Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
144/11.3TYLSB.L2.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
CONFUSÃO
FIRMA
REGISTO
DENOMINAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - REGIMES JURÍDICOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL / MARCAS / MARCAS DE PRODUTOS OU DE SERVIÇOS / PROCESSO DE REGISTO / REGISTO NACIONAL / EXTINÇÃO DO REGISTO DE MARCA OU DE DIREITOS DELE DERIVADOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO.
Doutrina:
-Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, 2.ª Edição, 2005;
-Luís Couto Gonçalves, Manuel de Direito Industrial, 5.ª ed. 2004, pág. 187.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC):- 334.º
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI):- 222.º, 224.º, N.º1, 239.º, N.º 1, ALÍNEA A) A 242.º, 245.º, N.º 1, 266.º, N.º 1,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05-03-2009, PROCESSO N.º 331/09;
-DE 29-06-2017, PROCESSO.º 227/13.5YHLSB.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (AJUE):

-DE 22-06-1999, PROCESSO C-342/97, LLOYD SCHUFABRIK MEYER, IN HTTPS://CURIA.EUROPA.EU.
Sumário :
I - A propriedade industrial visa proteger ou tutelar os modos de afirmação da identidade económica da empresa no mercado, pela atribuição de direitos privativos, nomeadamente, a afirmação e protecção de sinais distintivos da empresa ou pela proibição de determinados comportamentos concorrenciais.

II - De entre os sinais distintivos da empresa figuram as marcas que, podendo apresentar diferentes configurações, visam identificar os produtos ou serviços de uma empresa no mercado, distinguindo-os dos de outras empresas (art. 222.º do CPI).

III - A configuração de duas marcas provenientes de diferentes empresas pode induzir, pela semelhança apresentada, confusão no consumidor que, assimilando uma a outra, adquire indiscriminadamente os produtos ou serviços de ambas no convencimento da sua idêntica proveniência, prejudicando a empresa cuja marca é prioritária.

IV - O pedido de anulação do registo de marca depende da verificação dos seguintes pressupostos legais: (i) o uso sério da marca; (ii) a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada; e (iii) a imitação ou tradução de outra marca notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória (arts. 266.º, n.º 1, e 239.º, n.º 1, al. a), a 242.º do CPI).

V - A imitação da marca registada ocorre quando se verificam cumulativamente as seguintes previsões: (i) a marca registada tiver prioridade; (ii) ambas as marcas sejam destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; e (iii) ambas as marcas tenham semelhança gráfica, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto (art. 245.º, n.º 1, do CPI).

VI - As marcas representadas pelos vocábulos “Médis” e “Rentimedis” têm para o consumidor médio que com elas lide, sonoridade ou fonética quase idêntica, sendo evidente o risco de associação e/ou de confusão de uma à outra. A elevada notoriedade da primeira e a circunstância de ambas se destinarem a identificar serviços idênticos conferem acrescida intensidade ao risco de confusão, estando, portanto, verificados os pressupostos conducentes à anulação da segunda, posto que a primeira foi registada no INPI em data anterior.

VII - O facto de a firma da ré “Rentimedis – Mediação de Seguros, S.A.” ter sido registada em data anterior ao registo da firma da autora “Médis – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” e das marcas “Médis” não lhe concede protecção uma vez que firma e marca são realidades diferentes no plano conceptual e no plano registal.

VIII - O registo da firma apenas confere o direito ao uso exclusivo de firma e já não o direito à propriedade e uso exclusivo da marca; este último só é conferido pelo registo da marca, que tem natureza constitutiva (art. 224.º, n.º 1, do CPI).

IX - Não tendo sido alegado, nem tendo ficado provado que a autora conhecesse o registo anterior da firma da ré quando peticionou o registo da sua marca, falece a premissa necessária à conclusão de que, ao ter pedido a anulação do registo da marca da ré, a autora tenha adoptado conduta posterior contrária, não ocorrendo, como tal, abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium (art. 334.º do CC).

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

AA - COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE SAÚDE, S.A., intentou acção declarativa contra BB - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A., e pediu a anulação do registo da marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., invocando, em suma, a confusão entre esta marca, titulada pela ré, e as marcas Médis, tituladas pela autora, registadas anteriormente e reportadas a seguros, e a concorrência desleal da ré por se aproveitar da elevada notoriedade e do valor económico das marcas da autora.


A ré contestou e pediu a improcedência da acção, alegando não ocorrer confusão entre as marcas, e excepcionando o registo anterior da firma “Rentimedis – Mediação de Seguros, S.A.,” em relação ao registo da firma e das marcas da autora.


Na devida oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e anulou o registo da marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A.


A ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação, por acórdão, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Continuando inconformada, a ré interpôs recurso de revista excepcional, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O objecto da presente revista excepcional é o douto acórdão do Tribunal da Relação de … de 12.01.2017, que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

2. O acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na l.a Instância, pela qual foi anulado o registo da marca nacional n.° 453572, "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA", entendo a Recorrente que cabe recurso de revista excepcional desse acórdão, pelo seguinte:

a) por estar em causa resolver uma dúvida sobre a aplicação do direito, cuja dilucidação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, ineditismo e novidade é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e,

b) por estarem em causa interesses de particular relevância social -cf. art.° 672.°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPG

3. A questão que, pela sua relevância jurídica, ineditismo e novidade é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pode ser descrita do modo seguinte: a titular de marcas que foram registadas (MEDIS), quando um terceiro já tinha registada uma certa firma (RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S A), tem o direito de pedir a anulação do registo de uma marca posterior (RENUMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), que é igual à firma da própria titular, com fundamento em imitação das suas marcas (MEDIS)?

4. A questão é se quem adquiriu um direito sobre uma marca (MEDIS), quando já existia anteriormente o direito sobre uma firma (RENUMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), tem o direito de pedir a anulação de uma marca igual a essa firma (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), invocando a imitação da sua marca (MEDIS).

5. Trata-se, pois, de questionar se a prioridade da marca (MEDIS), que foi adquirido em tais circunstâncias, será operante e oponível à nova marca (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA, da RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA), ou, diversamente, se tal invocação constituirá abuso de direito (Venire contra Factum Proprium).

6. Cumpre referir que, pese embora a Recorrente tenha efectuado aturadas pesquisas na Doutrina e Jurisprudência, não encontrou nenhuma alusão a questão acima colocada, em nenhum sentido, o que, salvo melhor opinião, comprova o carácter inédito e a novidade da mesma.

7. A Recorrente considera que a descrita questão, nos precisos termos em que é colocada, tem uma enorme relevância jurídica e repercussão social, por existirem milhares de sociedades comerciais que só anos depois da sua constituição resolvem pedir o registo de uma marca constituída pela sua própria firma ou pela parte característica da mesma (chamemos- lhes «marca-firma»), e se vêem confrontadas com marcas entretanto registadas por terceiros, que não obstante serem uma imitação da sua própria firma, são posteriormente invocadas para a anulação da marca-firma, com fundamento em imitação da marca posterior à firma.

8. Em tais casos, a prioridade da marca registada (MEDIS) é ou não operante em relação à marca-firma posterior (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA), da titularidade da RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA?

9. A Recorrente considera que, em tais casos, a invocação do direito de prioridade da marca (MEDIS), constitui um abuso do direito (Venire contra Factum Proprium) e uma ofensa à chamada «teoria da distância», estando até ferida de uma ilegitimidade subjectiva.

10. Para além disso, o pedido de anulação de um registo de marca, em tais circunstâncias, consubstancia um abuso de direito de acção e culpa in agendo, que raia a fronteira da litigância de má fé.

11. A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, por considerar que, embora douta, assenta, desde logo, mas não só, numa errada interpretação e aplicação ao caso do direito de prioridade registal - previsto nos art.°s 11.° e 245.°, n.° 1, alínea a) do Código da Propriedade Industrial (CP.I.) -, o qual, como qualquer outro direito, não pode ser exercido ou oposto com abuso de direito.

12. No caso, e com base na matéria de facto dada por provada pelas Instâncias,

a situação descrita é temporalmente a seguinte:

Firma "RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", da Ré

Constituída em 06/04/1995, com Certificado de Admissibilidade emitido em 17/02/1995.

Marcas MEDIS", da Autora

Marca Nacional a° 309185, MEDIS, pedida em 13/04/1995 e concedida em 01/04/1996. Marca Nacional n.° 309187, MEDIS, pedida em 13/04/1995 e concedida em 03/06/1996.

Marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", da Ré

Marca nacional n.° 453572, «RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", pedida em 25/08/2009 e concedida em 23/02/2010.

13. A decisão tomada pelo Colendo Tribunal a quo, embora douta, causa o maior espanto, por não permitir o registo de uma marca, que é constituída, precisamente, por uma expressão (firma) que poderá continuar a ser utilizada pela Recorrente.

14. Tem a Recorrida MEDIS legitimidade substantiva e pode prevalecer-se da prioridade das suas marcas, para invocar a imitação das mesmas pela marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", quando essas marcas, antes, também teriam imitado a firma "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", que é o direito prioritário entre todos?

