Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
301/14.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
NULIDADE
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 06/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA / CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM / COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVA - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
Doutrina:
- Manuel Pereira Barrocas, “Lei de Arbitragem” Comentada, Almedina (2013), 83 e ss..
- Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, “Anotação ao Acórdão do S.T.J.”, Cadernos de Direito Privado, n.º 36, 39 a 49.
- Mário Esteves de Oliveira, “Lei da Arbitragem Voluntária”, Almedina - 2014, 251 e ss..
- Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, 203, 204.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 406.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 414.º.
D.L. N.º 446/85, DE 25-10 (NA REDAÇÃO INTRODUZIDA PELO D.L. N.º 220/95, DE 31-º08): - ARTIGO 5.º, N.º 1.
LEI Nº 63/2011, DE 14.12 (LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA - LAV): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 18.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20.01.2011, DE 10.03.2011, E DE 28.05.2015, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Ao apreciar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insuscetível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.

II - Manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, afastando, à partida, qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato e deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade.

Decisão Texto Integral:
Proc. nº 301/14.0TVLSB.L1.S1[1]

              (Rel. 243)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 -“AA, Lda” instaurou contra “BANCO BB”, ação declarativa, com processo comum, pedindo que, na respetiva procedência, sejam declarados nulos os contratos dos autos, com as legais consequências, nomeadamente a restituição à A. dos valores resultantes da diferença entre os créditos e os débitos resultantes da sua execução (€ 2 130 604,95), acrescidos dos respetivos juros legais até integral pagamento.

No despacho saneador, foi julgada procedente a exceção dilatória da preterição de tribunal arbitral, deduzida pela R., em consequência do que foi decretada a absolvição da instância desta última.

Em apelação interposta pela A., veio esta decisão a ser confirmada por acórdão de 04.06.15 do Tribunal da Relação de Lisboa (Fls. 875 a 881).                                                          

Interpôs, então, a apelante-A. o presente recurso de revista excecional, o qual como tal veio a ser admitido pela competente formação prevista no art. 672º, nº3, com fundamento no preenchimento do requisito da respetiva admissibilidade previsto no art. 672º, nº1, al. c).

Em causa, pois, a oposição verificada entre a procedência daquela exceção, no acórdão recorrido, e a improcedência da mesma, no acórdão-fundamento.

A recorrente apresentou alegações, que culminou com a formulação das seguintes conclusões (que, ora, relevam):

                                                           /

1ª - As instâncias substituíram a expressão contratualmente fixada "no âmbito do presente contrato" por «todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes» não oferecendo tal expressão ("presente contrato") dúvidas exegéticas sobre o objecto que norma contratual pretende regular;

2ª - Na verdade, a interpretação do Contrato-Quadro impele à conclusão de que a cláusula arbitral se impõe apenas a este e não a todos os contratos que sejam celebrados para lá dele;

3ª - Note-se que a expressão "presente contrato" surge noutras cláusulas contratuais do doc. nº 1 junto com a contestação em que se salvaguarda que o âmbito objectivo das cláusulas abrange não só o Contrato-Quadro, mas também as operações financeiras que, a jusante dele, as partes viessem a contratar (vide, p. e., cláusulas 4ª, 18ª e 35ª);

4ª - Pelo que, se a cláusula 41ª do Contrato-Quadro submetesse os contratos de swap a um compromisso arbitral, então teria de prever - e não prevê - não só "os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato" mas também os que surgissem em cada uma das operações financeiras celebradas no seu âmbito - o que manifestamente não fez;

SEM PRESCINDIR

5ª - No caso, que não se concebe, de improceder a argumentação exposta nas conclusões anteriores, e considerando também o Tribunal “ad quem” que a cláusula 41ª do Contrato-Quadro contém um compromisso arbitral relativamente aos diferendos relativos aos contratos em causa nos presentes autos e que lhe está a jusante, terá, ainda assim, de se concluir que a predita cláusula compromissória não tem aplicabilidade ao caso dos autos;

6ª - Isto porque a presente acção é intentada em momento posterior ao da extinção dos contratos de swap, pugnando-se pela declaração retroactiva da sua nulidade, em termos tais que a A., para além de não pretender prevalecer-se da relação contratual (antes sim pede que seja determinado que a mesma estava ferida de nulidade) intenta a presente acção quando os contratos já não produzem quaisquer efeitos;

7ª - Neste enfoque, considerando-se a hipótese de ser aplicável aos contratos de swap dos autos a cláusula compromissória inserta no contrato-quadro, tal aplicabilidade sairia prejudicada pelo facto de os contratos se encontrarem extintos pelo seu cumprimento, não se tratando de um diferendo surgido no âmbito dos contratos de swap mas para lá da sua vigência;

8ª - Também assim porque o pedido e a causa de pedir da presente acção em absolutamente nada se relacionam com o "contrato-quadro", pois que todas as regras contratuais relativas ao swap, nomeadamente as que contendem com os valores trocados, estão exclusivamente previstas nos contratos que são o documento nº 1 a 3 da p.i., tão-pouco a A. pretendeu assacar qualquer consequência desse clausulado junto pelo R.;

9ª - Não se discute nos autos o cumprimento ou qualquer outra vicissitude atinente às prestações ou obrigações resultantes dos contratos dos autos, mas sim a validade dos próprios contratos de permuta de taxa de juros, realidade que é genética, lógica e ontologicamente anterior à formação dos contratos, e que, por consequência não se confunde com diferendos entre as partes, tão pouco relacionados com a sua execução - não cabendo, portanto, no âmbito da citada clausula 41ª do Contrato-Quadro;

10ª - Sem prescindir, a cláusula 41ª do Contrato-Quadro que comporta o putativo compromisso arbitral também pela flagrante razão de que a mesma deveria ter sido considerada juridicamente inexistente, por ser essa a sanção estabelecida nos artigos 5º e 8º do Decreto-Lei 446/85, quando estabelece que se consideram excluídas as cláusulas dos contratos singulares, sem afectação do demais convencionado (artigo 8º, alíneas a) e b), e artigos 9º, do Decreto-Lei nº 446/85), quando se demonstre violado o ónus de comunicação e informação;

11ª - Como facilmente se depreende da mera leitura do contrato-quadro e na qual se encontra inserta a cláusula 41ª (o putativo compromisso arbitral) o mesmo trata-se de um contrato de adesão, qualificação essa expressamente invocada pela aqui recorrente na "resposta" à excepção deduzida pelo banco recorrido;

12ª - Quanto à violação das citadas normas do Decreto-Lei 446/85, entendeu o acórdão recorrido apreciar a argumentação da recorrente para concluir - mal - que incumbia à A. a prova da violação dos ónus de comunicação e informação;

13ª - A recorrente não se conforma com tal julgamento, defendendo que era ao R., por ter invocado tal cláusula e se pretender prevalecer dela em sede exceptiva que incumbia o ónus da prova do cumprimento desses comandos legais;

14ª - Vejamos o mérito da argumentação que conduz à conclusão anterior: i) a aqui apelante, intentou a presente acção com vista à declaração de nulidade dos contratos de swap que são os docs. nº 1 a 3 da p.i.; ii) o R., na contestação, invocou a existência de uma cláusula contratual geral, no contrato de adesão que é corporizado no doc. nº 1 da contestação (cláusula 41ª do contrato-quadro); iii) ao invocar tal cláusula o banco R. pretendeu, pois, prevalecer-se do seu conteúdo; sucede que o banco recorrido não alegou (nem provou, nem podia provar porque não tinha alegado) que tivesse comunicado ou informado - como não comunicou nem informou - a existência, sentido e alcance da dita cláusula;

15ª - Ora, nos termos do artigo 8º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º;

16ª - Assim, e a aceitar-se, no que não se concede, que a cláusula compromissória prevista na cláusula 41ª do Contrato-Quadro englobava os contratos cuja invalidade se discute nos presentes autos, deverá ser sopesado que o banco recorrido não alegou, logo não poderia provar, que tal tivesse sido comunicado à A.;

17ª - É, assim, patente, que a tal cláusula é inexistente, com a consequente improcedência da excepção e revogação do acórdão recorrido, sendo certo que, sem necessidade de produção adicional de prova, "salta à vista" a inaplicabilidade da cláusula 41ª apenas por via da aplicação do direito ao comportamento (processual) das partes;

AQUI CHEGADOS

18ª - Mesmo que se conclua que o contrato-quadro tem aplicação nos presentes autos e que a cláusula 41ª é efectivamente um compromisso arbitral que se estenda à discussão da validade dos já extintos contratos de swap, era mister que o Banco-R. tivesse alegado, na contestação, e, após, demonstrado que informou e comunicou à A. «o sentido e alcance dessa cláusula»;

19ª - O Banco-R. nada alegou sobre essa realidade, aquando da arguição da excepção, i.e., quando pretendeu prevalecer-se da cláusula 41ª do Contrato-Quadro. Não o tendo feito, como não fez, não pode provar que tenha cumprido tais obrigações de informação e comunicação, o que era seu ónus;

20ª - É, assim, evidente e patente que a tal cláusula é inexistente, com a consequente improcedência da excepção e revogação da decisão recorrida, que poderia e deveria ter sido conhecida pelo Tribunal “a quo” por apenas depender da aplicação do direito ao comportamento (processual) das partes; i.e., e ao contrário do que consta da sentença da primeira instância, sem necessidade de produção adicional de prova e, ao contrário do defendido no acórdão recorrido, sem que tal ónus incumba à A. recorrente;

21ª - Sem prescindir, atento o facto de a cláusula 41ª do "Contrato-Quadro" se tratar de uma cláusula contratual geral, e admitindo-se, sem conceder - pois que para a A. "presente contrato" quer dizer, apenas e só "contrato-quadro" - que a mesma tem pelo menos uma formulação ambígua, sempre deverá prevalecer, dos possíveis sentidos desta, a que se mostre como mais favorável ao aderente, nos termos do art.º 11º, n° 2, do DL n° 446/85, de 25/10;

22ª - Neste tipo de contratos, releva a doutrina da impressão do destinatário, pelo que, estando a leitura propugnada pela A., pelo menos razoavelmente expressa na letra da cláusula, a mesma deverá valer com o razoável sentido que a A. lhe atribui;

 23ª - A sentença “a quo” violou, eventualmente entre outra normas, o artigo 64º, o artigo 96º e o artigo 414º do Código de Processo Civil de 2013, o artigo 342º, nº 1, do Código Civil, os artigos 8º, alíneas a) e b), 9º, bem como o nº 2 do art.º 11º, todos do Decreto-Lei nº 446/85, os nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 334º, o artigo 312º, o artigo 312º-A, o artigo 332°, estes do Código dos Valores Mobiliários.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas suprirão, deverá o recurso ser admitido, quer como revista extraordinária, quer nos termos gerais, e julgando procedente, por provada e revogada a decisão “a quo”, com o que V. Exas. farão a habitual e sã JUSTIÇA!

Em muito doutas e exaustivas contra-alegações, defende a recorrida a confirmação da decisão impugnada.

Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                       *

2 - Com interferência na apreciação e decisão do recurso, a Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                       /

1 - A. e R. celebraram os acordos datados de 17.06.05, 26.06.07 e 20.08.08, juntos como documentos 1, 2 e 3 (da petição inicial), na modalidade de «contrato de permuta de taxa de juros»;

2 - Datado de 17.06.05, A. e R. celebraram o denominado «contrato-quadro para operações financeiras», junto como documento 1 (da contestação);

3 - A cláusula 1ª, nº 1 deste contrato-quadro estabelece que «destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente»;

4 - A cláusula 1ª, nº 2 dispõe que cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes «reger-se-á pelos respetivos termos e condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica»;

5 - A cláusula 1ª, nº 3 dispõe que, em tudo o que não resulte expressamente dos respetivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato;

6 - A cláusula 1ª, nº 4 dispõe que, para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato «constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário»;

7 - A cláusula 41ª, nº 1 estabelece que os «diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância».

                                                     *

3 - Como, superiormente, se consignou no douto acórdão da formação que admitiu a presente revista excecional,

     “Está em causa, em ambos os processos e decisões, como resulta do respetivo confronto, a efetiva aplicabilidade da convenção de arbitragem, não considerada inválida, ao deferimento da competência para conhecer do pedido de declaração de invalidade dos contratos de swap, decorrendo a divergência de decisões da circunstância de, no acórdão recorrido, se ter considerado que à apreciação da declaração de nulidade do contrato se aplicam as regras (cláusulas) por ele acolhidas estando, assim, perante um diferendo a dirimir pelo tribunal arbitral, enquanto no acórdão-fundamento, diversamente, se julgou que, não pretendendo a A. fazer-se valer do contrato, antes supondo o pedido e a causa de pedir a sua invalidade” (tudo, aqui, indica que terá sido omitida expressão similar a,“o diferendo não seria da competência do tribunal arbitral”.

Assim delimitado o âmbito do admitido recurso de revista excecional, passemos à sua apreciação/decisão.

Apreciando:

                                                      *

4 - I - A disciplina legal da arbitragem voluntária consta, actualmente, da Lei nº 63/2011, de 14.12 (Lei da Arbitragem Voluntária - LAV), a qual constitui o epílogo do regime legal que a antecedeu e constante, sucessivamente, do Livro IV, Título I (arts. 1511ºe segs.) do CPC de 1961, DL nº 243/84, de 17.07, e da Lei nº 31/86, de 29.08, estes com inspiração na chamada Lei - Modelo da UNCITRAL (“United  Nations Comission on International Trade Law ”).

No art. 18º da LAV, dispõe-se:

“O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção (1).

Para efeitos do disposto no nº anterior, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo (2).

A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória (3)”.

Paralelamente, estatui o art. 5º, nº1, da mesma Lei:

“O tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do R. deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.

Para o Prof. Menezes Cordeiro (in “Tratado da Arbitragem”, pags. 203), o transcrito art. 18º, nº1 contém a regra básica da denominada “Kompetenz - Kompetenz”: como reflexo positivo da convenção de arbitragem, o tribunal arbitral chama a si a apreciação do caso, decidindo se pode fazê-lo, ficando, em princípio, os tribunais do Estado privados de competência para apreciar o tema (reflexo negativo).

Para o mesmo autor, o termo “manifestamente”, constante do mencionado art. 5º, nº1, tem o sentido de “dispensar a produção de prova, para se alcançar a nulidade, a ineficácia ou a inexequibilidade” (Ob. citada, pags. 204).

No Ac. deste Supremo, de 10.03.11, decidiu-se, conforme respetivo sumário:

I - Face ao princípio, ínsito no art. 21º, nº1, da LAV” - atual art. 18º, nº1, da LAV -, “segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam - validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”.

Na fundamentação do aresto, pondera-se, entre o mais, que, ao apreciar a referida excepção dilatória, devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.

A sobredita decisão deste Supremo - que se fez eco do decidido, designadamente, no Ac. deste STJ, de 20.01.11, como aquele acessível em www.dgsi.pt - mereceu anotação concordante de Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho (In “Cadernos de Direito Privado”, nº 36, pags. 39 a 49).

Aí se sustentando, designadamente:

--- O art. 5º, nº1 da LAV adoptou “em definitivo o efeito negativo do princípio da competência da competência, que não faz mais do que atribuir à celebração da convenção de arbitragem um efeito de exclusão da jurisdição dos tribunais judiciais em relação aos litígios abrangidos por essa convenção. Os árbitros são os primeiros juízes da sua competência, estabelecendo-se uma regra de prioridade cronológica quanto à tomada de decisão sobre a competência”;

--- Manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é “aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada”, afastando, à partida, “qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato, deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma  ou a arbitrabilidade”;

--- Concluindo que “quando existirem dúvidas sobre a existência da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário”.  

Não são, aliás, divergentes os correspondentes comentários tecidos, a propósito, por Mário Esteves de Oliveira (in “Lei da Arbitragem Voluntária”, Almedina - 2014, pags. 251 e segs) e Manuel Pereira Barrocas (in “Lei de Arbitragem Comentada”, Almedina (2013), pags. 83 e segs.).

                                                    /

II - No caso dos autos, a recorrente faz incidir a sua discordância quanto ao sentido da decisão recorrida, essencialmente, nas seguintes três ordens de considerações:

--- A questão decidenda exorbita o âmbito de abrangência da estipulada convenção de arbitragem;

--- Esta enferma de nulidade, por incumprimento do dever de comunicação previsto no art. 5º, nº1 do DL nº 446/85, de 25.10 (na redação introduzida pelo DL nº 220/95, de 31.08), por parte da A., na qualidade de parte predisponente do contrato de adesão consubstanciado pelo contrato-quadro documentado nos autos;

--- Tal nulidade, por patente, manifesta e incontroversa, devia ter sido objeto de apreciação/decisão por parte dos tribunais judiciais, que, por isso e na afirmação da respetiva competência, deveriam ter julgado improcedente a deduzida exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral.

Não tem, porém e salvaguardado o respeito devido, razão a recorrente.

Com efeito, e desde logo, porque, ao contrário do que sustenta, a questão decidenda não exorbita o âmbito de abrangência da estipulada convenção de arbitragem: é o que, cristalinamente, decorre do acolhido nos nº/s 1, 3 e 4 da cláusula 1ª do “contrato-quadro para operações financeiras” celebrado entre a A. e a R. e a que se faz referência em 3, 5 e 6 de 2 supra, porquanto os controvertidos contratos de permuta de taxa de juro não podem deixar de ser considerados operações financeiras que, na decorrência daquele contrato-quadro, foram estabelecidas entre os respetivos sujeitos contratuais, ou seja, a R. e a A.

Acresce que a nulidade propugnada pela recorrente não pode, de modo algum, ser havida como patente, manifesta, evidente e desprovida de qualquer controvérsia séria, porquanto não emerge, inapelavelmente e sem necessidade de produção de correspondente e complementar prova, de evidente inobservância de requisitos externos de forma, não caindo, por outro lado, no campo da inarbitrabilidade a matéria abrangida pela estipulada cláusula compromissória mencionada em 7 de 2 supra. Como se decidiu no Ac. deste Supremo, de 28.05.15, de que foi relator o Ex. mo Cons. João Bernardo e acessível, também, em www.dgsi.pt:

I - Tendo tido lugar convenção de arbitragem, tempestivamente invocada, só nos casos em que é manifesta a sua nulidade, ineficácia ou inexequibilidade, devem os tribunais estaduais considerar-se competentes.

II - Essa evidência não fica preenchida se a parte contra quem é invocada se limita a invocar a verificação dos requisitos das cláusulas contratuais gerais”.

Finalmente, e sem que tal possa ser havido por decisivo face ao já expendido, não pode omitir-se uma nota crítica à argumentação desenvolvida pela recorrente e tendente a demonstrar a nulidade da estipulada convenção de arbitragem, que, em seu entender, “salta à vista” e que só poderia redundar em detrimento processual da recorrida por, na qualidade de predisponente das cláusulas constantes do mencionado contrato-quadro, não ter, sequer, alegado que satisfizera o correspondente ónus de comunicação previsto no art. 5º, nº1 do citado DL nº 446/85.

Pois bem, a este respeito - sem embargo da jurisprudência citada pela recorrente e que temos por, manifestamente, minoritária - diremos, tão só, que o contrato-quadro, tendo sido celebrado por recorrente e R., vincula-as a ambas, à partida e quanto à totalidade das respetivas cláusulas (art. 406º, nº1, do CC).

No caso de o conteúdo de alguma delas não ter sido devidamente comunicado ao aderente, impõe-se, logicamente, a este (porque é de supor que entenda beneficiar com a respetiva inaplicação e desconsideração), invocar e alegar o correspondente facto, passando a impender sobre o predisponente o ónus de o contrariar e impugnar, sob pena, aí sim, de o incumprimento deste último ónus redundar em seu desfavor, ou seja, de ser admitido o facto (falta da devida comunicação) invocado pelo aderente em seu benefício. Ou seja, não impende, à partida, sobre o predisponente o ónus de alegar a devida comunicação, ao aderente, do conteúdo das cláusulas integrantes do contrato de adesão, antes impende sobre o último, como exclusivo beneficiário da respetiva alegação, o ónus de, sendo disso caso, alegar a falta de comunicação do conteúdo de qualquer cláusula integrante do contrato de adesão e cuja decorrente nulidade só a ele poderá aproveitar: trata-se dum facto impeditivo/extintivo do direito do predisponente-A., cujo ónus de prova terá, pois, de impender sobre o aderente-R. (arts. 342º, nº2, do CC e 414º do CPC).

Improcedem, assim, perante o estipulado na cláusula 41ª, nº1 do sobredito contrato-quadro - Cfr. 7 de 2 supra -, as conclusões formuladas pela recorrente, com o que se deixa rejeitada a posição, correspondentemente, sustentada no acórdão-fundamento.

                                                      *

5 - Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista.

                                                      /

Custas pela recorrente.


Sumário (art. 663º, nº7, do CPC):

Lx  21/06/2016

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida  

_______________________________________________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (11/16)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
Cons. Pinto de Almeida