Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1880/16.3T8BJA.E1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO AUTOMÓVEL
DIREITO DE REGRESSO
ALCOOLEMIA
SEGURADORA
ÓNUS DA PROVA
CULPA
CONDUTOR
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA E CONFIRMARDO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CULPA DO LESADO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 570.º.
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL N.º 291/2007, DE 21-06: - ARTIGO 27.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-09-2013, PROCESSO N.º 525/04.9TBSTR.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-13-2013, PROCESSO N.º 995/10.6TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-10-2014, PROCESSO N.º 582/11.1TBSTB.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-02-2017, PROCESSO N.º 29/13.9TJVNF.G1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CÍVEIS, WWW.STJ.PT.
Sumário :

Para obter o direito de regresso conferido na al. c) do n.º 1 do art. 27.º do DL n.º 292/2007, de 21-06, a seguradora apenas tem que provar que o condutor deu culposamente causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.


Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, S.A., intentou ação declarativa comum contra BB, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 1.223.179,87 (um milhão, duzentos e vinte e três mil, cento e setenta e nove mil e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Fundamentou tal pedido no invocado direito de regresso, ao abrigo do disposto no art.º 27.º, n.º1, al. c) do DL 291/2007, de 21 Agosto, alegando para o efeito e em resumo que o valor cujo pagamento peticiona corresponde ao valor das indemnizações pagas aos sinistrados passageiros, e familiares, que seguiam no veículo acidentado (despiste), seu segurado, que era conduzido pelo réu sob influência de álcool.

O réu contestou, defendendo que o acidente não resultou de imperícia ou negligência suas, mas sim de encadeamento e gravilha existente na estrada.                                

Mais alegou que o art.º 27.º do DL 291/2007, de 21 de Agosto, exige a prova, a cargo da seguradora, de que a alcoolemia de que o segurado é portador foi causal do acidente e ainda que as lesões sofridas pelos passageiros do veículo foram agravadas pela circunstância de nenhum deles ter o cinto de segurança colocado no momento do acidente - razão pela qual apenas poderá responder em função do seu grau de contribuição para os danos e na medida em que as indemnizações pagas se revelem justas e equitativas.

   Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a ação foi julgada totalmente procedente, sendo o réu condenado no pagamento à autora da peticionada quantia de € 1.223.179,87 (um milhão, duzentos e vinte e três mil, cento e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

           Na sequência e no âmbito de apelação do réu, a Relação de Évora, julgando parcialmente procedente o recurso, condenou o réu no pagamento à autora, apenas, da quantia de € 856.225,90 (oitocentos e cinquenta e seis mil, duzentos e vinte e cinco ml euros e noventa centavos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

           

Inconformado, interpôs o réu/apelante o presente recurso de revista (subsidiariamente, revista excecional), no qual formulou as seguintes conclusões:

Relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1ª - O presente acórdão da Relação de Évora, objeto de recurso, veio confirmar no que respeita aos factos “constitutivos do direito de regresso da seguradora a posição da Ma. Juíza “a quo", ou seja:

a) ser o condutor culpado pela ocorrência do acidente (tinha dado causa ao acidente);

b) ser o condutor portador de uma TAS em medida superior ao legalmente permitido.    

2ª - Tal posição repousa na interpretação literal decorrente da alteração da redação conferida pelo art. 27° nº 1 al. c) do DL 291/2007 à pretérita da al. c) do artº 19° do DL 522/85 de 31 de Dezembro, cujo teor foi entendido por numerosa jurisprudência no sentido de que, para procedência do direito de regresso das seguradoras, estas teriam de provar o nexo de causalidade entre a condução do efeito do álcool e o acidente.