15. Ainda que a Recorrente não tenha exercido o direito de anulação das marcas "MEDIS" com fundamento em confusão com a sua firma, consubstancia um abuso do direito, a invocação posterior da marca "MEDIS" (que é posterior à firma "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS S A"), como fundamento de anulação da marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", quando esta é igual a essa mesma firma, que é o sinal distintivo com direito de prioridade entre todos os referidos.

16. Assumindo que os requerentes de registos de marca estão obrigados a exercer esse direito de boa-fé, se a MEDIS, ao pedir o registo das suas marcas, considerou que "MEDIS" não imitava o sinal distintivo (firma) "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", não tem legitimidade (substantiva) para mais tarde invocar o contrário, contra o sinal distintivo (marca) "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS S A".

17. Um tal comportamento consubstancia "venire contra factum proprium" ou abuso do direito, que se verifica quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento que assumiu anteriormente - cf. art.° 334.° do Código Civil: «E ilegítimo o exercido de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

18. Por outro lado, no exame da eventual confusão entre marcas, a Doutrina e a Jurisprudência têm considerado aplicável a designada "teoria da distância", cujo fundamento decorre dos princípios gerais da equidade e da igualdade, senão também do instituto do abuso do direito, segundo a qual o titular de uma marca não poderá exigir que a marca concorrente tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a marcas anteriores.

19. No caso sub judice, a distância a manter pela Recorrida em relação a sinais distintivos anteriores aos seus, reporta-se, mesmo, a um sinal anterior que é da própria requerente (e ora Recorrente) do registo da marca nova.

20. O exercício do direito de anulação da marca em apreço, nas circunstâncias em causa, constitui um manifesto abuso desse direito, que os tribunais não podem admitir.

21. Ademais, convirá salientar que o registo de marca confere à sua titular, no rigor da lei, uma mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão - cf. o art.° 4.°,n.°2 do CP.I.

22. É manifesto que na concessão à Recorrida dos registos das marcas "MEDIS", teria existido tanta confusão com a firma "RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A, como aquela que agora ela invoca em relação à marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A.".

23. Por outro lado, não se afigura - nada nos autos o indicia - que com o registo e uso da marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A" a Recorrente tenha procurado tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio das marcas "MEDIS", da Recorrida.

24. Por fim, permita-se vincar que na marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", o vocábulo "RENTIMEDIS" integra a denominação social da própria titular (constituída em 1995), i. é, muito antes da(s) data(s) de prioridade das marcas "MEDIS", tituladas pela Recorrida.

25. Da matéria de facto dada por provada não resulta que da coexistência entre a marca da Ré com as marcas da Autora tenha resultado a confusão. Aliás, é significativo que a Autora nem sequer tenha alegado que tenha ocorrido um único caso de confusão, em concreto, entre as marcas "MEDIS" e "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", apesar de coexistirem no mercado desde o ano de 2010.

26. Deve por isso concluir-se, de direito, que não se estabelece a confusão entre as referidas marcas.

27. Para além de a Autora não ter legitimidade substantiva para invocar a "prioridade" das suas marcas, deve reconhecer-se que a marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", não é susceptível de induzir em erro ou confusão fácil com as marcas "MEDIS".

28. Basta observar as "manchas gráficas" dessas marcas (uma constituída por 20 letras, outra, por 5 letras) para se concluir, com toda a facilidade, que não se confundem.

29. Em suma, por não se verificarem in casu os requisitos de imitação de marca previstos, cumulativamente, no art.°245.°, n.° 1, als. a) e c) do CP.L, há-de concluir-se que não se verifica a imitação de marca.

30. Termos em que, deve o acórdão recorrido ser anulado e julgada a acção totalmente improcedente.


A autora apresentou contra-alegações, nas quais defendeu a manutenção do acórdão recorrido.


A Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, admitiu o recurso de revista excepcional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentação:

           De facto:

           Vêm provados os seguintes factos:

1. A autora foi constituída em 29-09-1995, com a firma COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE SAÚDE, S.A., e em 16-06-2005 adoptou a firma AA - COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE SAÚDE, S.A.

2. É uma empresa do sector de seguros de saúde que tem a seu cargo a designada “Rede Médis”, de cobertura nacional, formada por profissionais de saúde e pessoas colectivas que gerem unidades de saúde, como clínicas, hospitais ou centro de meios complementares de diagnóstico, que trabalham com aquela numa relação de parceria e colaboração.

3. A autora é titular do registo das seguintes marcas:

a) marca nacional n.º 309185 (sinal misto),  com registo pedido em 13-04-1995 e concedido em 01-04-1996, destinada a assinalar “seguros”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice;

b) marca nacional n.º 309187 (sinal misto) , com registo pedido em 13-04-1995 e concedido em 03-06-1996, destinada a assinalar “prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”, na classe 42 da Classificação Internacional de Nice; e

c) marca nacional n.º 330582 (sinal misto) , com registo pedido em 26-05-1998 e concedido em 19-02-1999, destinada a assinalar “seguros”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice, e “prestações de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”, na classe 42.

