Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1348/12.7TTBRG.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
PRATICANTE DESPORTIVO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
PRESUNÇÕES
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:

DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA ( INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA / CONVENÇÃO COLECTIVA ( CONVENÇÃO COLETIVA ).
DIREITO DO DESPORTO - CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, António, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª edição, 2014, pp. 130, 134,135.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639º, NºS 2 E 3, 640.º, N.ºS 1 E 2.
LEI N.º 28/98, DE 26 DE JUNHO, QUE ESTABELECEU O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO, BEM COMO DA CONVENÇÃO COLECTIVA OUTORGADA ENTRE A LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL E O SINDICATO DOS JOGADORES PROFISSIONAIS DE FUTEBOL, DE 15 DE JULHO, DEPOSITADA EM 11 DE AGOSTO DE 1999 E PUBLICADA NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 33, DE 8 DE SETEMBRO DE 1999: - ARTIGOS 5.º,6.º, 9.º, 19.º, 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9 DE JULHO DE 2015, DA 2.ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 961/10.1TBFIG.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorretamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorreção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado.

2. No âmbito de um contrato de trabalho de praticante desportivo, a cedência de um atleta a um outro clube implica o cumprimento das formalidades legais exigíveis, nomeadamente o acordo das partes, a redução do contrato de cedência a escrito e a declaração de concordância por parte do trabalhador cedido, bem como o registo dessa cedência na respetiva federação.

3. Se o cedente, enquanto entidade patronal primitiva, a quem cabia promover a observância de tais requisitos, não os observa, não pode depois beneficiar da presunção de que o cessionário fica investido na posição jurídica do cedente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA instaurou, na Comarca de Braga, Instância Central, 1.ª Secção do Trabalho, J2, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento – apresentando o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho -, contra “BB – Futebol Sad.”, pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento de que foi alvo, em 24 de Outubro de 2012.

2. Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação entre as mesmas.

3. Regularmente notificada para o efeito, a R. apresentou articulado motivador do despedimento, excecionando, por um lado, a falta de jurisdição e competência do Tribunal, entender que a competência cabia à Comissão Arbitral Paritária e, por outro, invocando que o despedimento havia sido lícito porquanto havia sido precedido do procedimento disciplinar competente e o A. havia violado de forma grave: (i) o dever de respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a entidade patronal, os superiores hierárquicos, incluindo os treinadores, bem como demais colegas; (ii) o dever de obediência à entidade patronal e seus representantes; (iii) o dever de zelo de se manter nas melhores condições físicas necessárias para a prática desportiva.

Mais invocou a R. que a violação de tais deveres também consubstanciou a violação dos deveres estipulados no regulamento interno, que identificou.

  Concluiu, deduzindo pedido reconvencional, peticionando o pagamento da quantia de € 6.004.323,29, acrescida de juros, até integral pagamento, sendo que dessa quantia, € 6.000.000,00 seriam devidos a título de indemnização acordada em caso de resolução sem justa causa.

4. O A. apresentou articulado de resposta à motivação do despedimento, pronunciando-se sobre a competência do Tribunal e negando a prática dos factos que lhe eram imputados em sede de procedimento disciplinar e no articulado de motivação do despedimento apresentado pela Ré.

Invocou que a R. pretendia que o A. assinasse um contrato que não era o que consta do procedimento disciplinar, era, antes, um novo contrato de trabalho que o prejudicaria, caso o assinasse, sendo que nem sequer lhe foi permitido que o seu agente o analisasse, tendo o A. sido obrigado a reunir sozinho com os representantes da R. e tendo sido pressionado para aceitar um acordo de rescisão, que recusou.

Concluiu, pugnando pela improcedência da exceção de incompetência do Tribunal, pela ilicitude do despedimento, pela improcedência do pedido reconvencional da R., atenta a falta de fundamento legal para o efeito e não poder ser peticionado em tal articulado, e pela procedência do seu pedido reconvencional, na quantia de € 758.352,32, sendo:
a) € 150.000,00, a título de créditos laborais vencidos referentes à época desportiva de 2011/2012;
b) € 120.000,00, a título de créditos laborais vencidos referentes à época desportiva de 2012/2013;
c) € 480.000,00, a título de indemnização pela rescisão do contrato de trabalho desportivo por iniciativa da R. sem justa causa; e
d) € 8.352,32, a título de juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada uma das prestações em mora até ao dia da apresentação do articulado.

5. A entidade empregadora respondeu à contestação do A., alegando a não verificação dos pressupostos legais para o mesmo poder ser indemnizado.



6. No saneador, foi julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal.

Por carência de fundamento legal, também aí foi rejeitado o pedido reconvencional da R. apresentado no articulado motivador do despedimento.

Foi admitido o pedido reconvencional do A.

Foi dispensada a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória.

Foi fixado como valor à causa a quantia de € 758.352,32.



7. Realizado o julgamento, o Tribunal proferiu sentença, em que decidiu:

Pelo exposto, julgo procedente a acção, e, consequentemente:

a) Declaro a ilicitude do despedimento; e

b) Condeno a R. a pagar ao A.:
- a quantia global de € 750.000,00; e
- o valor de € 8.352,32, relativamente a juros de mora vencidos à t... legal de 4% ao ano, sobre as retribuições em dívida, desde a data do respetivo vencimento até à data da propositura da ação; e
- juros de mora vincendos, à mesma t..., sobre as retribuições em dívida, desde a data da notificação da R. da reconvenção até integral pagamento.”

8. Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, em que impugnou a matéria de facto, bem como a própria decisão de Direito, considerando que relativamente à época desportiva de 2011/2012, o A. esteve cedido a um terceiro clube, pelo que não tinha a R. que proceder ao pagamento ao A. de € 150.000,00, de acordo com o CCT aplicável, porquanto durante esse período de tempo todos os efeitos do contrato de trabalho se encontravam suspensos. Reiterou que a conduta do A. era violadora dos deveres a que estava obrigado.

O A. contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer sugerindo a rejeição do recurso em matéria de facto e a procedência quanto à condenação no pagamento da quantia de € 150.000,00.



9. O Tribunal da Relação, por acórdão de 28 de Maio de 2015, manteve inalterada a matéria de facto, rejeitando nesta parte o conhecimento do recurso, por considerar que o ónus de impugnação da recorrente não tinha sido devidamente cumprido.

De todo o modo, foi dado acolhimento parcial às invocações da R.

