Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
261/14.8TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO DE OLIVEIRA
Descritores: BONS COSTUMES
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DOLO
TERCEIRO
BOA -FÉ
ORDEM PÚBLICA
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVBISTA DO AUTOR. NEGADA A REVISTA DO RÉU
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES CONTRACTOS / SINAL.
Doutrina:
- Adriano Vaz Serra, Responsabilidade de terceiros no não cumprimento de obrigações", in: Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril de 1959, p. 345-360;
- António Ferrer Correia e Vasco da Gama Lobo Xavier, Efeito externo das obrigações; abuso do direito; concorrência desleal, Revista de Direito e Economia, ano 5 (1979), p. 3-19;
- António Ferrer Correia, Da responsabilidade civil de terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 98.º (1966-1967), p. 355-360 e 369-374;
- António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, p. 572 ; Da boa fé no direito civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1997 (reimpressão), p. 1218 a 1223;
- Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 558 e 559;
- E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, p. 437 e ss., 510 e 568;
- Federico de Castro, Nota sobre las limitaciones intrínsecas de la autonomia de la voluntad, Anuario de derecho civil, vol. 35 (1982), p. 9087-1086;
- Francisco Oliva Blásquez, Límites a la autonomía privada en el Derecho de los contratos: la moral y el orden público, Maria Angeles Parra Lucán (coord.), La autonomia privada en el derecho civil, Thompson Reuters Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2016, p. 295-359;
- Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 310;
- João Carlos Leal Amado, Vinculação versus liberdade. O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 347-357;
- João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 172-182;
- Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, p. 185-187;
- Manuel Carneiro da Frada, A ordem pública no direito dos contratos, Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 83-96 ; Teoria da confiança e responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2004, p. 164-174;
- Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II, Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1974 (reimpressão), p. 341;
- Mário Júlio de Almeida Costa, A eficácia externa das obrigações. Entendimento da doutrina clássica, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 135 (2006), p. 130-136 ; Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, p. 96;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 164-172;
- Pedro Pais de Vasconcelos, O efeito externo da obrigação no contrato-promessa, separata da revista Scientia Juridica, Braga, 1983, p. 3-23;
- Rita Amaral Cabral, A eficácia externa da obrigação e o n.º 2 do art. 406.º do Código Civil, Livraria Cruz, Braga, 1984 ; A tutela delitual do direito de crédito", in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001, p. 1025-1053.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 442.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-09-2011, PROCESSO N.º 245/07.2TBSBG.C1.S1;
- DE 29-05-2012, PROCESSO N.º 3987/07.9TBAVR.C1.S1;
- DE 11-11-2012, PROCESSO N.º 165/1995.L1.S1;
- DE 24-10-2013, PROCESSO N.º 2/11.1TVPRT.P1.S1;
- DE 08-09-2016, PROCESSO N.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1.
Sumário :
I. — A cláusula geral dos bons costumes proíbe “que se celebre um contrato visando prejudicar — directa, intencional e deliberadamente — um terceiro, em proveito próprio”.

II. — O juízo sobre a violação da cláusula geral dos bons costumes deverá atender ao contrato como um todo, considerando o conjunto das obrigações assumidas pelas partes.

III. — A responsabilidade de terceiro pela violação do direito de crédito é uma responsabilidade por dolo.

IV. — O art. 442.º, n.º 4, do Código Civil não se aplica à responsabilidade do terceiro pela violação de um direito de crédito constituído através de um contrato promessa. 

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

      

1. Santa Casa da Misericórdia de AA, com sede na Rua …., nº 123, … …, intentou a presente acção declarativa comum contra:

      1.º — BB, viúva, residente na Rua …., nº 18, 2º dto, …;

      2.º — CC, residente na Rua …., nº 18, 2º dto, …,

       3.º — DD, casado com EE em separação de bens, residente na Rua …, nº 244, …;

       4.º — FF, que profissionalmente usa o nome FF, casado, advogado com cédula profissional nº ….P com domicílio profissional na Av. …., nº …, …andar, sala …, ….;

        5.º — GG, solteira, residente na Rua …., nº 18, 2º dto, …;

       6.º — HH, solteiro, menor, contribuinte nº 2…0, residente com a 1ª ré (representado nos autos pela Curadora Especial II);

       7.º — JJ, solteiro, menor, contribuinte nº 2….9, residente com a 1ª ré (representado nos autos pela Curadora Especial II);

            pedindo que, julgada totalmente procedente por provada a presente acção, seja:

           

1. Declarada nula a dação em cumprimento celebrada através da escritura pública lavrada de fls. 6 a 10 do Livro 16-D do Cartório Notarial da Dra. KK, na …, pela qual as 1ª e 2.ª rés declaram dar em pagamento, pelo valor de 204.442,50€ (duzentos e quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) ao 3.º réu, os 6/8 indivisos que detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…8/… e inscrito na matriz sob o artigo 3.849º, para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas de 201.827,19€ (duzentos e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezanove cêntimos) com as legais consequências;

2. Ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

3. Declarada, por execução específica do contrato promessa aludido no art. 1º da Petição, transmitida para a autora, por venda, livre de ónus e encargos, as quotas partes indivisas de 6/8, pertencentes a de 5/8 à 1ª ré, e a de 1/8 à 2.ª ré, do prédio identificado em 1) do pedido, pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

4. Ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora das quotas-partes indivisas da 1ª e 2.ª Rés identificadas no pedido formulado sob o nº 3;

Subsidiariamente,

5. Declarada inoponível em relação à autora a dação em cumprimento celebrada pela escritura identificada no pedido formulado em 1), pelo facto de ter sido celebrada em abuso de direito pelos 1ª, 2.ª e 3.º réus, com as consequências legais;

6. Declarada, por execução específica do contrato promessa aludido no art. 1º da Petição, transmitida para a autora, por venda, livre de ónus e encargos, as quotas partes indivisas de 6/8, pertencentes a de 5/8 à 1ª ré, e a de 1/8 à 2.ª ré, do prédio identificado em 1) do pedido, pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

7. Ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

8. Ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora das quotas partes indivisas da 1ª e 2.ª rés identificadas no pedido formulado sob o nº 6;

Ainda subsidiariamente,

9. Sejam os 1ª, 2.ª e 3.º réus condenados solidariamente a indemnizar a autora pelos danos causados pelo inadimplemento do contrato promessa de compra e venda identificado o art. 1 da petição, através da dação em cumprimento celebrada pela escritura identificada no pedido formulado em 1), pelo facto desta ter sido celebrada em abuso de direito, e, como tal, condenados na restituição em espécie à autora da quota parte indivisa de 6/8 sobre o prédio identificado em 1) deste pedido;