4. De acordo com o estudo de mercado BASEF SEGUROS, realizado pela empresa MARKTEST, em 2005, a autora correspondia à empresa onde os inquiridos tinham o maior número de seguros.

5. No estudo de mercado realizado pela empresa Causa e Efeito, em 2005, a autora destacou-se como a companhia de seguro de saúde privado mais utilizada em Portugal.

6. Nesse mesmo estudo consta que as marcas MÉDIS gozam de uma notoriedade entre os 74% (referências espontâneas) a 96% (referências totais).

7. Nesse estudo consta também que, em relação às empresas concorrentes, as marcas MÉDIS ocupam o 1.º lugar de satisfação dos consumidores com uma percentagem de 90%.

8. As marcas MÉDIS são conhecidas por grande parte da população portuguesa e gozam de um elevado grau de satisfação.

9. A MÉDIS foi eleita uma das Superbrands portuguesas de 2010 e de 2013, no âmbito da actividade desenvolvida pela Superbrands, uma organização internacional presente em 88 países dedicada a promover o reconhecimento de marcas de excelência, sendo que de entre as marcas seleccionadas por um painel de especialistas saem em cada ano as mais votadas pelos consumidores.

10. A autora desenvolve campanhas publicitárias aos seus serviços MÉDIS, utilizando diversos meios, incluindo televisão, sendo tais serviços frequentemente publicitados.

11. A autora publica uma revista própria intitulada “Revista Médis”, com periodicidade trimestral.

12. A ré foi constituída em 06-04-1995, com a firma “RENTIMEDIS – MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A.”, e objecto social “a mediação e gestão de seguros”.

13. O certificado de admissibilidade da firma “RENTIMEDIS – MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A.” foi emitido em 17-02-1995.

14. Em 25-08-2009, a ré requereu no INPI o registo da marca nacional n.º 453572 (sinal verbal) RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A., destinada a identificar “seguros”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice.

15. O registo referido em 14 foi concedido pelo INPI, mediante despacho de 23-02-2010, em que se considerou que o pedido não era confundível com as marcas prioritárias da autora devido ao facto de as semelhanças existentes entre os sinais não serem suficientes para causar risco de confusão, tendo, por outro lado, atendido a que a marca RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A., corresponde à denominação social da ré, tendo aquele Instituto emitido Parecer no qual escreveu o seguinte:

“(…) entendemos que as semelhanças existentes entre os sinais se revelam escassas para que se possa defender a susceptibilidade dos consumidores serem incapazes de reportar os serviços em causa às respectivas origens pois, tanto nas componentes gráfica e fonética, como no aspecto figurativo, as diferenças entre os conjuntos em comparação são, em nossa opinião, evidentes.

Por outro lado, a marca em exame não é mais do que a reprodução da denominação social da requerente que, por esta via, detém já um direito prioritário sobre a designação “RENTIMEDIS” facto que, neste contexto, além de não nos parecer de todo despiciendo, reduz decisivamente qualquer eventual risco de confusão ou associação por parte dos consumidores”.

16. Foram registadas as seguintes marcas:

a) Marca comunitária n.º 002975373 (sinal verbal) AMEDIS, com registo pedido em 09-12-2002 e concedido em 03-12-2004, destinada a assinalar “produtos e substâncias farmacêuticos”, na classe 5 da Classificação Internacional de Nice, e “investigação médica e científica; pesquisa, concepção e desenvolvimento de produtos farmacêuticos”, na classe 42;

b) Marca nacional n.º 336313 (sinal verbal) BIOMEDIS, com registo pedido em 07-04-1999 e concedido em 17-12-1999, destinada a assinalar produtos na classe 5 da Classificação Internacional de Nice;

c) Marca nacional n.º 343740 (sinal verbal) ORTOMÉDIS, com registo pedido em 07-04-1999 e concedido em 17-12-1999, destinada a assinalar produtos na classe 25 da Classificação Internacional de Nice;

d) Marca nacional n.º 376137 (sinal misto) damedis, com registo pedido em 27-10-2003 e concedido em 29-06-2005, destinada a assinalar serviços na classe35 da Classificação Internacional de Nice;

e) Marca nacional n.º 380897 (sinal verbal) ORALMEDIS, com registo pedido em 23-04-2004 e concedido em 14-12-2004, destinada a assinalar produtos nas classes 3, 5 e 30 da Classificação Internacional de Nice;