Assim, foi deliberado:

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a sentença no que tange à condenação na indemnização nos seguintes termos:

 - Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de quatrocentos e oitenta mil euros (480.000,00€), correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzida das quantias que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu o despedimento e até ao termo previsto para o contrato, estas a liquidar.

   Confirma-se a sentença quanto ao mais ali decidido.

   Custas por ambas as partes, na proporção de ½ para cada uma.”

10. Irresignada, recorre a R., de Revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões:

I) O presente recurso versa dois pontos essenciais do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães;

II) Em primeiro lugar, está em causa a não apreciação do recurso sobre a matéria de facto e sua impugnação;

III) Nos termos do douto Acórdão em crise, entendeu o Exmo. Relator não conhecer o objeto do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto, por não se mostrar cumprido o respetivo ónus inscrito no art. 640,°, n.ºs 1 e 2 do CPC; seja porque, numa parte, entendeu não estar cumprido o disposto na aliena a) do n.º 1 da norma citada, seja porque noutra parte entendeu não estar cumprido o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 da mesma norma (vide o douto Ac. em crise).

IV) No modesto entendimento da Recorrente e ressalvando o devido respeito por opinião diversa, andou mal a Relação de Guimarães ao decidir nos termos expostos e por isso violou o disposto no art. 640.° do CPC.

V) Efetivamente, a Recorrente não deixou de indicar nas suas alegações e conclusões - para onde remetemos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, os concretos pontos de facto que se reporta a matéria de facto erradamente julgada, indicou a decisão que deve substituir a proferida pelo douto Tribunal de Primeira instância e especificou devidamente os concretos meios probatórios do processo em que se baseia o recurso interposto nesta matéria - aliás, (sem necessidade) em sede de alegações até transcreveu as passagens da prova testemunhal/depoimentos aqui em causa.

VI) Veja-se a este propósito, nomeadamente, os pontos VIII a XLV, inclusive, das conclusões do recurso interposto da decisão proferida em primeira instância, o qual é parte integrante dos autos e para onde se remete de forma a evitar repetições desnecessárias.

VII) Das conclusões referidas, transcritas supra nas alegações, resulta como óbvio os factos enunciados que foram dados por provados pela primeira instância, que a Recorrente pretendeu ao impugná-los e que a decisão quanto aos mesmos seja alterada, referindo-se depois, a final, a decisão que deve substituir a adotada.

VIII) Se é certo que o julgamento incide sobre os quesitos (incidia) ou sobre a matéria alegada nos articulados, o recurso interposto por qualquer das partes irá incidir sobre a decisão que vem a ser proferida após o julgamento, pois que, o recurso é, em si mesmo, a sindicância da fundamentação de facto e de direito do Tribunal (no caso) de 1.ª instância.

IX) Correlacione-se, igualmente, com a alteração da matéria de facto plasmada no art. 662.° do CPC, pois, os poderes da Relação, neste ponto, limitam-se à matéria de facto tal como entendida pelo Tribunal de 1ª instância, somente podendo alterar nessa mesma medida e com base na reapreciação da decisão impugnada, tendo em conta as alegações do recorrente e recorrido.

X) Está assim em causa, nesta sede, a decisão concreta tomada pelo Tribunal de 1ª instância, a matéria de facto que o mesmo dá ou não por provada em sentença, pois, é esta que é possível colocar em causa e alterar.

XI) De todo o modo, sempre se diga que conforme resulta das alegações e conclusões apresentadas, todos os elementos referidos no art. 640.° do CPC se encontram perfeitamente indicados e identificados.

XII) A douta Relação, por referência às alegações e conclusões, teve perfeito conhecimento sobre qual a matéria de facto aqui em causa!

XIII) Não pode, nem podia, por isso deixar de apreciar o recurso interposto, nos termos interpostos, por inteiro.

XIV) Ademais, quando nos termos do art. 640.°, n.º 2, do CPC a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

XV) Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão que na primeira instância respondeu à matéria controvertida - a prova documental junta aos autos e os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, registados em suporte digital.

XVI) A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

XVII) Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos (prova testemunhal gravada), averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório ¬melhor, se tais elementos probatórios permitem afirmar, de forma racionalmente fundada (com base nas regras comuns da lógica, da normalidade, da experiência da vida, do bom senso), a veracidade da realidade alegada ou o inverso, quando o facto tenha sido julgado provado em primeira instância.

XVIII)      Os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto, nos termos do art. 662.º do CPC, não se podem circunscrever à simples apreciação do juízo valorativo efetuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo.

XIX) Enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, deve a Relação fazer uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas, alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há de proceder, uma diversa convicção, vide: ABRANTES GERALDES, in: Recursos em Processo Civil; Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada, p. 283 a 286.

XX) Ademais, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1.ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, relativamente àqueles elementos que impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu - a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1.ª instância; vide: AMÂNCIO FERREIRA, in: Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, p. 227.

XXI) Neste sentido, segue corrente jurisprudencial, em especial a Relação do Porto que num Acórdão de 05.11.20124 expõe que, o intuito do legislador ordinário com a Reforma de 1995 foi impor ao Recorrente o ónus de delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento - o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erros de julgamento, continua o mencionado aresto que «( ... ) o Recorrente tem que concretizar um a um os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dado como provados, seja por não terem sido considerados como tal, devendo, ainda, além de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicar em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente.».

XXII) Ademais, é sabido que este Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, igualmente nas conclusões, o Recorrente deve indicar quais os pontos concretos que pretende ver reapreciados, sendo que, ao ler as conclusões das alegações da aqui Recorrente, permitido é ao Tribunal ad quem aferir as diferentes respostas que o Recorrente pretende sejam proferidas.

XXIII)      Mas diga-se ainda que conforme elementos dos autos, após análise das conclusões apresentadas pela Recorrente o venerando Desembargador Juiz Relator convidou a mesma tão só a aperfeiçoar via sintetização as conclusões apresentadas, não fazendo qualquer referência a um eventual incumprimento do ónus a que alude o art. 640.° do CPC.

XXIV)      O que só por si indicia que o mesmo foi cumprido e que a douta Relação está na posse de todos os elementos aqui em causa.

XXV) Aliás, se assim não fosse a Recorrente teria de ser notificada pelo douto Relator para os efeitos do art. 655.° do CPC, o que não aconteceu conforme resulta dos autos!

XXVI)      Assim, desde já se invoca nesta sede para os devidos efeitos legais a preterição de tal formalidade, obrigatória, com as consequências legais daí decorrentes.