3ª - Tal interpretação maioritária levou a que tivesse sido proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. em 28/05/2002 que, confrontado com as três correntes jurisprudenciais principais existentes sobre a matéria, veio pugnar pela maior justeza daquela que exigia que as seguradoras, para efetivação do seu direito de regresso, provassem o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, dando assim maior consistência à tese que, até recentemente, dominou de forma notória, criando maior estabilidade jurisprudencial. Porém,

4ª - Mesmo após a alteração legislativa do DL 291/07 e a introdução pelo mesmo de “segmento normativo, muito mais objetivado”, não deixou de ser seguida, embora em menor proporção, a tese propugnada pelo A.U.J. de 28/05/2002, que continua, afinal, a coexistir. Os acórdãos do S.T.J. de 15/11/2007 (07B2998) wwwdgsi.pt e de 27/10/2009 (www.dgsi.pt), bem como o acórdão da Relação de Évora de 30/05/2010 (Procº 351/08.6TBPTM.E1) são exemplo dessa existência. Todos posteriores ao DL 291/2007, de 21 de Agosto.

E como bem se refere no primeiro dos Acs. STJ, “se é facto notório que a embriaguez é causa de muitos acidentes de viação, já não é notório que todos os condutores embriagados sejam os causadores dos acidentes em que intervieram” (Ac. STJ de 15/11/2007).

5ª - O certo é que a alteração legislativa do DL 291/2007, de 21/08, tem vindo a ter como consequência, em grande parte dos casos, “dispensar a seguradora do ónus da demonstração de um concreto nexo causal entre o erro ou falta cometido pelo condutor e a situação de alcoolemia envolvendo o condutor alcoolizado…” - Ac. do STJ de 6/04/2017 (Procº 658/14.9tbvlgp1.s1). O facto é que,

6ª - As seguradoras conseguiram o seu “desideratum”, beneficiando claramente do estabelecimento desta presunção legal, deixando de estar oneradas com a prova efetiva do facto a que conduz essa presunção, nos termos do artº 350° nº 1 do C. Civil (o acórdão inclui uma declaração de voto do Exmº Sr. Conselheiro Silva Gonçalves (nota de pé de página do acórdão recorrido).

7ª - A nova redação do artº 27° nº 1, al. c), suscetível de criar situações de injustiça relativa, ao eliminar qualquer ónus de prova por parte da seguradora e transferindo-o para o condutor do imóvel que passou ele, afinal, a ter de ilidir a presunção legal decorrente da excessiva objetivação do segmento normativo trazido pelo DL 291/2007 que pode levar a uma solução demasiado “automática”, passe a expressão, na subsunção da definição da conduta culposa do condutor no acidente.

8ª - Infelizmente são muitos os casos de acidente graves causados em circunstâncias de etilização dos condutores, mas tal não pode levar à ostracização do condutor, presumindo-o sempre culpado só pelo facto de lhe ser detetada uma taxa de álcool superior à legalmente autorizada, ignorando os aspetos da morfologia física de cada condutor e dando igual tratamento a graduações de álcool díspares, só porque têm em comum o ultrapassarem os 0,50% legalmente admitidos. Por isso,

9ª - Persiste assim a necessidade de se tratar com rigor cada situação e, talvez por isso, se mantêm ainda arestos que perfilham a tese do A.U.J. de 28/05/2002 e também nas votações se têm revelado ainda votos de vencido ou declarações de voto no sentido do AUJ de 28/05/2002.

10ª - É visível que, casos como o dos presentes autos, pela sua frequência, consequências danosas, valor económico (e também pela sua complexidade) têm por isso notória relevância jurídica e social, com vista a ser feita nova apreciação, mesmo que, no caso concreto, se concorde com a impossibilidade de rever os depoimentos das testemunhas por não satisfação do art° 640° do CPC, ou mesmo que se entenda que, quer na sentença quer, no acórdão agora objeto de recurso, há já uma duplicidade de decisões no mesmo sentido (dupla conforme), pelo que se justifica que, excecionalmente caiba recurso de revista - art° 672º do C.P.C. (revista excecional) nºs 1 e 2 e suas alíneas.

