Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2100/13.8TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
ACTIVIDADE BANCÁRIA
ATIVIDADE BANCÁRIA
TAXA
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL / CRÉDITO BANCÁRIO / MÚTUO.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 448, 466.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código Processo Civil, 360.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 184.
- Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé em Direito Civil, 582.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, 285/286.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 342.º, 344.º, N.º2, 405.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, 417.º.
D.L. N.º 446/85, DE 25-10 (LCCG), ALTERADO PELO DL N.º 220/95, DE 31-08, RECTIFICAÇÃO N.º 114-8/95, DE 31-08, DL N.º 249/99, DE 07-07 E DL N.º 323/2001, DE 17-12: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 6.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
I - O contrato celebrado pelas partes, que ora observamos, inclui cláusulas contratuais subsumíveis ao regime legal preconizado pelo DL n.º 446/85, de 25/10, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31-08, Rectificação n.º 114-8/95, de 31-08, DL n.º 249/99, de 07-07 e DL n.º 323/2001, de 17-12 - art.º 1.º, n.ºs 1 e 2.

II - Conforme determinam os n.ºs 1 e 2 do art. 6.º da LCCG é à entidade proponente que compete o ónus de demonstrar que fez a adequada comunicação das cláusulas gerais do contrato à contraparte, deste modo evidenciando que, tomando como declaratário o vulgar contratante, nenhuma incerteza pôde subsistir, para a outra parte, no que diz respeito ao seu conteúdo, sentido e alcance.

III - Os conceitos de “euribor” (european interbank offered rate) e de “spread” constituem realidades bancárias cuja noção, conquanto aproximada, atualmente faz parte do saber da generalidade do comum empresário.

IV - A figura da inversão do ónus de prova, pressupondo que a revelação de particularizado circunstancialismo factual se tornou impossível de fazer, por acção ou omissão da parte contrária, exige similarmente que esta contingência lhe possa ser atribuível a título de culpa sua; e a postura contratual da autora cai nesta última asserção.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




AA, Irmãos, L.da” intentou, nos então Juízos Cíveis de Lisboa, ação declarativa, com processo comum, contra o “Banco BB, SA”, pedindo:

a) Seja considerada nula, por abusiva, a cláusula, que referencia, do contrato de financiamento celebrado entre a A. e a Ré, por violação do Princípio da Boa-fé, e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo, e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, ou seja, todos os valores correspondentes à diferença de juros e respetivo imposto do selo resultantes da aplicação da taxa de spread acima de 4%, que se cifravam, em Agosto de 2013, em € 6.160,05, devendo ainda a ré ser condenada a indemnizar a autora em juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que esta deixou de auferir, pela entrega de valores correspondentes à diferença de juros e respetivo imposto de selo resultantes da aplicação da taxa de spread acima de 4%, que, no dia 25 de Setembro de 2013 se fixam na quantia de € 293,87;

b) Seja considerada abusiva a dita cláusula, no segmento em que estabelece um prazo de trinta dias para a resolução do contrato após a comunicação da alteração da taxa de juro, por tal prazo ser manifestamente desproporcional e insuficiente para que sejam tomadas providências que acautelem os interesses da Autora e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes antecedentemente especificados;

c) Seja a mesma cláusula considerada excluída do contrato, por violação dos deveres de informação e comunicação, nos termos das disposições conjugadas do artigo 5º, 6º e alínea a) e b) do artigo 8º do decreto-lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes especificados em a);

d) Deve a comunicação do aumento do spread ser considerada inválida, nula ou inexistente por abstrata e imprecisa e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes especificados em a).


Alega, para tanto e em suma, o seguinte:

No dia 20 de Abril de 2011 Autora e Ré celebraram o Contrato de Financiamento n.º FEC 005...8/11, no âmbito do qual foi mutuada pela Ré à Autora a quantia de € 760.000,00, a ser “liquidada” em 72 prestações mensais, incidindo sobre o capital em dívida uma taxa de juro, correspondente à Euribor a um mês, arredondada à milésima acrescida dum spread de quatro pontos percentuais, a fixar no primeiro dia de cada período de um mês, a que acresce uma comissão de gestão de 0,125% ao ano.

Tal contrato foi celebrado por exigência da Ré, tendo em vista liquidar dois contratos sob a forma de conta corrente caucionada, celebrados um pela autora, outro pela sociedade “CC, Lda”, sociedade igualmente detida pelos sócios da autora, num período em que os limites de crédito da autora e da sociedade “CC, L.da” se encontravam no máximo, isto é, globalmente cifravam-se em € 500.000,00.

Bem sabendo a ré que a autora e a sociedade “CC, L.da”, não tinham condições financeiras para, de repente, liquidar a totalidade dos valores em dívida.