XXVII)     Outra prova de que a Recorrente cumpriu com os ónus que sobre si impendiam nesta sede art. 640.°, n.ºs 1 e 2 do CPC) é que o Recorrido percebeu perfeitamente a matéria de facto impugnada, qual a decisão que se pretende que a venha a substituir e os meios de prova que a Recorrente invoca para o efeito - vide as alegações e conclusões apresentadas pelo Recorrido quanto ao recurso interposto para a Relação de Guimarães.

XXVIII) Deve, pois, o processo baixar ao Tribunal da Relação de Guimarães para que se aprecie o recurso da aqui Recorrente no que respeita à impugnação da matéria de facto com as consequências legais e processuais daí decorrentes, nomeadamente, apreciando o recurso interposto para aferir i) se existiu erro do Tribunal de 1.ª instância quanto ao julgamento da matéria de facto; ii) se da prova reapreciada resulta ou não que o despedimento do Recorrido, em 24 de Outubro de 2012, foi efetuado com justa causa, lícito e regular; e iii) se existe mora do Recorrido quanto ao não pagamento dos salários a que se reportam os últimos meses da relação laboral que manteve com a Recorrente.

XXIX)      Por outro lado, em segundo lugar, também merece censura a decisão proferida ao recurso de apelação interposto sobre a responsabilidade pelo pagamento ao A. do montante de € 150.000,00, a título de créditos laborais durante o período em que o mesmo esteve cedido ao CC, época desportiva de 2011/2012, 1.ª questão a decidir nos termos do Acórdão em crise.

XXX) Salvo melhor entendimento, a decisão proferida contradiz a matéria considerada como provada, viola o disposto n.º 9.° da CCT celebrada entre a LPFP e o SJPF e art. 20.°, n.º 4, da lei 28/98, de 26 de Junho, e vai ainda contra o disposto no art. 342.º e (em última análise) no art. 344.° do CC.

XXXI)      Desde já se esclarece que a fundamentação que consta da decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães quanto a esta matéria é completamente diversa da fundamentação adoptada pela 1.ª instância.

XXXII)     Conforme consta da sentença proferida em 1.ª instância, esta matéria não mereceu (salvo melhor entendimento e com o devido respeito) qualquer atenção ao nível da fundamentação (vide a douta sentença proferida, parte integrante dos autos), apenas se condenando a Recorrente ao pagamento de tal quantia.

XXXIII) Não é esse o caso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no entanto, o erro de julgamento e aplicação do direito aos factos mantém-se.

XXXIV) Conforme resulta da matéria dada como provada, pontos e), f) e g) do elenco próprio - vide o Acórdão em crise-, na época desportiva de 2011/2012 esteve cedido ao CC tendo a Recorrente dado o seu consentimento a essa cedência através da carta datada de 4 de Julho de 2011, que consta dos autos, melhor identificada supra, por referência à fundamentação do Acórdão em crise.

XXXV)     O Ministério Público, e muito bem, emitiu parecer no sentido de tal declaração bastar para afastar a responsabilidade da Recorrente porquanto da mesma se extrai que tal consentimento foi condicionado ao facto da cedência não implicar qualquer encargo para a Recorrente.

XXXVI)    Acresce que, conforme resulta do elenco de factos dados como provados, nada é sequer é dado como provado no sentido da Recorrente ter assumido esse pagamento de 150.000,00 €.

XXXVII) Assim, tendo em conta que nos termos do art. 9.° da CCT, celebrada entre a LPFP e o SJPF, a propósito da cedência temporária de jogadores de futebol, na falta de especificação em contrário, presumem-se sub-rogados pelo cessionário (no caso foi o CC, como é matéria assente) todos os direitos e obrigações do cedente (Recorrente); o mesmo decorre do art. 20,°, n.º 4, da lei 28/98, de 26 de Junho (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo): “A entidade empregadora a quem o praticante passa a prestar a sua atividade desportiva, nos termos do contrato de cedência, fica investida na posição jurídica da entidade empregadora anterior, nos termos do contrato e da convenção coletiva aplicável."; ambas as normas são aplicáveis à relação laboral mantida entre Autor e Recorrente.

XXXVIII) Das normas citadas resulta que durante a cedência temporária, salvo indicação em contrário - e nada foi dado como provado nesse sentido -, todos os efeitos do contrato de trabalho entre o jogador e o clube cessionário se suspendem.

XXXIX) No caso, aquando da cedência na época de 2011/2012 do Recorrido ao CC, nada foi assumido pela Recorrente quanto à sua retribuição. Assim, havendo alguma responsabilidade nessa sede a mesma é unicamente imputável ao CC.

XL) A Ré nem teria de o provar, porque a lei estabelece presunção (obviamente ilidível) a seu favor no sentido das suas obrigações enquanto entidade patronal ficarem suspensas.

XLI) Mas nem sequer entendemos que tal é assim, pois, efetivamente entendemos que o Recorrido ao invocar simultaneamente que esteve cedido ao CC e que, não obstante isso, teria um crédito sobre a Recorrente, nos termos do art. 342.°, n.º 1 do CC, teria de provar que ficou estipulado no acordo de cedência (que se diga apenas se reporta à carta da Recorrente que aludimos) que a Recorrente manteve na sua esfera jurídica a sua responsabilidade para com o Recorrido ao nível de pagamento de salários (no caso).

XLII) Conforme resulta do elenco da matéria dada como provada, tal ónus, que pertencia em qualquer uma das 2 hipóteses que referimos ao Recorrido, não foi cumprido.

XLIII) Nada tendo resultado como provado relativamente a esta matéria, como entende a douta Relação de Guimarães ao fixar que para se apurar em concreto a quem cabia a responsabilidade pelo pagamento do crédito a que o Recorrido se arroga teria de consultar um suposto contrato de cedência, então a conclusão óbvia face às regras do ónus da prova - que cabia ao Recorrido - teria de ser a absolvição da Recorrente; é de resto o que parece resultar do próprio sumário do Acórdão em crise (pontos 1 e 2).