11ª - No acórdão da Relação de Évora – 2ª Sec. Cível (Proc. 351/08.6TBPTM.E1 de 30/06 de 2010) - que se junta - obviamente transitado), já no domínio do DL 291/2007, de 21 de Agosto, os aspetos de identidade que determinam são por demais evidentes, como é notório, em casos afinal semelhantes: num opta-se pela tese do AUJ de 28/05/2002, noutro, o ora em apreciação opta-se pela tese decorrente da alteração legislativa efetuada à al. c) do nº 1 do art° 27° do DL 291/2007 de 21 de Agosto. Por isso,

12ª - O Recorrente requer que, em sede de revista excecional, se reanalisem os aspetos ocasionados pela subsunção operada ao segundo requisito, presumindo -se a culpa do condutor pelo despiste do mesmo e em que é justificada exclusivamente essa culpa pelo acidente (cuja evolução ninguém presenciou) pela taxa de álcool sob a qual o Recorrente conduzia.

Do contributo das próprias vítimas para a produção dos danos:

13ª - O ora Recorrente pôs em causa o montante da indemnização em que foi condenado, impugnando os pagamentos efetuados aos ocupantes dos veículos, uma vez que os mesmos foram calculados unilateralmente, pela seguradora, no decurso das negociações desta com aqueles, nas quais o R. não teve qualquer intervenção na sua fixação, nem foi confrontado ou questionado com os documentos, nomeadamente contabilísticos, justificativos dos valores arbitrados.

14ª - Provou-se que nenhum dos ocupantes levava posto o cinto de segurança do veículo, o que evitaria as consequências do despiste ocasionado (mesmo que não as anulasse totalmente), pelo menos torná-las-ia substancialmente menos gravosas, pelo que tal facto sempre teria de ser tomado em linha de conta, relevando para a fixação da indemnização a atribuir a cada lesado, o que tendo sido pela Ma Juíza “a quo”, todavia foi por ela considerado irrelevante no âmbito da ação de regresso no âmbito da ação proposta. Ora,

15ª - O douto acórdão objeto do presente recurso não acompanhou neste ponto - e bem - a decisão da 1ª instância, por ter entendido que, face ao disposto no n° 1 do artº 82º do Cod. Estrada que impõe ao condutor e ocupantes o uso dos dispositivos de segurança com que os veículos estejam equipados (pgs. 20 a 22 do acórdão objeto do presente recurso).

16ª - No acórdão vêm também citados os acórdãos do STJ de 21/02/2013 (Procº 2044/06.0TVNF.P1.S1) e de 6/04/2007 (Procº 1658/14.9TBVLG.P1.S1), cujas passagens em favor desta tese aqui se dão por reproduzidas. É no seguimento desta jurisprudência que o acórdão objeto do presente recurso, aderindo à tese de ser o condutor culpado no acidente, por conduzir com uma taxa de álcool excessiva, vem decidir, no entanto (diversamente da Ma. Juíza “a quo”) que essa omissão por banda dos ocupantes (de não colocar o cinto) deve justificar a imputação aos mesmos de uma quota de responsabilidade subjetiva, por agravamento das lesões por eles sofridas no acidente.

17ª - Nos termos do acórdão em apreciação, tal parcela de culpa equivaleria a uma redução de 30% ao quantum indemnizatório global, ficando o condutor responsável por 70% da indemnização, por ter sido considerado o principal culpado - tese a que o ora Recorrente não adere por se haver dispensado o ónus da prova do nexo de causalidade entre o efeito do álcool e o acidente ocorrido, o qual sempre seria de manter. Tal não obsta porém a que faça uma avaliação de quanto poderia significar em termos de medição essa omissão por parte dos ocupantes. Quanto a nós tal quota-parte de 30% peca por defeito e, salvo o devido respeito, deverá fixar-se em valor nunca inferior a metade do total do quantum indemnizatório ou seja 50%, € 611.582,00.

18ª - De facto, se os ocupantes levassem os cintos colocados, não teriam, muito provavelmente, sofrido as graves lesões que os afetaram, evitando desde logo o terem sido projetados para fora do veículo, este, apesar de ter entrado em despiste num pequeno barranco, não chegou a embater em nenhum obstáculo. Há assim, com o devido respeito, uma valorização insuficiente da quota de responsabilidade a considerar para efeitos de dedução à quantia indemnizatória reivindicada pela A. na sua ação de regresso. Não faz sentido que, no critério da Ma Juíza “a quo” não se cuide de considerar o impacto da omissão cometida pelos ocupantes do veículo.

Pelo que:

a) Relativamente às duas primeiras questões, constantes do objeto da apelação delimitado no douto acórdão da Relação de Évora (pags. 2 “in fine” e 4, supra (impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e “verificação dos pressupostos de que depende o exercício do direito por banda da apelada seguradora”), salvo melhor opinião, cabe Recurso de Revista, ainda que excecionalmente, ao abrigo dos artºs 672° nºs 1 e 2 e suas alíneas do C. P. Cível, sendo absolvido o Recorrente, nos termos da sua alegação e suas conclusões;

b) Relativamente à terceira questão, “Da medida do contributo das próprias vítimas para a produção dos danos”, em que o douto acórdão da Relação se pronunciou de forma diferente relativamente à Ma Juíza “a quo”, cabe o presente Recurso de Revista, nos termos do artº 671° nº 3 do C.P. Cível (“a contrario sensu”), procedendo-se à alteração nesta parte da decisão proferida no douto acórdão, que atribui a percentagem de 30% para a qual se entende como mais ajustada a de 50%.

Isto sem prejuízo da uniformização de jurisprudência que possa vir a ser efetuada nos termos do artº 686º do C.P. Cível.

   A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

            Suscitada a questão da dupla conforme, relativamente a uma das questões suscitadas na revista, a Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC admitiu a revista excecional quanto a essa parte.

           

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

  Em face do conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- Verificação dos pressupostos do direito de regresso da seguradora autora contra o réu recorrente, com fundamento na condução deste sob a influência de álcool;

- Redução do valor a pagar pelo recorrente em resultado do contributo das vítimas para a produção dos danos.

   Factualidade dada como provada e não provada pelas instâncias:

           

Factos provados:

            1) No âmbito da sua atividade a ora A. celebrou com o ora R. um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ..., destinado a garantir a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ...-KD;

2) No dia 07 de Julho de 2012, pelas 19.30 horas, ocorreu um acidente na E.M. 541 S/Km, perto de ..., no concelho de ..., distrito de Beja;

3) O condutor do KD, ora R., no dia, hora e local indicados, circulava com o veículo na referida estrada, no sentido ...;

4) Ao aproximar-se de uma curva para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, sem conseguir dominar a sua viatura e sem que nada o fizesse prever, o R. não descreveu a curva, saiu fora da sua faixa para a berma do lado direito (do seu sentido de marcha) e entrou por um pequeno barranco do mesmo lado direito, tendo capotado e ficando assim imobilizado (capotado lateralmente) na estrada de terra batida, a cerca de 60,45 metros do local do despiste (da via alcatroada - E.M. 541);

5) Trata-se de uma via com curva à esquerda (atento o sentido de marcha do veículo KD) de visibilidade razoável, seguida de reta, com 8,65 metros de largura, com uma faixa de rodagem que comporta duas vias de trânsito, uma para cada sentido, separadas ao eixo da via por linha longitudinal contínua;

6) O estado do tempo na altura do acidente era bom e era dia;

7) A estrada no local do acidente não apresentava quaisquer irregularidades ou buracos no asfalto;

8) O limite de velocidade no local é de 90/Km/h;

9) No local do despiste do veículo KD, após o acidente, ficaram plásticos e vidros provenientes do veículo em referência;

10) O veículo seguro pela ora A. ficou totalmente destruído, um dos seus ocupantes faleceu e os restantes ocupantes sofreram ferimentos graves;

11) O ocupante CC sofreu as extensas lesões descritas no relatório da autópsia, tendo a sua morte ficado a dever-se a traumatismo crânio-meníngeo encefálico e torácico (cf. relatório de autópsia junto com a petição inicial, doc. não impugnado, permitindo a consideração do facto nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 607.º, ex vi do n.º 2 do art.º 663.º, ambos os preceitos do CPC);

