Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
70/18.5GEGMR.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
FURTO QUALIFICADO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRISÃO EFECTIVA
NÃO SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 05/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PRIOVIMENTO
Sumário :
I. A situação de concurso superveniente é prevista no art. 78 do CP, que remete no seu n.º 1 para o art. 77 do CP. Na medida da pena são tidos em conta os factos e a personalidade do agente. Esta injunção judicativa consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal.

II. Deve, na determinação do cúmulo jurídico de penas, começar-se por estabelecer o quadro ou moldura penal, de acordo com o art. 77, n.º 2 do CP. Mas será obviamente necessário, ainda anteriormente a isso, destrinçar, no caso de uma pluralidade de infrações, com modalidades de pena diversas, quais se devam integrar nessa “contabilidade” prévia.

III. Considerando o prescrito pelo artigo 77, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (aplicado, in casu, ex vi art. 78, n.º 1) a pena única de prisão tem, in casu, como limite mínimo, 5 (cinco) anos e, como limite máximo, 6 (seis) anos, dado que as penas nos dois processos a considerar foram de 1 (um) e 5 (cinco) anos de prisão (suspensas na sua execução).

IV. A jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019).

V. Sopesados todos os elementos pertinentes reunidos nos autos, em conformidade com o disposto no art. 77 do CP, e tendo em consideração que a medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, tem um horizonte “válvula de segurança” consentido pela medida da culpa do agente, e um limite mínimo, barreira intransponível, que é o ainda suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma e a prevalência dos bens jurídicos (violados com a prática do crime), considera-se a pena atribuída equilibrada, proporcional e ajustada à culpa concreta do agente (cf. Acórdão deste STJ de 05-12-2012 ).

VI. Acorda-se assim em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido, nomeadamente a condenação de pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e, nos termos do artigo 81 n.ºs 1 e 2 do CP, o desconto equitativo e a título de cumprimento parcial da pena de substituição que lhe foi aplicada no Processo n.º 16/16.5GAPNF, de 5 (cinco) meses, decidindo-se ter o mesmo a cumprir o remanescente de 4  anos e 11  meses de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I

Relatório



1. AA, mais detidamente identificado nos autos, no âmbito do Processo n.º 70/18……, por sentença de 13.12.2019, transitada em julgado em 27.01.2020, foi condenado, pela prática, em 6.03.2018, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203, n.º 1, 204, n.º 2, al. e), 72 e 73 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

No Processo n.º 16/16........, do Juízo Central Criminal ....... – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca ..........., por acórdão de 17.07.2018, transitado em julgado em 9.01.2019, o arguido foi condenado, pela prática, no período compreendido entre Março de 2016 e 10.07.2017, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21, n.1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à sua sujeição ao tratamento médico à toxicodependência (cf. art. 52, n.º 3 do Código Penal), condicionada ao cumprimento das obrigações de não frequentar quaisquer lugares conotados com o tráfico de drogas e de não acompanhar, alojar, receber ou contactar quaisquer pessoas conotadas com a toxicodependência ou aquela atividade (cf. art. 52, n.º 2 als. b) e d) do Código Penal), e acompanhada de regime de prova assente em plano de reinserção social tendente a promover a sua inserção profissional e com a sua sujeição às obrigações previstas nas als. a) a d) do art. 54 do CP (cf. art. 53 e 54, ambos do CP).

2. Por acórdão cumulatório de 04.12.2020, o arguido AA foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, determinando-se, nos termos do artigo 81 n.ºs 1 e 2 do CP, o desconto equitativo e a título de cumprimento parcial da pena de substituição que lhe foi aplicada no Processo n.º 16/16........, de 5 (cinco) meses, decidindo-se ter o mesmo a cumprir o remanescente de 4 anos e 11 meses de prisão.

O acórdão cumulatório englobou a pena aplicada no processo n.º 70/18……, no âmbito do qual fora aplicada a pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática de crime de furto qualificado; e no processo n.º 16/16........, no âmbito do qual fora aplicada pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeito ao cumprimento de diversas obrigações, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes. Os   respetivos períodos de suspensão da execução das penas em causa encontravam-se em curso, uma vez que não houve em tais processos decisão de revogação, prorrogação ou extinção das mesmas.


3. Inconformado com o cúmulo decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação …..., em 18.01.2021, impugnando a medida da pena única fixada, pugnando pela sua redução para 5 anos de prisão suspensa na sua execução, invocando a gravidade mediana dos crimes em causa, modo de vida, a personalidade do agente e a inserção social do mesmo. E da sua motivação extraiu as seguintes Conclusões:

“PRIMEIRA: Vem o presente recurso interposto da decisão que aplicou ao arguido/recorrente, em cúmulo jurídico, a pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, à qual se efetuou o desconto de 5 meses, pelo que o mesmo terá de cumprir o remanescente de 4 anos e 11 meses de prisão.

SEGUNDA: A primeira censura que se faz ao Acórdão recorrido prende-se com o facto de violar o disposto no nº 1 do art. 40º do C. Penal ao considerar a aplicação de pena de prisão efetiva como a única adequada à proteção de bens jurídicos e à reintegração do recorrente na sociedade.

TERCEIRA: O recorrente entende que no seu caso concreto o correto sentido na aplicação da norma acima citada deveria ter passado pela aplicação de medida de pena de prisão que permitisse a sua suspensão por forma a permitir a continuação do processo de reintegração iniciado que tem conseguido garantir a concretização dos dois objetivos prosseguidos pelo legislador penal.

QUARTA: De igual modo, o acórdão é violador do disposto no nº 1 do art. 71º do C. Penal, pois ao determinar a medida da pena considerou que apenas uma medida de pena de prisão que não admitisse a sua suspensão era a adequada em função da culpa do recorrente e das exigências de prevenção, devendo antes ter considerado adequada uma medida da pena que permitisse a sua suspensão, pois a determinação de tal medida sendo feita em função da culpa do recorrente seria igualmente feita em função das exigências de prevenção o que tem vindo a ser conseguido.

QUINTA: Finalmente, o acórdão vai contra o disposto na 2ª parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal ao fazer uma incorreta apreciação dos factos e da personalidade do recorrente.

SEXTA: O acórdão deveria ter avaliado conjuntamente os factos e a personalidade do recorrente manifestada e concluído que a aplicação de uma medida de pena de prisão que viabilizasse a sua suspensão seria a mais adequada e conforme à aplicação do disposto no normativo acima referido.

SÉTIMA: No caso concreto, a pena aplicada foi incorreta e indevidamente determinada pois, como é consabido, o nosso sistema não prescinde da determinação concreta das penas aplicáveis aos vários crimes, as quais serão norteadas pelos critérios de culpa e da prevenção (geral e especial), segundo os vários fatores que vêm enumerados, de forma exemplificativa, no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, sendo esta referência importante do ponto de vista da caraterização do instituto e da determinação da natureza da pena conjunta.

OITAVA: Pena conjunta essa que haverá de levar em conta um critério específico, constante do artigo 77º, n.º 1 do mesmo diploma legal: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

NONA: Na verdade haveremos de concluir que o que está em causa e o que verdadeiramente interessa é a personalidade do agente (direito penal do agente).

DÉCIMA: A decisão proferida usou o critério de mera adição de penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade.

DÉCIMA PRIMEIRA: Do exposto resulta, salvo melhor opinião, e tendo em conta a gravidade (mediana) dos crimes, bem como a personalidade do agente, modo de vida e inserção social (atendendo a tudo quanto a este respeito foi dado como provado na decisão recorrida) que é desproporcionada a quantificação operada pelo tribunal recorrido.

TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADO O ACÓRDÃO PROFERIDO.”


4. Por despacho judicial de 26.01.2021, no recebimento do recurso, considerou-se ser este Supremo Tribunal de Justiça o competente para apreciar do mesmo, conforme o disposto no art. 432, n.º 1, al.  c) do CPP.


5. Na sua resposta, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido desenvolveu as seguintes considerações:

“No recurso que interpôs, o condenado recorrente insurge-se contra o Douto Acórdão de cúmulo jurídico, proferido nos autos à margem referenciados, que englobou as penas aplicadas nos presentes autos e no Processo nº16/16........, condenando-o na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, à qual se efetuará, nos termos do artigo 81.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, o desconto, equitativo e a título de cumprimento parcial da pena de substituição que lhe foi aplicada no Processo nº 16/16........, de 5 meses, pelo que o mesmo terá de cumprir o remanescente de 4 anos e 11 meses de prisão.

O arguido recorre da medida da pena única pugnando pela sua redução para 5 anos de prisão suspensa na sua execução, invocando a gravidade mediana dos crimes, a personalidade do agente e a inserção social.

Salvo o devido respeito por opinião contrária o Douto Acórdão em apreço faz correcta interpretação e aplicação do direito aos factos constantes dos autos.

Pelo que, salvo melhor opinião afigura-se que o recurso apresentado não merece provimento.

Vejamos:

A Decisão em apreço faz referência a cada uma das penas em concurso, aos motivos de facto e de direito que determinaram a aplicação das penas em concurso e pronuncia-se sobre todas as questões que deveria apreciar.

De acordo com o disposto no artº 77º do Código Penal a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares aplicadas.

No caso concreto dos presentes autos atentas as penas aplicadas nos presentes autos – 1 ano de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, nº 1, 204.º, nº 2, al. e), 72.º e 73.º do Código Penal – e no Processo nº 16/16........, do Juízo Central Criminal de ....... - 5 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22.01 - a pena a aplicar em cúmulo jurídico tem como limite mínimo 5 anos de prisão e o limite máximo de 6 anos de prisão, correspondente à soma das penas parcelares em concurso.

Seguindo a Jurisprudência pacifica a pena única deverá na sua duração projetar a imagem global do facto, a intensidade da ilicitude, o modo de execução dos crimes e as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, a repercussão social, bem como a personalidade do arguido e a sua condição pessoal e o contexto em que os factos ocorreram.

Assim, atentas as penas parcelares em concurso e o disposto no art. 77º, n.º 2 e 3, e 78º, n.º 1, do CP, tendo presente a moldura sancionatória a ponderar – mínimo de 5 anos e máximo de 6 anos de prisão, - a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão fixada não se mostra desadequada nem desproporcional.

Atendeu, assim, o Tribunal às fortes exigências de prevenção geral reclamadas pela natureza dos bens jurídicos violados, bem como às exigências de prevenção especial assentes na socialização do arguido e bem assim o limite da pena a aplicar.

Considerando as penas parcelares fixadas, o limite mínimo e máximo da moldura sancionatória a ponderar, a gravidade e natureza dos ilícitos praticados, o tribunal aplicou uma pena única que se afigura, a nosso ver, proporcional e adequada à ilicitude e culpa do condenado, inexistindo fundamento para que fique aquém da aplicada no Acórdão.

Pelo que, seguindo a Jurisprudência pacifica de que a pena única deverá na sua duração projetar a imagem global do facto, a intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral e especial e não ultrapassar a medida da culpa enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida, derivada da severidade do facto global, afigura-se-nos, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, que o acórdão recorrido não é passível de censura.

O recurso apresentado pelo condenado deve ser julgado improcedente.

Pelo que, mantendo o Douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos farão Vossas Excelências Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, como habitualmente,

J U S T I Ç A”.


6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, acompanhando os fundamentos da posição do Ministério Público supracitados, igualmente se manifestou pela improcedência do recurso.


7. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, a que não houve resposta.


Sem Vistos, atenta a situação pandémica em curso, na vigência do estado de emergência, cumpre apreciar e decidir em conferência.



II

Do Acórdão recorrido



Tem nesta sede relevância em particular a fundamentação do Acórdão recorrido, cujo dispositivo já foi referido supra:

“II. Fundamentação

II. 1. Os Factos

Realizada a audiência e com interesse para a decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:

I. Nestes autos (Processo nº 70/18.5GEGMR), por sentença de 13.12.2019, transitada em julgado em 27.01.2020, o arguido foi condenado, pela prática, em 6.03.2018, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, nº 1, 204.º, nº 2, al. e), 72.º e 73.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pelos seguintes factos, em súmula:

1. No dia 6/03/2018, o arguido deslocou-se à residência sita na Rua ............, nº 115, em .........., com intenção de retirar do seu interior os objetos e valores que aí se encontrassem e lhe pudessem interessar, designadamente dinheiro.

2. Aí chegado, em execução do plano traçado, a hora em concreto não apurada, mas situada entre as 8.00 e as 12.00 horas, o arguido dirigiu-se às traseiras da habitação, partiu um dos vidros de uma janela aí existente, após o que abriu e acedeu ao interior da casa.

3. De seguida, o arguido, deambulou pelas dependências da casa, inspecionou e remexeu móveis e retirou do interior de gaveta de uma mesa-de-cabeceira, situada no quarto da ofendida, um envelope contendo no seu interior a quantia de € 500,00, em numerário, que levou consigo e fez coisa sua.

4. Ao agir da forma descrita, o arguido atuou sabendo que partia a janela e que que se introduzia na habitação de BB, querendo apropriar-se dos valores acima descritos, integrá-los no seu património, ciente de que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo da legítima dona, propósito que alcançou.

5. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crimes.

6. O arguido confessou os factos.

7. O arguido entregou, na 2ª sessão de audiência de julgamento, €250,00 à ofendida.

8. O arguido demonstrou arrependimento. – cf. fls. 122-128, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

II. No Processo n º16/16........, do Juízo Central Criminal ....... – Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca............, por acórdão de 17.07.2018, transitado em julgado em 9.01.2019, o arguido foi condenado, pela prática, no período compreendido entre Março de 2016 e 10.07.2017, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, nº1, do D.L. nº15/93, de 22.01, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à sua sujeição ao tratamento médico à toxicodependência (cf. art. 52.º, n.º 3 do Código Penal), condicionada ao cumprimento das obrigações de não frequentar quaisquer lugares conotados com o tráfico de drogas e de não acompanhar, alojar, receber ou contactar quaisquer pessoas conotadas com a toxicodependência ou aquela actividade (cf. art. 52.º, n.º 2 als. b) e d) do Código Penal), e acompanhada de regime de prova assente em plano de reinserção social tendente a promover a sua inserção profissional e com a sua sujeição às obrigações previstas nas als. a) a d) do art. 54.º do CP (cf. art. 53.º e 54.º, ambos do CP), pelos seguintes factos, em súmula:

1. (…)

81. Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde Março de 2016 até 10 de Julho de 2017, data da sua detenção, que os arguidos CC, conhecida pela alcunha de “KK” e o seu filho AA venderam heroína a terceiros, designadamente aos arguidos DD, EE e FF.

82. A arguida CC desenvolvia a actividade profissional de empregada de limpeza, no Centro Comercial …., em ………., mas, simultaneamente e com o auxílio do seu filho AA, vendia heroína a terceiros, usando as instalações a que tinha acesso naquele Centro Comercial, designadamente uma arrecadação, para guardar produto estupefaciente.

83. Ambos, os arguidos CC e AA estavam já referenciados por estarem ligados ao tráfico de estupefacientes, tendo a arguida CC sido condenada, pela prática do crime de tráfico de estupefaciente, em pena de prisão suspensa na execução.

84. Mediante contacto telefónico prévio com os números de telemóvel usados indistintamente pelos arguidos CC e AA, a saber,  ….6511 (Alvo ......7040), ......4497 (Alvo ......2040), os arguidos combinavam o local da entrega, que acontecia, por regra, em …….. (estas feitas pela arguida CC no seu local de trabalho) ou em .........., local de residência dos arguidos e que nas sms designavam por “terra”, onde, por regra, as entregas eram feitas pelo arguido AA.

85. Assim, em várias ocasiões, após contactar com arguida CC, por regra, através do envio de sms, o arguido DD sozinho ou acompanhado dos outros arguidos, designadamente de EE, GG ou HH, deslocou-se quer a ……. quer a .........., locais onde a arguida CC ou o arguido AA lhe entregaram heroína.

86. Nas sms que trocavam, cada ponto (.) representava 5 gramas de heroína que identificam por “Bola.

87. As transacções de heroína entre os arguidos ocorreram, por regra, de dois em dois dias, tendo o arguido DD, em cada ocasião, adquirido 15 gramas de heroína, doseada em sacos de 5 gramas, pagando por cada grama a quantia de 27,5 € a grama, preço acordado com a arguida CC, no pressuposto de que o arguido lhe adquiria estupefaciente de dois em dois dias. Aos que adquiriam heroína em quantidades inferiores (5/10g), a arguida vendia cada grama pelo preço de €30,00/g.

89. Assim, no dia 04.04.2017, fazendo-se acompanhar do arguido II, o arguido DD deslocou-se a ………, onde se encontraram com a arguida CC, que os encaminhou para um local mais resguardado, onde lhes entregou produto estupefaciente (...).

90. No dia 04.05.2017, o arguido DD, acompanhado da arguida HH, deslocou-se a ……, local de trabalho da arguida CC. Aí chegados, a arguida CC encaminhou os arguidos para as traseiras do centro comercial .... e, por um trajecto mais longo, até ao local onde tinha guardado o produto estupefaciente, que entregou ao arguido Paulo.

91. No dia 12.05.2017, o arguido AA enviou sms ao arguido DD, dando-lhe conta de que seria ele a fazer a entrega do produto, em virtude de a mãe se encontrar no hospital, combinando com este o local de entrega. (…)

92. No dia 22.05.2017, a arguida CC entregou ao arguido II, nas traseiras de um prédio situado no Largo ………, em .........., 15 gramas de heroína (3 sacos de 5grs). (…)

93. Nos dias 23.05.2017 e 01.06.2017, arguido AA, após ter combinado encontrar-se com o arguido DD, deslocou-se ao exterior do edifício, local onde o arguido DD o aguardava e deu-lhe indicação para o seguir até à entrada n.º…, onde residem os arguidos, tendo no interior do prédio entregado produto estupefaciente.

94. O arguido AA entregou, ainda, heroína ao arguido FF, no dia 26.06.2017, tendo o encontro entre ambos ocorrido em .........., junto ao edifício onde reside o arguido e sua mãe (encontro esse agendado através de troca de sms entre ambos) (…).

95. No dia 30.06.2016, o arguido AA entregou produto estupefaciente ao arguido DD, que, na companhia da arguida GG, se deslocou, no veículo de matrícula 60-68-GE, ao Largo ….…., local onde reside o arguido AA, o que sucedeu, também, no dia 04.07.2017 (o arguido DD foi ao encontro do arguido AA sozinho) e no dia 07.07.2017, em que o arguido DD, fazendo-se acompanhar da arguida HH, encontrou-se com o arguido AA que lhe entregou (à arguida HH, uma vez que o arguido DD permaneceu no carro) estupefaciente, designadamente 25 gramas de heroína.

96. Ora, a transacção entre os arguidos era efectuada no interior de maços de tabaco, um leva dinheiro o outro a droga, tendo nesse a arguida HH entregue o maço sem dinheiro, fazendo com que disputasse uma discussão entre ambos.

97. Apercebendo-se disso, o arguido AA dirigiu-se ao arguido DD, interpelando-o, o que originou uma discussão entre ambos, seguida de troca de mensagens de teor intimidatório dirigidas ao arguido DD, quer pelo arguido AA, quer pela arguida CC, no dia 07.07.2017.

98. Durante o período referido em 81. os arguidos CC Costa e o arguido AA foram responsáveis não só pela venda de estupefaciente aos arguidos, mas também a outros compradores, designadamente a JJ, vulgarmente conhecido pela alcunha de JJ., que foi quem apresentou a arguida CC ao arguido II.

99. De forma a dissimular a actividade a que se dedicavam e a verdadeira dimensão do negócio a que se dedicam, os arguidos CC e AA tinham vários grupos de compradores a quem vendiam estupefaciente, com quem falavam apenas através de um contacto telefónico e a quem designavam de “Turma”, constituindo os arguidos nestes autos apenas uma das “turmas” a quem vendiam estupefaciente. (…).

100. Na sequência da operação policial realizada no dia 10 de Julho de 2017, cerca das 15H40M, no interior da residência do arguido DD, este e a arguida GG preparavam-se para dosear produto estupefaciente quando foram surpreendidos pelos militares da GNR, tendo sido encontrado e apreendido na sua posso, os objectos, produto estupefaciente que a seguir se discrimina.

102. Na cozinha, um telemóvel, marca Alcatel, modelo OneTouch, com o IMEI 014566000386239, com o cartão da Operadora Vodafone PIN 4953.

103. No quarto dos arguidos: um telemóvel, marca Vodafone, modelo LTE/4G, IMEI ……85, cartão SIM da operadora Vodafone ….89, PIN ….; um Documento único de veículo automóvel de matrícula ….-….-GE; um telemóvel de marca Vodafone, FM rádio, com o IMEI …34, com cartão Sim de número desconhecido; um telemóvel de marca Alcatel, modelo One Touch, com o IMEI: ….00, com cartão SIM da operadora Vodafone.

104. Na sala: cinco pacotes/embalagens em plástico, contendo no seu interior um pó de cor castanha, suspeito de se tratar de heroína, com o pelo bruto de 1.41 gramas;

Uma porção de pó de cor escura, ainda por dosear, suspeita de se tratar de heroína, com o peso bruto de 2,42 gramas; Uma cápsula de comprimido, doseadora de produto estupefaciente; Um isqueiro de marca BIC; Uma tesoura de corte cor azul;

Três cartões de suporte de cartões SIM, utilizados no doseamento de estupefaciente;

Vários sacos de recortes de plásticos para embalamento de estupefaciente.

105. No interior da garagem: vários artigos que se suspeitam ter sido furtados do interior de uma casa senhorial correspondente ao furto com o NUIPC 421/17........

106. Realizado teste rápido à substância apreendida, o qual reagiu positivamente à heroína, sendo contabilizado o total de 3,83 gramas, suficiente para a preparação de cerca de 40 doses.

107. Na residência do arguido, sita na Avenida ……, designadamente no quarto do arguido, foram encontrados e apreendidos: um papel manuscrito com vários contactos telefónicos e um envelope de cartão de telecomunicações da operadora Vodafone respeitante ao n.º ........24, que se encontrou sobe intercepção, nos presentes autos.

108. Na sequência da operação policial desencadeada nos dias 10 e 11 de Julho, foram encontrados e apreendidos na posse dos arguidos CC e AA os objectos, produto estupefaciente e dinheiro que a seguir se discriminam:

109. No interior do edifício onde residem os arguidos, pelas 14h40 do dia 11 de Julho de 2017, foi encontrado e apreendido na posse do arguido AA, um telemóvel marca Huawei, IMEI: ……25, com cartão da operadora NOS, n.º.......13;

110. Simultaneamente, no edifício ……. (condomínio privado), em ……, foi abordada a arguida CC, tendo sido aprendido, na sua posse, um telemóvel de marca Huawei, modelo P9 lite, com o IMEI ……64, PIN … e com o cartão telefónico ........65.

111. Cumpridos os mandados de busca e apreensão para a residência dos visados, sito no edifício da ………, nº…, .........., foram encontrados e apreendidos:

112. No quarto da arguida CC: um embrulho em plástico, contendo no interior pó de cor castanha, suspeito de se tratar de heroína com o peso ilíquido de 0,6gramas; um cartão de suporte de cartão SIM, da operadora NOS, PIN ….

113. No quarto do arguido AA, foram encontrados e apreendidos:

cinco embrulhos em plástico contendo no interior pó de cor castanha, suspeito de se tratar de heroína com o peso ilíquido de 5,2gramas; quatro fragmentos de pólen de haxixe, com o peso ilíquido de 11,00 gramas; e um cartão de suporte de cartão SIM, da operadora NOS, PIN ….

113. Na cozinha, foi encontrada e apreendida uma balança electrónica de precisão, marca Becken, modelo pésica.

114. No hall de entrada, um embrulho em plástico, contendo no interior pó de cor castanha, suspeita de se tratar de heroína, com o peso ilíquido de 0,5 gramas.

115. No corredor de acesso aos quartos, foi encontrado e apreendido um saco em plástico, contendo no interior pó de cor castanha, suspeito de se tratar de heroína, com o peso ilíquido de 167,00 gramas.

116. Na garagem, uma balança de precisão, marca Diamond, e quatro embrulhos em plástico contendo no interior pó de cor castanha, suspeito de se tratar de heroína, com o peso ilíquido de 28,7gramas.

117. Efectuado o teste DIK12 adequado às substâncias estupefacientes apreendidas, as quais reagiram positivamente às substâncias de heroína e haxixe, sendo contabilizado o total de 203,00 gramas de heroína, suficiente para a preparação de cerca de 2.000 doses, e 11,00 gramas de haxixe, suficiente para a preparação de 22 doses.

118. Realizada busca ao anexo/arrecadação utilizado pela arguida no Centro comercial .... em ……, foi encontrado e apreendido um telemóvel de marca Nokia, modelo 2600, IMEI ……………81, PIN …, cartão telefónico .......98, um papel manuscrito com o número de telefone ......9850 e um saco de Bicarbonato de Sódio, com uma colher de café no seu interior;

119. Na sequência da operação policial desencadeada, o arguido EE foi abordado na esplanada do Café ........, sito na Avenida ..............., ..........., tendo sido revistado e apreendido na sua posse um telemóvel de marca NOKIA, IMEI ………59, com cartão telefónico número .........18, PIN …….

120. No cumprimento dos mandados de busca à residência do arguido EE, sita na Travessa …, ............, foram encontrados e apreendidos:

121. Na sala: um telemóvel de marca SAMSUNG, IMEI ……59, com cartão telefónico operadora “USO”, com número ……..28; e um documento manuscrito, com apontamento dos números de telemóvel “........31” e .......46”, que estava em cima de um sofá, ligado à corrente eléctrica. O documento manuscrito encontrava-se entre a capa do telemóvel e a bateria, vários recordes plásticos guardados numa caixa, junto da mesa da sala, uma tesoura, que se encontrava na parte inferior da mesa da sala, duas facas, que se encontravam na parte inferior da mesa da sala, objectos usados pelo arguido II no doseamento do produto estupefaciente.

122. (…)

125. Foi a arguida DD abordada rua …………, ..........., ………, próximo da sua residência, tendo sido encontrado e apreendido na sua posse um telemóvel de marca Vodafone, modelo 4G, com o número .........01, e com o IMEI ……….42, que se encontrava em intercepção nos presentes autos, um cartão de suporte, da operadora Vodafone com o ICCID nº …………27.

126. Todos os arguidos agiram nos termos descritos de forma plenamente consciente, livre e deliberada, conhecendo as características dos produtos estupefacientes que detiveram e transaccionaram e sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. – cf. certidão de fls. 164-247 e informação de 2.12.2020 (ref.ª Citius nº10834983), a fls. 259-260, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

III. No Processo nº 2222/15......, do Juízo Local Criminal ........ – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca …, por sentença de 14.12.2018, transitada em julgado em 28.01.2019, o arguido foi condenado, pela prática, em 7.10.2009, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, nº 1, e 25.º, al. a), do D.L. nº15/93, de 22.01, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo – cf. CRC a fls. 154-156 v.º.

IV. No Processo referenciado em III), a pena foi declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal, mediante despacho de 25.06.2020, transitado em julgado – cf. CRC a fls. 154-156 v.º.

V. No Processo nº 496/19........, do Juízo Local Criminal ………, do Tribunal Judicial da Comarca ............, por sentença de 9.09.2019, transitada em julgado em 9.10.2019, o arguido foi condenado, pela prática, em 26.08.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. nº 2/98, de 3.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5 € – cf. CRC a fls. 154-156 v.º.

VI. No processo referido em I), o plano de reinserção social do condenado, elaborado pelos Serviços de Reinserção Social (ref.ª Citius nº …..), foi homologado por despacho de 2.11.2020 (ref.ª Citius nº ……) – cf. fls. 248, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

VII. No Processo referenciado em I), não foi proferida decisão de revogação ou prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão, nem de extinção da pena, tendo sido homologado o plano de reinserção social por despacho de 2.11.2020 (ref.ª Citius nº …….).

VIII. No Processo referenciado em II), não foi proferida decisão de revogação ou prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão, nem de extinção da pena – cf. certidão a fls. 164.

IX. O arguido é o único filho de um casal com uma dinâmica conjugal disfuncional e conflituosa.

X. Ambos os progenitores foram condenados em penas de prisão efectivas, quando o arguido tinha cerca de 3/4 anos de idade, na sequência do que o mesmo ficou ao cuidado de tios maternos, agregado no qual cresceu, até aos seus 11 anos de idade, tendo estabelecido com tais familiares uma relação coesa.

XI. Entretanto, o arguido manteve contactos pontuais com a mãe, a qual visitava nas instalações do estabelecimento prisional onde a mesma estava a cumprir pena de prisão, conjuntamente com os tios; o arguido não voltou a estabelecer contactos com o pai.

XII. Com cerca de 11 anos de idade e após a libertação da mãe, o arguido passou a viver com esta no agregado dos tios. Mais tarde, após estabilização da situação profissional da progenitora, o arguido passou a residir com a mesma em casa arrendada, situação que se manteve até 2017.

XIII. O arguido frequentou o ensino até ao 7º ano de escolaridade.

XIV. A partir do 7º ano de escolaridade, o arguido começou a adoptar comportamentos disruptivos no contexto escolar, de absentismo e desempenho abaixo das suas capacidades.

XV. Com cerca de 13 anos de idade, o arguido iniciou o consumo de estupefacientes, no âmbito do seu convívio com um grupo de pessoas mais velhas e conotadas com condutas desviantes, e fora do contexto escolar.

XVI. O arguido consumiu cocaína e metanfetaminas.

XVII. A mãe, focada na sua actividade profissional (inicialmente, no sector têxtil e, depois, como empregada de limpeza) e na sustentabilidade financeira do seu agregado familiar, manifestava dificuldades de supervisão e ascendência sobre o comportamento do arguido.

XVIII. Quando o arguido tinha 16 anos de idade, o companheiro da sua mãe passou a viver com ambos e facilitou o acesso do arguido a produtos estupefacientes.

XIX. Com cerca de 17 anos de idade, o arguido frequentou um curso com equivalência ao 9º ano de escolaridade, com formação profissional em serviços rápidos.

XX. Em 2017, a rotina diária do arguido centrava-se na satisfação da sua necessidade de consumo de haxixe e cocaína.

XXI. O arguido nunca efectuou qualquer tentativa de desintoxicação, desvalorizando a dependência das drogas e a necessidade de tratamento clínico.

XXII. Desde Setembro de 2017 até final de Janeiro de 2018, o arguido trabalhou numa empresa de calçado; posteriormente, trabalhou numa empresa de cartonagem, durante cerca de um mês, e num hipermercado, durante 10 dias, actividade esta que interrompeu devido ao facto de ter sofrido uma lesão no membro inferior, em Março de 2018.

XXIII. Em Março de 2018, o arguido residia em ......, com a namorada, que sustentava ambos, com o vencimento que auferia enquanto operária de uma empresa de calçado.

XXIV. Desde Agosto até Dezembro de 2018, o arguido esteve emigrado na Córsega, onde trabalhou na construção civil, com um tio, situação que facilitou o abandono do consumo de cocaína e haxixe.

XXV. Em Dezembro de 2018, por pressão da sua companheira, o arguido decidiu permanecer em Portugal, com a perspectiva de ambos se reorganizarem com base no trabalho e com o dinheiro que o arguido havia amealhado; porém, o arguido manteve-se sem ocupação laboral e reaproximou-se do anterior grupo de amigos, retomando o consumo de estupefacientes e gerindo o quotidiano em torno dos mesmos.

XXVI. Em Março de 2019, o arguido e a sua companheira integraram o agregado familiar de origem desta, composto pela mãe da mesma e quatro filhos, residindo em Sousa, Felgueiras, num apartamento integrado em bairro de habitação social.

XXVII. A sustentabilidade financeira deste agregado baseava-se: no salário mínimo nacional que um dos irmãos da companheira do arguido auferia; no montante mensal de cerca de 40 €, que a mãe da companheira do arguido obtinha como contrapartida de trabalhos de limpeza doméstica e de jardins que executava; na quantia de 54 €, recebida a título de pensão de alimentos; e 50 €, correspondente ao abono de família recebido por um dos irmãos da companheira do arguido.

XXVIII. Este agregado familiar despendia, mensalmente: a quantia de 150 €, a título de renda da habitação; e o montante de cerca de 100 €, correspondente ao consumo de energia eléctrica e água.

XXIX. De Março de 2019 a Maio de 2020, o arguido trabalhou numa fábrica de componentes de calçado, denominada “……”, situada no local da sua residência, onde auferia o ordenado mínimo nacional; o arguido cessou a sua actividade nesta empresa devido à redução do quadro de empregados da mesma.

XXX. Em Setembro de 2019, o arguido e a sua companheira tiveram uma filha.

XXXI. O arguido tem mais dois filhos, com 12 e 3 anos de idade, respectivamente, os quais residem com as respectivas mães.

XXXII. O arguido paga, a título de alimentos, a quantia mensal de 100 € para o seu filho de 12 anos e o valor mensal de 130 € para a sua filha de 3 anos de idade.

XXXIII. Presentemente, o arguido reside com a sua companheira, a filha de ambos e a avó materna desta.

XXXIV. Desde Agosto de 2020, o arguido trabalha como servente da construção civil, por conta da empresa “………”, situada em …….., auferindo o vencimento mensal de cerca de 800€.

XXXV. O arguido beneficia do abono de família, no valor mensal de 120 €.

XXXVI. A companheira do arguido está desempregada e a mãe daquela não trabalha.

XXXVII. O agregado do arguido suporta as despesas relativas à renda da habitação social onde residem, no valor mensal de 53 €, ao consumo de energia eléctrica, gás e água, no valor mensal de cerca de 120 €, e a telecomunicações, no montante mensal de 40 €.

XXXVIII. Presentemente, o quotidiano do arguido cinge-se ao seu desempenho profissional e ao convívio com a sua companheira e a filha de ambos.

XXXIX. Actualmente, o arguido consome haxixe.

XL. No âmbito do acompanhamento da suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, em que o arguido foi condenado no processo supra referenciado em II), o arguido aderiu à intervenção terapêutica do ET ……, onde é acompanhado desde Junho de 2019; por dificuldade em faltar ao trabalho, o arguido nem sempre consegue comparecer às consultas agendadas.

XLI. O arguido está motivado para cumprir os planos de reinserção social homologados nos processos identificados em I) e II) e apresenta-se colaborante com a intervenção da DGRSP.

II.2. Motivação

Quanto aos factos vertidos sob os nºs I a VIII, atendeu-se ao teor dos documentos correspectivamente indicados.

A factualidade sob os nºs IX a XLI assenta no teor do relatório social a fls. 250-253 e, bem assim, nas declarações do arguido.

II.3. O Direito

A propósito da punição do concurso efectivo de crimes (artigo 30.º, nº 1, do Código Penal), o artigo 77.º, nº 1, do Código Penal prescreve: “1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. (…)”.

Por seu turno, o artigo 78.º do Código Penal preceitua: “1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crime. 2. O disposto no artigo anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

Da conjugação dos artigos 77.º, nº 1, e 78.º do Código Penal conclui-se que é pressuposto do cúmulo jurídico das penas concretamente aplicadas ao arguido, pelos vários crimes cometidos, a existência de uma relação de concurso entre as infracções, ou seja, que o arguido as tenha cometido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer uma delas, sendo irrelevante a natureza da pena aplicada (prisão efectiva, suspensa ou multa) e desde que a(s) pena(s) aplicada(s) no(s) outro(s) processo(s) não se encontre(m) prescrita(s).

É entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça de que o concurso de infracções exige que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única os praticados posteriormente, sendo que o trânsito em julgado de determinada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária em que, englobando as cometidas até essa data, se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito. Ou seja, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes, para o efeito de aplicação de uma pena de concurso, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente, pelo que, no caso de conhecimento superveniente de infracções, aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto (cf., por todos, os Acórdãos do STJ, de 28.06.2006, processo nº 06P1713; de 15.03.2007, processo nº 06P4796; de 19.12.2007, processo nº 07B3400; de 9.04.2008, processo nº 07P3187; de 17.04.2008, processo nº 08P681; de 21.05.2008, processo nº 08P911; e de 12.06.2008, processo nº 08P1518, in www.dgsi.pt).

Com efeito, “no conhecimento superveniente de infracções, tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente” (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 293; e, entre outros, o Ac. do STJ, de 12.06.2008, processo nº08P1518, in www.dgsi.pt), traduzindo a pena conjunta a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cf. Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, FDUC, 2005, p. 1324). O cúmulo visa colmatar a falta de correspondência da contemporaneidade factual à contemporaneidade processual, assim debelando “o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao estabelecer limites à duração das penas a fixar” (cf. Ac. do STJ, de 12.06.2008, supra citado).

Seguindo o entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça de que o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes, para o efeito de aplicação de uma pena de concurso, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente, afigura-se-nos que o crime pelo qual foi condenado nestes autos (cometido em 6.03.2018) está em relação de concurso, por um lado, com os crimes pelos quais foi sancionado nos Processos nºs 16/16........ e 2222/15...... (praticados no período compreendido entre Março de 2016 e 10.07.2017 e em 7.10.2009, respectivamente), tendo o trânsito em julgado da primeira das decisões condenatórias, proferida naquele Processo nº16/16........, ocorrido em 9.01.2019 – cf. factos provados sob os nºs I a III.

Por outro lado, observando o mesmo critério para a realização de cúmulo jurídico de penas, verifica-se que o crime pelo qual foi condenado nestes autos (cometido em 6.03.2018) está em relação de concurso somente com o crime pelo qual foi sancionado no Processo nº 496/19........ (praticado em 26.08.2019), tendo o trânsito em julgado da primeira destas decisões condenatórias, proferida naquele Processo nº 496/19........, ocorrido em 9.10.2019 – cf. factos provados sob os nºs I e V.

Todavia, verifica-se que a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido no Processo nº 2222/15...... já foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º do Código Penal, mediante despacho de 25.06.2020, transitado em julgado (cf. Factos provados sob os nºs III e IV).

Sobre a problemática da inclusão ou não das penas de prisão suspensas na sua execução no cúmulo jurídico, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto acórdão de 29.04.2010 (processo nº 16/06.3GANZR.C1.S1, in www.dgsi.pt), sustenta: “A extinção da pena suspensa prevista no art.º 57.º, n.º 1, não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respectivo período alguma das circunstâncias referidas no art.º 56.º, pelo que tal pena, já extinta mas sem ser pelo cumprimento, nunca pode ser descontada na pena única, nos termos do art.º 78.º, n.º 1. A entender-se que, nesses casos, já se verificou o “cumprimento” da pena, tal só se pode fazer por referência ao “cumprimento” da pena de substituição, mas não ao da pena de prisão, pois este, efectivamente, não se verificou. Deste modo, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final”.

No seu douto acórdão de 10.02.2010 (proc. nº 39/03.4GCLRS-A.L1.S1, in www.dgsi.pt), expende-se: “devem ser excluídas as penas prescritas ou extintas, já que, se elas entrassem no concurso, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar.

Essas penas foram apagadas da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução (…) donde, recuperar essas penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo da renúncia e condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, em frontal violação do princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP”.

Por sua vez, no douto acórdão do STJ, de 20.01.2010 (392/02.7PFLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt), explicita-se: “Se a pena aplicada for declarada extinta, nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, no termo final do período da suspensão da execução da pena, em virtude de não ter praticado outro ilícito criminal, não haverá lugar a desconto, pois que a Lei 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas. (…). Deste modo, não é de operar a inclusão da pena suspensa declarada extinta, por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade”.

No mesmo sentido, os doutos acórdãos do STJ, de 17.12.2009 (proc. nº 328/06.6GTLRA.S1), de 4.11.2015 (proc. nº 1259/14.1T8VFR.S1) e de 13.02.2019 (proc. nº 1205/15.5T9VIS.S1); e o douto Ac. da Rel. de Coimbra, de 23.11.2010 (proc. nº 246/07GEACB.C1), todos in www.dgsi.pt.

Neste conspecto, a pena aplicada ao arguido no Processo nº 2222/15...... não integrará o cúmulo jurídico a efectuar, em virtude de a mesma já ter sido declarada extinta ao abrigo do artigo 57.º, nº 1, do Código Penal.

Assim, só as penas aplicadas nos Processos nº 70/18……. e 16/16........ serão englobadas no cúmulo jurídico, pois os respectivos períodos de suspensão da execução das correspondentes penas de prisão ainda estão em curso – cf. factos provados sob os nºs I, II e VI a VIII.

Por outro lado, não existe benefício para o arguido efectuar o cúmulo jurídico entre a pena de prisão (suspensa na sua execução e cujo prazo da suspensão ainda não decorreu integralmente, nem tal suspensão foi revogada) que lhe foi aplicada neste processo (nº 70/18……) com a pena de multa que lhe foi aplicada no Processo nº 496/19........, pois esta manteria a sua natureza, conforme preceituado no artigo 77.º, nº 3, do Código Penal, sendo que o correspondente crime, praticado em 26.08.2019, não está em relação de concurso com o crime correspondente ao Processo nº 16/16........, cuja condenação transitou em julgado em momento anterior àquela data (9.01.2019).

Por conseguinte, ao abrigo do artigo 78.º, nº 1, do Código Penal e por ser a opção concretamente mais favorável ao arguido, decide-se efectuar o cúmulo jurídico das penas em que o mesmo foi condenado somente nos Processos nºs 70/18……. e 16/16........, em virtude do conhecimento superveniente do concurso de crimes.

Ponderando que, no conjunto destes dois processos, a última condenação ocorreu, efectivamente, nestes autos (em 13.12.2019), cumpre, ao abrigo do artigo 78.º, nº 1, do Código Penal, operar o cúmulo jurídico, em virtude do conhecimento superveniente do concurso de crimes.

Ainda que somente as penas principais devam ser incluídas no cúmulo jurídico, deve efectuar-se o competente desconto das penas de substituição efectivamente cumpridas – cf., neste sentido, o Ac. do STJ, de 13.02.2019, supra citado, in www.dgsi.pt.

Procedendo, agora, ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas neste processo e no Processo nº 16/16........, consideramos, por um lado, o disposto no artigo 77.º do Código Penal, cujo nº1, na parte final, preceitua que, “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Por outro lado, o artigo 77.º, nº 2, do Código Penal estabelece: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Nos termos do nº 3 do artigo 77.º, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Assim, aplicando o disposto no artigo 77.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a pena única de prisão tem, como limite mínimo, 5 (cinco) anos e, como limite máximo, 6 (seis) anos.

A pena única a aplicar ao arguido servirá o escopo da prevenção geral positiva, em termos de a comunidade considerá-la como suficiente para promover a tutela dos bens jurídicos violados, reafirmando a validade das normas violadas, sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa do arguido, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (cf. artigos 29.º e 40.º, nºs 1 e 2, do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Por outro lado, serão igualmente ponderadas as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido que se façam sentir (cf. artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nº 1, do Código Penal).

A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso não sobrelevam aquelas que se observam na generalidade dos tipos de crimes em apreço.

Cumpre salientar, porém, que o crime de furto qualificado aqui em causa, pela sua gravidade, constitui uma importante fonte de alarme social e traduz um fenómeno social que urge combater.

Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso são também elevadas, atenta a fonte de alarme social associada ao tipo de crime em apreço, correspondente à potenciação do fenómeno da toxicodependência.

Por seu turno, a necessidade de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido apresenta-se mais esbatida, em virtude de, à data dos factos, não ter antecedentes criminais – cf. factos provados sob os nºs I, II, III e V.

Assim, depõem contra o arguido: o dolo intenso com que agiu em ambos os crimes, pois actuou sempre com dolo directo (cf. artigos 14.º, nº 1, e 71.º, nº 2, al. b), do Código Penal).

A favor do arguido depõem: o facto de não terem resultado do crime de tráfico de estupefacientes consequências nefastas para terceiros, designadamente ao nível da integridade física, da saúde e da vida (cf. factos provados sob o nº II) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. a), do Código Penal; a sua actual boa integração familiar e laboral (cf. factos provados sob os nºs XXII a XXIV, XXVI a XXX, XXXII a XXXIV e XXXVIII) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. d), do Código Penal; a confissão dos factos no âmbito do Processo nº 70/18……, o seu arrependimento pelo furto cometido (sendo que a reparação parcial, em metade do valor, do dano patrimonial causado à ofendida conduziu à atenuação especial da pena, ao abrigo dos artigos 206.º, nº 3, 72.º, nº 1 e nº 2, al. c), e 73.º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal) e a motivação que manifesta para o cumprimento do regime de prova que lhe foi delineado no Proc. nº 16/16........ e no Proc. nº 70/18……. (cf. factos provados sob os nºs I, XL e XLI) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. e), do Código Penal.

Destarte, e ponderando os factos na sua globalidade e porque nada se apurou no sentido de que a personalidade do arguido o desaconselha, afigura-se-nos justo, adequado, proporcional e necessário fixar a pena única de prisão em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses.


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A aplicação de uma pena de prisão não significa que a efectiva privação da liberdade seja necessária à realização dos fins da pena, sendo que o legislador prevê penas de substituição para determinados casos (cf. Anabela M. Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2001, nº 11, Coimbra, p. 664).

Atendendo à medida concreta da pena única de prisão ora aplicada ao arguido (superior a 5 anos), não é possível substituí-la por qualquer das penas não privativas da liberdade legalmente previstas: a multa, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e a suspensão da execução da pena de prisão (artigos 43.º, nº 1, 44.º, nº 1, als. a) e b), 45.º, nº 1, 46.º, nº 1, 50.º, nº 1, e 58.º, nº 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei nº 94/2017, de 23.08, e artigos 43.º, nº 1, als. a) e b), 45.º, nº 1, 50.º, nº 1, e 58.º, nº 1, do Código Penal na redacção introduzida pela Lei nº 94/2017, de 23.08).

Ora, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional “não julgar inconstitucional as normas constantes dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva – cf. Ac. do TC nº 341/2013, in www.tribunalconstitucional.pt.

Conforme mencionado no douto acórdão do STJ, de 14.01.2016 (proc. nº 8/12.3PBBGC-B.G1-S1, in www.dgsi.pt), o Tribunal Constitucional considerou “que a integração de penas de prisão (aquando de um conhecimento superveniente do concurso de crimes) anteriormente suspensas não constituía uma violação do caso julgado dada a ‘conatural provisoriedade da suspensão da execução da pena’. Não constituindo, igualmente, uma violação do caso julgado aqueles casos em que, após a formação da pena única com base em penas parcelares de prisão efectivas (sem que tivessem sido substituídas por qualquer pena de substituição), o tribunal decide aplicar uma pena de substituição à pena única”. Assim, “para além de (...) o princípio da intangibilidade do caso julgado não ser absoluto, este entendimento, mantendo intocado o caso julgado no que respeita às penas (principais) aplicadas e sustentando a provisoriedade da pena de prisão suspensa, é de molde a respeitar, no essencial, essa intangibilidade”.

Neste acórdão do STJ, de 14.01.2016, ainda se transcreve do citado acórdão do Tribunal Constitucional: “E no que respeita a uma eventual “confiança” ou “expectativa” do condenado na manutenção da suspensão da pena de prisão, salvo nos casos de verificação do circunstancialismo do artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal, a verdade é que tal “expectativa” não será suficientemente fundada no caso em que este tenha praticado um crime anteriormente àquela condenação, pelo qual ainda não foi julgado, pois sabe que essa suspensão pode não ser mantida, num cúmulo jurídico que venha a realizar-se futuramente, caso a pena conjunta aplicada ao cúmulo não possa legalmente ser suspensa ou se na ponderação que o tribunal que proceda ao cúmulo se entender que a suspensão, no caso, não se justifica”.

Consequentemente, por impossibilidade legal de proceder à suspensão da execução de uma pena de prisão superior a 5 anos, o condenado terá de cumprir esta pena única de prisão efectiva.


*


Todavia, o arguido tem vindo a cumprir, no âmbito do Proc. nº 16/16........, os deveres e as regras de conduta a que ficou subordinada a suspensão (pelo período de 5 anos) da execução da pena de prisão que lhe foi correspondentemente aplicada, bem como o regime de prova que a acompanhou – cf. factos provados sob os nºs II, VIII e XL.

Ora, desde 9.01.2019 (data do trânsito em julgado da decisão condenatória proferida no Processo nº 16/16........) até à presente data (dia 4.12.2020), já decorreu parte do período dessa suspensão, computado em 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 25 (vinte e cinco) dias.

Neste passo, acompanhamos a Jurisprudência que valoriza este cumprimento activo (pois não se trata apenas de aguardar pelo decurso integral do período da suspensão) e que entende dever ser relevado ao nível do desconto, efectuando-se um desconto equitativo, ao abrigo do artigo 81.º, nº 2, do Código Penal – cf. Ac. do STJ, de 14.01.2016, proc. nº 8/12.3PBBGC-B.G1-S1; no mesmo sentido, o Ac. do STJ, de 15.10.2015, proc. nº 3442/08.0TAMTS.S1, ambos in www.dgsi.pt.

Relativamente ao desconto, duas perspectivas podem ser adoptadas relativamente à sua natureza jurídica: a) a da consideração de que a operação de desconto constitui uma regra legal em matéria de execução de penas e só nesta fase deve ser realizado; e b) a perspectiva segundo a qual o desconto constitui um caso especial de determinação da pena que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória – cf. Ac. do STJ, de 14.01.2016, supra citado.

Doutrinalmente, reflectiu-se nos seguintes termos: “Já se pretendeu que sendo o funcionamento do desconto «automático» — talvez melhor: «obrigatório» —, ele deixa de constituir um caso especial de determinação da pena, para se tornar em mera regra legal de execução: com a consequência de que o desconto não precisaria de ser mencionado na sentença, tornando-se tarefa das autoridades competentes para a execução. É pelo menos duvidoso que assim deva ser entre nós. Por um lado, (…), em certas hipóteses o juiz fará na pena não o desconto pré-determinado na lei, mas aquele que lhe parecer «equitativo» — o que afasta de todo a hipótese de se falar, então, em mera regra de execução da pena; por outro lado, mesmo quando pré-determinado legalmente, o desconto transforma o quantum da pena a cumprir pelo agente, o que basta para justificar o tratamento sistemático do instituto do desconto entre os casos especiais de determinação da pena. Tudo convida, assim, a que o desconto seja sempre — mesmo quando legalmente pré-determinado — mencionado na sentença condenatória” - cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. Parte Geral. II. As Consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, pp. 298-299.

Como se expendeu, na fundamentação do douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 9/2011, de 20.10, 2011, “seja qual for a posição que se adopte quanto à natureza jurídica do desconto - caso especial de determinação da pena ou regra legal de execução da pena -, mesmo sendo ele obrigatório e legalmente predeterminado, justifica-se plenamente o tratamento sistemático do instituto do desconto no quadro da determinação da pena porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir; embora a pena, na sua espécie e gravidade, esteja definitivamente fixada antes de o tribunal considerar a questão do desconto, o que é certo é que a gravidade da pena a cumprir é também determinada pela decisão da questão do desconto” – in DR, nº 225/2011, Série I, de 23.11.2011, pp. 5010 – 5020.

Nesta linha, o STJ tem considerado o desconto como um caso especial de determinação da pena que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória – cf. Ac. do STJ, de 14.01.2016, supra citado.

Na senda da Doutrina e Jurisprudência supra explanadas, perfilhamos a tese do desconto enquanto caso especial de determinação da pena, o qual, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória.

Outra questão é a da admissibilidade ou não do desconto do período em que decorreu um cumprimento de uma pena de prisão que foi substituída pela suspensão da sua execução – cf. do STJ, de 14.01.2016, supra citado.

Ora, “da leitura dos arts. 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar — tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente —, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 300.

Assim, o “critério da equitatividade permite que, com ele, se preencha a lacuna (...) relativa aos casos em que a pena — anterior ou (e) posterior — é uma pena diferente da prisão ou multa (...): em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 300.

Isto porque, “decisivo será determinar o quantum da nova pena que, por razões de tutela dos bens jurídicos e de ressocialização do delinquente, se torna ainda indispensável aplicar tendo em atenção o quantum de pena anteriormente já cumprido” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 301.

Paralelamente, sustenta-se na Jurisprudência: “não é o mesmo sofrer uma privação da liberdade e admitir o seu desconto integral na pena de prisão em que venha a ser condenado, ou cumprir diversas injunções decorrentes do cumprimento de uma pena não privativa da liberdade, pelo que, consideramos que, nestas últimas situações, é possível não a aplicação de um desconto por inteiro, mas a aplicação de um desconto equitativo” – cf. Ac. do STJ, de 14.01.2016, supra citado; no mesmo sentido, o Ac. do STJ, de 15.10.2015, supra citado.

Com efeito, não está em causa o simples decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, sendo de rejeitar qualquer desconto, ao abrigo do artigo 81.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, nestas penas de substituição simples, “na medida em que o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão” – cf. Ac. do STJ, de 29.06.2017, proc. nº1372/10.4TAVLG.S1, in www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso concreto, verifica-se que o condenado não violou os deveres e as regras de conduta que lhe foram impostas no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no Proc. nº 16/16........, assim como não infringiu o correspondente regime de prova (cf. factos provados sob os nºs II, VIII, XXVI a XXXIV, XXXVIII e XL), pese embora ter cometido um crime no decurso dessa suspensão (em 26.08.2019), o qual, porém, não determinou a revogação desta, sendo certo que, de qualquer modo, está em causa uma infracção penal bagatelar (condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. nº 2/98, de 3.01), pela qual foi sancionado com uma pena de multa (cf. facto provado sob o nº V).

Avaliando todas estas circunstâncias e sopesando que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no Proc. nº 16/16........ ao longo de 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 25 (vinte e cinco) dias, afigura-se-nos equitativo operar o desconto de 5 (cinco) meses à pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, à luz do artigo 81.º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Em suma: fixa-se ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, sendo a mesma efectiva, pois, tratando-se de pena de prisão concreta superior a 5 anos, está legalmente vedada qualquer hipótese de suspensão da sua execução (cf. Artigo 50.º, nº 1, do Código Penal).

Porém, o condenado beneficiará do mencionado desconto de 5 (cinco) meses no cumprimento desta (nova) pena única de prisão, o que significa que o mesmo terá de cumprir 4 (quatro) anos e 11 (onze) meses.”



III

Fundamentação

A

Pressupostos Processuais



1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso.

2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos).

3.O thema decidendum no presente recurso é tão somente a questão, de direito, de reexame da decisão determinativa da pena única em cúmulo jurídico.


B

Do Direito



1. Ao contrário dos sistemas em que vigora a acumulação material, que por vezes redunda em prisão perpétua (na prática) e até penas finais de duração impossível de cumprir pelos dados estatísticos da longevidade humana (com o risco de ultrapassarem a culpa do agente, as necessidades preventivas e tornarem impossível ou muito difícil qualquer aspiração preventiva), o nosso sistema, de cúmulo jurídico, procura aproximar-se da pessoa do agente, adequar-se à sua culpa global, com rigoroso cumprimento do princípio da proporcionalidade e não renunciando ao ideal ressocializador,  enquadrando-se numa perspetiva humanista do Direito Penal (cf., v.g., Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, reimp., Coimbra, Almedina, 2018, p. 58; Tiago Caiado Milheiro, Cúmulo Jurídico Superveniente. Noções Fundamentais, reimp., Coimbra, Almedina, 2020, p. 8 ss.).

2. A situação de concurso superveniente é prevista no art. 78 do CP, que remete no seu n.º 1 para o art. 77 do CP. Importa salientar que na medida da pena são tidos em conta os factos e a personalidade do agente. Assim, esta injunção judicativa consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

E recorde-se a síntese do nosso sistema de penas no caso de pluralidade de infrações constante do Acórdão deste STJ de 11-03-2020, proferido no Proc. n.º 996/14.5GAVNG-K.S1 - 3.ª Secção (Relatora: Conselheira Teresa Féria):

“I - Em caso de pluralidade de infrações a lei penal vigente – art. 77.º do CP - aderiu à fixação de uma pena conjunta em função de um princípio de cumulação normativa de várias penas parcelares, de molde a aplicar uma única pena pela prática de vários crimes.

II - A determinação da medida concreta de uma pena única em função do referido método de cumulação normativa desenrola-se em duas fases, numa primeira há que estabelecer a moldura penal aplicável “in casu”, a qual tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares e como limite máximo a soma aritmética dessas mesmas penas – art. 77.º, n.º 2, CP. Estabelecida a moldura penal haverá que, numa segunda fase, proceder a uma valoração conjunta de todos os factos e da personalidade do/a agente dos crimes – art. 77.º, n.º 1, do CP.

III – (…) De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização».

Veja-se ainda o Sumário do Acórdão deste STJ de 11-03-2020, proferido no Proc. n.º 8832/19.0T8LRS.S1 - 3.ª Secção (relator: Conselheiro Gabriel Catarino):

“I - A operação/formação da pena conjunta constitui-se, malgrado as tentativas de encontrar uma formulação minimamente arrimada a factores de estabilização (de feição e pendor aritmético) das variantes intervenientes no equilíbrio legal-funcional da determinação judicial das penas, um crisol de apriorismos lógico-racionais que se cristalizaram na prática judiciária e que vão ditando o ajuizamento de um ensejo e procura de justiça material que se pretende e almeja, com este instituto jurídico-penal.

II - Não concitando a possibilidade de encontrar para a composição da pena conjunta soluções de acomodamento aritmético e de operações lógico-categoriais num campo (escorregadio, volúvel e dúctil) como é aquele que está estabelecido para a determinação da pena (parcelar) e com mais acutilância e vinco conceptual na construção da pena conjunta, deverão fazer-se intervir factores de ponderação prudencial, razoabilidade e mundividência equânime, pragmatismo, sensibilidade e senso sociocultural e pessoal que possibilitarão/fornecerão os vectores de razoamento que permitirão constituir, parametrizar e sedimentar o acrisolamento lógico-conceptual de uma pena compósita e em que, por vezes, integram diversos tipos de ilícito.

Não parecem colher, ponderadamente, nem sequer eventuais regularidades que viessem a encontrar-se através de uma rigorosa sociometria jurisprudencial neste âmbito. Cada caso é um caso, e a gravidade deste necessita de um tratamento a ela adequado.”


C

Do Caso em Apreço



1. Deve, na determinação do cúmulo jurídico de penas, começar-se por estabelecer o quadro ou moldura penal, de acordo com o art. 77, n.º 2 do CP. Mas será obviamente necessário, ainda previamente a isso, destrinçar, no caso de uma pluralidade de infrações, com modalidades de pena diversas, quais se devam integrar nessa “contabilidade” prévia.

2. No caso em apreço, somente as penas aplicadas nos Processos nº 70/18…… e 16/16........ estão em condições de vir a ser englobadas no cúmulo jurídico, porque se encontram ainda em curso os respetivos os períodos de suspensão da execução das correspondentes penas de prisão – cf. factos provados sob os n.ºs I, II e VI a VIII.

Acresce, como considerou o Tribunal a quo, que não existiria benefício para o arguido efetuar-se o cúmulo jurídico entre a pena de prisão (suspensa na sua execução e cujo prazo da suspensão ainda não decorreu integralmente, nem tal suspensão foi revogada) que lhe foi aplicada no Proc.º n.º 70/18……. com a pena de multa que lhe foi aplicada no Processo n.º 496/19........, uma vez que esta manteria a sua natureza, conforme estabelecido no artigo 77, n.º 3, do Código Penal, sendo que o correspondente crime, praticado em 26.08.2019, não está em relação de concurso com o crime correspondente ao Processo n.º 16/16........, cuja condenação transitou em julgado em momento anterior àquela data (9.01.2019).

Assim considerando, ao abrigo do artigo 78, n.º 1, do Código Penal e por ser a opção concretamente mais favorável ao arguido, bem andou o Tribunal recorrido em  efetuar o cúmulo jurídico das penas em que o mesmo foi condenado somente nos Processos n.ºs 70/18……. e 16/16........, verificado o conhecimento superveniente do concurso de crimes.

3. Ainda corretamente o Tribunal a quo entendeu que, posto que somente as penas principais devam ser incluídas no cúmulo jurídico, deve efetuar-se o competente desconto das penas de substituição efetivamente cumpridas.

4. Considerando o prescrito pelo artigo 77, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (aplicado, in casu, ex vi art. 78, n.º 1) a pena única de prisão tem, como limite mínimo, 5 (cinco) anos e, como limite máximo, 6 (seis) anos, dado que as penas nos dois processos a considerar foram de 1 (um) e 5 (cinco) anos de prisão (suspensas na sua execução, e conforme supra enunciado).

5. Trata-se de apreciar da adequação e justeza da decisão, dentro dos parâmetros que acabamos de enunciar, proferida pelo Tribunal a quo, cumprindo o disposto no artigo 77, n.º 1, in fine do CP. Ou seja, apreciar como, “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Para tanto, importa antes de mais recordar os parâmetros em que se move o poder de conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, nestas situações.

Deve assim salientar-se que a jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada (não cabendo julgar ad libitum) e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019). Ora é precisamente o que ocorre no caso, em que a malha hermenêutica utilizada se revelou consistente com os seus pressupostos, que foram proficientemente explicitados, com recurso a um conjunto de tópicos, nomeadamente de direito, de grande relevância e pertinência.

6. Como é sabido, a pena única deva determinar-se, como o foi, fundamentalmente pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

7. Cite-se apenas este trecho do Acórdão recorrido, que bem sintetiza o acerto da convocação de elementos para a decisão, os quais também remetem para factos da prática criminosa e da personalidade do agente constantes dos autos, que para nós necessariamente têm de relevar:

“A pena única a aplicar ao arguido servirá o escopo da prevenção geral positiva, em termos de a comunidade considerá-la como suficiente para promover a tutela dos bens jurídicos violados, reafirmando a validade das normas violadas, sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa do arguido, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (cf. artigos 29.º e 40.º, nºs 1 e 2, do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Por outro lado, serão igualmente ponderadas as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido que se façam sentir (cf. artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nº 1, do Código Penal).

A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso não sobrelevam aquelas que se observam na generalidade dos tipos de crimes em apreço.

Cumpre salientar, porém, que o crime de furto qualificado aqui em causa, pela sua gravidade, constitui uma importante fonte de alarme social e traduz um fenómeno social que urge combater.

Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso são também elevadas, atenta a fonte de alarme social associada ao tipo de crime em apreço, correspondente à potenciação do fenómeno da toxicodependência.

Por seu turno, a necessidade de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido apresenta-se mais esbatida, em virtude de, à data dos factos, não ter antecedentes criminais – cf. factos provados sob os nºs I, II, III e V.

Assim, depõem contra o arguido: o dolo intenso com que agiu em ambos os crimes, pois actuou sempre com dolo directo (cf. artigos 14.º, nº 1, e 71.º, nº 2, al. b), do Código Penal).

A favor do arguido depõem: o facto de não terem resultado do crime de tráfico de estupefacientes consequências nefastas para terceiros, designadamente ao nível da integridade física, da saúde e da vida (cf. factos provados sob o nº II) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. a), do Código Penal; a sua actual boa integração familiar e laboral (cf. factos provados sob os nºs XXII a XXIV, XXVI a XXX, XXXII a XXXIV e XXXVIII) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. d), do Código Penal; a confissão dos factos no âmbito do Processo nº 70/18……., o seu arrependimento pelo furto cometido (sendo que a reparação parcial, em metade do valor, do dano patrimonial causado à ofendida conduziu à atenuação especial da pena, ao abrigo dos artigos 206.º, nº 3, 72.º, nº 1 e nº 2, al. c), e 73.º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal) e a motivação que manifesta para o cumprimento do regime de prova que lhe foi delineado no Proc. nº 16/16........ e no Proc. nº 70/18……. (cf. factos provados sob os nºs I, XL e XLI) – cf. artigo 71.º, nº 2, al. e), do Código Penal.”


8. Considerando, assim, as necessidades de prevenção no caso em concreto (sobretudo as de prevenção geral) e o respetivo grau de ilicitude e de culpa, que são elevados, entende-se que a pena única não excede um quadro de razoabilidade e proporcionalidade e é adequada e necessária para se cumprirem as finalidades preventivas, revelando-se, pois, justa. Não ultrapassando a culpa do agente.

Na verdade, como assinala o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (e vária jurisprudência com ele é concorde), há um critério holístico na escolha da medida da pena única. Assim,

“(…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291).  Não é que (como parece interpretar o Recorrente) o Tribunal recorrido ignore ou viole o disposto no nº 1 do art. 40 do C. Penal nem considere a aplicação de pena de prisão efetiva como “a única adequada à proteção de bens jurídicos e à reintegração do recorrente na sociedade”. O que ocorre é que nestas questões, mais sensíveis e sutis que pesar oiro em balança de ourives, há um diferente entendimento sobre a pena mais adequada ao caso. Sempre a prevalência vai, como manda a lei, para uma medida não privativa da liberdade. Mas há casos em que tal se não revela o mais adequado, como é o presente. Tendo-se presente a injunção de princípio legal, pro libertate, ocorre que ela, in casu, não é suscetível de aplicação, porque descer a pena abaixo dos 5 anos que permitem a suspensão da sua execução (art. 50, n.º 1 do CP) seria franquear o limite mínimo adequado a ainda manter satisfeitas as exigências de prevenção.

E não se pode nunca deixar de ter presente o conjunto de requisitos desse mesmo normativo:

“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Quanto ao comportamento futuro do agente espera-se que venha a conformar-se com os padrões de sociabilidade e respeito pelo Direito, aproveitando o tempo de reclusão para nomeadamente se afastar do jugo da adicção e as práticas delituosas a ela associadas.


9. Sopesados, pois, todos os elementos pertinentes reunidos nos autos, em conformidade com o disposto no art. 77 do CP, e tendo em consideração que a medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, tem um horizonte “válvula de segurança” consentido pela medida da culpa do agente e um limite mínimo, barreira intransponível, que é o ainda suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma e a prevalência dos bens jurídicos (violados com a prática do crime), considera-se equilibrado, proporcional e ajustado à culpa concreta do agente a pena atribuída.

Atente-se, com efeito, no Acórdão deste STJ de 05-12-2012 (Relator: Conselheiro Pires da Graça):

“VII - Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.”

Foi o que atentamente fez e com equilíbrio o Tribunal recorrido.


10. Ora, assim, na situação sub judicio, conjuntamente ponderando os factos criminosos praticados e a personalidade do arguido evidenciada dos autos, nomeadamente tendo em consideração a sua história de vida e condição socioeconómica, familiar, a forma como interiorizou os factos, e o efeito desejavelmente ressocializador da pena no comportamento futuro do arguido, face às  exigências de socialização, entende-se que a pena única de prisão decidida em cúmulo jurídico é adequada.



IV

Dispositivo



Termos em que, decidindo em conferência, a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça acorda em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Taxa de Justiça: 3 UCs


Supremo Tribunal de Justiça, 12 de maio de 2021

Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida.


Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)