XLIV)       Ora, se a Recorrente beneficia de uma presunção a seu favor nesta matéria, ainda que por hipótese se entenda que, por via do disposto no art. 342.° do CC, inicialmente o ónus da prova cabia à Recorrente - e não cremos que seja assim, vide o exposto supra - resultando da matéria dada como provada, pontos e), e g) do elenco próprio (vide o Acórdão em crise), que o Recorrido na época desportiva de 2011/2012 esteve cedido ao CC tendo a Recorrente dado o seu consentimento a essa cedência através da carta datada de 4 de Julho de 2011, que consta dos autos, melhor identificada supra por referência à fundamentação do Acórdão em crise, e não resultando dessa matéria dado como provado que a Recorrente manteve na sua esfera jurídica qualquer obrigação perante o Recorrido quanto ao período de cedência, temos de concluir automaticamente que o cessionário ficou sub-rogado nas obrigações enquanto entidade patronal que sobre esta impendiam, nomeadamente, quanto ao pagamento de todos os créditos laborais devidos ao Recorrido, como os € 150.000,00  aqui em causa.

XLV) Posto isto, também por esta via merece censura e carece de fundamento a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães.”

Concluiu peticionando:

“(…) deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se o douto acórdão proferido e, consequentemente:
a) Mandando baixar o processo para que o Tribunal da Relação de Guimarães aprecie o objecto do recurso da aqui Recorrente quanto à matéria de facto impugnada, nomeadamente para aferir:

I) Se existiu erro do Tribunal de 1.ª instância quanto ao julgamento da matéria de facto;

II) Se da prova reapreciada resulta ou não que o despedimento do Recorrido, em 24 de Outubro de 2012 foi efectuado com justa causa, lícito e regular; e

III) Se existe mora do Recorrido quanto ao não pagamento dos salários a que se reportam os últimos meses da relação laboral que manteve com a Recorrente; e
b) Absolvendo a Ré quanto ao pedido deduzido pelo Autor, e posterior condenação em sede de sentença confirmada pela Relação de Guimarães, relativo ao montante de 150.000,00 € a título de créditos laborais durante o período em que o mesmo esteve cedido ao CC, época desportiva de 2011/2012, 1.ª questão a decidir nos termos do Acórdão em crise.”

11. Não foram oferecidas contra-alegações.



12. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de:

- Entender que a R. não deu cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC , pelo que o Tribunal da Relação não podia tomar conhecimento do recurso no que respeitava à reapreciação dos factos assentes, devendo assim ser negado provimento à revista;

- Relativamente à condenação da R. no pagamento dos € 150.000,00, a título de créditos laborais referentes à época 2011/2012, período durante o qual o A. terá permanecido cedido ao CC, entendeu ser uma situação de dupla conforme, pelo que, o STJ não deveria pronunciar-se, mas, para o caso de assim não ser entendido, pugna pela confirmação do acórdão recorrido, no sentido de caber à R. enquanto entidade empregadora/cedente, recair em 1.ª mão, a responsabilidade pelo pagamento da retribuição.



13. Notificadas as partes deste Parecer, a R. pronunciou-se, invocando ter efetuado uma correta impugnação da matéria de facto, na medida em que deu cumprimento ao disposto no art. 640.º, n.º s 1 e 2 do CPC, pugnando pela reapreciação da prova produzida.

Quanto à responsabilidade pelo pagamento dos € 150.000,00, invocou que a fundamentação dada pela Relação era substancialmente diferente da adotada pela 1.ª instância.



14. Distribuído o projecto pelos Exm.ºs Senhores Juízes Conselheiros, cumpre decidir.


15. Delimitação objectiva do recurso.

A presente revista comporta as seguintes questões decidendas:

A. Aferir se o Tribunal da Relação andou bem ou não, ao não conhecer da impugnação da matéria de facto;

B. Aferir se o Tribunal da Relação andou bem ou não, ao confirmar a condenação da R. no pagamento ao A. da quantia de € 150.000,00, a título de créditos laborais durante o período em que o mesmo esteve cedido ao CC, época desportiva de 2011/2012.

II CONHECENDO

               1. Do não conhecimento por parte do Tribunal da Relação da impugnação da matéria de facto.

               Em face da sentença da primeira instância, a R. não se conformou com a matéria de facto dada como provada e não provada e impugnou a mesma.

Decidiu, todavia, o Tribunal da Relação não conhecer da impugnação em causa, alegando para o efeito o incumprimento, por parte da R. /Recorrente, do ónus de impugnação a que estava sujeita.

                Quid iuris?

                Dispõe o art. 640.º do CPC:

                “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

               

Ora, da análise do artigo transcrito retira-se que há, sob pena de rejeição, o ónus de o recorrente cumulativamente:

- Identificar concretamente os pontos que, no seu entender, foram incorretamente julgados;

- Identificar a prova que foi produzida, que impunha uma decisão diferente sobre a matéria de facto; e

- a decisão que, em concreto, se impunha que o Tribunal tivesse proferido.

Vale dizer, cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.

Existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo, de apresentar a resposta que considera correta, às questões de facto impugnadas.

Não há assim, atualmente, a possibilidade de ser admissível uma impugnação de facto formulada em termos genéricos, “tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente”([1]), daí a exigência do n.º 1 do artigo em causa.

Relativamente aos meios probatórios que o recorrente venha invocar para fundamentar o erro de apreciação, tem - também sob pena de rejeição – de indicar de forma exata as passagens da gravação em que sustenta a sua impugnação. Não tem que os transcrever, mas pode fazê-lo.

Note-se que, ao contrário do invocado pela R./Recorrente, não pode o Tribunal de recurso proferir despacho de aperfeiçoamento quando a impugnação da matéria de facto não cumpra o ónus do art. 640.º. Na verdade, atualmente, tal despacho está reservado apenas para os recursos da matéria de Direito (Art. 639º, nºs 2 e 3 CPC) ([2])

Conclui-se assim que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação nas conclusões dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.” ([3])     

Posto, isto, há agora que aferir se a recorrente cumpriu o referido ónus quando da interposição do recurso da sentença de primeira instância para o Tribunal da Relação.

Invocou a recorrente perante o Tribunal da Relação que a matéria que consta dos pontos n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh), ii), e jj) da factualidade constante da sentença foi erradamente dada como provada e que merece censura a decisão quanto a factos que não foram dados como provados, enunciando os factos alegados pela Ré nos artigos 26º (quanto à manifestação de vontade do Autor), 27º, 28º (quanto à finalidade da convocatória), 30º (quanto à finalidade da reunião), 32º, 33º, 36º (relativamente à frase proferida pelo Autor), 37º (quanto à ausência sem explicações) do articulado motivador do despedimento, bem como os artigos 36º e 37º da resposta.

A recorrente indubitavelmente enuncia assim os pontos que considera erradamente julgados, mas depois ao fazer referência aos meios de prova dos quais entende que se impunha retirar outras conclusões, afirma: “Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com a prova documental junta aos autos com o articulado do empregador e com a resposta ao articulado do trabalhador – para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidos – impunha-se uma decisão diversa da recorrida”.