f) Marca nacional n.º 402108 (sinal verbal) VERMEDIS, com registo pedido em 18-05-2006 e concedido em 27-12-2007, destinada a assinalar produtos na classe 5 da Classificação Internacional de Nice;

g) Marca nacional n.º 405303 (sinal misto), com registo pedido em 10-08-2006 e concedido em 22-11-2007, destinada a assinalar serviços na classe 44 da Classificação Internacional de Nice;

h) Marca nacional n.º 456034 (sinal misto), com registo pedido em 19-10-2009 e concedido em 22-03-2010, destinada a assinalar serviços na classe 44 da Classificação Internacional de Nice;

i) Marca comunitária n.º 002849545 (sinal verbal) COMEDIS, com registo pedido em 13-09-2002 e concedido em 29-09-2004, destinada a assinalar produtos e serviços nas classes 5, 35, 38 e 44 da Classificação Internacional de Nice; e

j) Marca comunitária n.º 005823513 (sinal verbal) VIA MEDIS, com registo pedido em 11-04-2007 e concedido em 08-04-2008, destinada a assinalar, entre outros serviços, “informação de seguros; prestação de informações de carácter financeiro; seguro de cuidados de saúde; seguros de vida”, na classe 36 da Classificação Internacional de Nice, e “consultadoria em farmácia; Serviços de um médico; Serviços hospitalares; serviços de clínica médica; realização de exames médicos e clínicos; consultadoria em cuidados de saúde; serviços de enfermagem; cuidados terapêuticos e cuidados médicos e serviços de autocarros”, na classe 44.

17. Foram constituídas as sociedades com as seguintes firmas:        

a) MÉDISIS – INFORMÁTICA E SISTEMAS PARA MEDICINA, Lda., constituída por escritura celebrada em 05-04-1989;

b) MEDISADO – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE MATERIAL MÉDICO/ CIRÚRGICO, LDA., constituída por escritura celebrada em 16-08-1989; e

c) MEDISP – PRODUTOS HOPITALARES, S.A., constituída em 21-12-1991.


De direito:

1. Delimitação do objecto do recurso:

O Acórdão proferido pela Formação de apreciação preliminar (artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) considerou na respectiva fundamentação que a questão de saber se a denominação social ou firma da recorrente, anterior a qualquer alteração ou denominação social ou firma da autora, confere o direito de registar uma marca de teor idêntico ao da sua denominação social sem observância dos requisitos dos artigos 239.º, n.º 1, als. a) e e), e 241.º do Código da Propriedade Industrial era nova e sobre ela não existe jurisprudência que possa confortar o cidadão comum quanto à interpretação das normas atinentes, decidindo, em consequência, admitir a revista excepcional.

A interpretação, teleológica, racional ou integrada do acórdão, segundo a premissa de que a interpretação da sentença/acórdão exige que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva: a identificação do objecto da decisão passa pela definição da sua própria estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-03-2009 (revista n.º 331/09 - 2.ª Secção), conduziria a delimitar o objecto do recurso apenas à enunciada questão.

Diz-se conduziria, e não conduz, porquanto duas outras questões suscitadas pela recorrente na revista assumem relevância jurídica e social necessárias à admissibilidade do recurso de revista excepcional (artigos 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil). A primeira dessas questões – da existência de confusão da marca da ré com as marcas da autora – constitui antecedente lógico da questão em foco e não lhe corresponde um segmento decisório autónomo, na sentença e no acórdão, que permita conferir-lhe a definitividade do trânsito em julgado; a segunda dessas questões – do abuso do direito de anulação da marca – é de conhecimento oficioso e não pode estar subtraída ao conhecimento deste Tribunal.  

Em face destas brevíssimas considerações preliminares e da regra segundo a qual as conclusões do recurso delimitam prima facie o respectivo objecto (artigos 608.º, n.º 2, e 635.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), são questões a decidir na revista saber se:

  - deve ser anulado o registo da marca da ré;

  - releva o registo anterior da firma da ré;

  - ocorre o abuso do direito da autora.


    Passemos ao tratamento per se de cada uma destas questões.


      2. Da anulação do registo da marca da ré:

O litígio que opõe as partes decorre de a autora ser titular das marcas MÉDIS e a ré da marca RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A., todas registadas e reportadas (no que concerne à autora apenas duas delas) a serviços de seguros – factos provados 3.º, 14.º e 15.º; e, de a autora entender que a segunda configura uma imitação das primeiras, registadas em data anterior e de elevada notoriedade, o que induz confusão no consumidor.