Além desses dois contratos de conta corrente caucionada, autora e ré – “DD Imobiliária - Sociedade de Locação Financeira, S.A”, entretanto incorporada por fusão na ré - tinham celebrado em, 29 de Setembro de 2003, um contrato de locação financeira, com um prazo de duração de 10 anos, onde vigorava uma taxa de spread de 1,25%, que igualmente estava a ser integralmente cumprido e que tinha por objeto um prédio urbano sito em Mozelos.

Contrato esse que, na data da celebração do contrato aqui em crise, se encontrava a pouco mais de dois anos do seu término faltando liquidar aproximadamente € 260.000,00.

Neste contexto, o referido contrato de locação financeira viu o seu termo antecipado para a mesma data de início de vigência do contrato de financiamento, passando o prédio objeto daquele primeiro contrato, na data da celebração deste último, a ser propriedade da autora, que sobre ele constituiu hipoteca a favor da Ré, para garantia de pagamento de € 760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros - € 500.000,00 + € 260.000,00).

Apesar de a Autora estar a cumprir o contrato de financiamento, a Ré comunicou-lhe, por carta datada de 23 de Março de 2012, a subida de 4% para 5% do spread a aplicar.

Justificando tal aumento com a descida do rating da dívida de longo prazo de Portugal e consequente limitação e escassez no acesso aos mercados externos de financiamento, com penalização dos custos de financiamento no âmbito do crédito concedido pelas Instituições Financeiras aos agentes económicos.

Ora tal cláusula - 9. §§ 8 e 9 - é nula, já enquanto a Ré, que a pré-definiu unilateralmente, se reserva, através dela, o direito de alterar a taxa de juro por toda e qualquer contingência de “mercado” da qual lhe resulte prejuízo, assim de imediato transferido para a sua contraparte contratante, in casu, a Autora; já pelo abusivo do curto prazo de 30 dias para a A. resolver o contrato, na sequência da comunicação do aumento do spread, por claramente insuficiente para que sejam tomadas as providências no sentido de acautelar os interesses da contraparte.

Devendo em qualquer caso ter-se por excluída, por preterição dos deveres de comunicação e informação, estabelecidos na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

E, em qualquer caso, revelando-se a comunicação feita pela Ré, vazia da indicação em concreto das circunstâncias que evidenciem poder o contrato de financiamento ser afetado pelas razões invocadas.


Contestou a Ré, dizendo, no essencial:

O contrato de financiamento invocado pela A. mais não é do que “um sucedâneo reestruturado” dos dois anteriores contratos de crédito em conta corrente também referidos na petição inicial, na execução dos quais foram correntes e sempre aceites pela A. as alterações dos spreads aplicados às taxas convencionadas.

Estando a comunicada alteração do spread contemplada nos §§ 8 e 9 da cláusula 9.ª do contrato de financiamento sub judice, que é conforme ao disposto no artigo 22.º, n.º 2, da LCCG, tendo a inclusão de cláusulas que tais sido ratificada pela entidade de supervisão.

Nem sendo a dita cláusula “in totum de mera adesão, podendo ser negociada e, eventualmente, suprimida”.

Para além de ter sido cabalmente cumprido o regime das cláusulas contratuais gerais no que respeita aos deveres de comunicação e esclarecimento, com remessa ao legal representante da A., com 13 dias de antecedência, do “contrato, para apreciação”, nada tendo sido dito ou solicitado por aquela.

Sendo, no tocante ao prazo para resolução, em caso de não aceitação da alteração contratual, que aquele corresponde às instruções emanadas pela entidade de supervisão e ao estatuído no artigo 22.º da LCCG, bem como aos usos e prática bancária corrente…

Àquele nada havendo oposto a A., na sua vista prévia do “contrato”.

Remata com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.


Por despacho de folhas 227-231 julgou-se o tribunal incompetente, em razão do valor, para os termos subsequentes da causa, ordenando-se a remessa dos mesmos às então Varas Cíveis de Lisboa.


O processo seguiu seus termos, procedendo-se, em audiência prévia, ao saneamento do processo, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.


Por despacho de folhas 283, foi admitido o Banco EE, SA” a intervir na presente acção como ré, em substituição do “Banco DD, S. A.”.


Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.


Inconformada, desta sentença recorreu a autora para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 28.01.2016 (cfr. fls. 419 a 451), revogou a sentença recorrida e, julgando a ação procedente, condenou a ré a restituir à autora a quantia de € 6.160,05, bem como os montantes correspondentes às diferença de juros e respetivo imposto de selo, resultantes da aplicação, com fundamento na excluída cláusula contratual geral, da taxa de spread acima de 4%, que a autora/recorrente, lhe tenha entregue após 21-08-2013, e lhe venha a entregar até ao trânsito em julgado doacórdão proferido.