Ora, impõe-se desde logo referir que, relativamente à prova documental, o recorrente não está dispensado, em concreto, de identificar os documentos dos quais retira outro entendimento e o porquê desse entendimento. Não pode limitar-se a invocar que da prova documental se impunha outro entendimento, quando nem sequer indica a que documentos se reporta. Pelo que, nessa parte não observou o ónus de impugnação previsto na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil.

No que respeita à prova testemunhal, a recorrente identifica os depoimentos, transcrevendo inclusivamente alguns deles (o que a lei não impõe), mas depois não faz a análise crítica desses mesmos depoimentos, isto é, limita-se a fazer a transcrição e depois a concluir que dos depoimentos em causa, impunha-se retirar outras conclusões, não apresentando as razões pelas quais desses depoimentos (extensos, por sinal) se impunha retirar outras conclusões. Isto porque não basta enunciar que existe a prova “x”, há que retirar um efeito útil da mesma. 

Em bom rigor, a recorrente fundamenta a sua impugnação invocando “a prova documental junta aos autos, os depoimentos das testemunhas: - DD, gravado digitalmente na aplicação «...», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 03m 08s e termo aos 14m 30s; - EE, gravado digitalmente na aplicação «...», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 3m 52s e termo aos 11m 00s; e - Dr. FF, gravado digitalmente na aplicação «...», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 08m 04s e termo aos 11m 30s.”

Depois, procede a R./recorrente à transcrição desses mesmos depoimentos, não fazendo qualquer apreciação sobre os mesmos, para, logo em seguida, reclamar a alteração da factualidade conforme exarou nas conclusões XLIV e XLV.

                Entendeu o Tribunal da Relação que quanto à 1ª parte da impugnação – a que incidia sobre os pontos n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh), ii) e jj) - não se descortinava a indicação, efetuada por referência aos articulados, de algum concreto ponto de facto considerado incorretamente julgado. Nem nas conclusões, nem na precedente alegação. Considerou o Tribunal da Relação que a impugnação, nos moldes em que foi efetuada “deveria ir ao encontro de que matéria concretamente articulada? Relativamente a esta matéria, a prova impunha que respostas?

                Mais considerou o acórdão recorrido: “Por outro lado, e considerando as conclusões XLIV e XLV, desconhece-se a origem da invocada matéria por cuja prova se pugna. Onde é que a mesma vem alegada para que o Tribunal possa emitir um juízo de provado?

                Na verdade, a recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental, fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise crítica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o Tribunal a faça, deixando nas mãos do Tribunal uma atividade “recoletora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao Tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu.

                Uma correta impugnação, que cumpra o ónus previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica do/s elemento/s de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado.

                Afirmou-se, ainda, no Acórdão recorrido:

No que tange à 2ª parte da impugnação – a que incide sobre os factos alegados pela Ré nos artigos 26º (quanto à manifestação de vontade do Autor), 27º, 28º (quanto à finalidade da convocatória), 30º (quanto à finalidade da reunião), 32º, 33º, 36º (relativamente à frase proferida pelo Autor), 37º (quanto à ausência sem explicações) do articulado motivador do despedimento, bem como os artigos 36º e 37º da resposta.- a situação é distinta. A remissão para os articulados permite uma reapreciação. Contudo, em parte alguma se consignou a concreta decisão almejada sobre estes concretos pontos de facto. Por outro lado, e quanto à reapreciação de prova documental, a mesma não vem concretizada. A tudo acresce a circunstância de se pretender adquirir como provada uma amálgama de conclusões jurídicas – vd. conclusões XLIV e XLV -, o que é absolutamente vedado pela lei processual, porquanto a prova incide sobre factos. E apenas sobre factos (Art.º 410.º do CPC).”

Bem andou o Tribunal da Relação porquanto, nesta parte da impugnação, a recorrente enunciou a factualidade, mas, mais uma vez, não identificou a prova documental que entendia que o Tribunal da Relação devia atender, nem apresentou os factos, tal como, pugnava que deveriam ser dados como provados ou não provados, exigindo, mais uma vez, que o Tribunal de recurso fizesse um exercício de raciocínio especulativo – que lhe está vedado por lei – para aferir como é que a recorrente havia chegado a tais conclusões.

Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015, da 2.ª Secção, segundo o qual:

I - O ónus de alegação no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto impõe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, a concretização dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a enunciação da resposta alternativa que lhes devia ter sido dada e a apreciação crítica dos meios de prova que sustentam essa resposta, com especificação das passagens da gravação em que se funda – art. 640.º do NCPC (2013).

II - Não cumpre tal ónus a mera transcrição integral dos depoimentos das partes e das testemunhas que culmina com uma alegação genérica de erro na decisão da matéria de facto.([4])

Dúvidas não subsistem assim, quer da leitura e interpretação da lei, quer da própria jurisprudência deste Tribunal, que o ónus de impugnação da matéria de facto tem que efectivamente respeitar as diferentes alíneas dos n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, sob pena de não conhecimento.

Pelo exposto, não merece censura o acórdão do Tribunal da Relação na parte em que rejeitou o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Consequentemente, as outras questões que estavam dependentes da reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação ficam prejudicadas.

2. Relativamente à outra questão objecto desta revista - aferir se o Tribunal da Relação andou bem ou não ao confirmar a condenação da R. no pagamento ao A. da quantia de € 150.000,00, a título de créditos laborais durante o período em que o mesmo esteve cedido ao CC, época desportiva de 2011/2012 – há que atentar desde já na factualidade apurada, para, aferirmos depois se a decisão da primeira instância, confirmada depois pelo Tribunal da Relação é ou não conforme ao Direito.