A propriedade industrial visa proteger ou tutelar os modos de afirmação da identidade económica da empresa no mercado, pela atribuição de direitos privativos, nomeadamente, a afirmação e protecção de sinais distintivos da empresa, ou pela proibição de determinados comportamentos concorrenciais (cfr. artigo 1.º do Código da Propriedade Industrial (doravante designado por CPI), aprovado pelo D.L. n.º 36/2003, de 05-03, alterado pelo DL n.º 360/2007, de 02-11, Lei n.º 16/2008, de 01-04, DL n.º 143/2008, de 25-07, Lei n.º 52/2008, de 28-08, Lei n.º 46/2011, de 24-06 e Lei n.º 83/2017, de 18-08).   

     Dentre os sinais distintivos da empresa figuram as marcas, que, podendo apresentar diferentes configurações (nominativas, gráficas ou figurativas, mistas, sonoras, tridimensionais), visam identificar os produtos ou serviços de uma empresa no mercado, distinguindo-os de outras empresas (artigo 222.º do CPI).

     A configuração de duas marcas provenientes de diferentes empresas pode induzir, pela semelhança apresentada, confusão no consumidor que, assimilando uma a outra, adquire indiscriminadamente os produtos ou serviços de ambas no convencimento da sua idêntica proveniência, prejudicando a empresa cuja marca é prioritária.

     Foi este o contexto motivador da acção, na qual a autora finalizou com o pedido de anulação do registo da marca da ré.

O pedido de anulação do registo da marca tem por pressupostos legais os enunciados no disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º 1, al. a) a 242.º do CPI:

 - o uso sério da marca, na acepção do artigo 268.º do CPI;

  - a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada, ou

   - a imitação ou tradução de outra marca notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.


         Analisando cada um destes pressupostos dir-se-á o seguinte:

       O uso sério da marca ocorre, entre outras previsões irrelevantes, quando o uso é feito pelo titular do registo da marca tal como ela está registada ou quando não difira senão em elementos que não alterem o seu carácter distintivo (artigo 268.º, n.º 1, al. a), do CPI).

       Resultou provado, a propósito, que a autora é uma empresa de seguros de saúde que tem a seu cargo a “Rede Médis”, de cobertura nacional, formada por profissionais de saúde que gerem unidades de saúde e que trabalham numa relação de parceria e colaboração – facto provado 2.º; as marcas MÉDIS são conhecidas por grande parte da população portuguesa – facto provado 8.º; a autora desenvolve campanhas publicitárias da marca MÉDIS – facto provado 10.º; e, publica trimestralmente revista intitulada “Revista Médis” – facto provado 11.º.

Este acervo factual permite inferir, com segurança, pelo uso, regular e sem desvios à forma como está registada, da marca MÉDIS, ou seja, pelo uso sério da marca pela autora.

      O uso sério da marca nunca foi, de resto, problematizada pela ré que, em abstracto, poderia ter excepcionado o uso simbólico ou pontual ou o não uso da marca e, no limite, a associada caducidade do respectivo registo (artigo 269.º, n.º 1, do CPI).

Pelo que, não existe dúvida que este pressuposto está verificado.

       Prosseguindo para o juízo sobre a imitação, realce-se, preliminarmente, que as marcas da autora foram registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em datas anteriores à data do registo da marca da ré – cf. factos provados 3.º, 14.º e 15.º; e que gozam de elevada notoriedade, como se comprova pelos factos de em estudo de mercado da Causa e Efeito realizado em 2005 a autora corresponder à companhia de seguro privado de saúde mais utilizada em Portugal e as marcas MÉDIS terem notoriedade de 74% a 96% e um grau de satisfação superior a 90% – factos provados 5.º, 6.º e 7.º; de serem marcas conhecidas por grande parte da população portuguesa com elevado grau de satisfação – facto provado 9.º; e, por fim, de ter sido eleita pela Superbrands, organização internacional dedicada a promover o reconhecimento de marcas de excelência, como uma das Superbrands portuguesas de 2010 e de 2013 – facto provado 10.º.

       A imitação da marca registada ocorre quando se verificam cumulativamente as previsões contidas no n.º 1 do artigo 245.º do CPI, a saber:

  - a marca registada tiver prioridade;

   - ambas as marcas sejam destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;

     - ambas as marcas tenham semelhança gráfica, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

       No confronto com o caso concreto, os dois primeiros aspectos resultaram provados – factos provados 3.º e 14.º.

        Igualmente ocorre confusão ou risco de associação entre ambas as marcas, precisando que o segundo risco não é alternativa, mas modalidade, do primeiro risco.

       O juízo comparativo deve ser feito “por intuição sintética e não por dissecação analítica”, “pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem a marca, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolada e separadamente” (Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, 2.ª ed., Almedina, 2005).

            Vejamos.