Desagradado, recorre agora para este Supremo Tribunal a ré “Banco EE, SA”, que alegou e concluiu pela forma seguinte:

A. A conclusão expressa na douta decisão em crise de que “é sobre o proponente de cláusula contratual geral que recai o ónus da prova da comunicação daquela, nos termos exigidos pelo artigo 5.º, n.º 1 e 2 da LCCG, e do cumprimento do dever de informação das cláusulas cuja aclaração se justifique, consagrado no artigo 6.º da mesma lei", ", " (...) Trata-se de uma verdadeira cláusula contratual geral e assim, por isso que integrada no conjuntos das "Condições Gerais", pré-impressas do "Contrato de Crédito", celebrado entre A e Ré, claramente subtraídas a negociação, e cujo conteúdo o destinatário se limita a aceitar." (...) "Inclinando-nos assim a concluir que a Recorrente pretendeu, em substância alegar a falta de informação, que não também, efectivamente, a falta de comunicação da cláusula em crise" (…), "Resultando plenamente justificada a necessidade de esclarecimento da aderente, quanto ao alcance efectivo de um texto que, pelo seu cariz marcadamente técnico, resulta obscuro, se não hermético, para o "homem médio" colocado na posição de A e não tendo a Ré/recorrida logrado actuar o ónus da prova, que sobre ela recaía, de haver informado a A./recorrente quanto ao significado efectivo da cláusula posta em crise, forçoso é considerar aquela excluída do contrato singular respectivo, ou seja, do nominado contrato de financiamento n.º FEC 005.../11 (…)”.

B. No que diz respeito às nulidades arguidas pela Recorrida, consideradas assim improcedentes pelo venerando tribunal, não merece pois qualquer juízo de censura ou qualquer reparo, pois é justa e está em perfeição com o Direito, dado o substrato fáctico de natureza jurídica/opinativa/conclusiva que lhes subjaz.

C. O mesmo se não pode dizer em relação à demais matéria de direito do caso sub judice, porquanto a análise e interpretação do mesmo assenta em pressupostos que não se compaginam com uma correta aplicação do direito e da ratio decidendi, atentas as especificidades de que o mesmo se reveste, tendo por isso decidido de forma errada face à prova produzida em audiência de julgamento, ao teor dos documentos aportados aos autos relevantes para a decisão de mérito.

D. Assim e no que concerne à discussão envolta da cláusula 9.ª integrante do contrato em apreço e atinente à permeabilização das taxas de juro que a mesma em si contempla, apraz dizer que ónus de comunicação daquela resulta em primeira instância da remessa do contrato para análise com a antecedência devida de 13 dias, permitindo o efectivo e integral conhecimento da cláusula.

E. Aliás como bem vem referido no douto acórdão citando Almeida e Costa e Menezes Cordeiro "o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver para tanto, uma actividade razoável".

F. Daí resulta necessariamente a inversão desse ónus, uma vez que sendo prática corrente da recorrida a celebração deste tipo de contratos e portanto estando perfeitamente familiarizada com possíveis oscilações nas taxas de juros já ocorridas em contratações anteriores, qualquer dúvida suscitada por aquela deveria ter sido posta à consideração da aqui recorrente, para que prontamente prestasse todos os esclarecimentos necessários tal como sempre faz.

G. Assim, não pode o aumento do spread, por aplicação daquela cláusula constituir per si uma surpresa para a recorrida, já que com base numa cláusula bastante similar, ocorreram alterações de taxas de juros nos dois contratos pré-existentes ao aqui em crise e nos quais a recorrida nunca se opôs.

H. Perfeitamente inteirada e conhecedora desta realidade, não havia no caso concreto, um especial ónus para a aqui recorrida alertar sobre o seu conteúdo.

I. Ainda que alguma aclaração houvesse que ser feita, tal ónus impendia sobre a recorrida, no sentido de ser esta na defesa dos seus próprios interesses, a pedir esclarecimentos acerca desta ou de outra cláusula o que nunca fez.

J. Ao invés e só depois de lhe ser aplicado o aumento do spread em função da cláusula ora em apreço que expressamente o previa e contemplava, é que a aqui recorrida decidiu atentar contra o funcionamento daquela com o único sentido de se eximir ao cumprimento das suas obrigações contratuais, resultando num sério prejuízo para o aqui Recorrente.

K. Assim, em relação à alegada omissão do dever de informação, plasmado no artigo 6.º da LCCG, o mesmo não pode ter-se por verificado, já que o efectivo e integral conhecimento ou interesse em saber o alcance da cláusula recaía sobre a recorrida cuja conduta no momento da análise do contrato, deveria ter sido pautada pelo zelo, acuidade e diligência que todos os contratos requerem antes da sua assinatura.

L. A celebração de um contrato, ainda para mais, com recurso a crédito bancário, deve ser encarado com extrema seriedade e menos leviandade atentas as vinculações e obrigações contratuais que dele decorrem.