2.1 Factos Provados

No Tribunal recorrido foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

a) A Ré é uma sociedade anónima desportiva que promove e participa em atividades desportivas, disputando, atualmente, através da sua Equipa Principal, o Campeonato da I Liga, através da sua Equipa …, o campeonato da … Liga, através da Equipa Juniores “…”, o Campeonato Nacional de … de Futebol – I Divisão; participa ainda nas demais competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pela UEFA onde se enquadram as suas equipas.

b) O Autor é um jogador profissional de futebol e dedica-se, com caráter de regularidade e mediante remuneração, à prática de futebol em representação e sob a autoridade de um clube desportivo, fazendo disso profissão.

c) Entre a Ré e o Autor foi celebrado, em 12 de Abril de 2010, um contrato de trabalho desportivo, cuja vigência se iniciou em 01 de Julho de 2010, vinculando-se para as épocas desportivas de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014.

d) Por força do referido contrato, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor a remuneração global anual ilíquida de € 300.000,00 por cada uma das quatro épocas desportivas, em dez prestações iguais, mensais e sucessivas de € 30.000,00 vencendo a primeira em 20 de Setembro do ano da época a que dissesse respeito, e em igual dia nos meses subsequentes.

e) Durante o seu primeiro ano de contrato com a R., isto é, durante a época desportiva de 2010/2011, o A. foi cedido, a título de empréstimo, ao clube espanhol Club CC, em 31 de Agosto de 2010, onde atuou pela equipa B.

f) No seu segundo ano de contrato, durante a época desportiva de 2011/2012, o A. foi novamente cedido, ainda a título de empréstimo, ao mesmo clube espanhol Club CC.

g) Para tanto, a R. deu o seu consentimento mediante carta datada de 4 de Julho de 2011.

h) A Ré fez cessar o contrato de trabalho desportivo com o Autor por despedimento com alegada justa causa, no passado dia 24 de Outubro de 2012.

i) O procedimento disciplinar instaurado ao Autor teve origem na participação disciplinar que foi apresentada à Ré pelo seu superior hierárquico, Sr. DD, Diretor Desportivo.

j) Foi decretada a suspensão preventiva do Autor nos termos do art. 354.º do CT e elaborada a respetiva Nota de Culpa, a qual lhe foi notificada, tendo o Autor sido advertido de todos os direitos que lhe assistiam.

k) O Autor apresentou, no prazo legal para o efeito, resposta à Nota de Culpa.

l) Com a resposta à Nota de Culpa, o Autor arrolou duas testemunhas, GG e HH, que não compareceram na data designada para a sua inquirição.

m) No dia 31 de Agosto de 2012, data limite para inscrição de atletas junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no Estádio ... – sede da entidade empregadora – o Diretor Desportivo da Ré, DD, contactou o Autor para que este se apresentasse logo que possível no Estádio ....

n) Em resultado desse contacto, o A. e o seu agente GG chegaram ao estádio pelas 21h30 do dia 31 de Agosto de 2012.

o) Chegados ao estádio, o A. foi encaminhado sozinho para o gabinete do Diretor Executivo, situado no piso superior.

p) O agente do A. solicitou autorização para o acompanhar ao dito gabinete mas foi impedido.

q) Os funcionários da R. recusaram a presença do agente GG com a justificação de que o A. iria conversar com o treinador da equipa de futebol.

r) Pelo que foi obrigado a aguardar na sala de espera do estádio, sem qualquer acesso à reunião ou a qualquer conversa que a R. pretendia ter com o A.

s) Sozinho na presença do Diretor Executivo, do Diretor Desportivo, dos Secretários Técnicos, todos funcionários da R., bem como do advogado desta, o A. viu-lhe ser apresentado um documento escrito composto por pelo menos cinco folhas, redigidas em português e que constituíam um só documento, que era uma minuta de contrato de trabalho desportivo que a R. pretendia que o A. assinasse.

t) O A. não percebia a plenitude e a extensão do conteúdo daquela minuta, pelo que, novamente, solicitou a presença do seu agente para que juntos pudessem analisar o mesmo.

u) A solicitada presença do agente foi recusada pela R.

v) Inconformado, o A. solicitou, pelo menos, permissão para exibir ao seu agente o documento que lhe era apresentado, o que novamente foi recusado.

w) Mais alertando que o contrato era para ser assinado ali, naquele momento e não para ser mostrado ao seu agente.

x) Esta minuta de contrato continha montantes e datas diferentes dos previstos no contrato de trabalho desportivo vigente àquela data.

y) Perante a constante recusa da R. em aceitar a presença do seu agente, este manifestou então a intenção de, pelo menos, conferenciar com este, o que lhe foi, enfim, concedido.

z) Pelo que, passados os já referidos trinta minutos depois de ter entrado no gabinete do Diretor Executivo da R., o A. saiu da sala para falar com o agente GG a fim de obter aconselhamento.

aa) Em conversa com o referido GG, o A. confidenciou-lhe que lhe fora proposto assinar um novo contrato.

bb) Impedido de visualizar o referido documento, o agente GG contactou telefonicamente o seu advogado, Dr. HH para o seu escritório em ..., cerca das 23h00, hora de ..., 22h00 em Lisboa.

cc) E relatou-lhe o sucedido quanto à recusa de acesso à reunião e da exibição e análise do documento proposto.

dd) Informado de que a R. se recusara a exibir o documento que apresentara ao A. para que este assinasse, o referido causídico sugeriu que este nada assinasse sem que lhe fosse providenciada cópia do mesmo, por forma a confirmar o seu conteúdo.

ee) Por imposição da R. esse documento também não foi exibido ao advogado espanhol, Dr. HH.

ff) Razão pela qual o A. informou que não assinaria o documento que lhe fora apresentado, já que a sua análise havia sido negada aos seus representantes e ele próprio desconhecia o conteúdo e efeitos do mesmo.

gg) Perante a reação do A. o Diretor Desportivo sugeriu-lhe que alcançasse um acordo de rescisão do contrato de trabalho.

hh) Ao que o A. respondeu negativamente, exceto se lhe fossem garantidos os direitos laborais inerentes à revogação do contrato de trabalho, isto é, todos os créditos laborais e uma compensação pela cessação do contrato.

ii) Perante nova rejeição, o A. foi mandado embora, sem indicação de data concreta para se reapresentar ao serviço, razão pela qual se ausentou do Estádio ....       

jj) A Ré não pagou ao Autor os salários de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2012, no valor de € 120.000,00.

kk) Por sua vez, o Club CC pagou-lhe a quantia de 150.000,00 €, durante a época desportiva 2011/2012.
2.2 Isto posto.

Com a presente Revista, na parte do recurso ora sob apreciação, a R. pretende que este Supremo Tribunal de Justiça revogue o acórdão do Tribunal da Relação, no segmento decisório em que confirmou a condenação da R. a pagar ao A., a quantia de € 150.000,00, a título de retribuição pela época de 2011/2012, época, em que o A., à semelhança da época anterior, esteve cedido ao CC.

Entende a Recorrente, que cabia ao CC proceder a tal pagamento e não à R., por estar aquele Clube sub-rogado, enquanto cessionário, nas obrigações do cedente, o BB – Futebol SAD.