O elemento de referência predominante nas marcas da autora é representado pelo vocábulo “Médis” e na marca da ré pelo vocábulo “Rentimedis”, escapando à memória do consumidor os dizeres “Mediação de Seguros S.A.”, referente aos serviços prestados e ao tipo de sociedade, que não têm, por si ou no conjunto da marca, capacidade distintiva.

       Para além do cunho proeminente do elemento nominativo das marcas em análise, destaca-se em ambas, como sinal nominativo verdadeiramente essencial, a expressão “médis” (desvaloriza-se aqui o facto de a marca da ré não acentuar formalmente a sílaba “me” porquanto o consumidor acentua-a naturalmente em face da sua profusão), reconhecendo-se ter menor impacto na marca da ré em face de lhe anteceder o prefixo “Renti”, que assume, porém, natureza átona.

        As expressões em causa têm, assim, para o consumidor médio que com elas lide, sonoridade ou fonética quase idêntica, sendo evidente o risco de associação e/ou de confusão de uma à outra.

        A elevada notoriedade das marcas da autora confere-lhes acrescida intensidade ao risco de confusão numa quádrupla perspectiva: primeiro, afasta a ideia de que o vocábulo “Médis” não reveste capacidade distintiva suficiente dos produtos ou serviços da autora e que, nessa medida, não é de uso exclusivo do respectivo titular (artigo 223.º, n.º 2, do CPI); segundo, trata-se de uma marca forte, com grande capacidade distintiva, assumindo todas as condições para permanecer na memória dos consumidores de forma mais duradoura do que uma marca fraca; terceiro, e na decorrência, é mais elevado o risco de confusão com marca forte que com marca fraca (cfr. Acórdão do TJUE, de 22-06-1999, processo C-342/97, Lloyd Schufabrik Meyer,acessível a partir de https://curia.europa.eu/); e, quarto, a referência, na composição da marca da ré a “seguros” favorece ou estreita a associação à marca “Medis” por comummente se lhe associarem, também, seguros.

        Portanto, as semelhanças fonéticas e conceptuais do núcleo nominativo comum, conduzem ao risco de o público médio incorrer na convicção de que os sinais em confronto têm origem empresarial idêntica, comprometendo o carácter distintivo dos sinais prioritários da autora e obstaculizando o direito ao esclarecimento da proveniência dos produtos ou serviços de uma e de outras marcas. 

        Pelo que, em suma, estão verificados os pressupostos (formais) conducentes à anulação da marca da ré, tal como afirmado pelas instâncias. 


   3. Da relevância do registo anterior da firma da ré:

       Ao direito de a autora ver anulado o registo da marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., cujos pressupostos legais se tiveram supra por verificados, contrapôs a ré o registo da firma “Rentimedis – Mediação de Seguros, S.A.” em data anterior (em 06-04-1995, cf. facto provado 12.º) ao registo da firma Médis – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. (em 16-06-2005, cf. facto provado 1.º) e das marcas “Médis” (em 13-04-1995 e em 26-05-1998, cf. facto provado 3.º).

Entende a recorrente, resumidamente, que a marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., com designação idêntica à designação firma da ré Rentimedis - Mediação de Seguros, S.A., está protegida pelo registo anterior desta firma.

A questão é pois esta: o registo anterior da firma da ré concede protecção à marca da ré?

A resposta é negativa, como se passa a demonstrar.

Firma e marca são realidades diferentes, no plano conceptual e no plano registal.

No plano conceptual, a firma é um sinal distintivo do comércio obrigatório e destina-se a individualizar o comerciante nas suas relações de negócio (artigos 18.º, n.º 1 do Código Comercial, 9.º, n.º 1 al. c), e 10.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais); por seu turno, a marca é um sinal distintivo do comércio facultativo e destina-se a individualizar ou distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (artigos 222.º, n.º1, e 225.º, ambos do CPI).

No plano registal, o registo da firma ocorre aquando do registo do contrato de sociedade na Conservatória do Registo Comercial – a admissibilidade e certificação da firma compete ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, integrado no Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. como conservatória do registo comercial – e, uma vez efectuado, como aconteceu com o registo da firma da ré em 1995, confere ao respectivo titular o direito ao uso exclusivo de firma em determinado território (artigos 35.º, n.º 1, 37.º, n.º 2, do D.L. n.º 129/98, de 13 de Maio, na redacção vigente à data daquele registo).

Diversamente, o registo da marca é promovido junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. (artigo 17.º do D.L. n.º 123/2011, de 29 de Dezembro) e, uma vez efectuado, como aconteceu com o registo das marcas da autora em 1996 e 1999 (pedido em 1995 e 1998), atribui ao respectivo titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina (artigo 224.º, n.º 1, do CPI). 