M. Nesta medida, devem ser absolutamente revertidas todas e quaisquer práticas que se traduzam numa atitude negligenciável do aderente, só porque pode ser mais fastidioso ou ocupar muito tempo deter-se sobre o conteúdo do que assina, ao invés de meditar com cuidado sobre cada uma das suas cláusulas e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários.

N. Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência.

O. Até porque tem sido esse o entendimento propugnado pela maioria da jurisprudência, que expressamente defende que: "se o dever de comunicação de cláusulas contratuais gerais se destina a proteger o outorgante mais fraco dos abusos da parte mais forte e com maior poder económico, combatendo o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato que vai ser celebrado, certo é também que o risco de desconhecimento de algumas cláusulas do contrato não decorre apenas do incumprimento do dever de comunicação, o qual também pode decorrer da falta de diligência da parte que vai aderir às referidas cláusulas, como sucede no caso da parte que assina um contrato contendo essas cláusulas sem ter qualquer preocupação sobre o conteúdo do documento que está a assinar. E se, na primeira situação, se justifica plenamente a protecção da parte mais fraca, o mesmo não acontece na segunda situação, já que o objectivo do legislador foi apenas o de proteger a parte mais fraca de eventuais abusos da parte mais forte e não o de proteger a parte mais fraca da sua falta de diligência. Embora considerando que o aderente está numa situação maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, (por isso lhe concedendo protecção), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas. Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor”.

P. Face ao supra exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente dever-se-á revogar a douta decisão ora recorrida, não devendo a cláusula ora em crise ter-se por excluída mas válida e absolvendo assim o Recorrente da restituição à Recorrida da quantia de € 6,160,05 em que foi condenado, bem como os montantes correspondentes às diferenças de juros e respectivo imposto de selo, resultantes da aplicação, com fundamento na excluída cláusula contratual geral, da taxa de spread acima de 4%.

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido.


A autora/recorrida “AA, Irmãos, L.da” não contra-alegou.

      

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


Estão provados os seguintes factos:

1. Entre A e R e a sociedade CC, Lda. e a R foram celebrados dois contratos de abertura de crédito em conta corrente, até aos montantes, respectivamente de € 200.000,00 e € 300.000,00, consoante as suas necessidades, e mediante simples comunicação à R (a)).

2. Em que o reembolso das quantias utilizadas era efectuado livremente quando a A e a referida sociedade tivesse condições de liquidez para tal (b)).

3. Os contratos supra referidos eram sistemática e automaticamente renovados, vigorando há já vários anos, quer junto da A, quer junto da sociedade “CC, Lda.” que os cumpriam (c)).

4. No âmbito dos contratos denominados de “conta corrente caucionada”, a R detinha livranças subscritas por aquelas sociedades - AA, Irmãos, Lda. e CC, Lda - avalizadas pelos seus sócios (d)).

5. Além do contrato de conta corrente caucionada, A e R - DD Imobiliária – Sociedade de Locação Financeira, S.A., entretanto incorporada por fusão na R. - tinham celebrado, em 29/09/2003, um contrato de locação financeira, com um prazo de duração de 10 anos, para o qual vigorava uma taxa de spread de 1,25%, que estava a ser integralmente cumprido e que tinha por objecto o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Mozelos sob o art. 1263º (e)).

6. Ao contrato de locação financeira que a A. mantinha com a R foi feito um aditamento que se traduziu na redução do prazo fixando-se o seu términos na data de início da vigência do contrato de financiamento n.º FEC 005.../11 (f)).

7. Tendo a A passado a ser titular de direito de propriedade sobre o imóvel objecto de contrato de locação, foi celebrada a escritura pública de constituição hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Mozelos sob o art. 1263º a favor da R e que esta avaliou em € 1.340.000,00 – valor muito superior ao valor do contrato de financiamento em crise nos presentes autos (g)).

8. No dia 20/04/2011 A e R celebraram o Contrato de Financiamento n.º FEC 005.../11 que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (h)).

9. Por força do contrato referido no ponto 8 (h)) foi mutuada pela R à A a quantia de € 760.000,00 (i)).

10. A quantia mutuada seria liquidada em 72 prestações mensais (j)).

11. Ficou ainda estipulado, nas Condições Particulares do contrato aqui em crise, a aplicação duma taxa de juro, sobre o capital em dívida, correspondente à Euribor a um mês, arredondada à milésima acrescida dum spread de quatro pontos percentuais, a fixar no primeiro dia de cada período de um mês, a que acresce uma comissão de gestão de 0,125% ao ano (k)).

12. A R comunicou à A., por carta datada de 23/03/2012, a subida de 4% para 5% do spread a aplicar naquele contrato de financiamento (l)).

13. Nessa mesma carta a R justificou a subida do Spread em 1%, com o seguinte fundamento:

“Em Janeiro do corrente ano, a agência Standard & Poor’s cortou fortemente a notação da dívida soberana portuguesa, seguindo uma posição já anteriormente assumida pelas agências Moody’s e Fitch.

Adicionalmente, a agência canadiana DBRS baixou, no final do mesmo mês, o rating da dívida de longo prazo de Portugal. Neste contexto, e tendo por base nível de notações de rating atribuído (BB - BBB respectivamente), o acesso aos mercados externos de financiamento está cada vez mais limitado e escasso, penalizando, assim, os custos de financiamento no âmbito do crédito concedido pelas Instituições Financeiras aos agentes económicos.

Neste contexto, e na sequência de anteriores conversações, torna-se necessário proceder a um ajustamento já a partir do próximo período de contagem de juros das condições aplicadas ao financiamento acima identificado. Assim, informamos que passarão a vigorar as seguintes condições:

Spread: 5%

Mantêm-se as demais condições contratuais anteriormente estabelecidas.

Mais informamos que, de acordo com a lei, têm V. Exas. o direito de, querendo, resolver o supra referido contrato com fundamento na presente alteração.

(…)” (m).

14. Entre o dia 29/08/2012 e o dia 21/082013, após a cobrança da prestação de Agosto de 2013, a A. entregou à R. a quantia de € 6.160,05 correspondente à diferença de juros, em resultado da alteração da taxa de spread de 4% para 5%, e respectivo imposto de selo (n)).

15. Na génese da celebração do contrato de 20/04/2011 está a exigência da R no sentido de liquidação dos dois contratos de conta corrente caucionada, celebrados, um com a A e outro com a sociedade CC, Lda. (1º).

16. A R exigiu a liquidação dos dois contratos referidos no ponto 1 (a)) no momento em que os limites de crédito concedido à A. e à sociedade CC, Lda., se cifravam em € 500.000,00 (2º).

17. Era do conhecimento da R não ter a A e a sociedade CC, Lda. situação financeira que lhes permitisse liquidar o valor referido de € 500.000,00 (3º).

18. A R, previamente à formalização do financiamento sub judice, remeteu, ao cuidado do legal representante da A, com 13 dias de antecedência, para apreciação a minuta do documento referido no ponto 8 (h)) (5º).

19. A A e os seus legais representantes não solicitaram qualquer esclarecimento que entendessem devido ou ainda a alteração de qualquer convenção negocial, que antevissem gravosa para os seus particulares interesses (6º).

20. Dispõe a Cláusula 9.ª das Condições Gerais:

“9. Juros

(…)

 §8. No caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, o Banco DD poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o Contrato no prazo de 30 (trinta) dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração.

§9. Para efeitos do Contrato, consideram-se alterações supervenientes, entre outras:

  a) O agravamento dos valores das provisões e riscos de crédito, das reservas de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do Crédito em resultado das modificações de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do Contrato;

  b) A inviabilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros;

  c) O agravamento do custo de fundos para o Banco DD face àquele que vigorava na data da celebração do Contrato.”

21. Na execução do contrato de abertura de crédito em conta corrente que a A. mantinha desde 2002 ocorreram duas alterações da taxa de juro, por cartas de 24/09/2008 e 18/03/2010 nos termos das quais o spread aplicado à taxa de juro subiu para 1, 75% e após para 4% (art. 7º a 9º cont.).

22. Na execução do contrato de abertura de crédito em conta corrente que CC, Lda. mantinha desde 1993 ocorreram duas alterações da taxa de juro, por cartas de 24/09/2008 e 18/03/2010 nos termos das quais o spread aplicado à taxa de juro subiu para 1, 75% e após para 4% (art. 10º a 12º cont.).”.



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Face à exigência da demandada de liquidar dois contratos de conta-corrente caucionadas e celebrados, um entre a ré e a autora e outro entre a ré e “CC, L.da”, autora e ré celebraram, em 20/04/2011, o contrato de financiamento documentado desde fls. 26 a 31, através do qual a ré mutuou à autora a quantia de € 760.000,00, pelo prazo de 72 meses, com a aplicação de uma taxa de juro correspondente à euribor a um mês, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 4%, tendo como garantias uma livrança e uma hipoteca.


As Condições Gerais do referido contrato constam de fls. 28 a 31 e apresentam-se num clausulado de letras pequeninas. No fim deste, surgem a data e as assinaturas da cliente, dos prestadores das garantias e da ré.


Pretende a autora nesta ação que seja declarada a nulidade do § 8 da cláusula 9.ª deste especificado contrato de financiamento (no caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, o Banco DD poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o Contrato no prazo de 30 (trinta) dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração), por abusiva, na parte que permite a modificação da taxa de juro em caso de "alterações supervenientes do mercado" que o justifiquem e na parte em que estabelece um prazo de 30 dias para resolução do contrato após comunicação de alteração da taxa de juro.

Quer, ainda, a exclusão de tal cláusula por violação dos deveres de informação e comunicação e pede, por fim, que seja declarada a invalidade da comunicação do aumento do spread, a nulidade ou a sua inexistência, por ser abstracta e imprecisa.


A 1.ª instância, interpretando e aplicando o estatuído nos artigos 5 e 6.º da LCCG, considerou que, tendo na devida conta que a minuta do contrato para assinar foi enviada, por email à autora, 13 dias antes da data da sua assinatura, se materializou o dever de comunicação legalmente exigido.

Tendo-se apurado que, com base numa cláusula similar, ocorreram alterações de taxa de juros nos dois contratos pré-existentes e que a autora nada opôs, daí concluiu a sentença que, no caso em apreço, não havia um especial ónus para a ré de alertar a autora da cláusula posta no contrato.


Outro foi o entendimento da Relação:

Qualificando a cláusula em questão como revestida de complexidade técnica, e que desta particularizada ocorrência advém a necessidade de esclarecimento da aderente quanto ao alcance efetivo de um texto que, pelo seu cariz marcadamente técnico, resulta obscuro, se não hermético, para o “homem médio” colocado na posição da autora, considerou a autora excluída do contrato de financiamento celebrado; e, porque o banco/réu não observou o ónus da prova que sobre ela recaía - de haver informado a autora quanto ao significado efetivo da cláusula posta em crise - considerou verificada a ilicitude do aumento unilateral do spread aplicável àquele mútuo e a ajuizar mediante recurso ao instituto da repetição do indevido.

Implicando isso que seja restituída à autora a quantia de € 6.160,05, correspondente à diferença de juros em resultado de tal alteração e respetivo imposto de selo no período de 29/08/2012 a 21/08/2013, que a autora havia pago ao banco/réu, neste planeamento jurídico foi julgada procedente a ação.


A circunstância de, na génese da celebração do contrato de 20/04/2011, estar a exigência da ré no sentido de liquidação dos dois contratos de abertura de crédito em conta corrente caucionada, celebrados, um com a autora e outro com a sociedade “CC, L.da”, e de na execução de cada um desses contratos de abertura de crédito - mantidos desde 2002 e 1993, respetivamente - terem ocorrido duas alterações da taxa de juro, não posterga o dever de informação estabelecido na conjugação dos artigos 6º e 8º alínea b) da LCCG, relativamente a cláusula geral - sobre juros, sua alteração e outros encargos - daquele ulterior contrato, apronta a Relação.


É contra este entendimento que o Banco/réu se opõe na presente revista e que vamos, de seguida, apreciar.



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I. O princípio da liberdade contratual não é consagrado de forma absoluta no estatuído no art.º 405.º do C.Civil; este normativo impõe-lhe logo no seu início um importante limite, pois que o conteúdo do contrato fixado de acordo com a vontade das partes contratantes tem de se refazer dentro dos limites da lei.


Querendo que fique de algum modo protegida a parte mais fraca nos preliminares de contratos em que, envolvendo um desequilíbrio de categorias socioeconómicas, pela própria natureza de posicionamento nesta celebração torna uma das partes contraentes inibida de reagir convenientemente contra a outra, foi preparada legislação de defesa do consumidor da qual a disciplina inserta no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, é um exemplo - as sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram, contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais da liberdade contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra, ao concreto da vida (n.º 3 do relatório).

Foi intenção do legislador especificar e ajustar a disciplina daquelas cláusulas gerais incluídas nos contratos de adesão que, numa análise objectiva dos seus termos, só em desfavor do consumidor encontram fundamento.

A intenção legislativa é a de proscrever todas aquelas disposições genéricas postas no contrato que só para excesso de ganho de um se assinala ao outro e com o objectivo de obter uma injustificada responsabilidade, mercê de ele se apresentar inferiormente tutelado.                          

 

É no rumo do que mais genericamente a nossa lei consagra - art.º 227.º do C.Civil - que se reafirma aqui o princípio da boa-fé na formação dos contratos, deste modo impondo que as partes contratantes procedam lealmente na fase pré-contratual e cominando o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos àquele que, culposamente, a eles deu causa, em virtude de ter agido com desonestidade e indignidade nos preliminares do contrato e com vista à sua concretização.

A "culpa in contrahendo" constitui um campo normativo muito vasto que permite aos Tribunais a prossecução dos fins jurídicos, com uma latitude grande de movimentos, cobrindo as três áreas por que, em termos históricos, se espraiou a figura, antes de recebida pelo legislador de 1966: a dos deveres de protecção, informação e de lealdade- Menezes Cordeiro; Da Boa-Fé em Direito Civil; pág. 582.


O contrato celebrado pelas partes, que ora observamos, inclui cláusulas contratuais subsumíveis ao regime legal preconizado pelo Dec. Lei n.º 446/85 de 25/10, alterado pelo Dec. Lei n.º 220/95 de 31/08, Rectificação n.º 114-8/95 de 31/08, Dec. Lei n° 249/99 de 07/07 e Dec. Lei n.º 323/2001 de 17/12 - art.º 1.º n.º 1 e 2.


II. Conforme determina o n.º 1 e 2 do artigo 6.º da LCCG, o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique; devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

    


Quer isto dizer que é à entidade proponente que compete o ónus de demonstrar que fez a adequada comunicação das cláusulas gerais do contrato à contraparte, deste modo evidenciando que, tomando como declaratário o vulgar contratante, nenhuma incerteza pôde subsistir para a outra parte, no que diz respeito ao seu conteúdo, sentido e alcance.


Não obstante não ter ficado provado que tenha sido explicado pelo Banco/réu à autora, na fase da negociação do contrato, ou posteriormente à sua conclusão, a possibilidade de, no decurso da respetiva execução, vir a ser alterada a taxa correspondente ao spread e, bem assim, em que consistiam as circunstâncias supervenientes elencadas nos §§ 8.º e 9.º da cláusula 9.ª respeitante aos juros, mesmo assim questiona o recorrente “Banco EE, SA” a declarada preterição do dever de informação, proposta no artigo 6.º da LCCG e na qual assentiu o acórdão recorrido.


Esta omissão não pode ter-se como verificada, já que -  argui o “Banco EE, SA” - o cumprimento do ónus de comunicação resulta, em primeira instância, da remessa do contrato para análise com a antecedência devida de 13 dias, permitindo o efectivo e integral conhecimento da cláusula.

Sendo prática corrente da autora a celebração deste tipo de contratos e, portanto, estando perfeitamente familiarizada com possíveis oscilações nas taxas de juros já ocorridas em contratações anteriores, qualquer dúvida suscitada por aquela deveria ter sido posta à consideração do Banco, para que, prontamente, prestasse todos os esclarecimentos necessários.

 Daí resulta, necessariamente, a inversão do ónus da prova, assevera a ré/recorrente.


Vamos procurar demonstrar que se encontram verificados os requisitos legais referentes à “inversão do ónus da prova”.


III. Quando a acção é proposta, a parte que toma a seu cuidado esta tarefa processual tem também implícito no seu comportamento o desígnio de que, para obter o êxito pretendido tem de convencer o Julgador de que os factos que avançam a sustentar o seu pedido são verídicos.

Por outro lado, o demandado que se vê confrontado com o empenho assim demonstrado pelo seu opositor na acção, no caso de não aceitar as prerrogativas às quais se arroga o demandante, vai igualmente procurar demonstrar que lhe não assiste a razão que lhe nega.

   

O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342.º do Código Civil: - a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("reus excipiendo fit actor").

    

A importância de se saber quem tem o ónus de provar determinada circunstância fáctica que surja no contexto da demanda constituiu elemento de primordial importância no desfecho do êxito da acção, ou seja, a chave da resolução do litígio - num sistema processual inteiramente baseado no princípio dispositivo, em que o tribunal tenha que julgar secundum allegata et probata partium, o ónus da prova de um facto consiste em ter a parte que alegar e provar o facto que lhe aproveita, sob pena de o juiz ter de considerá-lo como não existente e como líquido o facto contrário (Antunes Varela; Manual de Processo Civil, pág. 448), ou seja, dito de outro modo, este ónus traduz-se "para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto"- Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil; pág. 184.


Nem sempre, porém, aquele princípio (a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado) é o que vale na acção.

Excepcionalmente, aquela regra inverte-se, como disso nos dá conta o art.º 344.º do C.Civil,[1] designadamente quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (n.º 2 deste normativo legal).  


Quer isto dizer que esta figura da inversão do ónus de prova, pressupondo que a revelação de particularizado circunstancialismo factual se tornou impossível de fazer, por acção ou omissão da parte contrária, exige similarmente que esta contingência lhe possa ser atribuível a título de culpa sua.

Neste caso, a inversão do ónus da prova, enraizando-se no dever de cooperação que às partes impende para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (patenteado nos art.º 7.º e 417.º, ambos do C.P.Civil), resulta de a parte contrária ter culposamente impossibilitado a prova do facto ao onerado (Antunes Varela; Manual de Processo Civil, pág. 466), isto é, torna-se necessário, para a aplicação à demanda deste princípio normativo, que se preveja que foi a conduta preterida por quem está vinculado a esta actuação que impediu a realização da verdade nesse concreto caso.[2]

É que esta obrigação de cooperação na descoberta da verdade, a cargo das partes da acção, não raras vezes contende com especificados direitos fundamentais do cidadão e a justificar que se não se exija a cada uma delas tamanha íntima tortura - se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa, deverá o tribunal apreciar livremente  o valor probatório da recusa (nomeadamente dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória) - Lopes do Rego; Comentários ao C.P.Civil, pág. 360.


A postura processual das partes contratantes cai nesta última asserção.

Na verdade, e como ficou bem delineado na sentença proferida em 1.ª instância, tendo na devida conta que a minuta do contrato para assinar foi enviada, por email à autora, 13 dias antes da data da sua assinatura, ficou na disponibilidade da autora/mutuária a possibilidade de, querendo, se esclarecer sobre as eventuais incertezas que o tipo de contrato celebrado lhe poderia oferecer, desta feita se tendo operado a desnecessidade do dever de comunicação legalmente exigido ao proponente do contrato.

Tendo-se apurado que, com base numa cláusula similar, ocorreram alterações de taxa de juros nos dois contratos pré-existentes e que a autora nada opôs, desta facticidade poderemos inferir também que a autora estava em condições de, convenientemente, se aperceber das características do acordo que ia subscrever e que, consciente e inequivocamente, a ele aderiu.


Salientemos que os conceitos de “euribor” (european interbank offered rate - taxa interbancária oferecida em euro - é uma das principais taxas de referência do mercado monetário da zona euro; indica a taxa de juro média dos empréstimos interbancários sem garantia da zona euro e o seu cálculo considera as taxas dos 32 principais bancos europeus) e de spread bancário (em termos simplificados é a diferença entre a taxa de juro cobrada aos tomadores de crédito e a taxa de juro paga aos depositantes pelos bancos), constituem realidades bancárias cuja noção, conquanto aproximada, atualmente faz parte do saber da generalidade do comum empresário.

Estes expedientes bancários acompanham as exigências da moderna economia global, em franca consolidação e que a crise económica, que se vem operando desde 2007, tem vindo a fazer acelerar; e são as empresas privadas, sobretudo as multinacionais, também chamadas de transnacionais, aquelas que exercem um primordial papel neste transacional panorama.


Este denotado circunstancialismo sócio-empresarial, em que se processou a assinatura do contrato, não impunha que, na preparação deste delicado negócio se tivesse de prestar a completa e exaustiva informação que a autora agora pretexta, porquanto era de prever que a sociedade mutuária estava em condições de saber as consequências do seu ato - o conceito de “euribor” e de “spread bancário” é acessível ao comum dos empresários.

  

Estão, pois, conferidos os pressupostos de que depende a invocada “inversão do ónus da prova”, para serem contrapostos ao estatuído no art.º 6.º da LCCG.

E, neste enquadramento jurídico-processual, havemos de inferir que, porque a autora não comprovou que, apesar de ter recebido a minuta do contrato para assinar, 13 dias antes da data da sua assinatura e ter já assinado dois contratos com base numa cláusula similar e nada opôs, desconhecia o exato teor da cláusula, a falta de informação sobre o conteúdo do contrato que ora analisamos e agora argúi a autora, só à sua imprudência empresarial se deve imputar.


Concluindo:

1. O contrato celebrado pelas partes, que ora observamos, inclui cláusulas contratuais subsumíveis ao regime legal preconizado pelo Dec. Lei n.º 446/85 de 25/10, alterado pelo Dec. Lei n.º 220/95 de 31/08, Rectificação n.º 114-8/95 de 31/08, Dec. Lei n° 249/99 de 07/07 e Dec. Lei n.º 323/2001 de 17/12 - art.º 1.º n.º 1 e 2.

2. Conforme determina o n.º 1 e 2 do artigo 6.º da LCCG é à entidade proponente que compete o ónus de demonstrar que fez a adequada comunicação das cláusulas gerais do contrato à contraparte, deste modo evidenciando que, tomando como declaratário o vulgar contratante, nenhuma incerteza pôde subsistir, para a outra parte, no que diz respeito ao seu conteúdo, sentido e alcance.

3. Os conceitos de “euribor” (european interbank offered rate) e de spread constituem realidades bancárias cuja noção, conquanto aproximada, atualmente faz parte do saber da generalidade do comum empresário.

4. A figura da inversão do ónus de prova, pressupondo que a revelação de particularizado circunstancialismo factual se tornou impossível de fazer, por acção ou omissão da parte contrária, exige similarmente que esta contingência lhe possa ser atribuível a título de culpa sua; e a postura contratual da autora cai nesta última asserção.


Pelo exposto, concede-se a revista e, em consequência, revogando-se o acórdão da Relação, mantemos em vigor a sentença proferida em 1.ª instância.


Custas pela autora/recorrida.

    

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de julho de 2016.


António da Silva Gonçalves (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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[1] Artigo 344º (inversão do ónus da prova).

  1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.

  2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.

[2] É este o caso exemplificado por Pires de Lima e Antunes Varela; C.Civil Anotado; pág. 285/286: - a parte contrária inutilizou um documento que serviria ao autor para fazer a prova do fundamento do seu direito.