12) O passageiro DD sofreu as lesões descritas no relatório final de avaliação do dano corporal junto como doc. n.º 15, que lhe acarretam uma IPG de 72%, que é absoluta para o exercício da sua profissão habitual (doc. não impugnado);

13) O passageiro EE sofreu as lesões descritas no relatório final de avaliação do dano corporal junto como doc. n.º 16, que lhe acarretam uma IPG de 44%, que é absoluta para o exercício da sua profissão habitual (doc. não impugnado).

14) O referido acidente deu origem ao processo nº NUIPC 24/12.5GEODM, cuja conclusão resultou no arquivamento dos autos pela eventual prática de um crime de homicídio negligente;

15) O R. conduzia o veículo ...-KD sob a influência do álcool, tendo acusado uma TAS de 0,90g/l;

16) A taxa de álcool de que o ora R. era portador à data do acidente provocava uma imoderada confiança em si próprio (euforia), a diminuição da acuidade visual e da perceção das distâncias, falta de destreza, bem como o aumento, muito para além do normal, do tempo de reação aos obstáculos habituais da circulação, desprezo pelo risco natural da condução (Audácia Incontrolada), perda de vigilância em relação ao meio envolvente, perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais, perturbação das capacidades percetivas, lentificação da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga;

17) A A. suportou com as despesas hospitalares, com tratamentos, acompanhamento e outras decorrentes das lesões sofridas por DD e EE, bem como com as indemnizações finais acordadas com ambos os sinistrados e indemnização aos herdeiros do ocupante falecido, o valor de 1.223.179,87 € (um milhão, duzentos e vinte e três mil, cento e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);

18) A visibilidade no local do acidente é prejudicada pela posição do sol provocar encandeamento nos condutores;

19) Nenhum dos ocupantes levava colocado o cinto de segurança.

Factos não provados:

a) Aquando da ocorrência do acidente a luminosidade e a visibilidade eram boas;

b) O acidente só aconteceu por o condutor do veículo seguro na A. conduzir a velocidade superior a 90 KM/H;

c) O R. circulava sem prestar a devida atenção, circulando sem tomar qualquer precaução e com velocidade desadequada, causando assim o despiste e consequentemente a morte e os ferimentos nos ocupantes da viatura;

d) Outros acidentes ocorreram no local em causa por encadeamento do sol e pela existência de gravilha na berma direita;

e) O R. foi vítima de encandeamento e existia gravilha na berma, o que motivou a ocorrência do acidente.

I - Quanto à questão da verificação dos pressupostos do direito de regresso da seguradora autora contra o réu recorrente, com fundamento na condução deste sob a influência de álcool:

A autora ora recorrida intentou a presente ação com vista ao exercício do direito de regresso a que alude o art. 27º, nº 1, al. c) do DL nº 292/2007 de 21 de agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), com vista a obter a condenação do réu ora recorrente no pagamento das indemnizações que pagou, ao abrigo do contrato de seguro que com este celebrou para garantir a responsabilidade civil relativa ao veículo de matrícula ...-KD, em consequência do acidente em questão no qual este veículo, conduzido pelo réu, interveio.

Estabelece-se naquela disposição que “Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso… c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”.

Tal disposição veio substituir, com uma redação diferente, a que anteriormente constava do nº 1, al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31 de dezembro (diploma este que veio a ser revogado por aquele diploma), no qual se estabelecia que “Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso…c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool…”

Conforme é sabido e bem se salienta no acórdão recorrido, no âmbito da vigência do DL nº 522/85, na sequência da forte divergência jurisprudencial relativamente à interpretação daquela al. c) do nº 1 do art, 19º de tal diploma (uma no sentido de que sobre a seguradora pendia o ónus de provar apenas a condução sob influência de álcool e outra no sentido de a mesma ter que provar o nexo de causalidade entre a condução sob essa influência e a ocorrência do acidente), veio a ser proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 06/2002, de 28.05.2002, que, seguindo este último entendimento, fixou jurisprudência nos seguintes termos:

“A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do anexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Não obstante a alteração da lei, nos termos supra referidos, é certo que alguma jurisprudência, minoritária, conforme se salienta no acórdão recorrido e nas alegações do recorrente (que defende naturalmente tal tese) tem vindo fazer uma interpretação da nova lei em consonância com a solução interpretativa do referido Acórdão Uniformizador.

Todavia, a jurisprudência dominante vem entendendo que, à luz da nova formulação legal, para assegurar o seu direito de regresso, à luz do disposto no nº 1, al. c) do art. 27º do DL nº 292/2007 de 21 de agosto, a seguradora apenas tem que provar que o condutor deu culposamente causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida, ou seja, que era portador de um taxa de alcoolémia superior a 0,50g/l.

    Isto, naturalmente, para além da prova de ter satisfeito a indemnização – prova essa que, in casu, foi feita (o que não está sequer em causa no recurso), o mesmo sucedendo com a prova de que o recorrente deu causa ao acidente, ou seja, de que o acidente se deu por culpa sua, prova esta que, da mesma forma, também foi feita (e também não está em causa na revista).                                                                                                                   

Foi este o entendimento perfilhado no acórdão recorrido (a exemplo do entendimento que já havia sido seguido na 1ª instância)

E é contra tal entendimento que se insurge o recorrente, nos termos das conclusões supra transcritas, segundo o qual deve continuar a seguir o entendimento fixado no acórdão uniformizador.

Todavia é esse também o entendimento que sufragamos, por se nos afigurar ser este o entendimento mais consentâneo com a nova redação legal.

Com efeito, se a lei anterior falava em “tiver agido sob influência de álcool”, de onde se poderia deduzir (em consonância com a interpretação que veio a ser fixada no acórdão uniformizador) que era necessário que a seguradora provasse que a condução sob a influência de álcool foi causal do acidente, a nova lei (aplicável ao caso dos autos) passou a falar apenas em “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida”.

Esta nova redação da lei aponta, a nosso ver, de forma clara no sentido de (para além da prova da culpa do condutor) apenas se exigir à seguradora a prova de que o condutor conduzia com uma taxa superior à que é permitida por lei – prova esta que, manifestamente foi feita (vide nº 15 dos factos provados), o que também nem sequer é posto está em causa no recurso.

Não fora esta a intenção do legislador (conhecedor da interpretação dada pelo acórdão uniformizador à norma legal anteriormente em vigor), certamente que o mesmo não teria procedido à alteração do texto da lei nos termos em que o fez.

De resto, conforme já supra se referimos, este entendimento defendido pelas instâncias e que sufragamos, é aquele que se nos afigura ser hoje em dia o entendimento dominante da jurisprudência do STJ.                                      

                      Neste sentido, vide, entre outros e para além dos que vêm citados no acórdão recorrido, os acórdãos deste tribunal de 08.09.2013 (proc. nº 525/04.9TBSTR.S1), de 28.13.2013 (proc. nº 995/10.6TVPRT.P1.S1) e de 09.10.2014 (proc. nº 582/11.1TBSTB.E1.S1) – todos in www.dgsi.pt, e bem assim o acórdão de 07.02,2017 (procº 29/13.9TJVNF.G1.S1) in Sumários dos acórdãos cíveis do STJ.

Acresce que, ainda que assim se não entendesse, sempre haveríamos de dar como adquirido que também foi feita a prova de que condução sob a influência de álcool, nos termos dados como provados, foi causal do acidente.

E isto, em face da factualidade dada como provada sob o nº 16 dos factos provados, a saber:

A taxa de álcool de que o ora R. era portador à data do acidente provocava uma imoderada confiança em si próprio (euforia), a diminuição da acuidade visual e da perceção das distâncias, falta de destreza, bem como o aumento, muito para além do normal, do tempo de reação aos obstáculos habituais da circulação, desprezo pelo risco natural da condução (Audácia Incontrolada), perda de vigilância em relação ao meio envolvente, perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais, perturbação das capacidades percetivas, lentificação da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga”.

Só assim se compreende e justifica que o recorrente não tenha conseguido dominar a viatura “sem que nada o fizesse prever”, numa simples curva (nada se provando no sentido de a mesma ser acentuada ou de algum modo perigosa), com bom tempo, de dia e não apresentando a estrada irregularidades ou buracos (vide factualidade constante dos nºs 4, 5 e 6) e com as graves consequências referidas no nº 1º dos factos provados.

Posto isto, haveremos de concluir no sentido de se mostrarem provados e como tal verificados os requisitos legais de que depende o direito de regresso da recorrida – razão pela qual não nos merece censura a decisão das instâncias no sentido da condenação do réu ora recorrente (isto sem prejuízo da questão do valor da condenação, ou seja, sem prejuízo da apreciação da outra questão suscitada – de que trataremos de seguida).

Improcedem assim nesta parte as conclusões do recorrente.

Quanto à redução do valor a pagar pelo recorrente em resultado do contributo das vítimas para a produção dos danos:

Conforme referido no relatório supra, a 1ª instância condenou o réu, ora recorrente no pagamento à recorrida da peticionada quantia de € 1.223.179,87, acrescida de juros de mora – quantia esta que foi suportada pela autora (vide nº 17 dos factos provados).

Contudo, no âmbito da apelação do ora recorrente, a Relação, veio a reduzir aquele valor em 30% para € 856.225,90.

E isto por estar provado que os passageiros (vítimas do acidente) se faziam transportar sem cinto de segurança, em clara violação do disposto no art. 82º, nº 1 do C. da Estrada, considerando que os mesmos contribuíram dessa forma para o agravamento dos danos – agravamento esse que que fixou naquela percentagem de 30%, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570º do C. Civil.

É contra esta percentagem de redução que se manifesta o recorrente, segundo o qual a mesma deve ser feita na base de 50%, sendo esta a quota-parte do contributo dos ocupantes para a produção dos danos.

E isto porque, segundo o recorrente, se os ocupantes levassem os cintos colocados, não teriam, muito provavelmente, sofrido as graves lesões que os afetaram, evitando desde logo o terem sido projetados para fora do veículo, uma vez que apesar de o veículo ter entrado em despiste num pequeno barranco, não chegou a embater em nenhum obstáculo.

Todavia, a nosso ver sem razão, na medida em que, atentas as circunstâncias em que se deu o acidente e as respetivas consequências, não se nos afigura razoável considerar como ajustada uma redução de danos superior àquela que foi fixada pela Relação.              

E isto tendo-se em consideração que o veículo, após ter entrado em despiste, “entrou por um pequeno barranco do mesmo lado direito, tendo capotado e ficando assim imobilizado (capotado lateralmente) na estrada de terra batida, a cerca de 60,45 metros do local do despiste (facto nº 4) e ficou totalmente destruído(facto nº 10).

Tendo o veículo ficado totalmente destruído, e à distância a que ficou, não faz sentido pensar-se que, tendo permanecido no veículo (repete-se… totalmente destruído…) os ocupantes tivessem tido melhor sorte do que aquela que lhes coube (quiçá, talvez até tenham tido alguma “sorte” - os que não faleceram, naturalmente – em terem sido projetados).

Não nos merece assim censura, também nesta parte, a decisão da Relação de reduzir em 30% o valor da restituição.

Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões recursórias.

Em síntese:

Para obter o direito de regresso conferido no nº 1, al. c) do art. 27º do DL nº 292/2007 de 21 de agosto, a seguradora apenas tem que provar que o condutor deu culposamente causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida,

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

                                               Lisboa, 09 de abril de 2019

                                              


Acácio das Neves

,                                             


Fernando Samões

                                              


Maria João Vaz Tomé