Em suma, o registo da firma confere o direito ao uso exclusivo de firma e o registo da marca confere o direito à propriedade e uso exclusivo da marca.

Isto é: o registo da firma não atribui também o direito ao uso exclusivo da marca e vice-versa.

A delimitação do direito tutelado pelo registo da firma e pelo registo da marca entronca, para o que ao caso interessa, na natureza constitutiva do registo da marca (artigo 224.º, n.º1, do CPI), traduzida, em termos simples, na asserção de que fora do registo não há direito de marca. Sobre a marca de facto o único direito que existe é o direito de prioridade ao registo dentro do prazo de seis meses. E sendo certo que possa ser protegida para além desse prazo (…) no âmbito das normas punitivas da concorrência desleal, o que então se protegerá não será, em rigor, o direito de marca” (Luís Couto Gonçalves, Manuel de Direito Industrial, 5.ª ed. 2004, pág. 187).

Com efeito, a única tutela ao uso de marcas não registadas está consagrada nos artigos 227.º, 239, n.º 1, al. e), 317.º, al. a) e 331.º, todos do CPI, e, em nenhuma das previsões contidas nestes normativos quadra o registo anterior de firma com denominação idêntica, parcial ou total, da marca.

Donde, retomando o caso concreto, temos por certo que, no período anterior ao registo, a Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., não tinha tutela legal enquanto marca, ainda que, acidentalmente, coincidisse com a denominação da firma da ré.

No mundo do direito, a marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A. só surgiu através do seu registo.

É que o registo confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência, da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (artigo 258.º do CPI).

Esta forma de tutela expressamente consagrada na lei como consequente ao registo da marca seria totalmente esvaziada a tomar-se por certa a argumentação da recorrente.

Argumentação que, como se vê, não encontra suporte legal de iure constituto.

Note-se que, no lapso temporal decorrido desde o acórdão que admitiu a revista (excepcional) e a presente data, já este Supremo Tribunal teve ocasião de se pronunciar expressamente sobre esta questão no Acórdão proferido em 29-06-2017 (revista n.º 227/13.5YHLSB.L1.S1), cujo sumário, por impressivo, se transcreve no seguinte passo:

VIII – Vindo a ré a adoptar ilegalmente na sua actividade económica uma parte da sua firma que coincide com uma marca registada pela autora sem que a tenha registado como tal, sob o argumento de que corresponde a um segmento da sua firma, o uso daquela “marca de facto” não goza de protecção legal, contrariamente à marca registada da autora, a quem o art. 258.º do CPI concede o direito absoluto e exclusivo e, consequentemente, de impedir outrem de usar a marca, de a reproduzir ou simplesmente de a imitar”.


4. Do abuso do direito da autora:

Finalmente – a questão não foi suscitada perante as instâncias –, entende a recorrente que a autora agiu com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto, num primeiro momento, ao promover o registo da marca “Médis” (em 1995 e 1998), a autora considerou que esta marca não imitava a firma Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., e, num segundo momento, ao propor esta acção (em 2011), a autora entende precisamente o contrário.

A questão é simples e não demanda considerações extensas.

A recorrente estriba o abuso de direito da autora numa premissa de facto (factum proprium) que, analiticamente, abarca dois segmentos:

 - ao promover o registo das marcas, a autora tinha conhecimento do registo anterior da firma da ré; e,

 - a autora considerou que as marcas não se confundiam com a firma da ré.

Incumbia à ré ter alegado e provado estes concretos factos, enquanto factos constitutivos da excepção invocada, de acordo com o disposto no artigo 342º nº 2 do Código Civil, uma vez que nesta modalidade do abuso do direito é sancionado o exercício actual de um direito em contrariedade com conduta anteriormente assumida, o denominado factum proprium (artigo 334º do Código Civil).

Não se provando a conduta anterior da autora – podendo a autora desconhecer o registo anterior da firma da ré quando peticionou o registo da sua marca –, logicamente falece a premissa necessária à conclusão de que a conduta posterior lhe foi contrária.

E se, no plano do direito, o abuso do direito configura instituto jurídico de conhecimento oficioso, já no plano de facto a intervenção do Tribunal se circunscreve à materialidade oportunamente carreada e provada pelas partes no processo.

Sem a verificação de factos atinentes ao factum proprium do abuso do direito, terá, necessariamente, de soçobrar a sua invocação, como última via para a inutilização do direito da autora esgrimido na acção.

Pelo que, sem mais, não se pode dizer ocorrer qualquer abuso do direito.


III. Decisão:

        Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

         As custas são a cargo da recorrente, por vencida (artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Lisboa, 20 de Dezembro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado