Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2674/07.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: FONTES DE DIREITO
NORMA IMPERATIVA
CONTRATAÇÃO COLECTIVA
INSTITUTO PÚBLICO
DESCONTOS NA RETRIBUIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - NEGÓCIO JURÍDICO
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES
DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO - INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO - CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Doutrina: - Barros Moura, A convenção colectiva entre as fontes de direito do trabalho, Almedina, edição de 1984, pág.84.
- Cunha de Sá, Abuso de Direito, pág. 454.
- Galvão Teles, Obrigações, 3ª edição, pág. 6.
- Leal Amado, Tratamento mais favorável e artigo 4º nº 1 do Código do Trabalho, o fim de um princípio, in a Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, págs.114, 115.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pág. 63.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, parte I, Almedina, págs. 229, 230, 286, 287.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, volume 1º, 3ª edição, pág. 296.
- Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, Almedina, edição de 2008, pgª 86, anotação ao artigo 4º.
- Vaz Serra, Abuso de Direito, BMJ 68, pág. 253.
Legislação Nacional: ACT PUBLICADO NO BTE, 1ª SÉRIE, Nº 4, DE 29 DE JANEIRO DE 2005, QUE INTRODUZIU ALTERAÇÕES AO TEXTO DO ACT DO SECTOR BANCÁRIO PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO, 1ª SÉRIE, Nº 31, DE 22 DE AGOSTO DE 1990.
BTE Nº 44/2006, DE 29-11.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 294.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 732.º-A
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 183.º/186.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2003: - ARTIGOS 4.º, N.º1, 533.º, 552.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP) – ARTIGO 56.º, N.º3.
DL Nº 14/2003, DE 30-1: - ARTIGOS 1.º, 6.º, N.º 3,
DL Nº 87/2007 DE 29-3: - ARTIGO 1.º, NºS 1 A 3, 10.º, 20.º
DL Nº 519-C1/79 DE 29/12: - ARTIGO 6º, Nº 1, ALÍNEA C).
LCT: - ARTIGO 13.º.
LEI N.º 43/2005 DE 29-8: - ARTIGO 2.º, 3.º, N.º1.
Sumário :
I - A convenção colectiva de trabalho resulta de um acordo entre um empregador ou uma associação de empregadores e uma ou mais associações sindicais, em representação dos trabalhadores membros, com vista à regulação das situações juslaborais individuais e colectivas numa determinada profissão ou sector de actividade e numa certa área geográfica ou empresa.

II - Todavia, face ao disposto no artigo 533.º, do Código do Trabalho de 2003, o poder negocial das partes outorgantes de um instrumento de regulamentação colectiva tem limites, mormente o de não poder contrariar normas legais imperativas de conteúdo fixo.

III - Já no que respeita às normas de natureza supletiva, o instrumento de regulamentação colectiva pode estipular livremente, quer em sentido mais favorável, quer em sentido menos favorável ao trabalhador, o que, em rigor, se traduz numa «revolução» na filosofia inspiradora do Direito do Trabalho que, de um direito com vocação tutelar relativamente às condições de trabalho, imbuído do princípio da norma social mínima, transita para uma espécie de direito neutro em que o Estado abandona a definição das condições de trabalho à autonomia colectiva.

IV - O antecessor do ora réu, tendo a natureza de instituto público integrado na administração indirecta do Estado, porque estava obrigado a respeitar a disciplina instituída pelo DL n.º 14/2003, de 30 de Janeiro, mormente a norma imperativa contida no seu artigo 6.º, n.º 3, não poderia pagar aos seus trabalhadores, como fez durante todo o ano de 2006 e Janeiro de 2007, os aumentos decorrentes da revisão do contrato colectivo aplicável respeitantes a diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, daí que os descontos operados pelo réu, em Fevereiro de 2007, nos vencimentos dos seus trabalhadores, relativos aos valores àqueles títulos pagos no referido período, não sejam ilícitos.

V - Com efeito, sendo as normas que proibiam os aumentos das regalias e benefícios complementares do pessoal afecto aos fundos e serviços autónomos absolutamente imperativas, estava vedado ao antecessor do réu acordar, em 2006, qualquer aumento dessas regalias e benefícios complementares.

VI - Quando o legislador comum está a impedir que a contratação colectiva possa contrariar norma legal imperativa, embora esteja a reduzir o espaço de auto-regulação das partes, não está a colocar em causa o conteúdo essencial deste direito, pois há uma justificação material para a proibição legal, que se prende com o respeito pela hierarquia das fontes de direito.

VI - Assim, visando o DL n.º 14/2003, de 30 de Janeiro, a consagração de medidas de contenção orçamental e de consolidação da despesa pública, não está em causa, atento o interesse público que lhe subjaz, a violação do núcleo central do direito à contratação colectiva, não violando aquele diploma, maxime o seu artigo 6.º, n.º 3, o disposto no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1---

O Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas intentou, em representação de oitenta e oito associados que identifica, uma acção declarativa de simples apreciação, contra o

Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, IP), pedindo que se reconheça o direito dos referidos associados ao pagamento dos aumentos salariais resultantes da revisão do ACT do sector bancário, acordada em 31 de Outubro de 2006, acrescidos de juros de mora.

Alegou, no essencial, que os seus representados foram admitidos ao serviço do antecessor do réu, IFADAP, mediante contrato de trabalho e que A e réu outorgaram a revisão do ACT para o sector bancário, acordada em 31 de Outubro de 2006, que estabeleceu aumentos salariais, tendo o R, no ano de 2006 e no mês de Janeiro de 2007, pago aos associados do sindicato autor os aumentos salariais decorrentes desta revisão. No entanto, no mês de Fevereiro de 2007 o réu descontou nos salários dos representados do sindicato autor a totalidade dos valores que lhes havia pago a título de aumentos resultantes daquele ACT, e passou a pagar-lhes os valores fixados no ACT de 2005, violando assim, o disposto no art. 552º, nº 1 e 122º, al. d) do CT, e as cláusulas 2ª, nº 1 e 30º, nº 1, al. c) do ACT.

O réu contestou sustentando, em síntese, que apenas efectuou descontos referentes a diuturnidades, abono para falhas, subsídio infantil e subsídio de estudo, porque as actualizações acordadas na revisão do ACT violavam o disposto no D.L. nº 43/2005, de 29 de Agosto e no D.L. nº 14/2003, de 30 de Janeiro, que proibiam o aumento e actualização destas prestações pecuniárias.

O autor respondeu à matéria da contestação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, e em seguida foi proferida sentença, que julgando a acção totalmente procedente, declarou que os representados do autor, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, XXX, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, KKKK, LLLL, MMMM, NNNN, OOOO, PPPP, QQQQ, RRRR, SSSS, TTTT, UUUU, VVVV, XXXX, ZZZZ, AAAAA, BBBBB, CCCCC, DDDDD, EEEEE, FFFFF, GGGGG, HHHHH, IIIII, JJJJJ, KKKKK, LLLLL, MMMMM, NNNNN, OOOOO e PPPPP, são titulares do direito ao pagamento dos aumentos salariais acordados na revisão do ACT do sector bancário, outorgada em 31 de Outubro de 2006, relativos a diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.

O R, inconformado, apelou da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado a apelação procedente, pelo que e revogando a decisão recorrida, declarou improcedente o pedido.

É agora o A que, inconformado, nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com o seguinte quadro conclusivo:

1-            O recurso interposto pelo recorrente versa sobre o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que considerou nulas, por contrárias à Lei - o artigo 2° da Lei n°43/05 e o artigo 6°, n°3 do D.L. n°14/03 - as normas do ACT publicado no B.T.E. n°44/06 que importam actualização das diuturnidades, abono para falhas e subsídios de estudo e infantil.

2-            O Acórdão recorrido merece total censura, uma vez que não fez correcta aplicação do direito, como se passa a indicar ao longo das presentes conclusões.

3-            Em primeiro lugar, importa esclarecer que, à data dos factos, o recorrido, então IFADAP - os trabalhadores aqui representados pelo recorrente são oriundos do ex-IFADAP e este com o INGÁ deram origem ao IFAP recorrido -, regia-se pelo seu Estatuto, aprovado pelo D.L. n°414/93 e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis às empresas públicas (artigo 3°, n°1 do D.L. n°414/93), aplicando-se ao seu pessoal o contrato individual de trabalho e a convenção colectiva (artigo 23° do referido D.L. n°414/93) que está identificada nos factos provados (o Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário).

4-            O artigo 6°, nº 3 do D.L. nº14/03, não tem a aplicação que o Acórdão recorrido considerou, porquanto aquela norma refere-se a regalias e benefícios suplementares, o que não era o caso das prestações sociais em causa ou seja, os subsídios de estudo e infantil.

5-            Na verdade, os referidos subsídios - tal como estão previstas no instrumento de regulamentação colectiva no Capítulo relativo a Benefícios Sociais, onde se inscreve, também, o regime da segurança social específico (o do Sector Bancário) - traduzem-se em prestações sociais.

6-            Ora, às prestações sociais não tem aplicação o mencionado artigo 6º, n°3 do D.L. n°14/03, de 30.01 mas o disposto no seu artigo 3º, n°1 que mantém excluído da aplicação da referida Lei as realidades que integram o sistema remuneratório, nas quais se incluem as prestações sociais.

7-            Também o disposto no artigo 2º da Lei n°43/05 não tem a aplicação que o Acórdão recorrido considera e também relativamente a esta norma, tal como em relação ao referido artigo 6º, n°3 do D.L. n°14/03, não existia qualquer obrigatoriedade de o recorrido a observar.

8-            Com efeito, o âmbito de aplicação da Lei n°43/05 circunscreve-se ao funcionalismo público, no seu conceito restrito, à data daquele diploma que abrangia os funcionários integrados no sistema de carreiras da Administração Pública, o que não era o caso dos trabalhadores aqui representados pela recorrente, aos quais se aplicava - e aliás ainda se aplica - o sistema de carreiras do ACT (do Sector Bancário).

9-            A referida Lei também não estabelece que se aplica a institutos públicos, com regime de empresa pública, do mesmo modo que leis posteriores que também introduziram "cortes salariais" e "congelamentos" vieram a fazer (As Leis do Orçamento do Estado para 2011 e 2012).

10-Também não resulta desta Lei que prevalecesse sobre a contratação colectiva, como aquelas Leis Orçamentais posteriores vieram a fazer (artigo 19°, n°11 da Lei n°55-A/10, mantido em vigor pelo artigo 20° da Lei n°61-B/ll), pelo que sempre haveria lugar à aplicação, também, do disposto no art°4º, n°1 do Código do Trabalho de 2003 (vigente na altura), nos termos do qual as normas da convenção colectiva prevaleciam, sendo intocáveis.

11-Ao considerar que as referidas normas - artigo 6º, n°3 do D.L. n°14/03 e artigo 2º da Lei n°43/2005 - se aplicam à situação dos representados pelo aqui recorrente e que tais normas determinam a invalidade (nulidade) das cláusulas do ACT que as contrariam, o Acórdão recorrido mal interpretou e aplicou o disposto no artigo 56°, n°3 da C.R.P. conjugado com os artigos 17° e 18° da mesma C.R.P.

12-          Na verdade, as referidas normas, interpretadas no sentido que podem alterar o disposto na convenção colectiva, restringindo o direito à contratação colectiva e baixando as remunerações e subsídios aí fixados, por livre vontade das partes, mostram-se inconstitucionais, por violação das sobreditas normas constitucionais.

13-          Pois, ao disciplinarem matéria em contrário do que está previsto na convenção colectiva, restringem o direito à contratação colectiva constitucionalmente protegido.

14-          O Acórdão recorrido não atendeu correctamente ao disposto no artigo 270°, n°1 do C.T. de 2003 que proíbe os descontos, nas remunerações dos trabalhadores, o que, desde logo, determina ilicitude, para a actuação do recorrido, por ter efectuado os descontos remuneratórios das verbas que considerou, em Fevereiro de 2007 que não se podia ter obrigado a pagar. E,

15-          Também não considerou que a actuação do recorrido - em manifesto abuso de direito (como é acentuado no Acórdão recorrido) - o impedia de invocar, na acção, a não aplicação das normas da convenção colectiva que tinha outorgado (na altura em que já vigoravam as leis que invoca para sustentar a desaplicação). E que, em consequência, a questão da nulidade, ou não, das normas convencionais em apreço não podia ser apreciada pela Relação - artigos 334° e 762°, n°2 do Código Civil).

16- Com efeito, apenas na acção prevista nos artigos 183° e seguintes do C.P.T. podia ser invocada e conhecida a nulidade que foi conhecida no Acórdão recorrido que, assim, incorrectamente aplicou tais normas processuais.

17-Por último verifica-se que o Acórdão recorrido não fez correcta aplicação das normas dos artigos 1°, 4°, 5° e 531° do C.T. no que respeita à obrigatoriedade do recorrido cumprir com as normas da convenção colectiva que outorgou.

Pede-se assim, que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por decisão que mantenha, nos seus exactos termos, a decisão da Iª instância.

            O R também alegou, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.     O douto Acórdão recorrido fez uma correctíssima aplicação do direito aos factos provados, concluindo que os representados do ora Recorrente não têm direito ao recebimento dos aumentos salariais resultantes da revisão do ACT do Sector Bancário, outorgada em 31.10.2006, relativos a diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, acrescidos de juros de mora.

2.            O douto Acórdão recorrido não merece censura.

3.            Nenhum dos argumentos avançados pelo Recorrente pode colher.

4.            A aplicação dos regimes previstos no Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro e na Lei n° 43/2005, de 29 de Agosto aos trabalhadores do hoje IFAP é óbvia e, quanto ao primeiro, decorre com clareza do disposto no artigo 2° do Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro.

5.            E quanto ao segundo, decorre expressamente do disposto no artigo 2° da Lei n°43/2005, de 29 de Agosto

6.            Pois, os trabalhadores do IFAP, independentemente do vínculo contratual são, obviamente pessoal da Administração Pública, pelo que não podem restar dúvidas da aplicação de ambos os diplomas em causa, aos trabalhadores aqui representados pelo Recorrente.

7.            Como concluiu o douto Acórdão recorrido, ao IFAP cabia respeitar as restrições impostas por aqueles dois diplomas legais que, de resto, continham, como também concluiu o douto Acórdão recorrido, normas imperativas.

8.            Nos presentes autos não se trata de saber se a Lei (no caso o Decreto-Lei n°14/2003 e a Lei n°43/2005) podia sobrepor-se a disposição de convenção colectiva de trabalho mas exacta e rigorosamente, a inversa, ou seja, a questão que se coloca é a de saber a convenção colectiva de trabalho podia afastar as disposições imperativas daqueles diplomas.

9.            Não está em causa a inconstitucionalidade das disposições legais aplicadas no que respeita à liberdade da negociação colectiva plasmada no artigo 56°, n°3 da Constituição da República, pois que tais disposições antecedem as alterações ao Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário e, logicamente, os efeitos decorrentes dessas alterações.

10.          Bem andou o Acórdão recorrido ao concluir que o IFAP, ao subscrever as alterações ao ACT de 2006 estava obrigado a observar o estatuído na Lei quanto às restrições e congelamentos das prestações em causa.

11.          Num primeiro momento, o ora Recorrido aplicou integralmente o que ficou acordado com os Sindicatos outorgantes da revisão do ACT do Sector Bancário, acordada com os Sindicatos em 31.10.2006, e publicada no BTE, 1ª série, nº44, de 29.11.2006.

12.          Porém, a aplicação das actualizações, no que respeita ao subsídio infantil, subsídio de estudo e demais benefícios sociais, violava o disposto no artigo 6°, n°3 do Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro.

13.          Este entendimento foi expresso pela Inspecção-Geral de Finanças, em auditoria realizada ao ora Recorrido, relativa ao cumprimento das medidas legais de contenção da despesa pública, com a designação de processo n°2006/32/2/A3/468, Informação n°882/2006, de que se juntou certidão da parte relevante para os presentes autos como Doc. 1 da contestação.

14.          Nessa Informação n°882/2006, a IGF emitiu, entre outras recomendações, a de o IFADAP ordenar a reposição dos valores de alguns suplementos remuneratórios (diuturnidades e abono para falhas), pagos em excesso em resultado da actualização ocorrido em 2006, contrariamente ao estipulado na Lei n° 43/2005, de 29 de Agosto, que proíbe essa actualização

15.          Assim como, de proceder à rápida reposição do valor das actualizações, ocorridas no ano de 2006, por parte do IFADAP quanto aos diversos subsídios de educação e benefícios sociais resultantes da aplicação do ACTV dos Bancários (IFADAP), atento o estabelecido no n°3 do artigo 6° do Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro, que proíbe o aumento/actualização dos benefícios e regalias suplementares aí referidos.

16.          O Recorrido, no mês de Fevereiro de 2007, procedeu aos acertos necessários à reposição dos montantes pagos de forma ilegal relativos aos aumentos daquelas prestações - diuturnidades, abono para falhas, subsídio infantil, subsídio de estudo e demais benefícios sociais - durante o ano de 2006.

17.          Cumprindo assim as disposições legais vertidas no artigo 2°, da Lei n°43/2005, de 29 de Agosto e no artigo 6°, n°3 do Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro, e as recomendações que nesse sentido foram formuladas pela IGF.

18.          O Recorrido limitou-se, pois, a cumprir a lei.

19.          As cláusulas do ACT não poderiam violar, como violam no caso do Recorrido, o disposto em lei imperativa, no caso, o disposto nos acima citados artigo 2°, da Lei n°43/2005, de 29 de Agosto e artigo 6°, n°3 do Decreto-Lei n°14/2003, de 30 de Janeiro.

20.          Ao contrário do que sustenta o Recorrente, impunha-se ao Tribunal apreciar a validade da revisão do ACT do Sector Bancário, acordada com os Sindicatos em 31.10.2006, e publicada no BTE, 1ª série, n° 44, de 29.11.2006, no que se refere ao ora Recorrido, por tal revisão, como expressamente invocou o Recorrente, violar normas legais imperativas.

21.          Também ao contrário do que sustenta o Recorrente, não seria necessário o recurso à acção especial de anulação de cláusulas de convenção colectiva, para que o Tribunal aprecie a validade das mesmas como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.01.1994, publicado no Bol. Min. Jus., 433, pág.ª 600.

22.          O douto Acórdão recorrido deve, assim, ser integralmente mantido, negando-se provimento à presente Revista.

            Subidos os autos a este Supremo Tribunal, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 87º/3 do CPT, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido proficiente parecer no sentido da improcedência da revista, ao qual o recorrente veio responder.

            E corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2---

            Para tanto, nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:

1º- AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, XXX, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, KKKK, LLLL, MMMM, NNNN, OOOO, PPPP, QQQQ, RRRR, SSSS, TTTT, UUUU, VVVV, XXXX, ZZZZ, AAAAA, BBBBB, CCCCC, DDDDD, EEEEE, FFFFF, GGGGG, HHHHH, IIIII, JJJJJ, KKKKK, LLLLL, MMMMM, NNNNN, OOOOO e PPPPP encontram-se filiados no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas;
2º Os representados do autor identificados em 1° foram admitidos ao serviço do IFADAP- Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização lhe prestar trabalho, mediante pagamento de uma retribuição mensal;
3º- IFADAP e sindicato autor celebraram o acordo colectivo de trabalho publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 4, de 29 de Janeiro de 2005, que introduziu alterações ao texto do ACT do sector bancário publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 31, de 22 de Agosto de 1990;
4º- Na data da celebração do acordo referido em 3, todos os representados do autor, identificados em 1º, eram já seus associados;
5º- O acordo referido em 3º foi revisto em 31 de Outubro de 2006 na parte referente às cláusulas de expressão pecuniária e tabela salarial;

6º- O IFADAP outorgou a revisão referida em 5º;
7º- Durante o ano de 2006 e no mês de Janeiro de 2007 o IFADAP pagou aos representados do autor identificados em 1º os aumentos resultantes da revisão referida em 5º;

8º- No mês de Fevereiro de 2007, o IFADAP descontou nos vencimentos dos representados do autor, os valores que lhes pagou durante o ano de 2006 e no mês de Janeiro de 2007, relativos a aumentos de diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil resultantes da revisão referida em 5º;

9º- A partir do mês de Fevereiro de 2007 o IFADAP passou a pagar aos representados do autor os valores fixados no ACT de 2005 para os suplementos remuneratórios;

10º- A Inspecção-Geral de Finanças emitiu a informação nº 882/2006 junta de fls. 315 a 338 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;

11º- O IFADAP efectuou os descontos referidos em 8º em cumprimento de recomendações constantes da informação mencionada em 10º.

3---     

E decidindo:

Sendo o objecto do recurso aferido em função das conclusões do recorrente, conforme resulta dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do CPC[1] e acórdão deste Supremo Tribunal de 5/4/89, BMJ 386/446, constatamos que a questão colocada pelo recorrente é, essencialmente, a de saber se as cláusulas decorrentes da alteração do ACT do sector bancário, publicada no BTE nº 44/2006, e onde se acordaram aumentos referentes a diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, são nulas, por violação de lei imperativa conforme se decidiu no acórdão revidendo, ou se são válidas, conforme foi a posição da sentença da 1ª instância.

Ora, o R, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P., (IFAP, I. P.), resultou da fusão do IFADAP e do INGA, tratando-se dum instituto público integrado na administração indirecta do Estado, sendo dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Prossegue as atribuições do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (MADRP), sob a superintendência e tutela do respectivo ministro, estando ainda, no âmbito da sua gestão financeira, sob tutela e superintendência do membro do Governo responsável pela área das finanças, conforme resulta do artigo 1º, nºs 1 a 3 do DL nº 87/2007 de 29 de Março, diploma que entrou em vigor no dia 1 de Abril de 2007, conforme resulta do seu artigo 20º.

            Ao respectivo pessoal, e tal como já sucedia com o seu antecessor IFADAP, conforme advinha do artigo 23º do seu estatuto, anexo ao DL 414/93, aplica-se o regime do contrato individual de trabalho, conforme estabelece o artigo 10º do DL nº 87/2007, diploma supra mencionado.
Tendo o IFADAP e o sindicato, ora autor, celebrado o acordo colectivo de trabalho publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 4, de 29 de Janeiro de 2005, que introduziu alterações ao texto do ACT do sector bancário publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 31, de 22 de Agosto de 1990; e tendo outorgado as alterações salariais acordadas em 31 de Outubro de 2006 na parte referente às cláusulas de expressão pecuniária e tabela salarial, que foram publicadas no BTE nº 44/2006, de 29/11, também estava vinculado ao seu cumprimento, atento o princípio da filiação consagrado no artigo 552º do Código do Trabalho de 2003, que é o aplicável por ser o que vigorava à data.
Efectivamente, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, conforme estabelece o nº 1, do mencionado artigo.

E chegou a dar-lhes cumprimento, pois o IFADAP pagou aos trabalhadores ora representados pelo autor os aumentos resultantes desta revisão respeitantes ao ano de 2006, o mesmo fazendo em relação ao mês de Janeiro de 2007 e respeitantes a diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, conforme constava das cláusulas 105ª, nº 1, 107ª, 112ª, nº 3 e 148ª, nº1.

No entanto, no mês de Fevereiro de 2007, o IFADAP descontou nos vencimentos dos representados do autor, os valores que lhes pagou durante o ano de 2006 e no mês de Janeiro de 2007, relativos a aumentos de diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil e a partir deste mês, passou a pagar-lhes os valores fixados no ACT de 2005 para aqueles suplementos remuneratórios, o que aconteceu na sequência da informação que foi emitida pela Inspecção-Geral de Finanças e que está junta aos autos (fls. 315 a 338).

E tendo o R passado a ocupar a posição anteriormente assumida pelo IFADAP a partir de 1 de Abril de 2007, pretende o A, em representação dos seus associados agora trabalhadores R, que se reconheça que estes têm direito ao pagamento dos aumentos salariais resultantes da revisão do ACT do sector bancário, acordada em 31 de Outubro de 2006, acrescidos de juros de mora.

Como já vimos as instâncias tiveram posições divergentes sobre esta questão, tendo o acórdão recorrido considerado legal a postura do então IFADAP, argumentando da seguinte forma:

… enquanto instituto público integrado na administração indirecta do Estado estava obrigado (o IFADAP) a observar o disposto pelo DL 14/2003, de 30/1 que, como explicitado no respectivo art. 1º, visava “disciplinar a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, directos ou indirectos, em dinheiro ou em espécie, que acresçam à remuneração principal dos titulares de órgãos de administração ou gestão e de todos os trabalhadores das entidades abrangidas, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego”.

Dispõe o art. 6º nº 3 deste diploma “São proibidos o aumento ou renovação das regalias e benefícios suplementares constantes de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho ou de contrato escrito que correspondam a direitos legitimamente adquiridos”.

Devido ainda à sua qualidade de instituto público, ao subscrever as alterações ao ACT de 2006 estava o IFADAP também obrigado a observar o estatuído pela Lei nº 43/2005, de 29 de Agosto, que além de determinar a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, também congelou o montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, até 31 de Dezembro de 2006.

Com efeito, nos termos do respectivo art. 2º “São mantidos no montante vigente à data da entrada em vigor da presente lei e até 31 de Dezembro de 2006, todos os suplementos remuneratórios que não tenham a natureza de remuneração base, independentemente da respectiva designação, designadamente despesas de representação, subsídios de alojamento, de residência, de fixação, pelo risco, perigosidade, insalubridade e perigosidade, gratificações, participações emolumentares relativamente aos funcionários, agentes e restante pessoal da Administração Pública e aos demais servidores do Estado”.

O instrumento de regulamentação colectiva sendo uma fonte específica de direito laboral é, na hierarquia das normas, uma fonte inferior à lei, pelo que, em caso de conflito, é esta que prevalece.

Pode, no entanto, de acordo com o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, o irct prevalecer sobre a lei, desde que desta não resulte o contrário (art. 4º CT de 2003).

Acontece que, no caso, podemos afirmar que da lei resulta o contrário, verificando-se pois obstáculo à aplicação do ACTV do sector bancário, de 2006, quanto às prestações remuneratórias suplementares.

Com efeito, quer a norma consignada no art. 6º, nº 3 do DL 14/2003, quer a norma contida no art. 2º da L. 43/2005, relativamente agentes da Administração Pública e servidores do Estado – e os trabalhadores de institutos públicos são agentes da Administração Pública e servidores do Estado - são normas imperativas absolutas, não podendo, pois, ser afastadas pelas normas do ACT, ainda que em sentido mais favorável aos trabalhadores.

Por isso, quem, em nome do IFADAP, negociou a alteração ao ACT de 2006 deveria ter restringido a aceitação dos aumentos salariais apenas à remuneração de base, uma vez que, legalmente, estavam proibidos aumentos de todos os suplementos remuneratórios para os servidores do Estado.

Apesar de o representante do IFADAP na negociação colectiva não ter feito tal declaração, relativamente aos trabalhadores deste Instituto, as normas convencionais que importam actualização automática das prestações remuneratórias suplementares[2], por força da alteração da tabela salarial, têm de considerar-se inválidas, mais precisamente, nulas, por contrárias à lei (art. 294º do CC), já que violam normas legais imperativas, como são os mencionados art. 2º da L. 43/2005 e o art. 6º nº 3 do DL 14/2003.

É verdade que o R. não usou, como seria curial, a acção especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, prevista no art.183º/186º do CPT.

Mas isso não obsta a que a nulidade em causa possa ser invocada nestes autos a título de excepção, uma vez que é impeditiva do direito invocado pelo A. E, embora não qualificada como excepção, nem sequer como nulidade, certo é que o R. invocou na contestação que foi no cumprimento das citadas disposições legais e na sequência das recomendações formuladas pela Inspecção Geral de Finanças que procedeu à reposição dos montantes pagos de forma ilegal, relativos aos aumentos daquelas prestações, tendo-se limitado a cumprir a lei.

Ao assim invocar a ilegalidade das prestações, estava de algum modo a arguir a nulidade das cláusulas convencionais que servem de suporte ao pedido formulado, pelo que sempre essa questão deveria ter sido apreciada pelo tribunal.

Conhecendo agora dessa questão, entendemos que assiste razão ao recorrente: face ao conflito de normas existente entre, por um lado, as normas ínsitas nos art. 6º nº 3 do DL 14/2003, de 30/1 e no art. 2º nº 1 da L. 43/2005 de 29/8, aplicáveis aos trabalhadores da Administração Pública e demais servidores do Estado e, por outro lado, as normas do ACT que determinam a indexação à tabela salarial das diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, implicando actualização destas prestações suplementares sempre que houver actualização das remunerações base, uma vez que as mencionadas normas legais têm carácter imperativo absoluto, por força do princípio da hierarquia, prevalecem sobre as normas convencionais, sendo consequentemente as referidas normas convencionais inválidas relativamente ao universo dos trabalhadores do IFADAP”.

Ora, sufragamos, no essencial, as razões que sustentaram esta posição.

Efectivamente, o antecessor do R, IFADAP, tendo a natureza jurídica dum instituto público integrado na administração indirecta do Estado, estava obrigado a respeitar a disciplina instituída pelo DL 14/2003, de 30/1, diploma que visava disciplinar a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, directos ou indirectos, em dinheiro ou em espécie, que acresçam à remuneração principal dos titulares de órgãos de administração ou gestão e de todos os trabalhadores das entidades abrangidas, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego.

Por isso, e proibindo o nº 3 do seu artigo 6º o aumento ou renovação das regalias e benefícios suplementares constantes de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho ou de contrato escrito que correspondam a direitos legitimamente adquiridos, estava-lhe vedado negociar aumentos para este tipo de atribuições patrimoniais, pois por força do nº 1 do seu artigo 3º, o sistema remuneratório dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão, quer do restante pessoal das entidades abrangidas pelo diploma e que vinham definidas no artigo 2º, era constituído pela remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e subsídio de refeição, sendo os aumentos de todos estes benefícios que se quis impedir com este diploma.

Efectivamente, e tratando-se de diploma que visou a adopção de medidas de redução da despesa pública, com vista a assegurar uma política orçamental sustentada e de consolidação das finanças públicas, num quadro de participação do país na união económica e monetária, as normas que proibiam os aumentos das regalias e benefícios complementares do pessoal afecto aos fundos e serviços autónomos eram absolutamente imperativas, pelo que temos de concordar com a posição assumida no acórdão que considerou nulas as alterações às cláusulas 105ª, nº 1, 107ª, 112ª, nº 3 e 148ª, nº1, na medida em que determinaram aumentos para as diuturnidades, o abono para falhas, o subsídio de estudo e o subsídio infantil, quando os mesmos estavam absolutamente proibidos.

Na verdade, a convenção colectiva de trabalho resulta dum acordo entre um empregador ou uma associação de empregadores e uma ou mais associações sindicais, em representação dos trabalhadores membros, com vista à regulação das situações juslaborais individuais e colectivas numa determinada profissão ou sector de actividade e numa certa área geográfica ou empresa[3].

Por isso, pode regular vários aspectos do contrato de trabalho, permitindo assim que, com a participação dos interessados, se proceda a uma adaptação do regime jurídico estadual do trabalho às características peculiares do sector de actividade, da profissão ou da região a que respeita, como refere Barros Moura[4].

Assim, o conteúdo das convenções colectivas pode distribuir-se pelas mais variadas matérias, tanto da esfera das situações juslaborais colectivas como da área do contrato de trabalho. E por serem celebradas pelos próprios entes laborais, constituem o instrumento mais adequado para adaptar os regimes gerais da lei às particularidades de cada sector profissional, regional, ou de um determinado contexto empresarial, correspondendo por isso, da melhor forma, aos interesses laborais específicos desse sector ou dessa empresa[5].      

De qualquer forma, o poder negocial das partes outorgantes dum instrumento de regulamentação colectiva tem limites, conforme resulta do artigo 533º do Código do Trabalho de 2003 e que aqui se convoca por estar em uma alteração ao ACT negociada em 2006.          

E um dos limites impostos à contratação colectiva é que esta não pode contrariar normas legais imperativas, conforme prescreve a alínea a) do nº 1 do referido preceito.

Compreende-se a prescrição imposta por este normativo, que resulta da posição hierárquica da lei face aos instrumentos de regulamentação colectiva, visando o legislador dissipar quaisquer dúvidas sobre a forma de resolver os conflitos hierárquicos de fontes de direito laboral, questão que se coloca com particular acuidade na relação entre as normas legais e as cláusulas constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, que estão numa posição hierárquica inferior face àquelas.

Ora, nesta matéria, decorria da conjugação do disposto no artigo 13º da LCT com o artigo 6º, nº 1, alínea c) da lei reguladora da contratação colectiva[6], que embora as fontes de direito superiores prevalecessem sobre as fontes inferiores, assim não acontecia quando estas estabelecessem um regime mais favorável para o trabalhador, doutrina que somente não era seguida quando a fonte superior fosse absolutamente imperativa.

Assim, no domínio da concorrência/articulação entre as fontes de direito laborais e durante a vigência da LCT, era de concluir que a regra era a da aplicação da norma que estabelecia um regime mais favorável ao trabalhador, ainda que tal norma estivesse contida numa fonte hierarquicamente inferior[7], pois “a norma típica do direito laboral era constituída por uma regra jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos mínimos legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores condições de trabalho (proibição de alteração in pejus e possibilidade de alteração in melius)”, no dizer de Jorge Leite[8].    

No entanto, nesta matéria da articulação entre as normas do Código do Trabalho e as cláusulas dum instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o artigo 4º, nº 1 do CT/2003 modificou o regime anterior.

Assim, se se tratar de norma imperativa de conteúdo fixo, o que dela deverá resultar expressamente, o instrumento de regulamentação colectiva não pode dispor de forma diferente, independentemente da qualificação mais ou menos favorável ao trabalhador que se lhe possa atribuir.

Mas se a lei contiver uma norma supletiva, então o instrumento de regulamentação colectiva pode estipular livremente, permitindo a norma em causa a intervenção das convenções colectivas de trabalho, quer em sentido mais favorável, quer em sentido menos favorável ao trabalhador[9].

Donde resulta que o quadro legal poderá ser alterado “in pejus”pela convenção colectiva, o que implica uma “revolução”[10] na filosofia inspiradora do Direito do Trabalho, que de um direito com uma vocação tutelar relativamente às condições de trabalho, imbuído do princípio da norma social mínima, transitamos para uma espécie de direito neutro em que o Estado abandona a definição das condições de trabalho à autonomia colectiva. 

Como justificação deste novo regime aponta-se que, nos instrumentos de regulamentação colectiva de natureza negocial, os trabalhadores são representados pelos sindicatos, que estando numa situação de igualdade formal e material com os empregadores, parte-se do pressuposto que souberam negociar a solução mais adequada às circunstâncias e às conveniências da organização produtiva.

Aplicando estes princípios ao caso presente, temos de considerar o artigo 6º, nº 3 do DL nº 14/2003, uma norma absolutamente imperativa, face à urgência de adopção de medidas no sentido da redução da despesa pública, com vista a assegurar uma política orçamental sustentada e de consolidação das finanças públicas, que o diploma visou implementar.

E assim, sendo as normas que proibiam os aumentos das regalias e benefícios complementares do pessoal afecto aos fundos e serviços autónomos absolutamente imperativas, temos de concluir que estava absolutamente vedado ao IFADAP acordar, em 2006, qualquer aumento das regalias e benefícios complementares que foram contempladas nas cláusulas 105ª, nº 1, 107ª, 112ª, nº 3 e 148ª, nº1, para as diuturnidades, o abono para falhas, o subsídio de estudo e o subsídio infantil.

Contrapõe o recorrente que o artigo 6°, nº 3 do D.L. nº14/03, referindo-se a regalias e benefícios suplementares, não abrange as prestações sociais, ou seja, os subsídios de estudo e infantil, mas este argumento claudica.

Efectivamente, conforme se colhe do preâmbulo do diploma, este pretendeu abranger na sua regulamentação toda a matéria respeitante a regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório atribuídos pelos serviços e fundos autónomos aos seus dirigentes e funcionários. Por outro lado, como por força do nº 1 do seu artigo 3º, o sistema remuneratório dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e do restante pessoal das entidades abrangidas pelo diploma era constituído pela remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e subsídio de refeição, temos de considerar que foram os aumentos de todos estes benefícios que se quis impedir com o diploma.

Improcedem assim as primeiras seis conclusões.

           

Argumenta ainda que o disposto no artigo 2º da Lei n°43/05 não tem aplicação ao caso, em virtude do âmbito desta lei se circunscrever ao funcionalismo público, no seu conceito restrito.

Efectivamente resulta do acórdão que, e devido ainda à sua qualidade de instituto público, ao subscrever as alterações ao ACT de 2006 estava o IFADAP também obrigado a observar o estatuído pela Lei nº 43/2005, de 29 de Agosto, que além de determinar a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, também congelou o montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, até 31 de Dezembro de 2006, por força respectivo artigo 2º.

Ora, neste ponto temos de dizer que não era necessário o recurso aos ditames desta lei, pois a proibição de aumentos das regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório de todos os trabalhadores dos fundos e serviços autónomos do Estado, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego, já advinha do nº 3 do artigo 6º do DL 14/2003, de 30/1.

Improcedem assim as conclusões 7ª, 8ª e 9ª.

Argumenta ainda o recorrente que o entendimento acabado de perfilhar, viola o disposto no artigo 56°, n°3 da C.R.P. conjugado com os artigos 17° e 18° da mesma C.R.P, pois restringindo o direito à contratação colectiva e procedendo a um abaixando das remunerações e subsídios nela fixados, por livre vontade das partes, mostram-se inconstitucionais, por violação das sobreditas normas.

Vejamos então se esta argumentação procede.

Ora, o direito à contratação colectiva tem consagração constitucional desde a Constituição de 1976, constando do seu artigo 56º, nº 3, norma que dispõe competir às associações patronais o seu exercício.

E embora se tenham levantado dúvidas sobre a natureza deste direito, sempre se aceitou que o mesmo se enquadra na matéria dos direitos fundamentais, admitindo-se assim que esta garantia institucional não deve ficar excluída do regime dos direitos, liberdades e garantias.

De qualquer forma, uma das especificidades desta garantia resulta da circunstância de ser o próprio legislador constitucional a remeter para a lei ordinária os termos da garantia do exercício deste direito, conforme resulta do nº 3 do artigo 56º da CRP.

E assim, atenta esta função instrumental que a norma constitucional reservou para a lei, o legislador goza dum poder de conformação do respectivo conteúdo que não é normal ou não é típico nas situações em que a Constituição reconhece aos cidadãos verdadeiros direitos subjectivos.

Por isso, a solução do problema da eventual inconstitucionalidade de uma norma por violação do direito de contratação colectiva implica determinar qual é o âmbito de protecção, ou seja implica determinar quais as realidades da vida que são, através dele, constitucionalmente garantidas.

Assim, averiguar se a norma constante do nº 1 alínea a) do artigo 533º nº 1 do CT/de 2003, consubstancia uma restrição ilegítima ao direito de contratação colectiva pressupõe uma tarefa interpretativa, que se afigura difícil, pois a Constituição é omissa quanto ao objecto e conteúdo deste direito, nada adiantando sobre as matérias a versar na convenção colectiva nem sobre as faculdades abrangidas por este direito, deixando ao legislador ordinário a sua definição.

Claro que esta remissão para a lei não significa que o legislador possa livremente determinar o conteúdo desta garantia, pois tem que ser possível, sob pena de inversão da hierarquia normativa e do esvaziamento da força jurídica do preceito constitucional, determinar doutrinariamente o conteúdo essencial do direito de contratação colectiva, que constitua uma garantia constitucional contra o próprio legislador encarregado da sua regulação ou conformação.

Assim, não obstante caber ao legislador ordinário a modelação concreta deste direito, esta tarefa não pode deixar de ter como referência normas e princípios constitucionais que possam contribuir para a sua delimitação positiva, como por exemplo os valores constitucionais constantes dos seus artigos 58º e 59º.

            De qualquer forma, o legislador, apesar de ser detentor dum poder vinculado, goza de alguma liberdade constitutiva, podendo optar entre diversas soluções organizatórias e reguladoras, estando-lhe vedado somente afectar ou modificar o núcleo essencial deste direito fundamental, sob pena de inversão da ordem constitucional das coisas.

            Por isso, perante uma efectiva autonomia da contratação colectiva, tanto o seu conteúdo obrigacional ou regulativo podem estender-se a tudo quanto não lhes seja vedado por uma fonte superior, cabendo-lhe fundamentalmente proceder à delimitação negativa do conteúdo das convenções colectivas através da indicação de áreas que lhe estão vedadas.

E assim, quando o legislador comum está a impedir que a contratação colectiva possa contrariar norma legal imperativa, embora esteja a reduzir o espaço de auto-‑regulação das partes, não está a pôr em causa o conteúdo essencial deste direito, pois há uma justificação material para esta proibição legal, que se prende com o respeito pela hierarquia das fontes de direito.

Trata-se portanto duma proibição que não é de modo nenhum arbitrária, pois visa a salvaguarda dos valores ligados ao primado da hierarquia das normas jurídicas.

Por isso, visando o DL nº 14/2003 de 30 de Janeiro, e nomeadamente o nº 3 do seu artigo 6º, a consagração de medidas de contenção orçamental e de consolidação da despesa pública, atento o interesse público da norma, entendemos que não põe em causa o núcleo central do direito à contratação colectiva, pois não sendo um direito absoluto, pode sofrer limitações, desde que estas sejam materialmente fundadas.

E como no caso está em causa o interesse público de limitação do défice orçamental no quadro das regras da união económica e monetária, a mencionada norma limitativa de aumentos de suplementos remuneratórios dos trabalhadores dos serviços e fundos públicos, não viola o direito da contratação colectiva constante do artigo 56º, nº 3 da CRP.

Improcede, portanto esta questão (conclusões 10ª à 13ª).                 

Insiste ainda o recorrente na pretensão do IFADAP ter agido com abuso do direito ao ter negociado as alterações ao ACT sem ter ressalvado a situação de impossibilidade legal de estabelecer aumentos das prestações remuneratórias suplementares, pois por força da alteração da tabela salarial, o aumento desta iria interferir, designadamente, com as clªs 105ª nº 1, 107ª, 112ª, nº 3 e 148ª, nº1, na medida em que determinam que as diuturnidades, o abono para falhas, o subsídio de estudo e o subsídio infantil correspondem a uma percentagem da retribuição do nível 6.

Efectivamente o antecessor do R nada ressalvou.

Apesar disso, não podemos considerar integrada a figura do abuso do direito.

Na verdade, resulta efectivamente do artigo 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício dum direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.

Vem-se defendendo, no entanto, que não basta um qualquer desvio do fim económico ou social ou uma qualquer ofensa à boa-fé e aos bons costumes, dado que aquele preceito não se basta com isso, pois exige que ocorra um excesso manifesto no exercício dum direito pelo seu titular.

Nesta conformidade a doutrina acentua a densidade da ofensa, exigindo um excesso manifesto e desproporcionado, pronunciando-se neste sentido Galvão Teles, Obrigações, 3ª edição, pgª 6; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, volume 1º, 3ª edição, pª 296; e Cunha de Sá, Abuso de Direito, 454.

Também Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 63, fala num exercício dum direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça; e Vaz Serra, abuso de direito, BMJ 68/253, exige também uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

No caso presente, o próprio acórdão recorrido acentua o carácter censurável da conduta do IFADAP na medida em que outorgou as alterações ao ACT sem ter procedido a quaisquer ressalvas. E chegou até a proceder ao pagamento das aludidas prestações suplementares com os aumentos referentes ao ano de 2006 e ao mês de Janeiro de 2007, criando assim nos trabalhadores a convicção de que tal actualização era devida e constituía um direito.

Apesar disso, não podemos considerá-la abusiva, na medida em que estando em causa o interesse público da contenção da despesa pública que impunha limitações em matéria de actualização das prestações complementares ao sistema remuneratório, é manifesta a nulidade das cláusulas que estabeleceram aumentos em matéria de diuturnidades, abono para falhas, subsídio de estudo e subsídio infantil, por força do disposto no artigo 294º do Código Civil.  

Por isso e estando em causa interesses de ordem pública, não podemos considerar a actuação do IFADAP como um caso de exercício excessivo dum direito, conforme pretende o recorrente outro lado, tanto mais que a decisão de proceder ao desconto das quantias pagas a mais aos seus trabalhadores, resultou das recomendações emitidas pela Inspecção-Geral de Finanças, órgão de fiscalização a que tinha que se sujeitar.

Pelo exposto, improcede também esta questão.

Argumenta ainda o recorrente que apenas na acção prevista nos artigos 183° e seguintes do C.P.T. podia o R invocar a nulidade das ditas cláusulas, pelo que, tendo o acórdão recorrido conhecido desta questão, aplicou incorrectamente tais normas processuais.

Mas também esta argumentação claudica.

Efectivamente, o processo laboral prevê um processo especial para as acções de interpretação e anulação de cláusula de convenções colectivas de trabalho e que segue o modelo previsto no artigo 183º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.

Por outro lado, o acórdão que venha a ser proferido neste tipo de acções tem o valor ampliado da revista, conforme estabelece o artigo 186º do CPT.

O que quer dizer que valerá como acórdão de uniformização de jurisprudência, conforme resulta do artigo 732º-A do CPC, na versão que lhe foi conferida pelo DL n.303/2007 de 24 de Agosto.

De qualquer forma, os tribunais podem conhecer da questão da nulidade duma cláusula de instrumento de regulamentação colectiva em qualquer acção em que a mesma seja suscitada, nomeadamente como defesa invocada pelo R, como é o caso presente, valendo a decisão apenas para o processo e não em geral, como será o caso da que for proferida na acção especial acima referida.

Assim sendo, podendo o Tribunal recorrido conhecer desta questão, improcede esta argumentação do recorrente.

E face a tudo o exposto, só nos resta confirmar o acórdão recorrido.

4---

            Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

Custas a cargo do A.

           

Lisboa, 20 de Junho de 2012.

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Sampaio Gomes

            Leones Dantas

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[1] Na versão anterior à que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto, aqui aplicável por se tratar duma acção anterior a 1 de Janeiro de 2008.

[2] Designadamente, as clªs 105ª nº 1, 107ª, 112ª, nº 3 e 148ª, nº1, na medida em que determinam que as diuturnidades, o abono para falhas, o subsídio de estudo e o subsídio infantil correspondem a uma percentagem da retribuição do nível 6.

[3] Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, parte I, 229, Almedina.
[4] A convenção colectiva entre as fontes de direito do trabalho, Almedina, pg ª 84, edição de 1984.
[5] Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, parte I, 230.
[6] Ao tempo, o DL nº 519-C1/79 de 29/12.
[7] Leal Amado, Tratamento mais favorável e artigo 4º nº 1 do Código do Trabalho, o fim de um princípio, in a Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pgª 114.
[8] Leal Amado, obra citada, 114.
[9] Ver neste sentido, Código do Trabalho, Romano Martinez e outros, Almedina, edição de 2008, pgª 86, anotação ao artigo 4º; Maria do Rosário P. Ramalho, Direito do Trabalho, parte I, pgª 286 e 287; Leal Amado, obra citada, 115.
[10] O termo é de Leal Amado, obra citada, pgª 115