Este o thema decidendum que importa conhecer.

2.2.1 Do Direito aplicável

Como ponto de partida, importará referir que, em sede de enquadramento jurídico, o Tribunal da 1.ª Instância, como o Tribunal da Relação, apreciaram os factos em causa à luz da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabeleceu o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, bem como da Convenção Colectiva outorgada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, de 15 de Julho, depositada em 11 de Agosto de 1999 e publicada no BTE, 1.ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1999.

Tal enquadramento não é passível de censura, nem vem posto em causa.

Pelo que, é também na conjugação dessas duas fontes que se resolverá o caso dos autos.

2.2.2 Dispõe o art. 19.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabeleceu o já referido Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo:
1. Na vigência do contrato de trabalho desportivo é permitida, havendo acordo das partes, a cedência do praticante desportivo a outra entidade empregadora desportiva.
2. O acordo a que se refere o número anterior deve ser reduzido a escrito, não podendo o seu objecto ser diverso da actividade desportiva que o praticante se obrigou a prestar nos termos do contrato de trabalho desportivo.”

Por sua vez, o art. 20.º do mesmo diploma legal, especifica em que termos pode ser efetuada essa cedência. Dispõe:

1. Ao contrato de cedência do praticante desportivo celebrado entre as entidades empregadoras desportivas aplica-se o disposto nos arts. 5.º e 6.º, com as devidas adaptações.

2. Do contrato de cedência deve constar declaração de concordância do trabalhador.

3. No contrato de cedência podem ser estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo, desde que não envolvam diminuição da retribuição nele prevista.

4. A entidade empregadora a quem o praticante passa a prestar a sua atividade desportiva, nos termos do contrato de cedência, fica investida na posição jurídica da entidade empregadora anterior, nos termos do contrato e da convenção coletiva aplicável.

Ora, no que respeita aos artigos 5.º e 6.º do referido Regime Jurídico, aplicáveis também ao contrato de cedência, por força do n.º 1 do art. 20.º, tais artigos estabelecem requisitos de forma e de registo para a validade do mesmo.

Pode assim, na parte que interessa aos presentes autos, ler-se no n.º 2 do art. 5.º do mesmo regime jurídico:
O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, dele devendo constar:
a) A identificação das partes, incluindo a nacionalidade e a data do nascimento do praticante;
b) A actividade desportiva que o praticante se obriga a prestar;
c) O montante da retribuição;
d) A data de início de produção de efeitos do contrato;
e) O termo da vigência do contrato;
f) A data de celebração”.

Por seu turno, o art. 6.º do mesmo diploma legal exige o registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação (n.º 1), exigindo também (o n.º 3) que sejam igualmente registadas as modificações que as partes introduzam no contrato.

Por seu turno, estabelece o n.º 5 do mesmo artigo: “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se de culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário. ([5])

2.2.3 No que respeita à Convenção Colectiva aplicável à relação laboral em causa, há, tal como já ficou referido, que ter presente a CCT outorgada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol de 15 de Julho e depositada em 11 de Agosto de 1999, publicada no BTE, 1.ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1999.

A propósito da cedência temporária, dispõe o art. 9.º do referido instrumento de regulamentação coletiva:
“1.Sem prejuízo de eventuais limitações ou condições previstas nos regulamentos desportivos, durante a vigência de um contrato, o clube ou sociedade desportiva poderá ceder temporariamente a outro, os serviços de um jogador profissional, mediante aceitação expressa deste, não podendo o período de cedência exceder o termo do prazo do contrato em vigor.
2. Esta cedência só poderá, porém, ser efetivada dentro de cada época, nos prazos previstos na regulamentação desportiva aplicável, desde que comunicada à FPF e à LPFP.
3. A cedência deverá constar obrigatoriamente de documento escrito, assinado por todos os intervenientes, no qual deverão ser especificados as condições e o prazo de cedência, nomeadamente os direitos e deveres emergentes da relação de trabalho assumidos pelos contraentes.([6])
4. No contrato de cedência podem ser estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo, desde que não envolvam diminuição da retribuição nele prevista.
5. Na falta de especificação, presumem-se sub-rogados pelo cessionário todos os direitos e obrigações do cedente.
6. Sempre que da cedência resulte o pagamento de qualquer compensação ao clube ou sociedade desportiva cedente, o jogador cedido terá direito a receber, se outro acordo mais favorável não for estipulado entre as partes, 7% daquela quantia.
7. Fica salvaguardada em qualquer dos casos previstos neste artigo a regulamentação desportiva em vigor, designadamente a que contemple as transferências de jogadores no âmbito dos «clubes satélites» ou «equipas B».”

2.2.4 Posto isto, detenhamo-nos agora na factualidade dada como provada para aferirmos se cabia ou não à R. proceder ao pagamento da quantia de € 150.000,00, a título de retribuições da época 2011/2012, quando, nessa altura, o A. estava cedido ao CC.

Na verdade, da análise da factualidade dada como provada resulta, com relevância para a resolução desta questão, o seguinte:

c) Entre a Ré e o Autor foi celebrado, em 12 de Abril de 2010, um contrato de trabalho desportivo, cuja vigência se iniciou em 01 de Julho de 2010, vinculando-se para as épocas desportivas de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014.

d) Por força do referido contrato, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor a remuneração global anual ilíquida de € 300.000,00 por cada uma das quatro épocas desportivas, em dez prestações iguais, mensais e sucessivas de € 30.000,00 vencendo a primeira em 20 de Setembro do ano da época a que dissesse respeito e em igual dia nos meses subsequentes.

e) Durante o seu primeiro ano de contrato com a R., isto é, durante a época desportiva de 2010/2011, o A. foi cedido, a título de empréstimo, ao clube espanhol Club CC, em 31 de Agosto de 2010, onde actuou pela equipa B.

f) No seu segundo ano de contrato, durante a época desportiva de 2011/2012, o A. foi novamente cedido, ainda a título de empréstimo, ao mesmo clube espanhol Club CC.

g) Para tanto, a R. deu o seu consentimento mediante carta datada de 4 de Julho de 2011.

kk) Por sua vez, o Club CC pagou-lhe a quantia de 150.000,00 €, durante a época desportiva 2011/2012”.

Da análise dos factos em causa, que relativamente a esta temática são exíguos, é, contudo, possível retirar que a R. se comprometeu, por contrato, com o A. a pagar-lhe a retribuição de € 300.000,00, por cada época desportiva, pelo período de 4 épocas, sendo que, desde o início, o A. foi desde logo cedido ao CC – época 2010/2011 – tal voltando a ocorrer na época 2011/2012.

Ora, resulta da factualidade provada que não obstante a R. se ter obrigado a pagar-lhe € 300.000,00, por época, uma vez o A. cedido ao CC, foi este clube quem lhe pagou a retribuição, mas apenas de € 150.000,00.

A questão que se coloca é assim a de saber se cabia ou não à R. pagar o remanescente, isto é, os € 150.000,00 em que foi condenada, ou se não tinha que o fazer, nomeadamente por essa obrigação se poder ter transferido para o CC.

Como já vimos supra, à partida, deverá constar do contrato de cedência do atleta as condições em que o mesmo é cedido. Contudo, não obstante a estipulação do n.º 3 do art. 20.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho prever: “3. No contrato de cedência podem ser estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo, desde que não envolvam diminuição da retribuição nele prevista” e do art. 9.º da CCT aplicável constar: “3. A cedência deverá constar obrigatoriamente de documento escrito, assinado por todos os intervenientes, no qual deverão ser especificados as condições e o prazo de cedência, nomeadamente os direitos e deveres emergentes da relação de trabalho assumidos pelos contraentes”, o que é certo é que cedente, cedido e cessionário, (ao contrário do que fizeram constar na época desportiva anterior – 2010/2011 -, em que subscreveram os três um contrato em que especificaram as concretas condições acordadas, e em que o BB e o CC acordaram o que cada um deles pagaria ao A.), relativamente à época 2011/2012, não fizeram constar de qualquer documento as condições específicas em que tal cedência ocorria desta vez.

Na verdade, o único documento que temos nos autos relativamente a esta cedência, não cumpre sequer os requisitos mínimos exigidos por lei, uma vez que não está assinado nem pelo CC, nem pelo A., mas é o único relativamente a esta época desportiva em causa, e que foi trazido para a matéria provada - a carta em que a R. autoriza a cedência do A.

Reza no mesmo:

BB – Futebol Sad (…), declara pelo presente que consente na celebração de um contrato de trabalho desportivo para a época de 2011/2012 entre o Club CC, SAD e o jogador AA, na condição do Club CC, SAD se constituir na obrigação de pagamento de todas as quantias devidas ao jogador em virtude de tal facto, bem como de eventuais quantias a pagar a terceiros clubes a título de compensação, por formação e/ou mecanismo de solidariedade respeitantes ao mesmo jogador.” ([7])

 Ora, da análise do documento em causa retira-se que não houve qualquer acordo relativamente a questões remuneratórias.

Se o contrato estivesse assinado por todos e não fossem aí previstas as condições remuneratórias, dúvidas não existiam que cabia ao cessionário ocupar a posição do cedente no que ao pagamento das retribuições se impunha.

Mas, na verdade, tal missiva não se encontra sequer assinada nem pelo A., nem pelo CC.

Pelo que, não pode ser aceite como estipulando condições a serem aceites pelos três.

Em bom rigor, em parte alguma se encontra reduzido a escrito que o CC aceita a condição imposta pela R., condição indispensável para se admitir que a cedência foi feita nesses termos.

Entende a recorrente que não havendo uma estipulação formal, para além da referida carta, caberia ao CC pagar ao A. toda a retribuição e não apenas os € 150.000,00, nos termos dos já transcritos n.º 4 do art. 20.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, segundo o qual: “4. A entidade empregadora a quem o praticante passa a prestar a sua atividade desportiva, nos termos do contrato de cedência, fica investida na posição jurídica da entidade empregadora anterior, nos termos do contrato e da convenção coletiva aplicável.”, e n.º 5 do art. 9.º do CCT que prevê: “5. Na falta de especificação, presumem-se sub-rogados pelo cessionário todos os direitos e obrigações do cedente.”

Contudo, impõe-se ter presente que este n.º 4 do art. 20.º da Lei do contrato de trabalho desportivo e do n.º 5 do art.º 9 da CCT são aplicáveis a situações em que o contrato de cedência é validamente celebrado por todos os intervenientes – cedente, cedido e cessionário -, mas em que por não se estipularem condições remuneratórias, o regime legal prevê que seja o cessionário a substituir-se ao cedente em todas as obrigações.

Ora no caso dos autos, não há um contrato de cedência válida e formalmente celebrado, sendo que à R., como entidade patronal primitiva, cabia-lhe proceder à elaboração do contrato de cedência nos termos em que a respetiva lei e CCT exigem. Não o tendo feito – sibi imputet -, não pode agora beneficiar de uma presunção que, como já vimos, só pode verificar-se no caso de o contrato estar validamente celebrado e até registado na respetiva federação desportiva, de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 2 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, aplicável ao contrato de cedência por força do disposto no n.º 1 do art. 20.º do mesmo diploma legal.

Acresce que, nos termos do n.º 2 do referido art.º 5: “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se de culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário.

Assim, temos necessariamente que concluir que a R. só podia beneficiar da presunção de que o CC ... ficava investido na posição jurídica da primitiva R., se esta tivesse validamente celebrado o contrato de cedência com o CC e se o A. prestasse o seu consentimento a essa cedência. Ao não o ter feito a R., não pode agora beneficiar de uma presunção de falta de especificação de condições, porquanto era sobre si, enquanto entidade empregadora que cabia o ónus de ter válida e formalmente celebrado o contrato de cedência do trabalhador. Não estava obrigada a especificar as condições remuneratórias, como já vimos (porque se não o fizesse operava a presunção já supra descrita e transcrita), mas estava obrigada a validamente celebrar o contrato.

 Pelo exposto, relativamente à condenação da R. no pagamento da quantia de € 150.000,00, a título de retribuição da época desportiva 2011/2012, é de manter a decisão recorrida.


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III DELIBERAÇÃO

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se SUMÁRIO.

                Lisboa, 3 de dezembro de 2015

Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

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[1] Abrantes Geraldes, António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2.ª edição, 2014, pág. 130.
[2]Abrantes Geraldes, António, ob. cit., pág. 134.
[3] Obra citada, pág. 135.
[4] Revista n.º 961/10.1TBFIG.C1.S1, Relator: Abrantes Geraldes, disponível em cadernos de sumários da secção cível, in www.stj.pt[5] Negrito e sublinhados do Relator
[6] Negrito e sublinhados do Relator
[7] Sublinhado do Relator. Documento constante de fls. 98 dos autos.