento.

29. A reinserção do arguido terá de passar pela sua permanência junto da família, a trabalhar e acompanhar o seu descendente e não de longos anos de encarceramento.

30. Não ficou dado como provado que o arguido tenha agredido o Sr. EE nem que fosse o mandante do assalto.

31. O arguido considera excessiva a sua condenação em 9 anos e 6 meses pelo crime de roubo, devendo ser condenado em 4 anos, tendo em conta que todo o valor foi devolvido, não houve extrema violência sobre o ofendido e o arguido não auferiu qualquer compensação económica.

32. A pena aplicada em cúmulo mostra-se, também excessiva, pelos mesmos motivos.

33. Assim, a pena a aplicar ao arguido, em cúmulo, não deverá ultrapassar os 7 anos de prisão, sendo justo e proporcional à gravidade dos factos e à medida da culpa a pena, em cúmulo, de 7 anos de prisão.

34. Caso V.Exas entendam ser de manter ou estar vedada a alteração da pena parcelar aplicada ao roubo, consideramos que a pena, em cúmulo, de 12 anos e 7 meses de prisão também se mostra excessiva devido aos motivos supra expostos, devendo mesma ser situada junto ao limite mínimo: 9 anos e 6 meses.

35. Assim, deverá a pena ser reduzida para 9 anos e 6 meses de prisão.

36. Em ambas as situações, o Tribunal, ao condenar o arguido na pena de 12 anos e 7 meses viola o disposto no Artigo 40.º, 71.º do Código Penal, devendo antes condenar pena de prisão de 9 anos e 6 meses de prisão.

37. Em face do exposto, deverá o acórdão recorrido ser substituído por douto acórdão que determine, revogando ou modificando,

A) A declaração de nulidade invocada no ponto I. destas conclusões de recurso, com as necessárias consequências legais;

Subsidiariamente,

B) A declaração de irregularidade da inquirição das testemunhas ouvidas na sessão de 22/02/2021;

Subsidiariamente,

C) A redução da pena aplicada recorrente para 7 anos prisão em caso de redução da pena parcelar relativa ao crime de roubo ou, caso assim não se entenda, a redução da pena, em cúmulo, para 9 anos e 6 meses de prisão.

*

O Ministério Público junto da Relação, apresentou resposta aos recursos, concluindo: 

1. AA e CC interpõem recurso do acórdão proferido a 26 de outubro de 2021 pelo Tribunal da Relação ..., que confirmou as suas condenações pelos crimes e penas parcelares e unitária decididas pelo acórdão da 1ª instância;

2. In caso, que deverá ser parcialmente rejeitado o recurso interposto pelo recorrente AA quanto aos segmentos respeitantes aos crimes de detenção de arma proibida e coação agravado e respetivas penas parcelares em que foi condenado, por não admissível, nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, nº 1, al. f), do C.P.P., sob pena de violação da dupla conforme;

3. Os recorrentes nas suas motivações retomam e repetem argumentação que já expenderam sem sucesso nos seus recursos do acórdão da 1ª instância, conhecido pelo Tribunal da Relação;

4. Ambos os recorrentes alegam novamente a irregularidade das inquirições das testemunhas da acusação, BB e FF, por terem sido realizadas, via ..., nas instalações do estabelecimento comercial I..., gerido pelo ofendido EE e através do telemóvel deste, por violação dos princípios da imediação, imparcialidade e independência - arts. 512.º, n.º 1, do C.P.C., 138.º, n.º 1, 348.º e 96.º, n.º 1, do C.P.P.;

5. É verdade que os recorrentes foram condenados solidariamente no pagamento de 15000€ ao ofendido EE, a título de compensação indemnizatória, no acórdão da 1ª instância, mas foram-no ao abrigo do art. 82.º-A, do C.P.P.; Também é, pois, verdade o referido no acórdão recorrido que EE não se constituiu assistente nos autos, não é demandante civil, não tendo deduzido qualquer pedido de indemnização civil; Nesta medida não tinha interesse no desfecho do processo, interesse que tem de ser analisado em reporte a 22 de fevereiro de 2021, data dos depoimentos;

6. Como, em suma, bem se decidiu no acórdão ora recorrido, a Mmª Juíza presidente do coletivo da 1ª instância tomou todos os cuidados para garantir a imparcialidade, a independência e a liberdade de depoimento das referidas testemunhas; Não houve, pois, qualquer violação das regras do processo penal que regem a audiência de discussão e julgamento;

7. Tais depoimentos foram tomados em pleno estado de emergência, decorrente da pandemia da doença Covid 19, ao abrigo do disposto no art. 6º-B, nº 7, alínea a), da Lei 4-B/2021, de 01.02, que alterou a Lei nº 1-A/2020;

8. De resto, os recorrentes não invocaram qualquer irregularidade durante a sessão de audiência de julgamento, e só o vieram fazer em sede recursiva do acórdão da 1ª instância, o que se verificou manifestamente fora do prazo legal previsto no art. 123.º, n.º 1, do C.P.P.; E a existir tal irregularidade, (o que não se concede) encontra-se sanada;

9. O recorrente CC invoca, de novo, a verificação de nulidade insanável por ausência do arguido na sessão de audiência de julgamento de 22.02.2021, ao abrigo do art. 119.º, c) do C.P.P. e prejudicado o exercício do seu direito de defesa;

10. Este recorrente, em isolamento profilático, estava impedido de comparecer por razões de saúde pública e do próprio na referida sessão de audiência de julgamento;

11. Como decidiu o acórdão ora recorrido não se verificou a invocada nulidade, prevista no art. 119.º, c), do C.P.P., por nessa sessão não ser absolutamente imprescindível a sua presença para a descoberta da verdade material, nem existir fundamento legal para o adiamento;

12. No decurso de todo o julgamento foi garantido ao recorrente o direito de defesa, previsto no art. 32.º, da C.R.P., não tendo ficado prejudicado o exercício deste direito pela ausência na sessão de 22 de fevereiro de 2021;

13. Deve, pois, ser indeferida a invocada nulidade e a suscitada inconstitucionalidade, por violação do art. 32.º, da C.R.P., não merecendo qualquer censura o decidido pelo acórdão do TR... quanto a estas questões;

14. O recorrente AA vem novamente solicitar a reapreciação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 7, 9, 18 a 31, 40 a 42 e como não provada nos parágrafos 3.º, 4.º e 7.º a 9.º;

15. O acórdão ora recorrido já procedeu a tal reapreciação, por via da impugnação efetuada;

16. Ora, os poderes de cognição do STJ visam exclusivamente matéria de direito, como resulta do confronto dos arts. 432.º, c) e 434.º, do C.P.P.;

17. A matéria de facto dada como provada e não provada tem de entender-se por fixada, por não ser já sindicável (sendo que os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do C.P.P. apenas podem ser conhecidos oficiosamente);

18. Vem novamente o recorrente AA invocar a violação do princípio in dubio pro reo;

19. Entendemos que bem decidiu o acórdão ora recorrido pela não violação deste princípio, por não haver qualquer dúvida quanto à culpabilidade do arguido recorrente, quanto ao preenchimento de todos os elementos constitutivos dos ilícitos criminais, pelos quais foi, muito justamente, condenado;

20. Insurge-se o mesmo recorrente quanto ao enquadramento jurídico dos factos – coautoria/cumplicidade e ao pagamento indemnizatório ao ofendido EE;

21. Face à factualidade assente, a atuação deste recorrente, como elemento componente do conjunto da ação e essencialidade da produção do resultado acordado, tem de ser entendida como de coautoria, conforme bem confirmou o acórdão ora recorrido;

22. Razões pelas quais também não lhe assiste razão quando pretende ser absolvido do pagamento solidário ao ofendido EE da compensação indemnizatória fixada ao abrigo do art. 82.º-A, do C.P.P.;

23. E, diga-se, quanto ao demais alegado pelo recorrente respeitante às condenações pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de coação agravado (de que o recorrente pretende ser absolvido) não nos pronunciamos, afastado que deve ser o conhecimento destes segmentos de recurso, por inadmissível, pelas razões já referidas em 3.;

24. Nenhuma censura merecem as penas parcelares e única, em que os recorrentes foram condenados e confirmadas pelo acórdão recorrido;

25. Em nosso entender, as penas parcelar e única impostas a cada um dos recorrentes mostram-se corretas, adequadas e não padecem de excesso, perante toda a factualidade criminosa provada e as superiores exigências de prevenção geral e especial inerentes a este tipo de criminalidade;

26. Tais penas aplicadas em 1ª instância e mantidas no acórdão recorrido, porque se mostram justas e adequadas às necessidades de prevenção, não violam o princípio da proporcionalidade e da proibição de excesso, deverão igualmente ser mantidas pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça;

Os presentes recursos não merecem, em nosso entender, provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido do TR....

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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, uma vez que o acórdão recorrido qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa a matéria fáctica fixada.

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Notificados os recorrentes nos termos do art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, responderam ao Parecer do MºPº, nos termos seguintes:

- O recorrente AA, mantendo na íntegra as suas Motivações de Recurso, quanto à Matéria de Facto e à Matéria de Direito, pugnando pela procedência das suas Conclusões;

- O recorrente CC, com os seguintes fundamentos:

1. Não obstante o respeito pela posição assumida pelo Ministério Público, o recorrente discorda dos argumentos despendidos no parecer apresentado.

2. Em primeiro lugar, cumpre referir que o recorrente não pretende, ao contrário do referido no douto parecer, que esse Colendo Tribunal volte a sindicar questões de matéria de facto já decididas em instâncias inferiores.

3. Aliás, o Recorrente nem sequer impugna a matéria de facto nas motivações de recurso.

4. Os pontos que o recorrente pretende ver debatidos são as seguintes questões de Direito: a ausência do arguido na audiência de discussão e julgamento de 22/02/2021 (por motivo que não lhe é imputável), a irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação via ... nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido EE e o erro na determinação da pena.

5. Assim, quanto à questão do erro na determinação da pena, cumpre realçar que o Ministério Público, no seu mui douto parecer, refere que “É certo que a pena única – adicionando, à parcelar mais alta, cerca de metade da diferença entre essa e a soma aritmética de todas as penas parcelares – poderia, ainda assim, conhecer uma ligeira redução” (sublinhado nosso).

6. É, exatamente, esta a última e derradeira pretensão do recorrente: a redução da pena em que foi condenado!

7. Redução essa que o Ministério Público até colocava a hipótese de aceitar.

8. Sem esquecer os crimes pelos quais foi condenado (que se inserem numa única ocasião, leia-se), temos que ter em atenção que o arguido é jovem, tem um filho, uma família que o apoia e estava a profissionalmente inserido à data da prática dos factos (aulas de jiu-jitsu a crianças oriundas de meios desfavorecidos).

9. A sociedade precisa do recorrente mais cedo em liberdade e o mesmo também precisa de viver desse modo, junto da sua família.

10. Parece-nos demasiado excessiva a encarceração do arguido durante tão longos anos para um caso de um assalto em que o valor acabou por ser todo recuperado e ninguém ficou com sequelas para o futuro.

11. Assim, a pena a aplicar ao recorrente, em cúmulo, não deverá ultrapassar os 7 anos de prisão, sendo justo e proporcional à gravidade dos factos e à medida da culpa a pena, em cúmulo, de 7 anos de prisão.

12. Com o devido respeito, o Tribunal a quo, ao manter ao arguido a pena de 12 anos e 7 meses viola o disposto no Artigo 40.º, 71.º do Código Penal, devendo antes condenar pena de prisão de 7 anos de prisão.

13. No que aos demais pontos de Direito se refere, consideramos a ausência do arguido na audiência de discussão e julgamento consubstancia nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no disposto na alínea c) do Artigo 119.º, por referência à alínea a) do n.º 1 do Artigo 61.º, ambos do C.P.P.

14. A audiência de discussão e julgamento de 22/02/2020 decorreu sem a presença do arguido, por causa que não lhe era imputável, pois o recorrente estava em isolamento profilático.

15. As restrições existentes no Estabelecimento Prisional à data do surto de COVID-19 não podem, de maneira nenhuma, interferir nos direitos do recorrente.

16. A audiência de discussão e julgamento deveria ter sido adiada, pois o recorrente goza do direito de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito (alínea a) do n.º 1 do Artigo 61.º do C.P.P.), podendo até sugerir a realização de determinadas questões ao seu defensor ou comunicar com ele quando entenda pertinente para a sua defesa.

17. A verdade é que o recorrente pretendia perguntar às testemunhas se a sua estatura e tom de pele correspondia àquela que as mesmas poderiam ter visto dos autores do assalto – o que ficou impedido de fazer.

18. Pelo que deverão V.Exas. declarar a nulidade invocada, declarando inválida a sessão de audiência de discussão e julgamento de 22 de fevereiro de 2021 e todos os atos subsequentes.

19. Por fim, considera-se que o Tribunal de primeira instância violou as regras de processo inerentes à audiência de discussão e julgando quando permitiu que duas testemunhas fossem inquiridas via ..., nas instalações do I... que é gerido pelo ofendido/demandante EE e através do telemóvel deste.

20. A totalidade do valor subtraído foi devolvida ao Sr. EE e os arguidos ainda foram condenados a pagar-lhe uma indemnização de 15.000,00€.

21. O Sr. EE é a principal testemunha dos autos e tinha todo o interesse no desfecho dos autos.

22. Salvo melhor entendimento, o facto de tais testemunhas terem prestado depoimento nas instalações do estabelecimento I..., com a presença próxima do gerente, interfere com a sua credibilidade, isenção e imparcialidade.

23. Tendo por assente o disposto no n.º 1 do Artigo 512.º do C.P.C. (ex vi Artigo 4.º do C.P.P.), não se encontrava garantida a imparcialidade e independência do depoimento prestado pelas testemunhas – o que viola o princípio da imediação, o n.º1 do Artigo 512.º do C.P.C. e os Artigos 96.º e 348.º, ambos do C.P.P., impondo-se a repetição das inquirições em sala de audiências.

24. Em face do exposto, deverá o acórdão recorrido ser substituído por douto acórdão que determine, revogando ou modificando,

A) A declaração de nulidade invocada, com as necessárias consequências legais;

Subsidiariamente,

B) A declaração de irregularidade da inquirição das testemunhas ouvidas na sessão de 22/02/2021;

Subsidiariamente,

C) A redução da pena aplicada recorrente para 7 anos prisão.

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Colhidos os vistos, e uma vez que não foi requerida audiência, o processo foi presente à conferência para decisão.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. As instâncias julgaram os seguintes factos provados:
DO JULGAMENTO, RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

1.      Em data próxima do dia 11 de Fevereiro de 2020, os arguidos AA,


DD e CC formularam o propósito de se deslocarem até ao


estabelecimento comercial I..., sito na Rua ..., na ..., E..., pertencente à


sociedade D... Lda, e de se apropriarem das quantias monetárias geradas por aquele


mesmo estabelecimento comercial.


2.      Os arguidos sabiam que o ofendido EE, gerente do estabelecimento comercial


I..., cumpria a tarefa diária de transportar as receitas geradas pelo estabelecimento (quantias


monetárias), em numerário, e deslocar-se até ao Banco Montepio para proceder ao depósito de tais quantias.


3.      Os arguidos acordaram actuar em conjugação de esforços e por meio de ameaça com armas de


fogo e, se necessário, desferirem pancadas, murros e pontapés no funcionário daquele estabelecimento que


transportasse o dinheiro com vista a forçá-lo a entregar-lhes todo o dinheiro que transportasse consigo.


4.      Para lograrem tal desígnio, os arguidos fizeram-se acompanhar de uma arma de fogo curta,


semiautomática, calibre 7,65 mm, com um carregador nela inserido municiado com 7 munições calibre 7,65 mm


prontas a deflagrar.


5.      De igual modo, para lograrem o seu desígnio, os arguidos fizeram-se acompanhar da viatura


automóvel ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., com a matrícula matricula ..-..-JO.


6.      Em cumprimento do plano delineado, no dia 11 de Fevereiro de 2020, pelas 8h00m, os arguidos


deslocaram-se no veículo de matrícula ..-..-JO e dirigiram-se ao parque de estacionamento do I... da


..., no E....


7.      Os arguidos imobilizaram o veículo e permaneceram no seu interior a aguardar que o ofendido


EE saísse do estabelecimento munido com dinheiro e se dirigisse ao Banco Montepio.


8.      Pelas 12h30, o ofendido EE saiu interior do estabelecimento I... com uma mala


preta contendo no seu interior:


- €30.815,18 (trinta mil oitocentos e quinze euros e dezoito cêntimos) em numerário repartido em


várias bolsas de plástico transparente;


9.      Nesse momento, os arguidos saíram do veículo, abordaram o ofendido EE, rodearam-no,


cercando-o, e impediram que o mesmo encetasse fuga.


10. Foi então exibida ao ofendido a arma de fogo calibre 7,65 mm peio arguido DD,


apontada na direcção do corpo do ofendido, e um dos restantes arguidos desferiu-lhe ainda vários pontapés no


corpo.


11. Com o impacto dos pontapés desferidos, EE caiu no solo.


12. com EE Prostrado no solo, um dos arguidos que não tinha a arma empunhada na sua


direcção desferiu mais pontapés no corpo daquele, indo a cabeça de EE embater por isso contra um


poste.


13. Nessa ocasião encontrava-se na Rua ..., funcionária do I..., a qual, ao ver


os arguidos à volta de EE, aproximou-se dos mesmos com vista a auxiliar EE.


14. Ao chegar próximos dos arguidos com o intuito de ajudar EE, o arguido que manuseava


a arma apontou-a na direcção do corpo de BB segurando-a com ambas as mãos.


15. Com tal gesto, o arguido quis e logrou anunciar a BB que estava na disponibilidade


de lhe dar um tiro e de a matar caso esta tentasse interferir e ajudar EE.


16. Mensagem que BB bem percebeu e, contra a sua vontade, decidiu não interferir nem


ajudar EE naquele instante.


17. Ainda com o EE prostrado no solo, os arguidos retiraram a mala que aquele


transportava, entraram no veiculo ..., modelo ..., matricula ..-..-.., e ausentaram-se do local na posse


da mala e da quantia monetária €30.815.18.


18. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, acima descrita, o ofendido


EE sofreu dores nas zonas do corpo atingidas e sofreu traumatismo craniano e uma ferida no couro


cabeludo com necessidade de suturação.


19. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e propósitos, cada um aceitando o resultado das


condutas do outro, pois quiseram fazer sua, como fizeram, a quantia monetária do estabelecimento comerciai


I..., os sacos de plástico e a mala em que as quantias eram transportadas, apesar de bem saberem que


tais objectos e a quantia em dinheiro não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do proprietário.


20. Para lograrem tal desiderato, os arguidos quiseram e lograram abordar EE, exibir-lhe


uma arma de fogo, quiseram e lograram desferir-lhe pontapés e projectar a cabeça deste contra um poste e,


fruto da superioridade numérica que constituíam, conseguiram neutralizar qualquer capacidade de resistência


que aquele pudesse oferecer por recear e temer pela sua integridade física e vida.


21. Mais quiseram os arguidos usar uma arma de fogo de caibre 7,65 mm, apontá-la ao corpo de ...


EE sabendo que, com tal gesto, anunciavam ao visado que estavam na disponibilidade de lhe dar um tiro e


de o matar caso este oferecesse resistência ou reagisse, anúncio que o ofendido bem percebeu.


22. Assim, os arguidos quiseram e efectivamente lograram usar de violência e ameaça contra


EE colocando-o na impossibilidade de resistir sabendo que tal conduta era apta a impedir que o visado


conseguisse oferecer resistência.


23. Os arguidos quiseram e lograram fazer sua a quantia de €30.815,18 pertencente à ofendida


D... Lda.


24. De igual modo, os arguidos detiveram, transportaram e usaram a arma de fogo curta,


semiautomática, supra aludida sem que para tal algum deles estivesse autorizado uma vez que não são titulares


de licença de uso e porte de arma ou de qualquer outro título que os habilite a tal detenção.


25. Os arguidos quiseram e efectivamente lograram deter, guardar e transportar a referida arma de


fogo curta semiautomática, calibre 7,65 mm, com perfeito conhecimento das suas características, a qual sabiam


ser de agressão e letal.


26. Os arguidos quiseram e efectivamente lograram deter e manter na sua posse as referidas


munições, com perfeito conhecimento das suas características, bem sabendo não serem titulares de licença


válida que os habilitasse à respectiva detenção.


27. Por fim, os arguidos quiseram e lograram forçar a ofendida BB a cessar a sua


conduta e a permanecer quieta, forçando-a a não ajudar o ofendido EE, contra a sua vontade.


28. Mais sabiam os arguidos que forçavam através de violência e ameaça de uso de arma de fogo a


ofendida BB a ficar quieta e a não intervir, o que lograram contra a vontade da ofendida.


29. Por receio que os arguidos deflagrassem um tiro contra o seu corpo e a matassem, BB


nada fez, não interferiu na acção dos arguidos e não auxiliou EE, contra a sua vontade, até os


arguidos se ausentarem do local com o dinheiro subtraído.


30. Os arguidos sabiam que as suas condutas lhes estavam vedadas por lei e tendo capacidade de


determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de as realizar.


31. Agiram assim os arguidos deliberada, voluntária livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua


descrita conduta proibida e punida por lei.


32. No dia 11 de Fevereiro de 2020, o arguido AA mantinha em sua casa, sita


na Rua ..., Lote ...,  ..., Bairro ..., Apelação, ... ..., mais precisamente no


seu quarto numa estante, um pedaço de canábis (resina), com o peso líquido de 6,809 g/L, o qual era de sua


propriedade, com um grau de pureza de 31,9% de THC, passível de ser dividido em 45 (quarenta e cinco) doses


individuais.


33. A referida substância estupefaciente destinava-se ao consumo do arguido.


34. O arguido conhecia e não podia ignorar as características da substância em causa, bem sabendo


que se tratava de produto considerado estupefaciente.


35. Mais sabia que não podia adquirir, transportar, obter, deter ou por qualquer forma ceder, vender,


distribuir ou proporcionar a outrem o referido produto que detinha.


36. 0 arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser tal conduta proibida e


punida por lei.


Da reincidência - quanto ao arguido AA:


37. O arguido AA foi condenado nos processos 5813/13...,


576/07...,1354/07...,477/07...,82/08...,254/07...1355/07...,1470/08...


,2451/08....,290/08....,1471/08....,2852/08....,170/08....,1679/05...., 324/08.... e 305/07...., pela prática de dez crimes de condução sem habilitação legal, dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de violência depois da subtracção, três crimes de receptação, um crime de roubo qualificado, três crimes de roubo, nove crimes de furto, um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de falsificação, um crime de furto de uso de veículo, um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de detenção de arma proibida.


38. Por Acórdão proferido a 05/10/2015, transitado em julgado a 23/06/2016, no processo


5813/13..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., o arguido AA foi


condenado no cúmulo jurídico das penas dos processos 5813/13...., 324/08...., 305/07...., 2852/08...., 1471/08...., 290/08....,  1679/05...., 2451/08.... e 170/08....,

na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.


39. O arguido esteve preso ininterruptamente, em cumprimento de pena à ordem do processo


5813/13... até ao dia 06/04/2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo tempo de


prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir até ao dia 18/12/2019.


40. O arguido praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/202, ou seja, menos de 2 meses


após ao termo do período de liberdade condicional aplicado no processo 5813/13.....


41. Ao praticar os factos supra descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena


de prisão efectiva de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses, revela o arguido uma personalidade com forte


propensão para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a


propriedade e contra as pessoas.


42. Podendo manter uma conduta lícita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer


esforço no sentido de se inserir na sociedade, designadamente procurando ocupação profissional que lhe


permitisse obter rendimentos, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo


idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram


censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal


desrespeito pelas condenações anteriores.


Da reincidência - quanto ao arguido DD;


43. O arguido DD foi condenado nos processos 70/06...., 1/05....,


418/04.... e 70/07...., pela prática de um crime de roubo, um crime de detenção de arma proibida,


um crime de receptação e um crime de roubo qualificado.


44. Por Acórdão proferido a 17/04/2015, transitada em julgado a 08/06/2015, no processo


70/06...., do Juiz ..., do Juízo Local Criminal ..., o arguido DD foi condenado


no cúmulo jurídico das penas dos processos 70/06...., 1/05...., 418/04...., na pena única de


12 anos e 9 meses de prisão.


45. O arguido esteve preso ininterruptamente, em cumprimento de pena, à ordem do processo


70/06.... desde 09/02/2010 até Junho de 2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional


pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir - até ao dia 20/08/2019.


46. 0 arguido praticou os factos imputados nestes autos no dia 11/02/2020, ou seja, menos de 6 meses


após ao termo do período de liberdade condicional aplicado no processo 70/06.....


47. Ao praticar os factos supra descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena


de prisão efectiva de 12 (doze) anos e 9 (nove), revela o arguido uma personalidade com forte propensão para a


reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e contra


as pessoas.


48. Podendo manter uma conduta lícita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer


esforço no sentido de se inserir na sociedade, designadamente procurando ocupação profissional que lhe


permitisse obter rendimentos, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo


idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram


censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal


desrespeito pelas condenações anteriores.


Da reincidência - quanto ao arguido CC:


49. O arguido CC foi condenado nos processos 179/08....,


1054/09...., 2011/08...., 944/09...., 383/06.... e 47/09...., pela prática de um


crime de roubo no processo 383/06...., um crime de roubo agravado no processo 1054/09...., onze


crimes de roubo qualificado consumados e um crime de roubo qualificado na forma tentada no processo


944/09...., um crime de roubo e um crime de resistência e coacção no processo 47/09...., um crime


de roubo no processo 2011/08.... e um crime de roubo agravado no processo 179/08.....


50. Por Acórdão proferido no processo 179/08...., da ... Vara Criminal ..., o arguido


CC foi condenado no cúmulo jurídico das penas dos processos 179/08....,


1054/09...., 2011/08...., 944/09...., 383/06.... e 47/09...., na pena única de 10


(dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.


51. O arguido esteve em cumprimento de pena de prisão à ordem do processo 179/08.... até ao


dia 02/03/2018, data em que foi restituído à liberdade lhe foi concedida a liberdade condicional pelo tempo de


prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir - até ao dia 02/12/2019.


52. O arguido praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/2020, ou seja, dois meses e 8


dias após o termo do período de liberdade condicional de liberdade condicional que lhe havia sido concedida


no processo Í79/08.....


53. Ao praticar os factos supra descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena


de prisão efectiva de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, revela o arguido uma personalidade com forte propensão


para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e


contra as pessoas.


54. Podendo manter uma conduta lícita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer


esforço no sentido de se inserir na sociedade, designadamente procurando ocupação profissional que lhe


permitisse obter rendimentos, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo


idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram


censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal


desrespeito pelas condenações anteriores.


MAIS RESULTOU PROVADO QUE:


55. O arguido CC, à data dos factos, para além de empregado de barbearia, desempenha


ainda funções de professor de jiu jitsu para crianças no ginásio 2 brothers;


56. O arguido DD, à data dos factos, estava desempregado;


57. O arguido AA, à data dos factos, trabalhava no ... em regime


nocturno;


58. O arguido AA, à data dos factos, consumia esporadicamente canábis (resina);


59. O arguido AA, à data dos factos e antes deles, treinava num ginásio da ...,


tendo subscrito uma assinatura para esse efeito que contemplava ainda a companheira, GG e a


filha;
60. Das condições pessoais do arguido AA apura-se que:


AA é natural de ... e o seu processo de crescimento e desenvolvimento decorreu na zona


da Apelação, mais concretamente no Bairro ..., no seio de um agregado familiar monoparental, na


sequência da separação dos progenitores após o seu nascimento, sendo o arguido o mais novo de uma fratria de


dois elementos.


A dinâmica familiar é caracterizada pela estabilidade havendo referências a laços de afectividade e


suporte entre os diversos elementos. Garantindo a subsistência do agregado sem privações de ordem material,


coube à mãe do arguido assumir-se como a figura privilegiada na condução do processo educativo dos filhos,


com as limitações decorrentes de o ter feito muito desapoiada e com os constrangimentos de tempo da sua vida


laboral, enquanto empregada de limpezas em casas particulares.


Deste modo, as fragilidades de supervisão educativa bem como a inserção socio-residencial, próxima


de bairros com variadas problemáticas sociais, contribuíram para o percurso escolar inconsistente de AA


, que abandonou o sistema de ensino no início da frequência do ano de escolaridade. Concluiu mais


tarde o ano através de um curso de formação profissional na área da ....


Aos 17 anos de idade iniciou, então, o seu percurso laboral, desempenhando tarefas de serventia de


construção civil e lavagem auto que, no entanto, se caracterizaram sempre por um registo de curta duração e,


portanto, sem impacto na estabilização da sua vida laboral.


Assim, o contexto de dificuldades de supervisão e de contenção dos comportamentos do arguido por


parte da progenitora, a qual desconhecia o seu modo de vida concreto fora do espaço habitacional, e o


quotidiano em que privilegiava o convívio com o grupo de pares conotados com a prática de comportamentos


desviantes, determinaram o primeiro contacto de AA com o Sistema de Justiça Penal ainda durante a


adolescência.


Deste modo cumpriu, em execução sucessiva, uma pena de 10 anos de prisão, à ordem do processo


5813/13..., pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, de resistência e


coacção sobre funcionário, de condução perigosa de veículo rodoviário, de furto simples, de tráfico de


estupefacientes, de roubo, de roubo qualificado, de detenção de arma proibida e de falsificação de documento; e


uma pena de 133 dias de prisão subsidiária, à ordem do processo 477/07...., pela prática de crime de


condução de veículo sem habilitação legal.


Durante a execução da pena, AA manteve um comportamento adequado às normas


institucionais, frequentou programa de cariz reabilitador relacionado com delitos estradais e exerceu actividade


laboral regular.


Foi libertado condicionalmente em 06/04/2017, com 27 anos de idade, atingindo os 2/3 da pena.


De acordo com os dados constantes no dossiê da DGRSP, o período de liberdade condicional, cujo


termo ocorreu em 18/12/2019, decorreu de forma positiva tendo o arguido cumprido as obrigações impostas


judicialmente.


Previamente à reclusão, AA residia com a companheira, GG, com quem


iniciou uma relação de namoro e vivência marital pouco tempo após a sua libertação condicional, na Rua


..., n° ..., ...., ....


O arguido descreve a relação como afectivamente gratificante e apoiante, o que se estende também à


filha da namorada, de 10 anos de idade, que integra também o agregado.


Em termos profissionais, o arguido efectuou esforços no sentido da estabilização, desempenhando


funções de lavagem auto, numa empresa de aluguer de automóveis através de uma empresa de trabalho


temporário durante oito meses. Posteriormente, trabalhou na distribuição nos CTT durante um ano tendo


cessado funções por iniciativa própria devido a conflitos com a entidade patronal e, desde Outubro de 2019,


trabalhava como operário de armazém numa loja da cadeia de hipermercados ..., com vínculo


contratual.


Em termos de problemática adictiva, AA consumia haxixe esporadicamente, quando se sentia


menos bem em termos de ânimo.


No contacto mantido com AA pela DGRSP, este evidenciou capacidades cognitivas e recursos


pessoais que lhe permitem utilizar um discurso consonante com a adequação social. Contudo, importa que


desenvolva maturidade e pensamento consequencial, ou seja, que reflicta sobre a origem dos seus


comportamentos criminais e das suas consequências para si e para os outros.

É referido pela companheira do arguido que este se encontrava inscrito numa escola no sentido de


obter o título de condução de veículos pesados de mercadorias perigosas com o intuito de uma vez habilitado,


emigrarem de forma a procurarem melhores condições de trabalho noutro país.


A companheira pretende continuar a apoiar o arguido, durante e após a reclusão, mostrando-se


actualmente solidária com o mesmo, apoio esse, contudo condicionado à capacidade de AA reorganizar


a sua trajectória de vida.


AA deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 21/02/2020 vindo transferido do


Estabelecimento Prisional instalado na Polícia Judiciária ..., onde deu entrada em 13/02/2020.


Encontra-se à ordem dos presentes autos não sendo conhecidos outros processos pendentes.


Relativamente à situação em que se encontra, o arguido revela uma postura de humildade e


expressando sentimentos de vergonha social e de arrependimento face ao desgosto que provocou nos seus


familiares.


Todavia, em abstracto, parece revelar alguma capacidade crítica relativamente à gravidade de ilícitos


de idêntica natureza, no entanto, com uma postura desculpabilizante identificando factores externos como


precipitantes do seu envolvimento no cometimento dos mesmos.


Em termos institucionais, AA tem mantido uma postura adaptada evidenciando boa


capacidade de integração e adaptação.


Em termos disciplinares, regista uma infracção em 29/12/2020, situação que se encontra ainda sem


decisão à data do julgamento.


Não se encontra integrado em qualquer actividade formativa ou laborai dedicando o seu tempo à


prática desportiva, actividade em relação à qual revela particular interesse, à semelhança do que acontecia


em meio livre.


61. O arguido AA tem averbados no CRC antecedentes criminais, como acima referidos.


62. Relativamente às condições pessoais do arguido DD, apura- se que:


DD em contexto de entrevista à DGRSP, apresentou uma postura adequada tendo


colaborado e facultados os elementos necessários à elaboração do presente documento.


O arguido é natural de ..., sendo fruto de uma violação da progenitora que teria catorze anos


à data da sua concepção, facto que em anteriores entrevistas referiu com revolta e dor.


Com seis meses de idade ficou privado do contacto materno devido à progenitora ter sido enviada


pelos pais para Portugal.


Ficou aos cuidados do avô materno até aos sete anos, que embora fosse permissivo na sua educação


transmitiu-lhe valores e normas sociais.


Naquela idade veio para junto da progenitora, contudo, a sua reintegração no agregado familiar


materno onde teve que partilhar o afecto da progenitora com dois irmãos uterinos mais novos foi difícil desde o


início.


Cedo o arguido deu sinais de desadaptação familiar e social, rejeitando as regras impostas pela mãe


ou pelo padrasto, com o qual ainda viveu algum tempo, mas com quem não se identificou.


A progenitora e a avó materna mostraram-se incapazes de conter o seu comportamento rebelde e o


arguido passou a faltar à escola quando frequentava o 5o ano de escolaridade e a ausentar-se de casa


frequentemente para acompanhar outros jovens igualmente com comportamentos socialmente desajustados e


adictivos.


Neste contexto, aos treze anos foi internado num centro educativo e até aos dezoito anos passou


sucessivamente por três instituições similares, onde protagonizou episódios de fuga e ligação a grupo marginal


sitiado na ....


A medida de internamento terminou em Maio de 2005 e em Julho do mesmo ano ficou sujeito a medida


de permanência na habitação até Setembro, quando foi preso pela primeira vez.


Após ser libertado aos 5/6 da pena em 2017, foi viver com o cônjuge do qual acabou por se divorciar


em 2018.


A progenitora teria emigrado com os dois irmãos mais novos pelo que beneficiava do apoio da avó


materna.


Em 2018 encetou novo relacionamento afectivo da qual nasceu uma filha que completará dois anos no


corrente mês.


No contacto tido com a companheira pela DGRSP, esta apesar de o apoiar mostrou-se crítica dos seus


comportamentos desajustados.


À data da prisão, DD teria saído da habitação da família uma semana antes, expulso pela


companheira devido a estarem a passar por uma situação difícil relacionada com desentendimentos entre


ambos, muito relacionados com a inactividade laboral do arguido.


Antes desta situação ter ocorrido, residia com a companheira e filha de ambos numa habitação


arrendada por 350 euros mensais em zona habitacional aparentemente ordeira.


A nível económico a família vivia de forma modesta tendo em conta que o cônjuge era o sustento do


agregado, auferindo 800 euros líquidos mensais, contando ainda com apoio monetário dos familiares do


arguido.


O arguido esteve a trabalhar na empresa "...", porém, foi despedido por ter faltado


injustificadamente ao trabalho, não tendo conseguido inserir-se no mercado de trabalho, apresentando um


percurso laboral quase inexistente, irregular e indiferenciado.


Em termos futuros perspectiva reintegrar o agregado constituído, verbaliza que irá e inserir-se no


mercado de emprego, pelo que irá recorrer a amigos, família e inscrever-se no Centro de Emprego da sua zona


de residência.


A companheira salientou à DGRSP que o projecto mais viável para a integração laboral do arguido


será emigrar para ..., com a filha de ambos, onde vive um irmão que ali se encontra integrado de forma


regular e que poderá apoiá-lo na sua inserção profissional.


Pese embora o arguido mostre autocrítica face aos seus comportamentos disfuncionais passados, tendo


consciência das causas/factores de risco que motivaram/condicionaram os mesmos, a sua situação de


inactividade profissional e consequente dependência económica de terceiros, aliados à convivência com


indivíduos com estilos de vida marginais, consumos regulares de haxixe e lacunas ao nível do pensamento


consequencial, constituem-se como os principais factores de risco para práticas criminais apontados pela


DGRSP.


Ao nível pessoal o arguido revelou ao longo da sua vida permeabilidade a influências externas


perniciosas devido à sua imaturidade, falta de capacidade de antecipação de consequências e em reverter


alguns comportamentos mais desajustados.


As suas fragilidades pessoais favoreceram os seus contactos com a justiça, registando uma longa pena


de prisão por crimes de roubo e detenção de arma proibida.


O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ... não lhe sendo conhecidos outros


processos pendentes.


Em liberdade, encontrava-se a cumprir uma medida de trabalho comunitário, interrompida pela actual


situação de prisão.


Não obstante não se encontrar inserido no mercado de emprego, o presente contexto terá representado


instabilidade na sua vida familiar, com o distanciamento da companheira e filha.


Durante o seu percurso prisional não foi alvo de sanções disciplinares e encontra-se desocupado de


qualquer actividade, devido à sua situação jurídico- penal.


Relativamente ao presente processo, perante a DGRSP, o arguido demarcou-se de qualquer


responsabilidade.


63. Tem antecedentes criminais averbados no CRC como acima descrito.


64. Quanto às condições pessoais do arguido CC, apura-se que:


À data dos factos o arguido integrava o agregado familiar da mãe numa habitação camarária, inserida


em meio sociocultural desfavorecido, com evidentes problemáticas sociais e criminais.


Ocasionalmente pernoitava em casa da namorada da qual tem um filho com dois anos de idade.


Ao nível económico a situação familiar apresenta-se fragilizada, sendo a subsistência da família


assegurada pela reforma e pensão de viuvez atribuídas à mãe, surgindo assim um quadro de alguma


precariedade financeira.


Segundo se conseguiu apurar através da DGRSP, o processo de desenvolvimento do arguido decorreu


no seio de um agregado numeroso que se fixou numa zona degradada caracterizada pela existência de


habitação clandestina, onde eram visíveis problemáticas sociais associadas a criminalidade e delinquência.


Ao nível da dinâmica relacional familiar não se assinalavam problemas significativos, não obstante a


existência de fraca supervisão parental, quer na gestão do seu quotidiano, quer no acompanhamento escolar.


Neste contexto, não desenvolvia qualquer actividade estruturada nos seus tempos livres, além da


prática desportiva referida, privilegiando o convívio com o grupo de pares que integrava e com o qual se


identificava, conotado maioritariamente com práticas marginais e ilícitas.


Este enquadramento prejudicou o percurso escolar, que se caracterizou pelo insucesso e contribuiu


para que aos quinze anos de idade surgissem os primeiros contactos com o sistema de justiça, pela prática de


crimes contra a propriedade, condução sem habilitação legal e tráfico de estupefacientes.


Desde então o arguido tem estado sujeito a meios de reclusão institucional, tendo cumprido uma


medida tutelar educativa de internamento em Centro Educativo, no qual concluiu o 6º ano de escolaridade.


Cumpriu ainda uma pena de prisão de longa duração na sequência de um cúmulo jurídico, tendo sido


libertado condicionalmente em 3 Março de 2018 - o fim estava previsto para Dezembro de 2019.


Durante o período de liberdade condicional correspondeu formalmente às obrigações subjacentes,


mostrando-se assíduo nas entrevistas de acompanhamento.


No que respeita ao seu modo de vida, a sua subsistência era assegurada pela mãe, devido ao arguido


não possuir autonomia financeira, tendo em conta que obtinha proventos de trabalhos irregulares e



indiferenciados num salão de barbearia, enquanto aguardava integração num curso de formação profissional.


No sentido de obter mais alguns proventos dava aulas de ....


Salienta-se, no entanto, que se envolveu neste período em novos ilícitos que deram origem a novos


processos judiciais, vindo a permanecer no âmbito de um dos referidos processos - no qual foi absolvido - no


regime de OPHVE, tendo demonstrado no decorrer desta medida capacidade de cumprimento do confinamento


habitacional, beneficiando do apoio da mãe, de um irmão e da namorada da qual tem um filho.


Em termos das características pessoais, de acordo com a avaliação trazida pela DGRSP, apresenta


uma atitude imatura e insegura, bem como permeabilidade a influência nefasta de pares, denotando défices ao


nível do pensamento consequencial, denotando ainda evidentes dificuldades em se autonomizar e estabelecer um


projecto de vida organizado, evidenciando lacunas ao nível das escolhas mais acertadas para si.


Em termos futuros, verbaliza o desejo de integrar temporariamente o agregado familiar da mãe até


conseguir autonomia financeira.


No domínio profissional referiu que irá trabalhar num ferro-velho propriedade de um amigo, não tendo


apresentado garantias de inserção laborai.


Neste enquadramento, segundo a DGRSP, risco de poder surgir o mesmo estilo de vida vivenciado


no período anterior à actual situação de prisão.


65. O arguido CC tem antecedentes criminais averbados no seu CRC como acima


descrito.


66. O ofendido EE sofreu, por via dos descritos factos, as lesões decorrentes e ainda


ansiedade e medo, ainda hoje sofrendo dessa ansiedade e medo por causa da forma como decorreram os factos


e da violência usada contra si, sentimentos que interferem, desde logo, com a sua saúde emocional constante e


com o desempenho ainda hoje da sua actividade.


67. Os arguidos, antes da referida data, sabiam, por forma não concretamente apurada, as rotinas do


ofendido quanto à saída para depositar dinheiro e percurso que fazia até à sua viatura, na qual se dirigia ao


banco.



RESULTAM POR PROVAR OS FACTOS SEGUINTES


Os arguidos exibiram todos ao ofendido a arma de fogo calibre 7,65 mm, apontaram a arma na


direcção do corpo do ofendido e desferiram-lhe todos vários pontapés no corpo.


com EE Prostrado no solo, todos os arguidos desferiram mais pontapés no corpo daquele,


agarraram a cabeça de EE e embateram a cabeça daquele contra um poste.


Que algum dos arguidos desconhecesse ao que iam e que iam abordar o ofendido para se apropriarem


do dinheiro que levava, inclusivamente agredindo-o fisicamente para o efeito, para além de o constrangerem


com a exibição da arma de que se muniram para esse efeito.


Que qualquer dos arguidos desconhecesse que o arguido DD levava consigo a arma em causa e que a


ia utilizar para conseguirem que o ofendido entregasse o dinheiro.


Que nos factos tenha estado envolvido qualquer outro indivíduo, fosse ele de nome HH ou outro.


Que os arguidos tenham treinado, todos ou parte deles, em conjunto, nessa madrugada, sendo que foi


nessa altura que deixaram os vestígios, desde logo lofoscópicos, dentro do carro que o arguido AA ia


utilizar mais tarde para o assalto.


Que os arguidos não se conhecessem antes dos factos, que não tenham estudado e apurado as rotinas


do ofendido antes dos factos, que não tenham combinado todos os pormenores do assalto antes de o cometerem.


Que algum dos arguidos, desde logo o arguido AA, não soubesse ao que ia quando se


dirigiram todos para o local.


Que qualquer dos arguidos estivesse dente ou tivesse sequer interiorizado que não iria ser utilizada a


arma ou violência física sobre o ofendido para conseguirem todos apropriar-se do dinheiro.


Que o arguido CC não tenha estado no assalto, desconhecesse o mesmo ou tivesse qualquer


intenção de vender ao coarguido DD carros que eram de sua propriedade ou de sua mulher.


Que o arguido DD tivesse qualquer intenção de adquirir, por cerca de 17.000 euros, viaturas


automóveis ao arguido CC.

*

II.2. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator: Raúl Borges).

*

II.3. Atendendo às respetivas conclusões das motivações dos recursos suscitam-se as questões a seguir indicadas.

Recurso de AA:

- Irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação, BB e FF, via ..., nas instalações do estabelecimento comercial I..., gerido pelo ofendido EE, por violação dos princípios da imediação, imparcialidade e independência - arts. 512.º, n.º 1, do C.P.C., 138.º, n.º 1, 348.º e 96.º, n.º 1, do C.P.P;

- Reapreciação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 7, 9, 18 a 31, 40 a 42 e como não provada nos parágrafos 3.º, 4.º e 7.º a 9.º;

- Violação do princípio in dubio pro reo;

- Enquadramento jurídico penal – coautoria/cumplicidade;

- Indemnização civil;

- Pena parcelar e pena única aplicadas.

Recurso de CC:

- Ausência do arguido na sessão de audiência de julgamento de 22.02.2021 – Nulidade insanável e violação do direito de defesa.

- Irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação, BB e FF, via ..., nas instalações do estabelecimento comercial I..., gerido pelo ofendido EE, por violação dos princípios da imediação, imparcialidade e independência - arts. 512.º, n.º 1, do C.P.C., 138.º, n.º 1, 348.º e 96.º, n.º 1, do C.P.P;

- Pena parcelar e pena única aplicadas.

*

II.4. Nos recursos em apreço os recorrentes retomam e repetem argumentação que já expenderam sem sucesso nos seus recursos do acórdão da 1ª instância, conhecidos no acórdão ora recorrido.

De acordo com o disposto no artigo 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), «Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito».

Nos termos do artigo 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º (nova redação da Lei n.º 94/2021 de 21 de dezembro - artigo 11.º - que procede à alteração ao Código de Processo Penal).

Por sua vez, estipula o artº 432º, nº 1 do CPP [com a nova redação às alíneas a) e c) da Lei n.º 94/2021 de 21 de dezembro - artigo 11.º - que procede à alteração ao Código de Processo Penal].
1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

No caso presente, trata-se de recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, aplicando-se o disposto na alínea b) do citado artigo, não sendo relevante, para os presentes autos, as alterações introduzidas às alíneas b) e c) do artº 432º do CPP.

De qualquer modo, a limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impede este Tribunal de conhecer oficiosamente dos vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova –, se eles resultarem do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e se a sua sanação se revelar necessária à boa aplicação do direito, como este Tribunal vem afirmando em jurisprudência constante [1].

Trata-se, como se tem insistido, de vícios da decisão, de «lógica jurídica», de vícios lógicos do discurso decisório em matéria de facto que se revelam no texto da decisão e se evidenciam a partir dele, por si só ou em conjugação com as regras da experiência[2], não de erros de julgamento da matéria de facto, nomeadamente de apreciação das provas, cujo conhecimento se encontra subtraído a este Tribunal.

*

II. 4.1. Como se extrai das respectivas conclusões, verifica-se que o recurso abrange questões relativas à prova e à decisão em matéria de facto[3].

No caso concreto, houve dupla conforme, ou seja, foi confirmada na totalidade a decisão da 1ª instância, sendo negado provimento ao recurso dos arguidos para a Relação (fosse quanto a questões colocadas a nível da decisão proferida sobre a matéria de facto, fosse quanto a questões de direito, e, também, quanto à medida das penas parcelares/individuais e única).

Como se vê do texto do acórdão recorrido, o Tribunal da Relação conheceu de todas as questões suscitadas no recurso perante ele apresentado, de forma circunstanciadamente motivada, em rigoroso cumprimento das exigências de fundamentação decorrentes dos artigos 374.º, n.º 2, e 425º, n.º 4, do CPP, cuja violação é susceptível de gerar causa de nulidade (artigo 379.º, n.º 1, do CPP), inexistente no presente caso. A decisão in judice mostra-se particularmente elucidativa quanto ao sucedido, fundamentando, com base na prova produzida, a matéria de facto, o que resulta da conjugação dos elementos expressos, compreendidos e interpretados, desde logo, na lógica interna da decisão.

Ou seja, em perspectiva própria de uma razoável compreensão das regras da vida e da experiência comum das coisas, o que se nota é que o tribunal a quo valorou devidamente os meios de prova.

A prova produzida e examinada em audiência, não permitia, muito menos impunha, decisão em sentido diferente, não demonstrando os recorrentes em que medida os tidos por credíveis meios de prova, considerados no global da prova e valorados, podem contrariar a convicção do tribunal, antes se limitando a “sugerir” na sua motivação interpretação diferente da que esteve na base do acórdão revidendo.

A alegada violação da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo, é suscitada “no âmbito da matéria de facto”, pelo que a sua sindicância apenas cabe ao STJ na estrita medida da sua análise a partir do texto da decisão recorrida; não cabe a este Supremo Tribunal analisar se a matéria de facto foi ou não bem decidida, ou se a prova foi bem ou mal analisada, na medida em que tais análises implicam poderes de cognição em matéria de facto o que está para além dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal em matéria de recursos; porém, nada obsta a que a partir do texto se verifique se se evidencia alguma violação daquele princípio “se, da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido”  (ac. do STJ, de 03.05.2018, Proc. n.º 444/14.0JACBR.C1.S1 e, no mesmo sentido, ac. STJ de 17.03.2016, Proc. 1180/10.2JAPRT.P1.S1, 3ª Secção, in Código de Processo Penal comentado, 3ª Edição Revista, Almedina, 2021, pag. 1399), o que não sucede no caso concreto.

Como se referiu e reiterou acima, a fundamentação da decisão em matéria de facto mostra uma apreciação e valoração da prova feita de forma racional, lógica, plausível e de harmonia com as regras da experiência comum, pelo que, de modo algum, se pode concluir que aquela mesma prova gera factos incertos, susceptíveis de causarem uma dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal recorrido.

As questões referidas prendem-se com a matéria de facto, cujo conhecimento e apreciação extravasa o âmbito de competência do STJ (art. 434.º do CPP).

A jurisprudência do STJ é constante na inadmissibilidade do recurso em casos similares – cfr. entre outros, o acórdão do STJ, de 19.09.2019, Proc. nº 157/17.1JAPRT.G1.S1, disponível na base de dados do IGFEJ: “não é admissível o recurso interposto pela arguida na parte relativa à impugnação da decisão de facto em que se insurge contra o exame crítico da prova uma vez que, nos termos do art. 434.º do CPP, ao STJ apenas compete o reexame da matéria de direito.”

Conforme resulta das conclusões, mas principalmente da motivação de recurso do arguido AA, é patente a discordância do arguido quanto ao julgamento da matéria de facto, não se conformando com o exame e apreciação da prova que foi feita, o que ainda é mais evidente quando essas questões já tinham sido suscitadas no âmbito do recurso (da matéria de facto) para o Tribunal da Relação.

Ora, a argumentação aduzida pelo arguido foi sopesada pelo Tribunal da Relação, que formou a sua convicção por via da existência de diversos indícios, considerando-os suficientes para concluir no sentido de se dar como provada a factualidade criminosa.

Da leitura do acórdão recorrido, seja pela apreciação da prova feita pelo próprio Coletivo de Juízes Desembargadores, seja quando estes se socorreram de alguma motivação da matéria de facto feita pelo Coletivo da 1.ª instância, verifica-se que se trata de uma leitura lógica e coerente de valoração da prova.

Em suma, o acórdão recorrido não padece dos vícios do art.º 417.º do C.P.P, nomeadamente o invocado erro notório na apreciação da prova (conclusões MMM a PPP do recorrente AA), nem de qualquer violação do princípio da presunção de inocência e/ou do princípio in dubio pro reo, o que implica, assim, a impossibilidade de este Tribunal de recurso poder modificar a decisão sobre a matéria de facto.

*

II.5. Resulta, também, dos autos que o recorrente CC invoca a nulidade insanável prevista no art. 119.º, alínea c), do C.P.P., por violação do direito de defesa, quanto à ausência do arguido na sessão de audiência de julgamento de 22.02.2021.

Alega, em síntese, o recorrente que a audiência de discussão e julgamento de 22/02/2020 decorreu sem a presença do arguido, por causa que não lhe era imputável, tendo o Estabelecimento Prisional ... informado o Tribunal que o recorrente se encontrava em isolamento profilático e que não poderia comparecer à diligência agendada (e-mail de 17 de fevereiro de 2021) e, não obstante o requerimento, ditado para a acta, a solicitar o adiamento da diligência e a invocação da nulidade da realização da diligência, a audiência de discussão e julgamento teve lugar, sem que o recorrente estivesse presente (nem, tão pouco, à distância, através de videoconferência), fazendo uma implícita aplicação do artigo 333.º do C.P.P. Conclui, assim, que atento o direito de o arguido de assistir ao seu julgamento, ouvir os depoimentos das testemunhas (que quase todas as da acusação foram inquiridas nessa data), ver e ouvir a produção da prova e, em suma, exercer o seu direito de defesa de forma plena e sem restrições (o que não sucedeu no presente caso, por não estar presente), a prossecução da audiência sem a presença do arguido por causa que não lhe é imputável, consubstancia uma nulidade insanável, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do artigo 119.º, por referência à alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º, ambos do C.P.P.

*

O arguido/recorrente volta a recolocar esta questão que já suscitara no seu recurso para a Relação.

O douto acórdão recorrido, porém, conheceu a pretensão do recorrente, concluindo que a realização da sessão de audiência de julgamento, no dia 22.02.2021, na ausência do recorrente, não padece de qualquer vício, designadamente da nulidade a que alude o art. 119.°, alínea c) do C.P.P, com a seguinte fundamentação:

Compulsados os autos, verificamos que:

- O arguido, CC, esteve presente no início da audiência de julgamento, realizada no dia 09.02.2021, tendo, então, prestado declarações sobre os factos (cfr. fls. 1144 a 1153);

- Nessa data, foi ademais informado que a audiência de julgamento iria continuar no dia 22.02.2021, pelas 14 horas;

- No dia 22.02.2021, o arguido, CC, à semelhança do arguido, DD, não esteve presente em julgamento (nem presencialmente, nem através de vídeo conferência), por se encontrar recluído no E.P. ..., em isolamento profilático (cfr. fls. 1170 a 1178);

- Não obstante a oposição manifestada pelo seu ilustre mandatário, o Tribunal entendeu, então, em despacho que proferiu na sessão de julgamento de 22.02.2021, que a presença dos arguidos, CC e DD, no reinício da audiência de julgamento, não era absolutamente imprescindível à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, tendo em conta a natureza do processo, em que estavam presos três arguidos, o dever e direito constitucionais de realização da justiça em tempo oportuno e, ainda, o direito fundamental dos próprios arguidos a verem esclarecida a sua situação processual no mais curto espaço de tempo possível, concluindo, que, por tal motivo, a sessão de audiência de julgamento em causa decorreria sem a presença dos arguidos CC e DD;

- No dia 15.03.2021, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento, já com a presença (física) dos três arguidos - AA, CC e DD (cfr. fls. 1201 a 1205), tendo todos eles prestado novas declarações;

- No dia 06.04.2021, procedeu-se à leitura do acórdão ora objecto de sindicância (cfr. fls. 1324).

(…)

No caso, constatamos que os arguidos, CC e DD, estavam regularmente notificados da data designada para continuação da audiência de julgamento, tendo faltado, por se encontrarem impedidos de comparecer, por razões de saúde, tendo o tribunal recorrido considerado, nos termos já expostos, e bem, não ser absolutamente imprescindível a sua presença, em julgamento, no reinicio deste, para a descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, tanto mais que o julgamento já se tinha iniciado, tendo os supra enunciados arguidos estado presentes em tribunal, na primeira sessão, e prestado as declarações que bem entenderam, não tendo o julgamento terminado, nesse dia, e tendo, igualmente, em conta a natureza do processo, em que estavam presos três arguidos, o dever e direito constitucionais de realização da justiça em tempo oportuno e, ainda, o direito fundamental dos próprios arguidos a verem esclarecida a sua situação processual no mais curto espaço de tempo possível –, termos em que não se mostra violada qualquer garantia de defesa dos arguidos, designadamente do aqui recorrente CC.

Não existia, também, por outro lado, fundamento legal para o adiamento da aludida sessão de julgamento.

Com efeito, perante o impedimento em causa (razões de saúde - art. 117.° do C.P.P.), não seria legalmente viável o adiamento do início do julgamento, em virtude do disposto no art. 333.°, n.° 2 do C.P.P., termos em que, e por maioria de razão, também estaria vedado o adiamento da continuação do julgamento, pelos mesmos motivos.

Em suma, há que concluir, como bem decidiu o tribunal a quo, que a realização da sessão de audiência de julgamento, no dia 22.02.2021, na ausência dos arguidos, CC e DD, não padece de qualquer vício, designadamente da nulidade a que alude o art. 119.°, alínea c) do C.P.P, ou da suscitada inconstitucionalidade, por violação do n.º 1 do art. 32.º da CRP”.

*

II.5.1. A questão que se coloca consiste em saber em que situações é que a presença do arguido na audiência assume carácter de obrigatoriedade e, no que diz respeito ao caso presente, se a ausência do arguido CC na sessão de audiência de julgamento de 22.02.2021 (uma vez que estava impedido de comparecer por se encontrar recluído no E.P. ..., em isolamento profilático), constituía fundamento legal para o adiamento da referida sessão e, prosseguindo a audiência, não obstante a oposição manifestada pelo seu ilustre mandatário, se se verifica a invocada nulidade insanável prevista no art. 119.º,alínea c), do C.P.P., por violação do direito de defesa.

Nos termos do artº 119º al. c) do C.P.Penal, “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.

Este regime processual - nulidade insanável - justifica-se pelo interesse público no asseguramento das condições de integridade do direito de defesa que justificam a necessidade da presença pessoal do arguido, garantido pelas consequências para a inobservância dos direitos consagrados nos artigos 61º nº 1 e 64º nº 1.
Com efeito, nos termos do art. 61.º, n.º 1, al. a), do CPP, o arguido goza do direito de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito
Em audiência de discussão e julgamento, nos termos do art. 332.º, n.º 1, do CPP, “é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.ºs 1 e 2 do art. 334.º” — isto é, nos casos de “falta (..) do arguido notificado para a audiência”, e nos casos de “ausência do arguido”.
Ora, os casos abarcados pelo disposto no art. 334.º, n.º 1, do CPP, referem-se às situações em que o arguido falta porque não pode ser notificado ou porque faltou injustificadamente, e no n.º 2 do mesmo dispositivo estão previstas as situações em que o arguido está impossibilitado de comparecer designadamente por doença grave.
No caso sub judice o arguido foi devidamente notificado, e não faltou injustificadamente, pelo que não se verifica nenhuma das condições previstas no nº 1 do art. 334.º, do CPP.
Por outro lado, também não se verifica a condição prevista no n.º 2 do mesmo dispositivo, uma vez que o arguido não estava doente, mas sim em isolamento profilático por ter tido um contacto de risco com reclusos portadores de infeção (COVID-19).[4]
E, ainda que estivesse doente, seria o arguido que tinha a possibilidade de “requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência”, o que não aconteceu, uma vez que o arguido nunca prestou consentimento para que se realizasse o julgamento na sua ausência, e o seu do seu ilustre mandatário mediante requerimento formulado para a ata, veio requerer o adiamento da referida diligência e, subsidiariamente, veio inovar a nulidade da mesma, em caso de realização (atenta a falta do arguido por causas que não lhe eram imputáveis).
Ora, não estando verificada nenhuma das condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do art. 334.º, do CPP, que permitira a realização da audiência sem a presença obrigatória do arguido, e tendo o arguido o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, estaríamos perante uma nulidade insanável, como se concluiu, em situação semelhante, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11/11/2021, proc. 1027/19.4PBEVR.E1.S1, 5ª Secção, relatora: Helena Moniz.[5]
No caso presente, porém, o arguido, CC, esteve presente no início da audiência de julgamento, realizada no dia 09.02.2021, tendo, então, prestado declarações sobre os factos e, nessa data, foi informado que a audiência de julgamento iria continuar no dia 22.02.2021, pelas 14 horas. No dia 22.02.2021, o arguido, CC, à semelhança do arguido, DD, não esteve presente em julgamento (nem presencialmente, nem através de vídeo conferência), por se encontrar recluído no E.P. ..., em isolamento profilático.
Não obstante a oposição manifestada pelo seu ilustre mandatário, o Tribunal entendeu, então, em despacho que proferiu na sessão de julgamento de 22.02.2021, que a presença dos arguidos, CC e DD, no reinício da audiência de julgamento, não era absolutamente imprescindível à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, tanto mais que que o julgamento já se tinha iniciado, tendo os arguidos estado presentes em tribunal, na primeira sessão, e prestado as declarações que bem entenderam, não tendo o julgamento terminado, nesse dia, e tendo, igualmente, em conta a natureza do processo, em que estavam presos três arguidos, o dever e direito constitucionais de realização da justiça em tempo oportuno e, ainda, o direito fundamental dos próprios arguidos a verem esclarecida a sua situação processual no mais curto espaço de tempo possível.
Se é certo que “o princípio geral que norteia o processo penal em matéria de comparência do arguido - artigo 61º -, é o de que aquele tem o direito de estar presente a todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito e o dever de comparecer sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado. Tal princípio tem subjacente a ideia de que a presença do arguido na audiência assume importância capital, constituindo, por um lado, uma garantia de defesa, por outro, factor relevante na formação da decisão",[6] não menos certo é que esse direito/dever do arguido, não é absoluto, permitindo a lei que, verificados determinados pressupostos, o tribunal inicie a audiência sem a presença física do arguido.
E quais são os pressupostos para que o tribunal inicie a audiência sem a presença física do arguido?
- a pedido do arguido ou com o seu consentimento;
- quando devidamente notificado, faltou justificada ou injustificadamente à audiência;
- ou prossiga a produção de prova sem a sua presença física - mas processualmente presente através do seu defensor, nos casos em que o arguido já prestou declarações e o tribunal não considere indispensável a sua presença.
Por isso, a ausência do arguido só constitui a nulidade insanável prevista na al. c) do artº 119º do C.P.Penal, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.
E, esta situação apenas ocorre quando:
a) o ilustre defensor tenha requerido a audição do arguido;
b) ou quando o Tribunal a considere necessária para a descoberta da verdade.
Ora, o artigo 333.°, n.° 1 do C.P.P, refere que se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
E no n.º 2 que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do artigo 117º.[7]
Caso o juiz não considere essa presença indispensável, o julgamento inicia-se com a inquirição das pessoas presentes, sendo o arguido representado pelo seu defensor (n.º 2 do artigo 333.º).
Aliás, não sendo o arguido, antes o seu defensor, quem procede ao interrogatório ou contra-instância das testemunhas, não se pode afirmar que o arguido ausente poderá ser prejudicado na sua defesa caso o tribunal prossiga com a audiência. Até porque nada impedirá que, depois de conferenciar com o arguido relatando-lhe o que foi dito na audiência (e até procedendo à audição dos depoimentos prestados, obrigatoriamente gravados) o defensor do arguido requeira ao tribunal que a(s) testemunha(s) inquiridas em anterior sessão (em que o arguido não esteve presente) seja de novo chamada a depor.
Conclui-se, assim, que esta solução não viola o essencial dos direitos de defesa, de presença e de audição do arguido que pode, em qualquer momento, prestar declarações no decurso da audiência (artº 343º nº 1 do C.P.P.).
Resumindo: destes preceitos legais decorre que a não presença do arguido, quando a sua presença não seja tida por essencial para a descoberta da verdade, não obsta ao início do julgamento, com a audição das pessoas presentes; e também que o arguido pode comparecer e prestar declarações até ao encerramento da audiência na primeira data designada, se entretanto comparecer; e ainda que pode ser ouvido na segunda data designada para o julgamento, mas desde que o seu defensor o requeira até ao encerramento da audiência na primeira data. Trata-se, pois, de um ónus do arguido, não do tribunal.
No caso presente, o recorrente CC estava impedido de comparecer por se encontrar em isolamento profilático por contacto de risco com reclusos portadores de infeção (COVID-19) e, não sendo absolutamente imprescindível a sua presença para a descoberta da verdade material, não existia fundamento legal para o adiamento da referida sessão.
O julgamento já se tinha, aliás, iniciado, tendo o recorrente estado presente em tribunal e prestado declarações, tal como esteve presente na última sessão de julgamento, onde novamente prestou declarações.
Por isso, impõe-se concluir que o seu direito de comparência e de prestar declarações em julgamento não foi, de todo, prejudicado, foi, aliás, devidamente acautelado.
Em nada ficou prejudicado o seu direito de defesa e foram asseguradas as garantias de defesa.
Ao direito que assiste ao arguido em estar presente na audiência de julgamento nem sempre se contrapõe o dever do tribunal de adiar a audiência para permitir o exercício daquele direito.
A tal se opõem os princípios da concentração e da celeridade processuais, de acordo com os quais, a regra deverá ser a continuidade da audiência consagrada no artº 328º, e a exceção o seu adiamento. Tanto mais tratando-se, como no caso sub judice, de um processo em que estavam presos três arguidos, tendo por isso caráter urgente.
Pelo exposto, bem decidiu o acórdão ora recorrido ao considerar “que a realização da sessão de audiência de julgamento, no dia 22.02.2021, na ausência dos arguidos, CC e DD, não padece de qualquer vício, designadamente da nulidade a que alude o art. 119°, alínea c) do C.P.P, ou da suscitada inconstitucionalidade, por violação do nº 1 do art. 32º da CRP.”
Não se verifica, pois, a invocada nulidade prevista no art. 119.º,alínea c), do C.P.P., quanto à realização da sessão de julgamento do dia 22 de fevereiro de 2021, na ausência do recorrente CC, nem ficou prejudicado o seu direito de defesa, previsto no art. 32.º, da C.R.P., pelo que não merece qualquer censura o decidido no acórdão ora recorrido, improcedendo, nesta parte, o recurso.
*
II.6. Quanto à irregularidade da inquirição das testemunhas da acusação via ... nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido EE.

II.6.1. Considera o recorrente CC que o Tribunal a quo violou as regras de processo inerentes à audiência de discussão e julgando quando permitiu que duas testemunhas fossem inquiridas via ..., nas instalações do I... que é gerido pelo ofendido/demandante EE e através do telemóvel deste. Refere que o Tribunal da Relação entendeu que inexiste qualquer nulidade, começando por fundamentar que “EE não se constituiu assistente nos autos e não deduziu qualquer pedido de indemnização civil, termos em que não é demandante cível, não tendo, nessa medida, interesse no desfecho do processo”, mas, para o recorrente, se tais factos são verdade, não menos verdade é que, ainda em sede de inquérito, a totalidade do valor subtraído foi devolvida ao Sr. EE e os arguidos ainda foram condenados a pagar-lhe uma indemnização de 15.000,00€ e tal testemunha foi exatamente a vítima principal do assalto e é sócio gerente do I... (à porta do qual todos os factos ocorreram e certamente não tem interesse em que factos idênticos se repitam). Considera, assim, que tal testemunha tem interesse directo no desfecho dos autos e o facto de tais testemunhas terem prestado depoimento nas instalações do estabelecimento I..., com a presença próxima do gerente, interfere com a sua credibilidade, isenção e imparcialidade, não se encontrando garantida a imparcialidade e independência do depoimento prestado pela testemunha quando o mesmo é prestado nas instalações do estabelecimento comercial gerido pelo ofendido/demandante e com recurso ao seu próprio telemóvel, sendo contrário ao princípio da imediação, independência e regras de inquirição. Conclui que o Tribunal violou o princípio da imediação, o princípio da imediação, o n.º 1 do artigo 512.º do C.P.C. e os artigos 96.º e 348.º, ambos do C.P.P., impondo-se a repetição das inquirições em sala de audiências. (conclusões 12 a 21).

*

II.6.2. Considera, também, o recorrente AA, que o Tribunal a quo violou as regras de processo inerentes à audiência de discussão e julgando quando permitiu que duas testemunhas fossem inquiridas via ..., nas instalações do I... que gerido pelo ofendido/demandante EE e através do telemóvel deste pois, ao serem ouvidas as testemunhas BB e FF através de meio de comunicação à distância que não pertença das próprias, mas sim do ofendido pessoa singular, parte interessada nos autos, nas instalações da ofendida pessoa colectiva, e também parte interessada nos autos, quer o princípio da imediação, quer os princípios do testemunho imparcial, independente e verídico, se encontram em crise. Conclui, por isso, que a audição das testemunhas BB e FF, no tempo, lugar, e meios utilizados, viola assim o n.º 1 do artigo 512.º do C.P.C., o n.º 1 do artigo 138.º, o artigo 348.º e o artigo 96.º, todos do C.P.P., impondo-se a repetição das inquirições em sala de audiências, preferencialmente, ou em ambiente que propicie a imparcialidade, independência e veracidade do depoimento (conclusões D a F).

*

II.6.3. A este respeito e quanto a cada uma das referidas testemunhas lê-se na acta da sessão de audiência de discussão e julgamento realizada a 22 de fevereiro de 2021 “A testemunha foi ouvida através da aplicação ..., consignando que todos os presentes ficaram cientes do motivo pelo qual não se pode projectar a imagem para o plasma, uma vez que temos o arguido AA presente através de videoconferência, mas todos os Intervenientes estiveram com o equipamento de telechamada à frente durante a respectiva inquirição, vendo directamente a testemunha”.

E refere o acórdão ora recorrido:

 “Compulsados os autos, designadamente a acta da sessão de julgamento realizada em 22.02.2021, constatamos que:

- As testemunhas, BB e FF, foram inquiridas na sessão de julgamento realizada no dia 22.02.2021;

- Foram inquiridas através da aplicação ..., utilizando-se, para o efeito, o contacto telefónico fornecido pela testemunha EE, não sendo possível projectar a imagem para o plasma existente na sala de audiências, uma vez que o arguido AA estava presente, através de videoconferência, para o E.P., mas todos os intervenientes estiveram com o respectivo equipamento de telechamada (telefone) à frente durante a respectiva inquirição, vendo directamente a testemunha, conforme foi consignado na respectiva acta.

- Foi utilizado o número de contacto fornecido pela testemunha, EE, porquanto as testemunhas, BB e FF, não possuíam equipamento de telechamada;

-Conforme decorre da gravação da audiência de julgamento, o Tribunal a quo teve o cuidado de se assegurar que não estava presente qualquer outra pessoa no espaço físico, onde aquelas testemunhas prestaram depoimento, solicitando especificadamente a retirada do local do ofendido EE, tendo sido visível, àquele tribunal, através da videochamada, constatar, que mais nenhuma outra pessoa se encontrava presente;

- Nenhum interveniente processual suscitou qualquer incidente, no decorrer da referida sessão de julgamento, ou nos três dias subsequentes àquela, quanto à forma como as referidas testemunhas foram ouvidas.

No que concerne a nulidades, e de acordo com o princípio da legalidade, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (artigo 118.º n.º 1 do CPP), sendo que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (n.º 2 do mesmo preceito legal).

No caso, a ter existido a suscitada irregularidade, quanto à inquirição das testemunhas da acusação, BB e FF, via ..., nas instalações do I..., a mesma estaria sanada, por falta da sua oportuna arguição, nos termos do artigo 123.º n.º 1 do CPP.

Com efeito, não se vislumbra ter existido qualquer violação dos princípios da imediação, imparcialidade e independência, ou o suscitado vício, no que respeita à forma como as testemunhas, BB e FF, foram inquiridas, o mesmo tendo considerado os diversos intervenientes processuais, que, não obstante presentes, no acto, nenhuma irregularidade invocaram, no decorrer da referida sessão de julgamento, ou nos três dias subsequentes àquela, termos em que, ainda que existisse, há muito que a mesma se encontraria sanada, nos termos do artigo 123.º do CPP, nesta parte improcedendo o recurso”.

No caso presente, a inquirição das mencionadas testemunhas por telechamada foi realizada em pleno estado de emergência, decorrente da pandemia da doença Covid 19, ao abrigo do disposto no artigo 6.º- B, n.º 7, alínea a), da Lei 4-B/2021, de 01.02, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e na redação então em vigor, que determinava que nos processos, actos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuavam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, actos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

“Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer actos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente”.

Tal inquirição foi realizada sem a presença de qualquer outra pessoa no espaço físico onde aquelas se encontravam, e sem que qualquer uma delas tivesse assistido ao depoimento prestado pela outra, conforme decorre da gravação da audiência de julgamento, tendo o tribunal a quo solicitando especificadamente a retirada do local do ofendido EE. 

Mas, ainda que se considerasse que, por mera hipótese, tal “ambiente” não tinha sido propiciado às referidas testemunhas, o vício daí decorrente já há muito se encontrava sanado.

Com efeito, no que concerne a nulidades, e de acordo com o princípio da legalidade, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (artigo 118.º n.º 1 do CPP), sendo que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (n.º 2 do mesmo preceito legal).

Assim, a omissão em causa ficaria relegada para o plano das meras irregularidades nos termos do disposto no artigo 123.º do C.P.P.

Estar-se-ia, pois, perante uma omissão que constituiria uma irregularidade, a poder ser enquadrada no n.º 1 do artigo 123.º do C.P.P., o qual dispõe que “as irregularidades só determinam a invalidade dos actos quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificadas para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado“.

Não obstante presentes no acto, nenhum interveniente processual manifestou, no decorrer da referida sessão de julgamento, ou nos três dias subsequentes àquela, qualquer oposição à inquirição das testemunhas em apreço por essa via, nem invocou a existência de qualquer irregularidade, pelo que, ainda que existisse, há muito que a mesma se encontraria sanada, nos termos do artigo 123.º do CPP.

Importa esclarecer, por último, perante o invocado pelos recorrentes, que EE não se constituiu assistente nos autos e não deduziu qualquer pedido de indemnização civil.

É certo, como alegam os recorrentes, que foram condenados solidariamente no pagamento de 15000 € ao ofendido EE, a título de compensação indemnizatória, no acórdão da 1ª instância. Mas foram-no ao abrigo do artigo 82.º-A, do C.P.P.

Porém, uma vez que EE não se constituiu assistente nos autos nem deduziu qualquer pedido de indemnização civil, nesta medida não tinha interesse no desfecho do processo. 

Não assiste, pois, razão aos recorrentes quando vislumbram a possibilidade e interesse direto do ofendido em, por alguma forma, influenciar as testemunhas aquando dos seus depoimentos, condicionando-os.

Não houve, pois, qualquer violação das regras do processo penal que regem a audiência de discussão e julgamento, invocando a irregularidade em sede recursiva do acórdão da 1ª instância, o que se verificou manifestamente fora do prazo legal previsto no artigo 123.º, n.º1, do C.P.P.

Improcedem, pois, também nesta parte, os recursos interpostos.

*

II.7. Quanto à subsunção do enquadramento dos factos na figura jurídica da co-autoria ou da mera cumplicidade.

Entende o recorrente AA, que na apreciação da dinâmica do roubo falha a apreciação dos factos e a subsunção dos mesmos à figura jurídica da coautoria ou da mera cumplicidade.

Para tanto, alega que o Tribunal a quo deu como provado que o recorrente, em coautoria com os demais arguidos, delinearam um plano para assaltar o estabelecimento comercial I..., na ..., E... e que, no dia 11 de fevereiro de 2020, deslocaram-se às imediações desse estabelecimento por volta das 8h00 da manhã, onde aguardaram a saída do Sr. EE. Porém, nunca se procedeu à análise do conteúdo dos telemóveis dos arguidos e a restante prova não permite concluir pela existência de qualquer plano prévio ou combinação entre os arguidos; não existe um único elemento que permita dizer-se que os arguidos aguardaram a saída do Sr. EE desde as 8h00 na manhã, nas imediações do I...; não foram juntas quaisquer imagens de videovigilância aos autos que atestem essa informação; nenhuma testemunha prestou depoimento no sentido de ter conhecimento ou de ter presenciado qualquer facto que indique a existência de um plano delineado entre os arguidos para a realização do assalto nem a sua permanência, no dia 11/04/2020, desde as 8h00 da manhã nas imediações do estabelecimento comercial onde se alega ter decorrido o assalto. Mais alega que nenhuma prova permite retirar qualquer elemento que possibilite inferir que os arguidos delinearam um plano de assalto ao Sr. EE nem muito menos que ali se encontrava desde as 8h00 da manhã no dia 11/02/2020, tendo o recorrente AA demonstrado, através da junção aos autos na sessão de Julgamento realizada no dia 22/02/2021, da Folha de Picagem da sua prestação de trabalho, que o mesmo esteve no seu posto de trabalho em ... até às 8 horas da manhã desse dia 11/02/2020, o que impedia o mesmo de estar no local da ocorrência dos factos à mesma hora. Sustenta o recorrente que também se demonstrou que o arguido AA não sabia que ia para um assalto, que desconhecia a existência da arma na posse do DD, como desconhecia se houve algum plano ou acordo delineado, pois não participou em tal, pelo que o recorrente não é co-autor porque não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, limitando-se, eventualmente, a facilitar o facto principal, por medo, por receio, por desconhecimento de com quem está a lidar, concretamente o portador da arma, por não saber se o tentar efectuar algum acto para evitar e impedir o resultado, poderia conduzir a que ele próprio viesse a ser a vítima, ou pior, pelo fundado receio que teve de que venham a fazer mal à sua família (Conclusões T a GG, KK a WW e DDD a JJJ).

*

II.7.1. A subsunção dos factos à figura jurídica da co-autoria ou da mera cumplicidade, apenas poderá ser reanalisada quanto ao crime de roubo qualificado, pelo qual o recorrente foi condenado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.

Como veremos infra (II.8),“Constitui jurisprudência uniforme do S.T.J. que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o STJ relativamente aos crimes punidos com pena superior a 8 anos de prisão e/ou à pena conjunta superior a essa medida” – Acórdão do STJ de 17.03.2016, no processo 1180/10.2JAPRT.P1S1, 3ª secção, in anotação ao art. 432º, Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar e outros, 3ª edição revista, Almedina 2021, pág. 1395.

Assim, relativamente à prática dos crimes de detenção de arma proibida (em que foi condenado na pena de na pena de 3 anos e 4 meses de prisão), e de coação agravado (em que foi condenado na pena 2 anos e 4 meses de prisão) fica vedado o conhecimento destes segmentos de recurso, por ser nessa parte, irrecorrível.

De todo o modo, o acórdão recorrido analisou esta questão e concluiu que nenhuma censura merecia a decisão recorrida quando considerou que os três arguidos atuaram, em coautoria, quanto aos crimes por que foram condenados, pois, conforme resulta da factualidade dada como assente, a actuação de cada um deles constituiu elemento componente do conjunto da acção e revelou-se essencial à produção do resultado acordado.

Como exaustivamente fundamentou o acórdão recorrido:

«CONCLUSÃO DE PROVA

A conclusão de prova não pode ser outra que não a procedência da imputação de factos feita pela acusação aos arguidos, com uma ligeira divergência no que toca a saber quem agrediu fisicamente o ofendido, mas que em nada alteram as conclusões de prova ou quanto a factos integradores dos tipos legais, pois que é toda a prova convergente num mesmo sentido - os arguidos, os três arguidos, participaram em conjunto nestes factos.

Das declarações dos arguidos percebe-se que todos quiseram excluir o arguido CC destes factos, muito embora a prova restante o coloque no centro dos mesmos.

Um dos arguidos fala de um HH (que seria o terceiro elemento) e outro fala de «um terceiro» que não quer identificar por medo.

E o próprio arguido CC se auto exclui dos factos, negando ter tomado parte neles.

Acontece, porém, que a prova não se constitui apenas pelas declarações dos arguidos. Para além do que, neste caso, nem os próprios arguidos se entenderam quanto às versões apresentadas em julgamento quanto a isso - o arguido DD diz que o arguido CC foi ter a casa do arguido AA, onde esteve e recolheu o dinheiro e a pasta; o que o arguido AA nega isso e diz que o arguido CC não esteve em sua casa.

Por outro lado, o arguido CC afirma que esteve efectivamente na casa do arguido AA, e que foi a casa do arguido AA receber o dinheiro por parte do arguido DD porque lhe ia vender dois carros.

No entanto, este arguido diz que entrou na casa do arguido AA a uma hora em que a polícia, de acordo com o expediente, já estava no local, sendo que é a polícia que diz que ninguém entrou e ninguém saiu da casa do arguido AA enquanto lá estiveram a fazer o perímetro de segurança.

E se não entrou ninguém nesse perímetro, e concretamente na casa do arguido AA, cuja porta a polícia nunca perdeu de vista, isso só significa que já lá estava dentro. E se já iá estava antes é porque o arguido CC é, de facto um dos assaltantes.

Isso, aliás, ao contrário do que os coarguidos pretendem, encaixa nas declarações deles, uma vez que, assim, o arguido CC seria o «terceiro» que o arguido AA não quer identificar e seria o «HH» da história do arguido DD, que mais ninguém confirma ter estado directamente nos factos.

É verdade que as três testemunhas - ofendido e colegas de serviço - referem que podia haver uma quarta pessoa no carro e isso podia ser compatível com o facto de terem ido quatro fazer o assalto, mas torna - se irrelevante porque, ainda assim, não exclui a prova de que estes três arguidos estiveram nos factos.

Na realidade, do expediente junto e das declarações das testemunhas II (indicado pela acusação) e JJ (indicado pela defesa), conjugadas, resulta que a polícia se organizou, chegando primeiro a PSP ao local e depois a PJ, estabeleceram o perímetro de segurança junto ao prédio do arguido AA, colocaram-se no hall de entrada desse prédio, de onde viam a porta do apartamento daquele, e esperaram o desenrolar dos acontecimentos.

A comunicação ao piquete da PJ é às 14hl0m (fls. 2).

Às 15hl0m a mãe do arguido AA falou com a PSP (fls. 100).

A testemunha ofendida diz que eram cerca das 12h30m quando saiu para fazer o depósito no banco.

E a testemunha JJ da PSP disse que chegaram junto da casa do arguido AA cerca das 13hl0m.

De acordo com o expediente junto e sequência do mesmo, faz sentido que o ofendido tenha aproveitado a hora de almoço para ir ao banco - como ele diz, deviam ser 12h30m quando saiu do I... e os factos aconteceram logo ali, junto ao seu carro que estava estacionado no estacionamento em frente ao acesso do armazém desse supermercado [aliás, estando o carro dos arguidos perto, uma vez que instantes antes um camião precisou descarregar e pediu para afastarem o carro do sítio onde estavam estacionados].

Depois, diz o ofendido, viu três encapuzados vir na sua direcção e, percebendo logo o que se ia passar, abriu a porta do seu carro, atirou lá para dentro a mala com o dinheiro, altura em que dois desses encapuzados chegaram junto de si - um deles, o que lhe pareceu o mais alto de todos (palavras do ofendido), bateu-lhe, fê-lo cair ao chão e sovou-o já caído, embatendo com a cabeça no poste [todos estes passos podem ser acompanhados pela visualização das fotografias juntas]. Enquanto este lhe batia, o mais baixo dos três tinha uma arma apontada na sua direcção, apontada à sua cabeça, empunhada de braço esticado para si, pelo mais baixo dos três indivíduos.

Diz também este ofendido que o encapuzado que tinha a pistola não o agrediu.

E diz que foi o que o agrediu, o que lhe pareceu o mais alto de todos, que lhe tirou a chave do carro e foi buscar a pasta com o dinheiro ao interior da sua viatura.

Ora, o arguido DD confessa que era ele que tinha a arma e sempre a teve. O que o arguido AA confirma.

A ser assim, tal como resulta das declarações das testemunhas, o arguido DD não agrediu o ofendido, mantendo-se a apontar a arma, primeiro na direcção do ofendido e depois na direcção da testemunha BB, quando esta correu para tentar ajudar.

De acordo com o ofendido, tanto o que lhe bateu (mais alto), como o da pistola foram os encapuzados que mais perto estiveram de si. O terceiro (também mais alto que o ofendido) ficou mais afastado, junto da sua viatura.

Ora, também sabemos que todos os arguidos terão tentado fugir no carro do ofendido, como o mesmo referiu, o que não conseguiram, acabando por correr para o veículo que os tinha levado até ali [o ... da mãe do arguido AA].

Também sabemos, disse o arguido AA, que foi sempre ele que conduziu este carro, o que resulta também das declarações das testemunhas conjugadas, FF e BB.  

Depois, temos ainda que destes depoimentos resulta que esse mais alto, um dos dois que não tinham a arma, foi o que agrediu o ofendido e foi o que primeiro acedeu à pasta e a tirou do carro do ofendido – o ofendido confirma-o e o arguido DD também, dizendo que era o AA esse «mais alto» que agrediu o ofendido e tirou a mala do dinheiro de dentro do carro.

E o terceiro, o tal que ninguém quer dizer que era o arguido CC, que terá ficado sempre mais afastado do que acontecia - inicialmente ficou mais longe do ofendido, junto à viatura deste ofendido, mas mais longe dele do que o da arma e do que o que lhe bateu, ter-se-á mantido a alguma distância dos acontecimentos, dizemos nós, como se estivesse só a supervisionar.

Ora, nós sabemos que o arguido DD não agrediu o ofendido porque o ofendido diz que o que tinha a arma não lhe bateu.

Pelo que, apenas o arguido DD fica excluído da agressão. Um dos restantes arguidos foi o que bateu no ofendido.

E certo que o arguido DD diz que foi o arguido AA quem agrediu o ofendido, mas o ofendido limita-se a dizer que o que o agrediu e o terceiro seriam os mais altos (por comparação a si, seriam mais altos do que o próprio ofendido), sem que consiga dizer exactamente qual dos dois outros arguidos foi.

As restantes testemunhas não tinham inteira percepção dos acontecimentos, ou porque tinham visão parcial [a testemunha BB diz que o indivíduo da arma se colocou de permeio e não conseguiu ver integralmente as agressões] ou porque não conseguiram ver [a testemunha FF diz que não conseguia ver integramente por causa do ângulo em que estava junto ao vidro dentro do Centro Comerciai]. E se é certo que há indícios fortes de que foi o arguido AA o agressor, também existem pontos de dissintonia entre as versões que nos impedem de considerar esse facto como totalmente assente.

No entanto, tal circunstância em nada invalida o resto da prova e das conclusões a tirar dela - um dos restantes arguidos [excluindo-se o DD que tinha a arma] agrediu o ofendido.

Dizem as testemunhas também que o mais alto, portanto o arguido AA, foi o primeiro a fugir [testemunhas ofendido e FF], o que faz sentido, porque era quem ia conduzir o carro para a fuga, aliás como também refere a testemunha FF que diz que ele entrou no carro para o lugar do volante.

Isto, por seu lado, combina com as versões, neste particular, dos arguidos AA e DD.

Finalmente, temos as testemunhas a dizer que o indivíduo que tinha a arma era também o que tinha a mala do dinheiro quando entrou para o carro [testemunha FF e BB], o que se conjuga com as declarações do arguido DD que diz que foi ele mesmo que tirou a chave do ofendido e abriu o carro e retirou de lá a mala com o dinheiro.

E que foi este o último a entrar no carro, já com o carro em andamento, tal como dizem as testemunhas BB, FF e o próprio arguido AA nas suas declarações.

Portanto, se foi o arguido AA ou o arguido CC a agredir o ofendido é indiferente, tendo-se concretizado que, pelo menos, o arguido DD não foi.

Se foi o arguido AA a retirar a mala do dinheiro do carro e depois a entregar ao arguido DD ou se foi logo o arguido DD que dali a retirou também é irrelevante porque um dos três retirou a mala e todos beneficiaram do conteúdo da mesma e foi essa mesma mala com dinheiro que determinou, nessa data, a actuação destes arguidos.

Como se disse antes, os arguidos DD e AA colocam-se voluntariamente nos factos. Assumem ter lá estado, estarem combinados para o que fazer e quando fazer, aceitam que o móbil foi o dinheiro que queriam e que actuaram com uma terceira pessoa.

Também como já dissemos, estes dois arguidos tiram o arguido CC dos acontecimentos.

O arguido AA diz que o terceiro elemento é um conhecido de quem tem medo pela família e não quer identificar.

O arguido DD diz que o terceiro era um HH que ele mesmo levou nesse dia.

Por seu turno, o arguido CC exclui-se destes factos, dizendo que foi ter a casa do arguido AA, a convite do arguido DD que lhe ligou do telemóvel do arguido AA, onde terá chegado cerca das 14h30m.

A sua mulher diz que, depois de dar umas voltas e de estar com uma amiga, voltou junto da casa do AA mas já não conseguiu passar porque a polícia estava a cortar os acessos e às 15 horas tentou contactar o marido, que tinha deixado na casa do arguido AA algum tempo antes, e já não conseguiu fazê-lo, tendo voltado para casa. E diz também que eram 12 horas e qualquer coisa quando o arguido DD telefonou ao marido para ir lá a casa [às11 h foram de sua casa, sita na .../...,

Ora, conjugando estas duas declarações, que parecem compatibilizadas entre si, teremos que o arguido CC, na sua própria versão, foi contactado pelo arguido DD cerca das 14 horas [a meio do almoço, portanto, como diz a mulher] e depois de almoçar dirigiu-se a casa do AA para se encontrar com aquele.

Acontece, porém, que a polícia [testemunha JJ] diz que os arguidos DD e CC saíram de casa do arguido AA por volta das 15h05m, quando foram abordados e que a polícia chegou ao local às 13 horas e ninguém entrou ou saiu depois disso daquele apartamento, tendo sido depois avisada a PJ, por ser o OPC competente, que chegou depois disso ao local.

Para além disto, diz o arguido DD que o tal HH terá saído de casa do arguido AA e ido embora, o que também não faz sentido porque a PSP tê-lo-ia interceptado e detido por sair daquele apartamento. E a pessoa com quem a PSP se informou e disse que três suspeitos tinham entrado naquele prédio não foi nenhum HH, mas os moradores locais, como refere o expediente de fls. 2 sobre a primeira comunicação dos factos.

E nem fazia qualquer sentido que fosse, como o próprio arguido DD reconhece certamente, sendo por isso que depois se embrulha na confusão de explicar por que razão então o tal HH tinha ido embora sem levar a sua parte do dinheiro [facto para o qual o arguido DD não dá explicação convincente, dizendo que ele mesmo levava, na altura em que foi detido, a parte do dinheiro que cabia ao HH consigo para lhe entregar]. Ou seja, mesmo na versão do arguido DD isto não faz qualquer sentido - o HH, que tinha ido consigo e AA fazer o assalto, fora-se embora sem levar a sua parte do dinheiro; que ele, DD, decidira levar para lhe entregar; sendo que ele, DD, era o que tinha ficado com a maior parte do dinheiro, que não tinha na sua posse, e que era transportado peio arguido CC quando foram detidos...

Não é certamente só ao Tribunal que isto parece rebuscado e, mais do que isso, uma tolice em forma de versão. No entanto, mesmo a inventar-se, esperar-se-ia, dizemos nós, que fosse melhor a ficção.

Mas não. É o que temos. E é o que temos sem fazer qualquer sentido. Aliás, sem ter suporte probatório nenhum e sendo mesmo frontal e inequivocamente contrariado pela restante prova.

Vejamos.

No carro iam, pelo menos, três pessoas do sexo masculino e raça negra, em deles levando consigo uma pistola.

Duas dessas pessoas eram os arguidos AA e DD, que aliás aceitaram tal facto e as explicações acima feitas não deixam dúvidas sobre o papel de cada um deles nos factos.

E a terceira pessoa que ia no carro era o arguido CC que, conjuntamente com os restantes dois, cometeu estes factos que a acusação vem descrever.

Este arguido esteve dentro do carro da mãe do arguido AA em que se fizeram transportar porque um dos vestígios ali encontrados tem as suas impressões digitais [o plástico fotografado a fls. 727 e constante da foto 15]. E muito embora este arguido diga que esteve no carro do arguido AA nessa madrugada quando treinaram, o que ninguém mais confirma e o arguido AA nega e a sua mulher também, ao contrário do que diz, esse vestígio é compatível com alguém que esteve horas, várias, junto às traseiras do I... à espera que saísse de lá o depositante do dinheiro para o assaltar.

O que, por outro lado, é compatível com o facto de este arguido ser o tal terceiro que o arguido AA não quer identificar [ao mesmo tempo que sempre vai dizendo que este arguido não foi ter a sua casa antes de serem presos, deixando subentendido que já lá estava porque foi um dos assaltantes].

O que também é compatível com o facto de ser ele quem, na altura da detenção, levava a mala do dinheiro porque a ele caberia a maior fatia deste roubo [e já vimos que cai pela base a versão do arguido DD que diz que o chamou a casa do AA para lhe dar o dinheiro dos carros que ainda ia comprar, quando a polícia diz que ninguém lá entrou após chegarem ao local e chegaram antes da hora a que o arguido CC diz ter ido ter a casa do AA, que, aliás, nega que ele lá foi ter, como vimos].

E era o arguido CC que levava a mala do dinheiro, como se percebe, bem como todos os papéis que lá estavam já dentro e eram da contabilidade do I..., porque tinha sido ele o estratega do golpe, o que justifica o maior ganho e o facto também de ter sido sempre quem esteve mais protegido no próprio decorrer dos factos.

Por outro lado, nem sequer faria sentido que levasse a mala com os papéis do I... se assim não fosse. Perguntaria logo o que era aquilo, porque estavam ali coisas do I..., o que nem fez e nem lhe importou, precisamente porque aquela era a mala que ele levava com o prémio, do qual descontara/retirara já as pequenas parcelas de ganho de cada um dos restantes.

Isto sim, faz sentido.

E tanto faz sentido que a prova vem demonstrar que assim foi: tinha a mala do dinheiro com os papéis do I... e os sacos do dinheiro, com 17.040 euros em notas dentro quando foi detido; não tinha chegado à casa do arguido AA nos momentos anteriores porque a polícia estava a vigiar a mesma e a cercar a mesma; não ia vender carro nenhum ao arguido DD, quer porque ninguém passa para a mão de outro mais de 17.000 euros sem ter os documentos dos carros na posse (e nenhum dos arguidos tinha esses documentos na sua posse nessa altura) e porque O arguido DD, que tanto disse que se metera nisto porque estava com muitas dificuldades financeiras na vida, sendo sustentado pela mulher, iria comprar dois carros e esgotar nisso todo o produto do roubo, ficando na mesma com as dificuldades económicas por resolver.

Por outro lado, esquece o arguido CC, como esquecem os restantes arguidos, que quando foi detido o mesmo arguido CC, nas circunstâncias acabadas de descrever, tinha na sua posse, no bolso interior do casaco que vestia, do lado esquerdo, um par de luvas que usara no assalto, como referiram as testemunhas que dois dos assaltantes tinham luvas postas e que, como já se viu também, apenas o arguido AA não as usava durante o assalto [razão, aliás, pela qual a palma da sua mão ficou impressa no vidro do carro ...-PT-...].

De facto, ao arguido CC foi apreendido um par de luvas que tinha no casaco, bem como a mala com 17.040 euros dentro, como deixou a sua impressão no plástico que ficou no carro usado no assalto. Por outro lado, não combinam as versões dele e mulher com qualquer das restantes e nem a existência de um suposto HH [que só o arguido DD viu] afastam as certezas que se podem retirar da conjugação de toda esta prova.

O facto de um arguido dizer que não esteve no crime e de os restantes dois não o colocarem nos factos nem sequer é original, aparecendo todos os dias em julgamentos semelhantes, bastando que esse seja, por qualquer motivo que se não apura, o elemento condicionante do grupo.

Aqui, mais do que uma sugestão, a prova deixa demonstrado que o arguido CC era um dos três assaltantes que cometeram este roubo, sendo que não era ele, como se viu já, que tinha a arma na sua posse.

A prova não deixa, como tal, qualquer dúvida.

Para além disto, ficam os elementos todos de prova que vêm confirmar a presença dos restantes dois arguidos também nos factos - a sua assunção desse facto [tanto o arguido AA como o arguido DD aceitam ter praticado neste roubo], as testemunhas que os colocam lá [cujos depoimentos devem ser conjugados com as restantes provas], as apreensões que lhes são feitas [ao arguido DD a arma, luvas, um saco com notas, a máscara e a chave do carro do ofendido - fls. 100,107 e fotos juntas; ao arguido AA o dinheiro que levava e o que resultou da busca, como o haxixe e o gorro - fls. 21 e seguintes; ao arguido CC a mala com o dinheiro, sacos de fecho do dinheiro e documentos do I..., as luvas usadas, conforme fls. 123].

Todos estes arguidos sabiam ao que iam, ao contrário do que pretende o arguido AA, que disse desconhecer que ia ser um assalto e que havia uma arma.

Este arguido sabia, como sabiam os restantes que iam assaltar um transportador de valores, fizeram- lhe vigilâncias como refere a testemunha, estiveram várias horas à espera que saísse com o dinheiro como os lapsos temporais descritos por eles mesmos deixam evidenciado, e todos sabiam que o arguido DD ia levar a arma. Pois que só assim faz sentido irem pressionar um homem a entregar-lhes dinheiro. Só a utilização da arma ia garantir a entrega do dinheiro, só isso faz sentido em pleno dia, a céu aberto, com gente próxima da vítima e em funcionamento normal o estabelecimento e o armazém do mesmo, de acordo com as regras de normalidade da vida.

Para além destes elementos, os vestígios de lofoscopia e biológicos, bem como as fotografias em que estes se perfilam, e que os unem uns aos outros e a estas circunstâncias - fls. 706, 715 e seguintes [maxime 721, 725 e 727], 960, 963 e 967. Todos apontando num mesmo sentido e que é o que se deu como provado. Para além disto, também a posse do estupefaciente apreendido pelo arguido AA foi assumida para si, bem como a finalidade a que se destinava o mesmo, que se aceita no âmbito da assunção parcial dos factos por parte deste arguido, anotando-se ainda os elementos de prova de fls. 785, entre o mais.

Não ficam dúvidas a este Tribunal sobre a factualidade que se deixa assente.

Da prova resulta que os arguidos actuaram em coautoria no cometimento destes factos.

Como se refere no Ac. TRC de 24.05.2017 a propósito de um caso similar e com as reservas inerentes:

A execução conjunta do facto não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um deles constitua elemento componente do conjunto da acção e se revele essencial à produção daquele resultado acordado.

Para haver co-autoria no crime de roubo “não é necessário que todos os agentes subtraiam o bem ou exerçam meios de coacção; deverão é ter todos "o domínio do facto": ter decidido e planeado em conjunto, podendo haver uma divisão das tarefas"- Cf. Conceição Ferreira da Cunha, anotação ao artigo 210.° do Código Penal, in Jorge de Figueiredo Dias (coord.), Comentário Conimbricense do Código Penai, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.177.

Daí que, tendo em vista a delimitação típica do crime de roubo e a tutela da liberdade de decisão e acção, enquanto bem jurídico de natureza pessoal revelado no elemento objectivo relativo aos meios empregues na subtracção ou constrangimento a entregar a coisa, a presença do agente na execução, ainda que aparentemente inactiva, poderá ser considerada co-autoria quando representa um acto de intimidação da vítima, sendo, pois, tal presença suscetível de se identificar com a realização do modo vinculado de execução previsto no tipo e preenchendo, assim, peio menos em parte, o correspondente elemento constitutivo.

Apesar de a recorrente não ter executado qualquer acto material, a sua presença no local do crime durante toda a sua execução, acompanhando os restantes coarguidos, conjugada com o teor do plano conjunto previamente acordado, que contemplava o recurso a ameaças ou violência, se necessário (...), revela-se consonante com uma posição de poder intervir se e quando tal se mostrasse necessário, a fim de garantir a plena execução do facto criminoso projectado.

O conjunto de três pessoas de que a arguida [recorrente] fazia parte e que em superioridade numérica ("três contra um") se apresentou perante o ofendido, contribuiu para a intimidação daquele e assumiu, portanto, significado no quadro do apontado modo vinculado de execução do crime de roubo, identificando-se a presença da recorrente com a realização de parte do correspondente elemento típico do crime.

Temos, assim, que com a apurada actuação o recorrente tomou parte directa na execução de actos de realização de elementos típicos do crime de roubo, sendo que o seu contributo, conquanto parcelar, na medida em que não desenvolveu qualquer conduta que materialmente correspondesse à utilização dos indicados pé de cabra e arma de softair, a qual foi levada a cabo pelos restantes coarguidos, reúne as condições necessárias para se considerar que aquela deteve também o domínio funcionai do facto, no sentido de que a actividade que desempenhou na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano previamente acordado pelos três arguidos (…)».

*

II.7.2. Assim, revertendo para o que se referiu, temos para nós que a actuação se subsume ao cometimento de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alíneas a) e f) ex vi artigo 202.º, alínea b), e pelos artsigos 75.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal, sendo a sua actuação em co-autoria, nos termos do disposto no artigo 26.° do mesmo CP, por terem actuado conjuntamente com vista à realização dos factos criminosos.

Com efeito, dispõe o artigo 26.º do C.P, com a epígrafe “Autoria” que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo da execução.”

E face ao que ficou assente na matéria de facto provada, sem dúvida que a actuação do arguido AA integra uma participação a título de co-autoria por ter praticado actos essenciais para a concretização do objectivo pretendido por ele e pelos arguidos DD e CC, porquanto cada um dos indivíduos, em que se inclui o arguido, executou os factos directamente e com vista à concretização de um objetivo que era do seu interesse, executando os factos descritos e com essa vontade, em conjunto e de acordo com um plano previamente acordado e assumido por todos, desde logo pelo arguido, como de conjunto.

Numa situação de co-autoria os agentes participantes não precisam de praticar todos os actos de execução necessários para o preenchimento do tipo de ilícito, bastando que por acordo e conjuntamente com outro ou outros, tome parte imediata na execução do crime.

No essencial (I) a “co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução; (II) - A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina – cfr. Acórdão do S.T.J. de 07-11-2007, Proc. 07P3242, Rel. Henriques Gaspar e Acórdãos de 19-03-2009, Proc. 09P0240, Rel. Cons. Santos Monteiro.

No caso presente, com a apurada actuação o recorrente tomou parte directa na execução de actos de realização de elementos típicos do crime de roubo, sendo que o seu contributo, conquanto parcelar, reúne as condições necessárias para se considerar que aquela deteve também o domínio funcional do facto, no sentido de que a actividade que desempenhou na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano previamente acordado pelos três arguidos.

Razão pela qual, foram condenados como co-autores, nos termos do disposto no artigo 26.° do mesmo C.P, pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea a) e f) ex vi artigo 202.º, alínea b), e pelos artsigos 75.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Improcedente, também nesta parte, o recurso do arguido AA.

*

II.8. O recurso de decisões da Relação que conheçam, a final, do objecto do processo está limitado pela natureza e pela medida da pena de prisão aplicada: não é admissível se for aplicada pena não privativa da liberdade, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância [alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, com a nova redação da Lei n.º 94/2021 de 21 de dezembro - artigo 11.º] e, sendo aplicada pena privativa da liberdade, dependerá dos limites e condições previstas nas alíneas e) e f) do mesmo preceito.

Nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, isto é, se ocorrer uma situação de dupla conforme. De acordo com a alínea e) do mesmo preceito também não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos. Por sua vez, o artigo 432.º do CPP estabelece que se recorre para este tribunal de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal estão, assim, delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas ou confirmadas pelo tribunal da Relação.

Da conjugação das citadas disposições resulta, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Tribunal, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância.

O arguido AA foi condenado no Tribunal da Relação, que confirmou a condenação em 1ª instância, nas seguintes penas:

- a) Um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204.º, nº 2, alíneas a) e f) ex vi artigo 202.º, alínea b), e pelos artigos 75.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;

- b) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação introduzida pelas Leis 26/2010, de 30 de agosto e 12/2011, de 27 de abril, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;

- c) Um crime de coação agravado, previsto e punível pelo artigo 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a) ex vi artigo 131.º, do Código Penal (na pessoa da ofendida BB), na pena 2 anos e 4 meses de prisão;

d) Um crime de consumo de estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do DL nº 15/93, de 22 de janeiro, conjugado com a tabela I-C anexa e artigo 2.º, da Lei nº 30/2000, de 29 de novembro, na pena de multa de 100 dias à razão diária de 5 €, num total de 500€.

Em cúmulo jurídico destas penas parcelares condenado na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão e 500 € de multa.

*

E, quanto ao recorrente CC foi também confirmada a sua condenação em 1ª instância, como autor material, pela prática de:

- a) Um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao disposto no art. 204.º, nº 2, alíneas a) e f) ex vi artigo 202.º, alínea b), e pelos artigos 75.º, nº 1 e 76.º, nº 1, todos do Código Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;

- b) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, nº. 1, alíneas c) e d), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação introduzida pelas Leis 26/2010, de 30 de agosto e 12/2011, de 27 de abril, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;

- c) Um crime de coação agravado, previsto e punível pelo artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) ex vi artigo 131.º, do Código Penal (na pessoa da ofendida BB), na pena 2 anos e 4 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico destas penas parcelares condenado na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão.

*

II.8.1. Verifica-se, assim, que as penas parcelares elencadas quanto aos crimes de detenção de arma proibida e coação agravada, foram todas fixadas em medida inferior a 8 anos de prisão, as quais foram integralmente confirmadas pelo Tribunal da Relação, na sequência de anterior recurso interposto pelo arguido do acórdão de primeira instância.

Daqui resulta que o recurso não pode ser apreciado na parte respeitante às condenações quanto aos crimes de detenção de arma proibida e coação agravado e respetivas penas parcelares em que os arguidos foram condenados, por não admissível, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P., sob pena de violação da dupla conforme.

Tem sido esta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação conforme à Constituição, de acordo com as decisões do Tribunal Constitucional[8].

*

II.8.2. No sentido da conformidade constitucional do entendimento do Supremo, o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.

Com efeito, a constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

Por outro lado, no acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado” e, mais recentemente, no acórdão nº 232/2018, de 2 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1291/2017, da 1.ª Secção, foi decidido “não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidas em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a oito anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância, alterando uma parte da matéria de facto essencial à subsunção no tipo penal em causa”.

*

II.8.3. Conclui-se, pois, pela verificação do requisito da dupla conforme exigido pelo disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, impondo-se a irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação respeitante às condenações quanto aos crimes de detenção de arma proibida e coação agravado e respetivas penas parcelares em que os arguidos foram condenados (pena de 3 anos e 4 meses de prisão e 2 anos e 4 meses de prisão, respetivamente).

A irrecorribilidade no que diz respeito às penas parcelares implica, naturalmente, o não conhecimento das questões – de todas as questões – de natureza substantiva e processual que com elas se prendam [factos fixados e tipo de participação dos arguidos nos mesmos, o modo como as instâncias apreciaram a prova produzida, a pretensa violação do princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica dos factos – nomeadamente a pretensão do recorrente AA, no sentido de que o crime de coacção agravada ou simples seja consumido pelo crime de roubo (conclusões XX a CCC e KKK) – vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPC], para além do conhecimento oficioso que deles faça este tribunal, que, como vimos supra (II.4.1) se não verificam.

Assim, face ao disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas. e) e f), 432.º, n.º 1, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, não se toma conhecimento do recurso, por inadmissibilidade legal, na parte em que é impugnado o Acórdão da Relação quanto à condenação dos recorrentes pelos crimes de detenção de arma proibida e coação agravado e respetivas penas parcelares em que os arguidos foram condenados (pena de 3 anos e 4 meses de prisão e 2 anos e 4 meses de prisão, respetivamente), bem como o não conhecimento das questões – de todas as questões – de natureza substantiva e processual que com elas se prendem.

Resta, para apreciação:

• A pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alíneas a) e f) ex vi artigo 202.º, alínea b), e pelos artigos 75.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal, aplicada a cada um dos recorrentes;

• Bem como a pena única de 12 anos e 7 meses de prisão, aplicada a cada um dos recorrentes.

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II.9. Da medida das penas parcelares de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado:  

 

A determinação da pena comporta duas operações distintas: a determinação da pena aplicável (moldura da pena), por via da averiguação do preenchimento do tipo legal de crime (tipo fundamental) e de circunstâncias modificativas que podem conduzir à punição por um tipo de crime agravado ou privilegiado, e a determinação concreta da pena (medida da pena), em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal).

Em caso de concurso de crimes (artigo 30.º, nº 1, do Código Penal), há ainda que determinar a pena única, a partir da moldura definida pela pena mais grave aplicada aos crimes em concurso e pela soma das penas aplicadas, sem ultrapassar o limite de 25 anos de prisão, tendo em consideração, no seu conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

*

II.9.1. A determinação da medida da pena pelo tribunal da condenação mostra-se fundamentada nos seguintes termos:

«A REALIDADE CRIMINAL,

Em face da repetição da prática de crimes de roubo e coacção, mas também de detenção de armas sem a devida autorização e de consumo de estupefacientes, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade desta natureza em crescendo num País que era de brandos costumes, com particular acuidade em comunidades locais, em que os lugares são comuns, deixando [nos primeiros referidos] as vítimas criar a confiança de que estão sob a protecção do conhecimento diário desses espaços que conhecem, que frequentam com regularidade, mercê também da existência presuntiva de algum poder económico que atrai os delinquentes, o facto de a proliferação de armas ilegais no mercado paralelo vir a potenciar a criminalidade mais grave, o facto de a detenção de estupefaciente em doses que excedem o consumo imediato ver também a potenciar o apetite da venda/cedência a terceiros, em face, em fim, da verificação na área deste Tribunal que estes crimes tendem a assumir proporções de já considerável alarme social, e que os arguidos tiveram o discernimento e vontade de abordar a vítima e constrange-la, além do mais, com violência física e brutalidade com que ficou marcada, sem se deterem de uns factos para os outros factos, quando estavam, essa vítima e as colegas, num contexto social de confiança, que conheciam e em que se sentiam seguras, violando os arguidos a real e espectativa de vida patrimonial da empresa, do próprio ofendido também, são de considerar muito elevadas quer as exigências de prevenção geral quer as exigências de prevenção especial, bastando para isso ver o CRC dos arguidos.

Concretizando, o que é facto é que as exigências de prevenção geral destes tipos de crimes são crescentes nas nossas comunidades, exigências essas que aparecem algumas vezes na fase patológica de um processo de integração social, laboral ou familiar mal conseguidos, outras vezes pelo simples facto de condenações anteriores não terem surtido o efeito legitimamente esperado pela Sociedade, o que se conjuga com a ideia de que o País é de brandos costumes, mas também permissivo, afirmando-se a indesejável ideia de que as instituições não estão capacitadas para reagir em tempo ao fenómeno surpresa da violência fácil, como este, que vão corroendo o tecido social e acabam por afastar certas pessoas de certos meios, contribuindo-se assim para uma cultura de crescente segregação relativamente a certos grupos sociais e, por outro lado, crescendo também o medo generalizado nos cidadãos que, por via dele, abandonam o convívio social em determinados meios ou a determinadas horas, com isso criando-se uma espécie de círculo vicioso que agrava as distâncias sociais entre membros da mesma sociedade e permite a generalização da ideia de que as instituições de tutela não garantem a prevenção suficiente à vida pacificada dos cidadãos.

Por outro lado, não podemos descurar as exigências de prevenção especial já genericamente mencionadas acima, que no caso se fazem sentir, muito vincadamente aliás, na medida em que os arguidos têm bastos antecedentes criminais como se disse, cumpriram penas e revelam, ainda assim, uma disposição gratuita para a violação das regras comportamentais em geral aceites na sociedade de forma grave, tão grave que importa a intervenção do direito criminal, não se mostrando capazes de conformar o seu comportamento pelo padrão socialmente aceite e regras legais condicionantes da vida em sociedade, devendo a Sociedade, e em nome dela o Tribunal, ter em atenta conta essas necessidades de prevenção e ressocialização evidenciadas por estes três arguidos.

Por maioria de razão quanto ao arguido CC que se demarcou dos factos, deixando os restantes dois entregues à sorte de cada um, escamoteando as suas responsabilidades, o que importa, quanto a si, igual juízo de censura, agravado mesmo pela falta de assunção das responsabilidades.

Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de aplicar penas de prisão aos arguidos, quer pela natureza dos tipos legais de crimes em presença quer pela natureza dos factos censurados quer pela repetição de condutas que revelam uma incisiva anti socialidade.

Como se disse, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tuteia dos bens jurídicos, dentro do que é considerado peia culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de cada uma das penas, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.

Finalmente, importa dizer, para que duvidas não restem, muito embora se faça por excesso de cautela pois que ressalta aos olhos essa circunstância como evidência, não há aqui na descrição destes factos a verificação de qualquer estado de incapacidade total ou acidental por parte dos arguidos quanto ao cometimento dos factos.

A CONCRETA PONDERAÇÃO,

Tendo em atenção as molduras penais abstractas, sendo os crimes de características muito semelhantes porque no mesmo contexto, há, pois, a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra cada um dos arguidos (artigo 7°,CP), sendo que as considerações valem genericamente para todos:

- quanto à execução dos factos: o elevadíssimo grau de ilicitude dos mesmos, que transparece da facilidade com que os arguidos se movem com ampla iniciativa, com amplo à-vontade no constrangimento de outras pessoas, insistindo o grupo também no usar de violência física para constranger o ofendido e a facilidade com que se determinaram a isso, bem como em violar a esfera patrimonial do lesado, enfim, a ilicitude muito marcada destes actos, resultando daqui a culpa acentuadíssima dos arguidos;

- quanto ao dolo: o dolo directo e intenso em todas as circunstâncias e por parte de todos os arguidos;

- quanto às condições pessoais: os arguidos reúnem condições para poderem manter uma conduta lícita, nada resultando provado que derrogue esta presunção;

- quanto à personalidade: os arguidos sabem exactamente distinguir o bem do mal, têm capacidade para entender a gravidade das suas actuações, não desenvolvendo embora um processo genuíno de autorresponsabilização que ficasse evidenciado, por exemplo, numa assunção conjunta de responsabilidades;

- já quanto aos arguidos DD e AA, o facto de terem assumido ainda que muito parcialmente os factos, mostrando-se embora pouco sensibilizados em termos de sentimento de culpa e arrependimento [o que fica evidenciado pela tentativa de minimizarem as suas actuações e contextos de actuação], o que deixa adivinhar- lhes um grau de recuperabilidade muito difícil;

- comportamento anterior e posterior: tendo eles condenações anteriores, por factos.

Relativamente a este ponto, cabe ainda dizer que, relativamente aos dois arguidos que prestaram declarações e admitiram parcialmente os factos, ainda que o Tribunal percepcione que os arguidos temem mais os efeitos do processo do que se deixaram sensibilizar pelo errado das suas condutas [o arrependimento activo não se limita, em termos de exteriorização à assunção parcial de culpas e nada mais foi feito pelos arguidos, desde logo junto do ofendido ou lesados para minimizarem o resultado dos seus actos], o facto aqui relevante é que, seja qual for a motivação, estes dois arguidos [AA e DD] prestaram declarações em que, não confessando integralmente os factos, assumiram parcialmente o que fizeram, o que acaba por não ser de maior relevo porque, com isso, tentando ainda minimizar as suas intervenções, não ajudaram à descoberta da verdade porque assumiram o que não podiam negar, em face da prova junta.

DA REINCIDÊNCIA

Os arguidos vêm, no entanto, acusados como reincidentes.

Assim, importa atender a este instituto, face às anteriores condenações dos arguidos nos processos suprarreferidos, já que quanto às demais condenações sofridas os requisitos não estão preenchidos.

Com efeito, de acordo com o art.° 75.°, n.° 1 CP, a punição como reincidente depende dos seguintes pressupostos:

i. comissão de um primeiro crime doloso;

ii. punição desse crime com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;

iii. comissão de novo crime doloso;

iv. este novo crime deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;

v. que o agente, de acordo com as circunstâncias do caso, seja de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

vi. o anterior crime não releva, porém, se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos (não se contando neste prazo o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade).

Os requisitos objectivos referidos em i. a iii estão verificados.

Quanto ao requisito vi., ele analisa-se na exigência de que entre os crimes relevantes não tenham decorrido mais de 5 anos, computados nos termos referidos.

Vê-se que os anteriores crimes relevantes foram praticados em datas que permitem, salvaguardados os descontos nos casos em que houve cumprimento efectivo de pena, considerar que quanto a todos os arguidos tal requisito está também verificado.

Face a estes dados, constata-se que os crimes praticados relativamente aos processos supra identificados podem ser atendidos para este efeito.

No que toca ao juízo valorativo da conduta dos arguidos (req. v.), estão em causa um crime de roubo qualificado, entre o mais.

A este propósito refere Figueiredo Dias [Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra editora, p. 268 e ss.]: O Critério essencial de censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias v.g., afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena na prisão, etc.) que sirvam para excluirá conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível.

Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão é, em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.

Esta doutrina tem obtido acolhimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Argumenta-se no sentido de que, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas, - caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por, então, não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada peia anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor».

No caso em apreço, considera-se que a factualidade apurada, no que tange ao concreto contexto em que os factos foram praticados, conjugada com o tempo decorrido entre factos, não deixando de demonstrar a insuficiência das condenações passadas para evitar a recidiva criminosa por parte do mesmo, conduzem, no caso concreto, a que se explique a mesma por os arguidos não terem sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pelas anteriores condenações transitadas em julgado.

Assim, considera-se verificada a situação de reincidência quanto a todos eles, estando ainda verificado o elemento de afinidade entre os crimes.

Assim, além do limite da prevenção e aquém do limite da culpa, entende-se:

- nos termos do art° 70.° do CP que não pode deixar de ser aplicada aos arguidos penas de prisão por cada um dos crimes de que procede a acusação, como decorrência dos tipos legais em analise;

- que a pena concreta de cada um se deve fixar no limite médio das molduras abstractas previstas e atendendo-se a essas molduras, as penas devem ser fixadas como segue.

PARA O ARGUIDO AA:

a) pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210.°, n.°s 1 e 2 al. b), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2 alíneas a) e f) ex vi artigo 202.°, al. b) todos do Código Penal, e pelos artigos 75.° n.° 1 e 76.°, n.° 1, do Código Penal, a pena de [9 anos de prisão sem reincidência] 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, als. c) (quanto à arma de fogo) e d) (quanto às munições) da Lei 5/2006, de 23/02 (na sua redacção actual introduzida pela Lei 26/2010, de 30/08 e peia Lei 12/2011, de 27/04, a pena de [3 anos de prisão sem reincidência] 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

c) pela prática de um crime de coacção agravado, previsto e punido pelos artigos 154.° n.° 1 e 155.°, n.° 1, al. a), ex vi artigo 131.°, do Código Penal, (na pessoa da ofendida BB), a pena de [2 anos de prisão sem reincidência] 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

d) pela pratica de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 40.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, conjugado com a Tabela I-C anexa ao mencionado diploma e constante no artigo 2.° da Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, a pena de multa [com ou sem reincidência] de 100 dias à razão diária de 5 euros, num total de 500€ (quinhentos euros) de multa.

PARA O ARGUIDO CC:

a) pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos 210.° n.°s 1 e 2 al. b), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 204.°, n.° 2 alíneas a) e f) ex vi artigo 202.°, al. b) todos do Código Penal, e pelos artigos 75.° n.° 1 e 76.°, n.° 1, do Código Penal, a pena de [9 anos de prisão sem reincidência] 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, als. c) (quanto à arma de fogo) e d) (quanto às munições) da Lei 5/2006, de 23/02 (na sua redacção actual introduzida pela Lei 26/2010, de 30/08 e pela Lei 12/2011, de 27/04, a pena de [3 anos de prisão sem reincidência] 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

c) pela prática de um crime de coacção agravado, previsto e punido pelos artigos 154.,º n.º 1 e 155º, nº 1 al a), ex vi artigo 131.º, do Código Penal (na pessoa da ofendida BB), a pena de [2 anos de prisão sem reincidência] 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão».

*

II.9.2 Em apreciação do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação, diz o acórdão recorrido:

«O art. 72º nº 1 do CP dispõe que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena, indicando o nº 2 do mesmo preceito, a título exemplificativo, algumas daquelas circunstâncias, como:

«a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.»

O regime da atenuação especial da pena destina-se a responder a situações em que a ilicitude do facto e a culpa, mas, também, a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada.

Temos, assim, que as situações referidas nas diversas alíneas do nº 2 do citado art. 72º do CP não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionadas com um determinado efeito que terão de produzir, isto é, a diminuição acentuada da ilicitude do facto e da culpa do agente.

Vejamos, então, a situação particular do recorrente AA:

Os factos dados como provados não permitem, de modo algum, concluir que se mostra diminuída, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena, a que alude o artigo 72º n.º 1 do C.P.

Com efeito:

A confissão prestada pelo arguido recorrente, em sede de audiência de discussão e julgamento, só por si, e com a relevância que lhe foi dada para o apuramento da verdade dos factos, não pode ter a virtualidade que o mesmo lhe pretende dar, e, muito menos, a de fundamentar uma atenuação especial da pena, pois apenas admitiu os factos muito parcialmente, tanto mais que até veio, agora, em sede de recurso, invocar erro na apreciação valoração da prova, por entender que não resultaram provados, quanto a si, os factos que integravam os crimes de roubo qualificado, de detenção de arma proibida e de coação agravada, que lhe eram imputados na acusação.

Com efeito, a admissão de parte dos factos, por parte do recorrente, não pode merecer valor especial, num caso em que existem provas evidentes, não sendo, também, possível falar em arrependimento, já que este é um acto interior, revelador de uma personalidade, que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, no sentido de que, se vierem a depararem-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir [neste sentido, cf. Ac do STJ de 09.01.2008, relator Conselheiro Soreto de Barros, acessível in www.stj.pt], o que o factualismo provado não revela.

Perante o acentuado grau da culpa e a necessidade da pena, imposta, também, pelos largos antecedentes criminais do recorrente pela prática, ente outros, de crimes de roubo, é manifesto que não há fundamento legal para a aplicação do instituto da atenuação especial da pena (art. 72º do CP).

Temos, assim, que as circunstâncias invocadas não são, por si só, suficientes para se reconhecer a existência de atenuação da ilicitude do facto, da culpa, ou da necessidade de pena, razão por que não há fundamento para a pretendida atenuação especial da mesma, como pretendido pelo arguido AA.

*

A determinação da medida concreta da pena, como é sabido, faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes, nos termos do preceituado no art. 71º do Código Penal.

Tal como refere Figueiredo Dias, in” Direito Penal Português”, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.

Sendo a medida da pena dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos, o limite inferior da medida concreta da pena decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral, entendida esta como prevenção geral positiva ou de reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente. A pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

Feitas estas considerações, considerando as prementes necessidades de prevenção geral que o caso em apreciação reclama e de prevenção especial, verifica-se que o tribunal recorrido ponderou correctamente a gravidade dos diversos ilícitos, a culpa dos arguidos, o elevado grau de ilicitude dos factos, a motivação e o modo de execução dos crimes, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, os diversos antecedentes criminais de todos, as suas condições pessoais, a confissão parcial dos factos, pelos arguidos DD e AA, tudo em termos que não nos merecem censura, salientando-se que a invocada integração familiar, social e profissional dos recorrentes não foi impeditiva, nem suficientemente contentora da prática, pelos mesmos, os factos aqui em apreço, considerando-se, por isso, justas e adequadas as aludidas penas parcelares de prisão, termos em que, também, nesta parte, improcederão os recursos».

*

II.9.3. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

A finalidade útil da pena assume-se numa função basicamente preventiva que se desdobra orientada para a comunidade – prevenção geral – e para o indivíduo – prevenção especial. “(…) só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.” [9].

Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito.

A prevenção geral não se reconduz somente ao efeito dissuasor que o anúncio da aplicação de uma pena exercerá sobre o potencial infractor no que se designa como prevenção geral negativa. Contém em si e principalmente uma mensagem de reafirmação e de consolidação da validade da lei penal como meio de «manter e reforçar a “confiança” da comunidade na validade e na vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantibilidade da ordem jurídica»[10], na faceta de prevenção geral positiva sendo então, decerto, nas normas que, no sistema, tutelam bens que assumem expressão e valor superlativo, como a vida, que essa expectativa da comunidade na validade de tais normas, na restauração da paz jurídica, encontra o seu pleno sentido e a sua máxima expressão.

Já a vertente da prevenção especial reconduz-se ao objectivo de evitar a recidiva mediante a ressocialização ou reinserção social sem embargo de se lhe adicionar também, numa deriva mais securitária, o objectivo de intimidação individual e de inocuização.

E se é a prevenção geral positiva que fornece uma “moldura de prevenção” não pode escamotear-se – como bem se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 30/05/2019, proc. 21/17.4JAFUN.L1.S1, 5ª Secção, relator: Nuno Gomes da Silva – «haver “dentro” dessa moldura de prevenção um efeito de prevenção geral negativa ou prevenção de intimidação que embora não constitua «por si mesma uma finalidade autónoma da pena pode surgir como um efeito lateral (porventura, em certos ou em muitos casos desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos).

É ainda dentro da dita “moldura de prevenção” que «devem actuar, em toda a medida possível, pontos de vista de prevenção especial sendo assim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena.

É este, no essencial, o programa político-criminal que está vertido no art. 40º, nº 1 do C. Penal onde se determina que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade conferindo a essa pena a natureza preventiva geral e especial».

*

II.9.4. Aos recorrentes CC e AA foi aplicada pela prática do crime de roubo qualificado a pena de 9 anos e 6 meses e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares foi o recorrente CC condenado na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão e o recorrente AA na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão e 500 € de multa.

Sustenta o recorrente AA, que se mostram verificados os pressupostos previstos no artigo 72.º do Código Penal, integrando-se a confissão dos factos, como assunção de culpa, nas circunstâncias posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a culpa do agente e, por isso, merece censura a decisão recorrida ao não ter atenuado especialmente a pena (conclusão SSS) e, sendo um adulto jovem, não faz sentido que cumpra uma longa pena de prisão, que em nada contribui para a respectiva reintegração social, quando é certo que estava inserido na comunidade (conclusão ZZZ), pelo que a pena a aplicar in casu deverá ser especialmente reduzida (conclusão AAAA).

Por sua vez, o recorrente CC, considera excessiva a sua condenação em 9 anos e 6 meses pelo crime de roubo, devendo ser condenado em 4 anos, tendo em conta que todo o valor foi devolvido, não houve extrema violência sobre o ofendido e o arguido não auferiu qualquer compensação económica.

Discorda da pena aplicada em cúmulo jurídico, por excessiva, defendendo que “sendo justo e proporcional à gravidade dos factos e à medida da culpa a pena, em cúmulo, de 7 anos de prisão”. E caso se entenda que está vedado ao STJ a alteração da pena parcelar aplicada ao crime de roubo, a pena, em cúmulo, deve ser reduzida para 9 anos e 6 meses.

Invoca em defesa da sua posição as circunstâncias de ser um jovem com 29 anos, se encontrar socialmente integrado, à data dos factos ativo no trabalho, dava aulas de jiu-jitsu a crianças oriundas de meios desfavorecidos, tem um filho com 2 anos de idade, envergonhar-se do seu passado criminal e não ter ficado provado que tenha agredido o Sr. EE, nem que fosse o mandante do assalto. Entende que o tribunal sopesou em demasia cada crime em particular e os seus antecedentes criminais.

*

II.9.5. Na determinação da medida da pena foram levados em conta os seguintes factores relevantes (artigo 71.º do Código Penal):

- o dolo directo e intenso;

- o grau de ilicitude que é elevadíssimo, demonstrado na execução dos factos, pela facilidade com que os arguidos recorrentes se moveram e no à-vontade em usar de violência física para constranger o ofendido e a facilidade com que se determinaram a isso, bem como em violar a esfera patrimonial do lesado;

- as elevadas as necessidades de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir muito vincadamente, tendo em consideração  os bastos antecedentes criminais dos recorrentes que cumpriram penas e revelam, ainda assim, uma disposição gratuita para a violação das regras comportamentais em geral aceites na sociedade de forma grave. Na verdade, o arguido AA foi condenado nos processos 5813/13..., 576/07...,1354/07...,477/07...,82/08...,254/07...1355/07...,1470/08...4JDLSB,2451/08....,290/08....,1471/08....,2852/08....,170/08....,1679/05....,324/08.... e 305/07...., pela prática de dez crimes de condução sem habilitação legal, dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de violência depois da subtracção, três crimes de receptação, um crime de roubo qualificado, três crimes de roubo, nove crimes de furto, um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de falsificação, um crime de furto de uso de veículo, um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de detenção de arma proibida.

Por Acórdão proferido a 05/10/2015, transitado em julgado a 23/06/2016, no processo 5813/13..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., o arguido AA foi condenado no cúmulo jurídico das penas dos processos 5813/13...., 324/08...., 305/07...., 2852/08...., 1471/08...., 290/08...., 1679/05...., 2451/08.... e 170/08...., na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O arguido esteve preso ininterruptamente, em cumprimento de pena à ordem do processo 5813/13... até ao dia 06/04/2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir – até ao dia 18/12/2019.

O arguido praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/2020, ou seja, menos de 2 meses após ao termo do período de liberdade condicional aplicado no processo 5813/13.....

Ao praticar os factos supra descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena de prisão efectiva de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses, revela o arguido uma personalidade com forte propensão para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e contra as pessoas.

Também o arguido CC foi condenado nos processos 179/08...., 1054/09...., 2011/08...., 944/09...., 383/06.... e 47/09...., pela prática de um crime de roubo no processo 383/06...., um crime de roubo agravado no processo 1054/09...., onze crimes de roubo qualificado consumados e um crime de roubo qualificado na forma tentada no processo 944/09...., um crime de roubo e um crime de resistência e coacção no processo 47/09...., um crime de roubo no processo 2011/08.... e um crime de roubo agravado no processo 179/08.....

Por Acórdão proferido no processo 179/08...., da ... Vara Criminal ..., o arguido CC foi condenado no cúmulo jurídico das penas dos processos, 179/08...., 1054/09...., 2011/08...., 944/09...., 383/06.... e 47/09...., na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão. O arguido esteve em cumprimento de pena de prisão à ordem do processo 179/08.... até ao dia 02/03/2018, data em que foi restituído à liberdade lhe foi concedida a liberdade condicional pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir - até ao dia 02/12/2019.

O arguido praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/2020, ou seja, dois meses e 8 dias após o termo do período de liberdade condicional de liberdade condicional que lhe havia sido concedida no processo 179/08.....

Ao praticar os factos supra descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena de prisão efectiva de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, revela o arguido uma personalidade com forte propensão para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e contra as pessoas.

Considera-se, assim, que a factualidade apurada, no que tange ao concreto contexto em que os factos foram praticados, conjugada com o tempo decorrido entre factos, não deixando de demonstrar a insuficiência das condenações passadas para evitar a recidiva criminosa por parte dos recorrentes, conduzem, no caso concreto, a que se explique a mesma por os arguidos não terem sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pelas anteriores condenações transitadas em julgado.

Assim, considera-se verificada a situação de reincidência quanto aos recorrentes, estando ainda verificado o elemento de afinidade entre os crimes;

 - a falta de confissão e de arrependimento do recorrente CC, demarcando-se dos factos, escamoteando as suas responsabilidades.

- A favor do recorrente AA, contabilizou o acórdão recorrido, contrariamente ao que alega, a confissão parcial dos factos.

Tal confissão, porém, só por si, e com a relevância que lhe foi dada para o apuramento da verdade dos factos, não pode ter a virtualidade que o mesmo lhe pretende dar, e, muito menos, a de fundamentar uma atenuação especial da pena, porquanto, como bem salienta a decisão recorrida, «apenas admitiu os factos muito parcialmente, tanto mais que até veio, agora, em sede de recurso, invocar erro na apreciação e valoração da prova, por entender que não resultaram provados, quanto a si, os factos que integravam os crimes de roubo qualificado, de detenção de arma proibida e de coação agravada, que lhe eram imputados na acusação.

Com efeito, a admissão de parte dos factos, por parte do recorrente, não pode merecer valor especial, num caso em que existem provas evidentes, não sendo, também, possível falar em arrependimento, já que este é um acto interior, revelador de uma personalidade, que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, no sentido de que, se vierem a depararem-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir (…)  o que o factualismo provado não revela. 

Perante o acentuado grau da culpa e a necessidade da pena, imposta, também, pelos largos antecedentes criminais do recorrente pela prática, ente outros, de crimes de roubo, é manifesto que não há fundamento legal para a aplicação do instituto da atenuação especial da pena (art. 72º do CP).

Temos, assim, que as circunstâncias invocadas não são, por si só, suficientes para se reconhecer a existência de atenuação da ilicitude do facto, da culpa, ou da necessidade de pena, razão por que não há fundamento para a pretendida atenuação especial da mesma, como pretendido pelo arguido AA».

- A decisão recorrida levou, ainda, em consideração as condições socioeconómicas, inserção social, familiar e profissional dos recorrentes que nada têm de excecional, isto é, de reduzido valor atenuativo, por ser a conduta exigida a todo e qualquer cidadão como modo de poder viver em sociedade, sendo certo que a mesma não foi impeditiva, nem suficientemente dissuasora da prática, pelos mesmos, dos factos aqui em apreço. 

Tendo em consideração todos estes parâmetros, bem como a moldura penal abstrata com o limite mínimo de 3 anos de prisão, e o limite máximo de 15, o que se constata é que a pena concreta fixada de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2 alínea b), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 204.°, n.° 2 alíneas a) e f) ex vi artigo 202.°, alínea b) todos do Código Penal, e pelos artigos 75.°, n.° 1 e 76.°, n.° 1, do Código Penal, se situa muito ligeiramente acima do respectivo limite abstracto médio, mostrando-se justa, correta e adequadamente fixada, pois a sua redução, além de não ser justificada ao nível da prevenção especial mormente por qualquer circunstância com destaque ao nível da condição social dos recorrentes ou outra que pudesse ser tida como factor atenuativo, criaria relativamente a factos semelhantes uma aberrante ideia de impunidade. Em comportamentos com este nível de violência e com estas desastrosas consequências, a efectiva aplicação de uma pena, a demonstrar que apesar da violação das normas estas se mantém em vigor, é necessária para se demonstrar que comportamentos como os praticados constituem um sério atentado à comunidade em que vivemos e ao Estado de Direito em que nos inserimos.

Pelo que se conclui pela improcedência do alegado quanto à invocada violação do disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 alínea a), do Código Penal e consequentemente pela redução do quantum da pena aplicada.

Deste modo, se conclui pela improcedência do alegado pelos recorrentes.

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II.10. Quanto à apreciação da condenação numa pena única:

II.10.1. Ao recorrente CC foi aplicada a pena única de 12 anos e 7 meses de prisão e ao recorrente AA a pena única de 12 anos e 7 meses de prisão e 500 € de multa.

O recorrente AA reputa de excessiva a pena única aplicada, pugnado que seja especialmente reduzida, uma vez que “se mostram verificados os pressupostos previstos no art.º 72.º do Código Penal, integrando-se a confissão dos factos, como assunção de culpa, nas circunstâncias posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a culpa do agente e, por isso, merece censura a decisão recorrida ao não ter atenuado especialmente a pena aplicada”.

Por sua vez, o recorrente CC, discorda da pena aplicada em cúmulo jurídico, por excessiva, defendendo que “sendo justo e proporcional à gravidade dos factos e à medida da culpa a pena, em cúmulo, de 7 anos de prisão”. E caso se entenda que está vedado ao STJ a alteração da pena parcelar aplicada ao crime de roubo, a pena, em cúmulo, ser reduzida para 9 anos e 6 meses.

Invoca em defesa da sua posição as circunstâncias de ser um jovem com 29 anos, se encontrar socialmente integrado, à data dos factos ativo no trabalho, dava aulas de jiu-jitsu a crianças oriundas de meios desfavorecidos, tem um filho com 2 anos de idade, se envergonhar do seu passado criminal e não ter ficado provado que tenha agredido o Sr. EE, nem que fosse o mandante do assalto. Entende que o tribunal sopesou em demasia cada crime em particular e os seus antecedentes criminais.

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II.10.2. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1).

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas (n.º 2, artigo 77.º Código Penal).

No presente caso, quanto aos recorrentes AA e CC, a pena única de prisão tem como limite mínimo 9 anos e 6 meses de prisão (correspondente à pena parcelar aplicada mais elevada) e como limite máximo 15 anos e 2 meses de prisão (limite máximo correspondente à soma das penas parcelares).

Estabelecida a moldura penal do concurso a medida da pena única deverá ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente – Cfr., J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421, p. 290 a 292).

Conforme ensina o citado Professor, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ”.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77.º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares»[11], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

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II.10.3. Tendo em conta a gravidade do ilícito global e a personalidade dos arguidos, cumpre analisar criticamente a pena única que lhe foi atribuída.

Será no âmbito daquela moldura penal e de acordo com a personalidade do agente, procedendo a uma análise global dos factos e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, que deverá ser determinada a pena única conjunta a aplicar ao arguido.
Dentro da referida moldura, ponderando a gravidade dos factos que é muito elevada, a natureza dos crimes que são contra a vida em sociedade, contra a segurança em geral, contra as pessoas em particular e contra a economia, a personalidade dos arguidos e a existência de passado criminal dos recorrentes e o facto de não se detectar nenhuma circunstância que importe a distinção entre os arguidos, sendo a ponderar também os fundamentos que levam à condenação de ambos os recorrentes como reincidentes, atentos os critérios do artigo 77.° do CP, considerou o tribunal a quo adequado fixar as penas únicas dos arguidos nos seguintes termos: entre o mínimo de 9 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 15 anos e 2 meses de prisão, fixar a pena única para cada um dos arguidos recorrentes em 12 (doze) anos e 7 (sete) meses de prisão, a que acrescerá, para o arguido AA, a pena de multa fixada.
Analisando a decisão sob recurso no que respeita à justificação dada para a referida pena única aplicada aos arguidos/recorrentes, verificamos que o tribunal da Relação fundamentou bem a sua decisão, satisfazendo o disposto nos artigos 77.º e 78.º do C.P.
No caso, e relativamente a ambos os recorrentes, como bem salienta a decisão recorrida, atendendo ao conjunto dos factos, que revela elevada gravidade – estamos perante um total de três crimes - roubo qualificado, detenção de arma proibida e coação agravada -, o modo de execução destes e gravidade e multiplicidade das suas consequências, o apurado trajecto de vida dos arguidos e a sua personalidade, com condenações anteriores por crimes da mesma natureza, e não só, sendo reincidentes, evidencia uma tendência para o crime, que justifica correcção, por via de prisão efectiva, ditada por fortes razões de prevenção geral e especial.
Na verdade, e relativamente ao arguido AA, condenado, além de outros, pelos crimes de violência depois da subtracção, crime de roubo qualificado, três crimes de roubo, nove crimes de furto, crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de detenção de arma proibida, praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/2020, ou seja, menos de 2 meses após ao termo do período de liberdade condicional aplicado no processo 5813/13.....
Os factos praticados por este recorrente são expressivos de uma atitude de desconsideração e indiferença pelo respeito de valores bem essenciais da comunidade.
Quanto à personalidade deste arguido, já se apresentam sintomas atinentes a uma tendência criminosa, ao praticar os factos descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena de prisão efectiva de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses, a revelar forte propensão para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e contra as pessoas.
Relativamente ao arguido CC foi também condenado por crime de roubo no processo 383/06...., um crime de roubo agravado no processo 1054/09...., onze crimes de roubo qualificado consumados e um crime de roubo qualificado na forma tentada no processo 944/09...., um crime de roubo e um crime de resistência e coacção no processo 47/09...., um crime de roubo no processo 2011/08.... e um crime de roubo agravado no processo 179/08.....

Praticou os factos imputados nestes autos no dia 10/02/2020, ou seja, dois meses e 8 dias após o termo do período de liberdade condicional de liberdade condicional que lhe havia sido concedida no processo 179/08.....

Quanto à personalidade deste arguido, ao praticar os factos descritos depois das referidas condenações e de ter sofrido uma pena de prisão efectiva de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, revela uma forte propensão para a reiteração da actividade criminosa com especial incidência na prática de crimes contra a propriedade e contra as pessoas.

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II.10.4. Assim, tudo ponderado, tendo presente a gravidade dos crimes, no que tange ao concreto contexto em que os factos foram praticados, que fornecem a imagem global de uma atitude significativamente desconforme ao direito, a demonstrar a insuficiência das condenações passadas para evitar a recidiva criminosa por parte dos recorrentes, bem como as penas parcelares aplicadas e a moldura abstrata decorrente das mesmas, consideramos perfeitamente adequada, ajustada e equilibrada a pena única de 12 (doze) anos e 7 (sete) meses de prisão aplicada a cada um dos recorrentes, que o tribunal a quo tinha fixado, que assim será mantida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:
A) - Não tomar conhecimento do recurso, por inadmissibilidade legal, na parte em que é impugnado o Acórdão da Relação quanto à condenação dos recorrentes pelos crimes de detenção de arma proibida e coação agravado e respetivas penas parcelares em que os arguidos foram condenados (pena de 3 anos e 4 meses de prisão e 2 anos e 4 meses de prisão, respetivamente), bem como o não conhecimento das questões – de todas as questões – de natureza substantiva e processual que com elas se prendem – parte II.8.3 deste acórdão – bem como da parte relativa à pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto – ponto II. 4.1 do presente acórdão – face ao disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas. e) e f), 432.º, n.º 1, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP);
B) - No mais, negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e CC. 
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Custas por cada um dos recorrentes/arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.

 

 

Lisboa, 7 de Abril de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro (Presidente)

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[1] Neste sentido, por todos, o acórdão de 15,12,2011, Proc. 17/09.0TELSB.L1.S1 (Raul Borges), e abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt
[2] Acórdão de 09/10/2019, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, 3ª Secção, Relator: Lopes da Mota, citando o acórdão de 12-07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[3] Conclusões G) a BB) e QQ) a KKK) quanto ao recorrente AA, violação do princípio da proibição da inocência (conclusões HH a JJ e LLL, quanto ao recorrente AA), erro notório sobre a apreciação da prova (conclusões MMM a PPP, quanto ao recorrente AA.
[4] Mediante e-mail enviado pelo Estabelecimento Prisional... no dia 17 de fevereiro de 2021, o tribunal foi informado que o recorrente e o coarguido DD se encontravam em isolamento profilático e que não poderiam comparecer à diligência agendada para o dia 22 de fevereiro de 2021.
[5] Em que estava em vigor o art. 14.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto- Lei n.º 10-A/2020, de 13.03 (alterado pelo art. 4.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05) aquando da primeira sessão da audiência de discussão e julgamento e que expressamente determinava o justo impedimento dos que se encontravam em isolamento profilático permitindo o adiamento das diligências nestas situações, mas, no caso, o arguido queria estar presente fisicamente, entendendo-se que se impunha o adiamento das diligências, maxime da audiência de julgamento, dado que o art. 6.º-A, da Lei n.º 1-A/2020 (aditado pelo art. 2.º, da Lei n.º 16/2020) afirmava expressamente que as audiências de discussão e julgamento, onde fossem prestadas declarações do arguido ou depoimentos de testemunhas, deviam ser realizadas presencialmente. Assim, concluiu o citado Acórdão de11/11/2021 que: « (…) o Código de Processo Penal é claro quanto à obrigatoriedade da presença física do arguido, sem que na altura fossem aplicáveis as regras excecionais que surgiram por força da pandemia; até porque estas mesmas regras haviam sido modificadas no sentido de reforçar a necessidade de presença física do arguido na audiência de discussão e julgamento quando haja depoimentos de testemunhas (cf. art. 6.º-A, n.º 5 da Lei n.º 1-A/2020, na redação à época). E por isso, já depois da entrada em vigor deste art. 6.º-A, o legislador permitiu, de forma clara, o adiamento de diligências em casos de isolamento profilático (cf. art. 14.º, do Dec-Lei n.º 10-A/2020, transcrito supra). E não se diga que, permitindo o art. 6.º-A a realização da audiência presencialmente ou com o recurso a meios de comunicação à distância, embora tenham as declarações dos arguidos e das testemunhas ser realizadas presencialmente, se está a admitir que a única sessão em que o arguido teria que estar fisicamente no Tribunal seria aquela em que prestaria declarações. Na verdade, sabendo que as normas processuais penais dão ao arguido o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, necessariamente se impõe que esteja sempre presente (em todas as sessões) para, querendo, poder prestar declarações. Sendo assim, atento o disposto no art. 332.º, n.º 1 e 119.º, al. c), ambos do CPP, estamos perante uma nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, com os efeitos decorrentes do disposto no art. 122.º, do CPP».
[6] Neste sentido, Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2021, 3ª edição, pág. 1045.
[7] Cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 9/2012, in Diário da República, 1.ª série – nº 238 - 10 de dezembro de 2012: “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.
[8] Assim se decidiu, por exemplo, no acórdão do STJ de 11-03-2021 (Rel. Helena Moniz), em cujo sumário pode ler-se:
II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.” E, mais recentemente, no acórdão de 15/09/2021, proferido pela mesma Relatora, proc. 4426/17.2T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido pode ler-se:
- Acórdão do STJ de 17-02-2021 (Rel. Raul Borges):
I - As penas aplicadas pelos crimes cometidos pelo recorrente, e integralmente confirmadas pela Relação, foram inferiores a 8 anos de prisão, sendo nos casos de furto qualificado – 2 anos e 2 meses e 2 anos e 5 meses – detenção de arma proibida – 1 ano e 4 meses – e roubo agravado – 6 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
II - O STJ tem entendido, que em caso de dupla conforme total, como ora ocorre, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única(s), aplicadas em medida superior a 8 anos”;
- Acórdão de 2.12.2021, proc. 335/19.9JAPDL.L1.S1, 5ª secção, relator: António Gama:
I - O acórdão da Relação que confirma a decisão condenatória de 1.ª instância nas penas singulares de 8 anos de prisão e 5 anos e 8 meses de prisão é, nessa parte, irrecorrível.
II - A irrecorribilidade das penas parcelares não significa, apenas, que a respetiva medida fica intocada, mas coenvolve a insindicabilidade de todo o juízo decisório – absolvição ou condenação, como é jurisprudência pacífica no STJ.
III - A cisão entre recorribilidade das penas singulares e da pena única, fora das situações de recurso per saltum para o STJ, caso em que o STJ colhe competência para conhecer sem restrição das questões relativas às penas parcelares, tem respaldo no direito penal positivo (art. 78.º, n.º 1, do CP, art. 403.º CPP), circunstância que reforça a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, valer quer para a pena parcelar superior a 8 anos aplicada pela prática de um crime, quer para a pena única superior a 8 anos, em resultado de cúmulo jurídico”; e acórdão do STJ de 24-06-2021, proc. 2231/16.2T9LSB.S1. L1.S1, 5ª Secção, do mesmo relator, com o seguinte sumário:
I- O acórdão da Relação que, em recurso, confirma integralmente a decisão da 1.ª instância, que aplicou penas singulares não superiores a 8 anos de prisão não é, nessa parte, recorrível para o STJ”.
- Mais recentemente, Acórdão de 12.01.2022, proc. 89/14.5T9LOV.P1.S1, 3ª secção, Relator: Sénio Alves:
Tendo as penas de prisão aplicadas na 1ª instância, inferiores a 5 anos, sido confirmadas no Tribunal da Relação, do acórdão proferido por este último tribunal não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no que aos crimes punidos com tais penas diz respeito, irrecorribilidade que abrange todas as questões processuais ou substantivas que tenham sido objecto da decisão".
[9] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.72.
[10] Cfr Figueiredo Dias, ob. cit. pag. 51.
[11] Cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1.