10. Em consequência, sempre ser declarada transmitida para a autora, por efeito do abuso de direito ou por execução específica, livre de ónus ou encargos, a quota parte indivisa de 6/8 sobre o prédio identificado em 1) deste pedido pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

11. Seja ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

12. Seja ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora da quota parte indivisa de 6/8;

Sempre em todo o caso,

13. Sejam todos os réus condenados a reconhecer a autora como proprietária e legítima possuidora de 6/8 indivisos do prédio identificado em 1) deste pedido;

14. E sempre, sejam os 1ª a 4.º réus condenados a indemnizar a autora na quantia que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença advenientes dos danos causados pelo incumprimento do contrato promessa alegado no art. 1º da Petição Inicial;

Subsidiariamente em relação a todos os pedidos formulados supra,

15. Sejam os 1ª a 4.º réus solidariamente condenados ao pagamento à autora da quantia de 550.0000,00€ acrescida de juros desde 02.08.2013 e que neste momento se computam em € 11.150,68 e nos vencidos desde esta data até efectivo e integral pagamento;

16. Sejam ainda os 1ª a 4.º réus solidariamente condenados ao pagamento à autora da quantia de 1.200.000,00 € acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

17. Seja declarada a impugnação pauliana da dação em cumprimento identificada em 1) deste pedido e o 3.º réu condenado a reconhecer o direito da autora de penhorar e executar no seu património a quota-parte de 6/8 nesse prédio que lhe foi transmitida, para satisfação e até ao limite dos direitos de crédito da autora referido nos pedidos 15) e 16) supra;                

18. Seja declarada nula a doação celebrada por escritura pública no dia 24.09.2013, pela notária KK, exarada a fls. 2 e 3 do livro 20-D do Cartório Notarial da …, através do qual a 1ª ré declarou doar, em partes iguais, à 2.ª, 5ª, 6º e 7º réus, 5/8 indivisos do prédio urbano, casa de 2 andares, sito na Rua do …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…7/… e inscrito na matriz sob o nº 711;

19. Seja ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor dos 2.ª, 5ª, 6º e 7º réus daquela quota parte indivisa no prédio descrito na CRP sob o nº 2…7/…;

Subsidiariamente em relação aos pedidos formulados sob os nºs 18) e 19),

20. Seja declarada a impugnação pauliana da doação identificada em 18) e, em consequência, os 2.ª, 5ª, 6º e 7º réus serem condenados a reconhecer o direito da autora de penhorar e executar no seu património a quota-parte de 5/8 nesse prédio que lhes foi transmitida, para satisfação e até ao limite dos direitos de crédito da autora referidos nos pedidos 15) e 16) supra;

21. E sempre, e em todo o caso, todos os réus condenados nas custas e no mais que for de lei a seu cargo.

  2. Os Réus, regularmente citados, apresentaram contestação única, a que a Autora respondeu.

3. A 1.º instância julgou a acção “parcialmente procedente por provada e, em consequência, decid[iu]:

A -) Julgar definitivamente incumprido o contrato promessa em causa nos autos, celebrado por contrato escrito de 04/09/2012;

B -) Condenar a 1ª ré, BB, no pagamento à autora da quantia de 550.0000,00€, acrescida de juros de mora desde a data da sua interpelação, mediante notificação judicial avulsa de 16/09/2013, art. 804.º e 805º nº 1 e 2 al. a-) do CC, até efectivo e integral pagamento, de que se deverá descontar 25.0000,00€, já devolvidos pela ré à autora em 06/08/2013;

B -) Declarar ineficaz, no que respeita à autora, a doação celebrada por escritura pública no dia 24/09/2013, pela notária KK, exarada a fls. 2 e 3 do livro 20-D do Cartório Notarial da …, através do qual a 1ª ré declarou doar, em partes iguais, à 2.ª, 5ª, 6º e 7º réus, 5/8 indivisos do prédio urbano, casa de 2 andares, sito na Rua …., nº …, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…7/…. e inscrito na matriz sob o nº 711;

C -) Reconhecer o direito da autora de penhorar e executar no património da 1ª ré a quota-parte de 5/8 desse prédio e até ao limite dos direitos de crédito da autora.

    4. A Autora Santa Casa da Misericórdia de AA e a 1.ª Ré BB interpuseram recurso de apelação da decisão da 1.ª instância.

    5. A Autora Santa Casa da Misericórdia de AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Deverá ser julgado provado que:

a) “O 3.º réu sabia, à data da escritura de dação, como também as 1ª, 2.ª e 4.º Réus, que aqueles 6/8 do prédio valiam e valem muito mais dos que os declarados 204.442,50€.” (facto 109 da petição inicial).

2. Tal matéria de facto deverá ser julgada provada pela análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, conforme consta das alegações supra, em específico pela prova documental de fls. 60 a 62 dos autos, depoimento de parte do 3.º Réu prestado no dia 25.10.2016, com início às 15:42:47, em concreto de 00.29:06 a 00:29:42 (fls. 423) e prova documental de fls. 590 v. e 591.

3. Deverá ser julgado provado que:

b) Em conversas com o Eng. LL, que se situam entre o final do mês de Junho e o mês de Julho de 2013, transmitiu−lhe o 4.º Réu que o 3.º Réu tinha feito proposta de compra dos 6/8 indivisos à 1ª e 2.ª rés por cerca de € 600 mil euros e da disponibilidade para celebrar essa escritura por um valor declarado muito inferior àquele, a fim de lhes proporcionar poupança fiscal em IRS. (art. 100º da  petição inicial).

c) A 1ª, 2.ª e 3.ºréus combinaram, com a colaboração do 4.º réu, celebrar a escritura de dação em cumprimento declarando um valor da quota-parte transmitida (6/8 do prédio) muito inferior ao valor venal da mesma e ao constante do contrato promessa que havia sido celebrado com a Autora. (art. 166º da petição inicial).

d) A quantia paga pelo 3.º Réu às 1ª e 2.ª Réus em contrapartida da transmissão da quota- parte transmitida (6/8 do prédio), que foi de € 207.000,00, a acrescer ao valor declarado na escritura de € 204.442,50, foi propositadamente escondida e ocultada. (art. 168º da petição inicial).

e) Assim, o 3.º Réu as aliciando (às 1ª e 2.ª Rés), com o conhecimento do 4.º Réu, para a prática daquele acto de dação em cumprimento, com o benefício de, enganando o Estado, lhes diminuir o imposto resultante da mais−valia que o cumprimento da promessa com a Autora para elas acarretava. (art. 169º da petição inicial).

4. Tal matéria de facto deverá ser julgada provada pela análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, conforme consta das alegações supra, designadamente: depoimento de parte do 3.º Réu prestado no dia 25.10.2016 com início às 15:42:47, em concreto de 00.13:11 a 00:17:13 e 00:46:11 a 01:02:42 (fls. 423 e 598 e 598 v.), depoimento de parte do 3.º Réu prestado no dia 25.10.2016 com início às 15:42:47, em concreto de 00:15:46 a 00:15:54, depoimento do 4.º Réu prestado no dia 11.11.2016 com início às 09:48:58 e termo às 12:36:36 (fls. 448 e 449) de 02:12:42 a 02:14:23, depoimento de parte da 1ª Ré no dia 11.10.2016 com início às 14:37:18 e termo às 15:51:37 (fls. 381) de 00:09:06 até 00:11:57, depoimento de parte do 3.º Réu prestado no dia 25.10.2016 com início às 15:42:47 (fls. 423), em concreto de 00.13:11 a 00:17:13, prova documental de fls. 502 v., assentadas dos depoimentos de parte da 1 Ré e 3.º Réu de fls. 569 v. e 580, respectivamente, prova documental de fls. 564 a 578, prova documental de fls. 472 a 487 v., prova documental de fls. 92, 93 e 94 do apenso de arresto, prova documental de fls. 78 e 101, prova documental de fls. 590 v. e 591, depoimento da testemunha LL no dia 11.11.2016 com início às 14:48:55 e termo às 16:29:06 (fls. 450 e 451) de 00:26:11 até 00:29:17 e de 01:28:57 a 01:29:26, depoimento prestado pelo Dr. MM, prestado no dia 06.12.2016, com inicio às 14h19min e termo às 16h27min, de 00:54:05 até 00:55:28.

5. Deverá ser julgado provado que:

f) As rés não compareceram na escritura de 26 de Julho de 2013, motivo pelo qual o Dr. NN contactou o 4.º Réu, no dia 26 de Julho e no dia 1 de Agosto de 2013 que lhe garantiu que não ia de férias sem que a escritura prometida estivesse realizada. (art. 85º da petição inicial).

g) O 4.º réu chegou mesmo a assegurar à autora que não iria ele de férias nesse verão sem que a escritura de compra e venda fosse celebrada. (art. 99º da petição inicial).

6. Tal matéria de facto deverá ser julgada provada pela análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, conforme consta das alegações supra, designadamente: depoimento do Dr. MM, prestado no dia 06.12.2016, com inicio às 14h19min e termo às 16h27min, a partir dos 00:49:29 e até aos 00:50:40, depoimento de NN prestado no dia 16.01.2017, com início às 09h45min e termo às 12h (fls. 496), a partir de 01:23:45 até 01:28:41 e de 01:31:20 até 01:33:03, depoimento de parte do 4.º Réu prestado no dia 11.11.2016, com início às 09h48min e termo às 12h36min (fls. 449) de 01:52:33 até 01:52:52.

7. Os factos provados na sentença recorrida, e aqueles que devem ser julgados provados em função do presente recurso, quadram situação contrária à ordem pública e ofensiva dos bons costumes, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa−fé, o que impõe a declaração de nulidade da escritura de dação em cumprimento celebrada no dia 2 de Agosto de 2013 por aplicação do disposto no art. 280º do Cód. Civil, com as consequências legais.

8. A mesma matéria de facto, sempre em todo o caso, quadra situação de abuso de direito, tal como plasmado no disposto no art. 334.º do Cód. Civil, o que impõe a neutralização desse direito abusivamente exercido, pela determinação da invalidade ou ineficácia em relação à Autora da escritura de dação em cumprimento celebrada no dia 2 de Agosto de 2Of3, com as consequências legais.

9. Tal como ocorreu no autos, em face da matéria facto provada, a celebração de um negócio jurídico que − de forma consciente e deliberada entre todos os contraentes − impossibilita o cumprimento de um contrato antes firmado que tinha em vista a execução de uma obra social, servindo de aliciamento à outorga do contrato incompatível com o prometido, a concessão de um benefício económico indevido, ilegal e até consubstanciador de responsabilidade criminal (não pagar o imposto que seria devido), com o qual o 3.º Réu instigou a fª e 2.ª Rés ao incumprimento, é frontalmente contrária aos bons costumes e aos limites impostos pela boa−fé no exercício de direitos, violando o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa−fé, e, por isso, não pode ser tolerada, nem permitida, nos termos dos institutos jurídicos acima elencados.

10. Os factos provados impõem a condenação do 3.º e 4.º Réus, conforme requerido na petição inicial, seja por força de responsabilidade civil extra-contratual daqueles, seja por força do instituto do abuso de direito, como instigadores, auxiliares e cúmplices no incumprimento do contrato promessa.

11. Em relação ao 4.º Réu o dever de indemnização tem ainda como fonte o princípio da tutela da confiança e a responsabilidade civil decorrente da sua violação por aquele.

12. Violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 227º, 280º, 281º, 334.º, 483.º, 485º, 490º e 762, nº 2 do Cód. Civil e 607, nº 4 do Cód. Proc. Civil.

13. Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e alterada, sendo proferida decisão que julgue procedente os pedidos deduzidos sob os pontos 1, 2, 3, 4 e, subsidiariamente, 5, 6, 7 e 8 da petição inicial, bem como, os pedidos deduzidos sob os pontos 9 a 12 e 15 da petição inicial, (…).

    6. A 1.ª Ré BB finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente, condenou a 1.ª R. BB:

“A -) Julgar definitivamente incumprido o contrato promessa em causa nos autos, por contrato escrito de 04/09/2012;

B -) Condenar a 1.ª ré, BB, no pagamento à autora da quantia de 550.000,00€ acrescida de juros de mora desde a data da sua interpelação, mediante notificação judicial avulsa de 16/09/2013, art. 804.º e 805.º n.º 1 e 2 al. Aa-) do CC, até efectivo e integral pagamento, de que se deverá descontar 25.000,00€, já devolvidos pela ré à autora em 06/08/2013;

B -) Declarar ineficaz, no que respeita à autora, a doação celebrada por escritura pública no dia 24/09/2013, pela Notária KK, exarada a fls 2 e 3 do livro 20-D do cartório Notarial da …, através da qual a 1.ª ré declarou doar, em partes iguais, à 2.ª, 5.ª, 6.º e 7.º réus, 5/8 indivisos do prédio urbano, casa de 2 andares sito na Rua do …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o n.º 2…7/… e inscrito na matriz sob o n.º 711;

C -) Reconhecer o direito da autora de penhorar e executar no património da 1.ª ré a quota-parte de 5/8 desse prédio e até ao limite dos direitos de crédito da autora.”

2. Errada interpretação da matéria de facto e uma desadequada aplicação do direito.

3. DA MATÉRIA DE FACTO:

4. A A., ora recorrida, intentou acção sob a forma de processo comum, contra a R. ora recorrente BB, pedindo entre outros e no que tange à matéria ora recorrida que:

“ Subsidiariamente em relação a tidos os pedidos formulados supra, pede que:

15. Sejam os 1.º a 4.º réus solidariamente condenados ao pagamento da quantia de 550.000,00€ acrescida de juros desde 02/08/2013 e que neste momento se computam em €11.150,68 e nos vencidos desde esta data até efectivo e integral pagamento;

16. Sejam ainda os 1.º a 4.º réus solidariamente condenados ao pagamento à autora da quantia de 1.200.000,00€ acrescida de juros desde a data da citação até o efectivo e integral pagamento; (…)

5. Alegando para tanto que em 04/09/2012 outorgou um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, pelo preço total de €550000,00 (Quinhentos e Cinquenta Mil Euros), que fora adjudicado à ora recorrente, 1.ª R. e seus filhos no âmbito de um Processo de Inventário, que no referido contrato assume a posição de promitente vendedora, intervindo a 1.ª R. ora recorrente, não só por si mas também em representação dos seus filhos menores, comprometendo-se nesse contrato a diligenciar pela autorização judicial para venda da parte dos seus filhos. Tendo a A./ recorrida entregue desde logo como sinal e princípio de pagamento a quantia de €275000,00 (Duzentos e Setenta e Cinco Mil Euros);

6. A R/recorrente contestou, afirmando que:

7. Celebrou o contrato promessa dos autos apenas com a A. ora recorrida, tendo como único e exclusivo representante o Engº LL;

8. Que o negócio com a A./recorrida só se realizaria se fosse compra e venda e permuta, tendo o Engº LL, posteriormente alterado os termos do negócio, passando a ser ele, vendedor dos apartamentos, o que lhe permitiu apoderar-se do sinal entregue pela A./recorrida à R/recorrente, ficando esta apenas com €25000,00 (vinte e cinco mil euros) e o Engº LL com € 250000,00 (Duzentos e Cinquenta Mil Euros);

9. Aproveitando-se assim da sua dupla qualidade de membro da mesa administrativa da A. /recorrida e filho do Senhor Provedor da A./recorrida Santa Casa da Misericórdia de AA, Eng. OO;

10. Promovendo assim a venda dos seus próprios bens, explorando a necessidade da R/recorrente, que tinha a obrigação de pagar as tornas ao cunhado DD, o 3.º R., e que assim viu inviabilizada a possibilidade de cumprir a obrigação, para com a A./recorrida.

11. O Eng.º LL, aceitou devolver o referido valor, mas em prestações, o que a R/ recorrente não aceitou por inviabilizar o pagamento imediato de tornas ao cunhado, e também porque não poderia declarar que estaria a receber a parte respeitante aos filhos menores, o que não correspondia à verdade.

12. Concluindo que o incumprimento do contrato promessa não é imputável à R/recorrente, pugnando pela improcedência da acção.

13. A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA

14. A douta sentença recorrida, proferida pelo tribunal a quo assenta essencialmente no seguinte:

15.“(…) No caso vertente está provado que as rés deram em dação em pagamento as quotas partes indivisas de que eram proprietárias no prédio que prometeram vender á autora.”

16. “A comunicação das 1.ª e 2.ª e réus à autora, por carta de 05/08/2013, de que o contrato “ ficava sem efeito “, numa altura em que já tinham outorgado a dação, não sendo já proprietárias da quota- parte indivisa no imóvel prometido vender, integra já e por si só, uma situação de incumprimento definitivo. “

17. “Se o comportamento do promitente-vendedor que exprime a vontade de não querer cumprir, se reconduz ao conceito de recusa de cumprimento, o que permite considera-lo “ inadimplente de forma definitiva”, mais assim é no caso vertente por força da dação em pagamento.”

18. ”E integra uma situação de incumprimento culposo imputável às rés, uma vez que o contrato-promessa está submetido ao regime legal aplicável à generalidade dos contratos, regime em que o devedor que não cumpre uma obrigação incorre numa presunção de culpa” (…)

19. ” No caso dos autos, não lograram as promitentes vendedoras elidir a presunção de culpa estabelecida na lei, pois que o facto de a ré BB ter entregue ao Eng. LL o sinal recebido da autora, não afasta a culpa desta, que estava acompanhada por mandatário (o aqui 4.º réu) em todo o processo negocial, sabia do desdobramento do negócio, um com a autora em que figurava com promitente vendedora, outro com o Eng. LL, em que figurava como promitente compradora, contratos a que teve previamente acesso antes de serem assinados. Sabia que o sinal lhe estava a ser entregue pela Santa Casa. Sabia que, frustrando-se o negócio, pelo menos aqueles 275 mil euros sempre os teria que devolver à autora.”

20. ”Limita-se na sua defesa a afirmar que o Eng. LL se apoderou desse valor. “

21. ”Acontece que a mesma teve prévio conhecimento dos contratos, que assinou, endossando os cheques ao Eng. LL, o que até poderíamos aceitar como possível (pois que o contrato promessa foi assinado nos escritórios deste, sem que ninguém da Santa Casa estivesse presente, e dúvidas não havia que o imóvel era prometido vender á Santa Casa) certo é que nos contratos, reitera-se, a que teve acesso antes da reunião para a assinatura dos mesmos, pois que enviados para o seu mandatário, que a representava e que consigo foi à reunião, era visível que existiam dois diferentes contraentes – a Santa Casa e o Eng. LL.”

22. ”Não afastou, pois, a sua presunção de culpa e como tal deve ser responsabilizada,”(…)

23. ”A sua postura é censurável do ponto de vista contratual.”

24. ”Notificada para a devolução do sinal em dobro, responde dizendo que o sinal fora entregue pela Santa Casa ao Eng. LL, facto que sabe não ser verdade (fls. 393/394), devolvendo o cheque que levou consigo de 25.000,00 euros facto que não foi contestado.”

25. ”As dificuldades que tinha para pagar as tornas surgiram por virtude da própria situação em que se colocou ao aceitar assinar aqueles contratos, o que não pode escamotear.”

26. ”Foi ela que se obrigou no contrato e obrigou-se perante a autora de quem recebeu o sinal que posteriormente endossou ao Eng. LL.

27. ”Que se saiba não moveu qualquer acção contra o mesmo, pelo engano de que afirma ser vítima, e que na verdade não demonstrou. Ainda que o negócio não tenha sido todo ele muito transparente, como se impunha, quando está em causa uma instituição com obrigações acrescidas como é a Santa Casa, e que certamente teria sido evitada se o contrato tivesse sido assinado nas suas instalações, com o Provedor da mesma, único representante da Santa Casa como fez questão de salientar em julgamento (…)”

28. DA IMPROCEDÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO VERTIDA NA SENTENÇA RECORRIDA

29. No entendimento do tribunal a quo, e porque a R/recorrente, em sua defesa sempre afirmou que o Eng. LL, (membro da Mesa administrativa da A. e filho do seu provedor Eng. OO), foi quem se “ apoderou “ do sinal entregue pela A./recorrida, quem representava nas negociações, e quem sempre se apresentou como representante, a sua conduta é culposa e censurável.

30. Ora, não podemos estar de acordo com esse entendimento, pois, resulta de uma apreciação da prova distorcida por parte do tribunal a quo da realidade e dos factos.

31. Pois, da matéria de facto dada como provada e não provada, conclui- se que o incumprimento não se deveu a facto imputável à R./Recorrente, antes resultou da sua frágil posição, que assentava necessidade premente de realizar dinheiro, para proceder ao pagamento de tornas, como era do conhecimento do representante da A./recorrida, Eng. LL, aquando encetadas negociações.

32. Na douta sentença proferida pelo tribunal a quo e no que toca à:

“Fundamentação de facto:

Com interesse para a apreciação do mérito da causa, resultaram como provados os seguintes factos: (sublinhado e negrito nosso)

(…)

28.º Em meados de Fevereiro de 2012, o 4.º réu, acompanhado de um seu amigo de nome PP, apresentando-se como advogado da 1.ª ré Filomena, procurou o Eng. LL no sentido de aferir da possibilidade de venda de um dos prédios que a 1.ª ré adquirira num processo de partilhas judiciais, onde havia licitado mais bens do que o seu quinhão permitia, necessitando assim de realizar dinheiro para repor as tornas aos demais herdeiros.

29.º Nesse circunstancialismo, e inicialmente, em face do valor proposto de 750.000,00€, o negócio não avançou.

30.º Em Junho de 2012, tendo a ré BB baixado o preço do negócio, foi então acordada a compra e venda do dito imóvel, sendo metade do preço pago em dinheiro e a outra metade em apartamentos. “ (…)

33. Mais se provou que:

Da contestação (tema da prova XI)

53.º A ré BB, no negócio que fez com a autora, teve como interlocutor da mesma o Engenheiro LL, não conhecendo o Provedor nem qualquer outro membro da mesa administrativa, tendo sido o Eng. LL a transmitir que os termos do negócio passariam pelo pagamento do preço acordado, de 550mil euros, em dinheiro e apartamentos.”( sublinhado e negrito nosso );

Deste ponto 53.º, resulta provado que, o Eng. LL, na qualidade de membro da Mesa Administrativa da A./recorrida e seu representante, aquando a “ cedência “ do negócio à Santa Casa da Misericórdia de AA A./recorrida, transmitiu, à R/recorrente, que o negócio passaria pelo pagamento do preço acordado de €550.000,00 em dinheiro e apartamentos!!!

34. Ora, nestes moldes, a R/recorrente, estaria sempre assegurada para o pagamento das tornas ao seu cunhado, como era sua obrigação, e não teria necessidade de recorrer à dação em pagamento como aconteceu.

Pois como resultou provado:

“52.º Nos autos de Inventário o 3.º réu reclamou e insistiu pelo pagamento das tornas e adjudicação do prédio para pagamento daquelas, tendo a partir de junho de 2013, acordado com a 1.ª e 2.ª rés a prorrogação do prazo +para pagamento das mesmas, e o pagamento directo das tornas, acordando que o pagamento das tornas pelos menores fosse só feito aquando da maioridade deles”

35. Resultado? A R/recorrente, estava “ entre a espada e a parede”, pois, sabia que tinha que pagar as tornas, tinha envidado esforços, para tal (negociando com a A/recorrida através do Eng. LL), mas eis que o negócio muda de contornos; deixo de ser permuta e passou a compra e venda!!!

36. Apesar de o tribunal estribar os seus argumentos relativamente à culpa da R/recorrente, a saber, que “ (…) a ré Filomena estivesse acompanhada de mandatário, não sendo também inocente em termos negociais, como procurou no seu depoimento dar a entender, “ ou seja, que sabia o que estava a fazer e tinha um profissional do foro a acompanhá-la, certo é que a senhora juiz a quo prossegue na sua argumentação afirmando isto: “ certo é que a descrição da factualidade como alegada pela autora não convenceu o tribunal, não servindo para atestar a mesma, sem qualquer meio provatório, por quem agiu numa dupla vertente neste negócio, não podendo o tribunal ser alheio ao facto de o Eng. LL ser filho do Provedor e mesário da Santa Casa, com uma situação privilegiada junto à mesma, sendo sempre através dele e apenas com ele que o negócio foi combinado e assinado no seu escritório, negócio também feito à sua medida, pela sua argúcia e habilidade negocial, pois que logrou prometer vender dois apartamentos de que logo foi pago na totalidade” (negrito e sublinhado nosso)

37. Contudo, o tribunal a quo, andou mal ao considerar que:

 “ (…), não lograram as promitentes vendedoras elidir a presunção de culpa estabelecida na lei, pois que o facto da ré Filomena ter entregue ao Eng. LL o sinal recebido da autora, não afasta a culpa desta(…)

38. Isto depois de afirmar que:

 Havia uma posição privilegiada da parte do Eng. LL, perante a A/recorrida;

 Que foi ele, Eng. LL que combinou o negócio;

 Que foi assinado no seu escritório;

 Sendo o negócio feito à sua medida;

 Pela sua argúcia e habilidade negocial;

 39. Norteou-se o Tribunal a quo, na análise de toda a factualidade, e para aferir a culpa no incumprimento, pela diligência do bonus pater familia ou do homem médio.

 40. Sucede que, no caso sub judice, não estamos perante dois sujeitos com o mesmo peso e poder no âmbito da negociação contratual e definição das regras.

 41. É tão verdade, que todo o processo negocial foi feito pelo Eng. LL, conforme provado nos pontos 53.º a 55.º dos actos provados, e aquando da outorga do contrato, formalizando-se com a assinatura, note-se que o Senhor Provedor, não esteve presente, tendo assinado nas instalações da A/recorrida e o mesmo sido entregue pelo Jurista da Santa Casa, Dr. NN no escritório do Eng. LL.

 42. Uma questão se levanta:

 A que se deveu a não presença do Senhor Provedor na outorga do contrato promessa?! Tão pouco o jurista da A/Recorrida, na ausência deste, quanto mais não fosse para dar a importância e solenidade que a celebração de um contrato envolve para que representa e preside a uma instituição como uma Santa Casa.

 43. A A/recorrida, colocou-se numa posição um tanto ou quanto delicada, pois “ recebeu “ o contrato da parte do Eng. LL, assinou, mandou entregar ao Eng. LL e lavou as mãos como Pilatos!!!

 44. Onde está a diligencia do bonus pater familia na atuação da A/recorrida na pessoa do seu provedor Sr Eng. OO?

 45. Note-se que estamos perante uma instituição da grandeza que se reconhece às Misericórdias, e não parece ser apanágio do homem médio nas relações contratuais, não aparecer na celebração dos contratos, e envia já assinados, para um “representante” formalizar!!

 46. A inviabilidade do negócio, deveu-se ao comportamento culposo, por parte da A/ recorrida, que na pessoa do seu representante LL, que bem sabia a situação de necessidade da R/recorrente, ao invés de permutar apartamentos, vendeu!!

 47. Não caiamos na resposta fácil, que a R/recorrente estava com advogado. Perante uma instituição como a Santa Casa, de pouco ou nada vale essa presença, pois, o resultado foi o que se concretizou.

 48. O Eng. LL, se não tivesse o intuito de fazer negócio para si, perante a situação, e a aceitarmos como verosímil, a R/recorrente ter a consciência da compra dos dois apartamentos, o que faria o bonus pater familia?

 49. Mais, que faria o membro da mesa administrativa da Santa Casa, que se rege por princípios morais sólidos perante o próximo. Pois a finalidade desta instituição é ajudar os menos desfavorecidos, tendo a área negocial, para serem auto sustentáveis. Mas o mais importante é o ser humano na sua plenitude.

 50. Ora, perante um negócio ruinoso para a R/rcorrente, pois a compra dos apartamentos, descapitalizava a R/recorrente, o Eng. LL, não deveria ter uma palavra de aclaramento das ideias e da realidade?

 51. Ou, perante esta factualidade, deveria, receber e proceder à formalização do negócio nas Instalações da A/recorrida com a presença do Senhor Provedor Eng OO, entregando este à R/recorrente o preço relativo ao sinal, como se impunha, ficando esta na posse do mesmo e posteriormente, faria o que bem entendesse.

 52. A A/recorrente deveria ter procedido da forma supra descrita, para afastar qualquer véu de culpa e até alguma promiscuidade moral na celebração dos contratos.

 53. Pois, o Eng. LL, (poderia estar seguro), se na mente da R/recorrente tivesse a genuína intenção de lhe comprar os dois apartamentos, e assim fazer negócio com ele, quedava-se para um momento posterior, ao da celebração do contrato promessa entre a ré BB e a santa Casa.

 54. Não havia perigo, algum para o Eng. LL, pois um ou dois dias depois, a ré BB comparecia no seu escritório para comprar os apartamentos.

 55. Aconselha a prudência o bom senso e a boa fé contratual, que exista um período intervalo entre negócios, que podem revestir contornos mais complexos, pois “ a mulher de César não basta ser séria, tem que parecer”

 56. Impunha-se aqui uma separação de águas, atento a Instituição envolvida, tanto que, os cheques passados para o pagamento do sinal, correspondiam exactamente ao preço dos apartamentos vendidos pelo Eng. LL, como resulta da matéria dada como provada no ponto 37.º.

 57. Daqui resulta que o incumprimento, não é imputável a R/recorrente, mas sim à forma arguta e hábil como a A/recorrida conduziu todo o processo negocial até à sua conclusão com a elaboração do contrato promessa e todo o circunstancialismo que deixou a R/recorrente na situação que a levou à dação em pagamento.

 58. Assim, nada tem a R/recorrente a restituir quer em singelo, ou em dobro, nos termos do artigo 442.º n.º 2 1.ª parte – incumprimento imputável ao contraente que prestou o sinal.

 59. Deste modo, em caso de incumprimento definitivo por parte do autor do sinal, assiste ao accipiens o direito de, após declarar a resolução do contrato promessa, fazer seu o sinal recebido.

 60. Devendo ser totalmente absolvida do pedido formulada pela A/recorrida. (…)”

  7. Contra-alegou a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA argumentando que o recurso é intempestivo e concluindo no sentido da improcedência da respectiva alegação.

   8. Com as contra-alegações, juntou aos autos um parecer jurídico da autoria do Professor Doutor António Pinto Monteiro.

   9. A 1.ª Ré BB respondeu, considerando que não era de admitir a junção.

   10. O Tribunal da Relação do Porto não admitiu, por extemporâneo, o recurso interposto pela 1.ª Ré; admitiu o parecer junto pela Autora / Recorrente com as contra-alegações; alterou a matéria de facto, eliminando o facto dado como provado sob a alínea i) e aditando os factos n.º 58.º a 64.º; e condenou o o 3.º Réu DD a pagar à Autora, solidariamente com a 1.ª Ré BB, a quantia de € 550.000,00.

       O dispositivo do acórdão recorrido é o seguinte:

“Nestes termos, não se admite, por extemporâneo, o recurso da 1ª ré e, dá-se, em parte, provimento ao recurso da autora e, em consequência, altera-se a matéria de facto pela forma acima descrita e condena-se, também, o réu DD (idº no processo) a pagar à autora, solidariamente com a ré BB (idª no processo), a quantia de € 550.000,00, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao mais.

Comunique-se à entidade tributária”.

   11. A Autora Santa Casa da Misericórdia de AA e o 3.º Réu DD interpuseram recurso de revista.

   12. A Autora Santa Casa da Misericórdia de AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

 1. Os factos provados na presente acção quadram situação contrária à ordem pública e ofensiva dos bons costumes, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, o que impõe a declaração de nulidade da escritura de dação em cumprimento celebrada no dia 2 de Agosto de 2013 por aplicação do disposto no art. 280º do Cód. Civil, com as consequências legais.

 2. A mesma matéria de facto, sempre em todo o caso, quadra situação de abuso de direito, tal como plasmado no disposto no art. 334.º do Cód. Civil, o que impõe a neutralização desse direito abusivamente exercido, pela determinação da invalidade ou ineficácia em relação à Autora da escritura de dação em cumprimento celebrada no dia 2 de Agosto de 2013, com as consequências legais.

 3. Tal como ocorreu no autos, em face da matéria facto provada, a celebração de um negócio jurídico que – de forma consciente e deliberada entre todos os contraentes – impossibilita o cumprimento de um contrato antes firmado que tinha em vista a execução de uma obra social, assim prejudicando a Recorrente, servindo de aliciamento à outorga do contrato incompatível com o prometido, a concessão de um benefício económico indevido, ilegal e até consubstanciador de responsabilidade criminal (não pagar o imposto que seria devido), com o qual o 3.º Réu instigou e convenceu, como pretendia, a 1ª e 2.ª Rés ao incumprimento, assim ilegalmente atribuindo-lhes vantagem patrimonial (não pagamento do imposto) relativamente ao cumprimento do contrato a que estavam obrigadas, por ele sabida, é frontalmente contrária aos bons costumes e aos limites impostos pela boa-fé no exercício de direitos, violando o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa-fé, e, por isso, não pode ser tolerada, nem permitida, nos termos dos institutos jurídicos acima elencados

 4. Subsidiariamente, sempre será certo que a responsabilização civil do 3.º Réu importa, em primeiro plano, a sujeição do mesmo à prestação de uma indemnização em espécie, visando reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, isto é, impondo-se a transmissão para a Autora da quota parte indivisa de 6/8 do prédio em causa nos autos.

 5. E, subsidiariamente, ainda, sempre aquele acto praticado em abuso de direito importaria a sua inoponibilidade à Recorrente.

 6. Pelo que, em qualquer dos casos, deverá ser julgado procedente o pedido de execução específica deduzido na petição inicial e, assim, transmitido para a Autora a quota parte indivisa de 6/8 sobre o prédio identificado nos autos, assim repondo-se a legalidade face ao acto abusivo e contra o direito perpetrado pelos Réus.

 7. Violou o Acórdão recorrido, por menos feliz interpretação, o disposto nos arts. 227º, 280º, 334.º, 483.º, 562º, 566º e 762º, nº 2 do Cód. Civil.

 8. Pelo que deve ser proferido Acórdão que julgue procedente os pedidos deduzidos sob os pontos 1, 2, 3, 4 e, subsidiariamente, 5, 6, 7 e 8 da petição inicial, bem como, os pedidos deduzidos sob os pontos 9 a 13 da petição inicial, tudo como acto de elementar JUSTIÇA”.

   13. O 3.º Réu DD finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Considerou o Douto acórdão recorrido que não se verifica a nulidade do contrato de dação em pagamento celebrado entre a 1.ª ré e o aqui recorrente, uma vez que o mesmo consubstanciado na intenção de «dar em pagamento», não conflitua com as exigências da ordem pública e dos bons costumes;

2. Considerou, no entanto, que o aqui recorrente atuou em «abuso do direito», uma vez que «sabendo do contrato-promessa em causa não se coibia de aliciar a 1.ª e 2a rés para a outorga da escritura de dação sabendo que inviabilizava a referida promessa,

3. Acrescentando que «embora só o devedor incorra em responsabilidade contratual (art. 798° CC) nada impede a responsabilidade extracontratual do terceiro perante o credor (art. 483° do CC) como se mostra proficientemente demonstrado no parecer junto aos autos pela (agora) recorrida».

4. E que «A responsabilidade do 3o réu é solidária (art. 490° e 497° do CC) e verifíca-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar a que alude o art. 483°, n° 1 do CC.;»

5. Condenando ao réu recorrente como responsável solidário com a 1.ª ré pelo pagamento dos sobreditos € 550.000,00 (devolução do sinal em dobro).

6. Nada mais se refere no acórdão recorrido em defesa da sua (inovadora) tese, não se fazendo menção a decisões jurisprudenciais ou textos doutrinais que a sustentem.

7. O parecer junto aos autos, do Ex.mo Senhor Professor Pinto Monteiro defende a existência do chamado «efeito externo das obrigações», por via do qual um terceiro pode ser responsabilizado pelo incumprimento de negócios ou direitos meramente obrigacionais.

8. Dos factos

9. O aqui recorrente interveio, juntamente com os demais réus num processo de inventário que correu os seus termos sob o n° 710/06.9TBVCD, do 3 Juízo Cível de Vila do Conde;

10. Nesse processo, o prédio em causa nestes autos (sito na Av. …, n° 380, em …), veio a ser adjudicado à 1.ª ré, na proporção de 5/8, à 2.ª Ré na proporção de 1/8 e aos dois filhos menores da 1.ª ré, na proporção de 1/8 para cada um.

11. O aqui recorrente interpôs recurso de tal decisão;

12. As 1.ª e 2.ª rés, como não dispunham de dinheiro para pagar ao 3 réu (o aqui recorrente) o valor das tornas que, por aquelas adjudicações, lhe eram devidas, em fevereiro de 2012, contactaram o Eng. LL, no sentido de com este celebrarem um contrato-promessa de compra e venda quanto à (totalidade) do prédio em causa;

13. Tendo chegado a acordo quanto à celebração do referido contrato-promessa de compra e venda, pelo preço global de € 550.000,00, sendo que metade do preço seria pago em apartamentos e a outra metade do preço pago em dinheiro;

14. O Eng. LL, que fazia parte da «Mesa Administrativa» da recorrida e é filho do seu provedor, sabendo do interesse da recorrida no prédio em questão, decidiu propor às 1.ª e 2.ª rés que o contrato-promessa fosse celebrado com a recorrida, o que aquelas aceitaram;

15. Por sua vez a recorrida também aceitou celebrar o referido contrato-promessa, cuja minuta foi efetuada pelo seu jurista, o Dr. NN;

16. De acordo com o que havia sido previamente negociado com o Eng. LL, este minutou os contratos-promessa de compra e venda dos apartamentos, que integravam o preço (neste caso, o sinal) a pagar pela recorrida;

17. Na concretização da globalidade do negócio, foram celebrados, em 4 de setembro de 2012, 3 contratos-promessa de compra e venda:

a) Um contrato-promessa, datado de 4 de setembro, celebrado entre a recorrida e as 1.ª e 2:ª rés (referente ao prédio em causa, nestes autos), pelo valor global de € 550.00,00;

b) E dois contratos-promessa celebrados entre o Eng. LL (como promitente vendedor) e a 1.ª ré, referentes a duas frações autónomas, ainda por construir, nos valores de € 165.000,00 e € 85.000,00.

18. Todos esses contratos-promessa foram assinados, pelas 1.ª e 2a rés, no gabinete do Eng. LL que tinha consigo os exemplares do contrato-promessa celebrado com a recorrida, já assinados pelo seu Provedor.

19. Sendo que nessa data (02/09/2012) e local (escritório do Eng. LL) por conta do contrato-promessa celebrado entre as 1.ª e 2a rés e a recorrida, para pagamento do sinal aí previsto, no montante de € 275.000,00, foram entregues à 1.ª ré, 3 cheques sacados pela recorrida - um no valor de € 165.000,00, outro de € 85.000,00 e um terceiro de € 25.000,00.

20. Dois dos referidos cheques, no valor de 165.000,00 e de € 85.000,00 foram de imediato endossados pela 1.ª ré ao Eng. LL, para pagamento da totalidade do preço dos dois apartamentos que este, nessa data, lhe prometeu vender.

21. Ficando apenas, na posse da 1.ª ré, um cheque com o valor de € 25.000,00;

22. O Eng. LL não era proprietário das frações (por si) prometidas vender (pelo menos tal direito de propriedade não se encontrava devidamente registado);

23. Sendo que a propriedade de tais frações nunca veio a ser transmitida para a 1.ª ré - isto apesar de o Eng. LL ter recebido, logo, com a assinatura dos dois contratos-promessa, a totalidade do(s) preço(s) combinados;

24. Assim, em 4 de setembro de 2012, a recorrente e as 1.ª e 2a rés celebraram um contrato-promessa de compra e venda, referente ao prédio em causa, nestes autos, com as seguintes cláusulas

a) A ser vendido, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 550.000,00:

b) Com a prestação de um sinal de € 275.00,00 (que foi pago pelos 3 cheques e nas condições supra referidas);

c) Sendo que a segunda outorgante (a 1.ª ré) se obriga a obter a «necessária autorização judicial para venda da quota-parte no imóvel, propriedade dos seus representados menores»

d) Comprometendo-se a segunda outorgante a devolver a totalidade do dinheiro recebido, na eventualidade de não concretização do negócio prometido, por causa alheia à vontade das partes;

e) Sendo que a escritura de compra e venda será outorgada em cartório notarial de …, até 31 de dezembro de 2012;

f) Mais se convencionou que «O presente contrato não é passível de alteração ou anulação, no todo ou em parte, por qualquer forma.»

25. O Tribunal da Relação do Porto, por decisão datada de 15/10/2012, veio a indeferir o recurso interposto pelo aqui recorrente (no processo de inventário a que supra se faz referência);

26. Sendo que o trânsito em julgado da sentença de adjudicação no processo de inventário (pelo qual a propriedade do prédio em causa nestes autos foi adjudicado à 1.ª e 2a rés e aos 2 filhos menores da 1.ª ré) ocorreu em 31/01/2013;

27. Ou seja, posteriormente à data limite para a celebração do contrato-prometido, (31/12/2012) no contrato-promessa celebrado entre a recorrida e as 1.ª e 2.ª rés.

28. O mandatário da 1.ª Ré informou a recorrida que, para tornar possível a celebração do contrato-prometido, havia que pagar as tornas ao aqui recorrente, corrigir uma discrepância de áreas no registo e resolver o problema da autorização para a venda das quotas partes dos filhos menores da 1.ª Ré;

29. Foi acordada, entre a recorrida e o mandatário da 1.ª ré, a necessidade de alterar os termos do contrato-promessa anteriormente celebrado, efetuando-se o «negócio» em duas fases - uma primeira com a aquisição dos 6/8 indivisos pertencentes às 1.ª e 2a rés e uma segunda com a aquisição dos restantes 2/8 (aos filhos menores da 1.ª ré, após obtido o necessário consentimento judicial)

30. Em 11 de junho de 2013 a mesa administrativa da autora/recorrida deliberou a aquisição dos 6/8 indivisos;

31. Em meados de junho de 2013 o recorrente manteve uma reunião com o provedor da recorrida em que lhe comunicou que estava interessado no prédio em questão nestes autos, sabia da existência de um contrato-promessa celebrado entre a recorrida e a 1.ª ré e sugeriu que a recorrida desistisse desse mesmo contrato-promessa, o que foi recusado.

32. Em 01/07/2013, o jurista da autora, Dr. NN, diligenciou junto da Conservatória do registo predial a conversão em definitivo do registo de aquisição, sobre o prédio em questão nestes autos, a favor da 1.ª, 2, 6 e 7.º réus;

33. Tendo, nessa mesma data, (automática/oficiosamente) sido convertido em definitivo o registo da Hipoteca legal a favor do aqui recorrente para garantia do pagamento das tornas a que tinha direito;

34. Em finais de junho, inícios de julho de 2013, em conversas tidas com o Eng. LL, este foi auscultado pela 1.ª Ré, que referiu ter uma melhor proposta para o negócio, sobre a disponibilidade da recorrida para celebrar a escritura em questão pelo valor matricial do imóvel a fim de lhe proporcionar poupança fiscal;

35. Em meados de julho de 2013 o jurista da recorrida enviou ao 4o réu (mandatário da 1.ª ré) mensagem de correio eletrónico contendo a minuta com a proposta do aditamento ao contrato-promessa (datado de 26/07/2013);

36. A 1.ª não aceitou a proposta da recorrida no sentido de se efetuar tal aditamento ao contrato-promessa, que não assinou, dado que estaria a declarar que recebia dinheiro pela parte dos seus filhos;

37. Em 29/07/2013 foi aventada a possibilidade de revogação dos contratos-promessa (celebrados entre a 1.ª ré e o Eng. LL), com a devolução do valor entregue pela 1.ª ré ao Eng. LL, conforme proposta nesse sentido minutada, que não chegou a ser assinada;

38. Nessa minuta, previa-se a devolução, por parte do Eng. LL dos valores por si recebidos, do seguinte modo - € 25.000,00 de imediato; € 25.000,00 até 31 de outubro de 2013; € 35.000,00 até dezembro de 2013 e os remanescentes € 165.000,00 até 31 de maio de 2014;

39. Nos autos de inventário o aqui recorrente reclamou e insistiu pelo pagamento das tornas e adjudicação do prédio para pagamento daquelas, tendo acordado com as 1.ª e 2a rés que o pagamento das tornas devidas pelos menores apenas fosse efetuado quando estes atingissem a maioridade.

40. Em 02/08/2013 por escritura publica lavrada no cartório da Dra. KK, na …, as 1.ª e 2a rés declararam dar em pagamento ao aqui recorrente, os 6/S indivisos que detinham no prédio em causa nestes autos, pelo valor de € 204.442,50;

41. Tendo o aqui recorrente entregue, ainda, às 1.ª e 2a rés a quantia de € 207.000,00;

42. A 1.ª ré nunca chegou a dar entrada de ação a pedir a autorização judicial para venda da parte dos seus filhos menores no imóvel prometido vender à autora

43. O recorrente ao celebrar com as 1.ª e 2a rés a dação em cumprimento supra referida, limitou-se a exercer o direito que lhe assistia de ver pago o seu crédito de tornas que detinha sobre as 1.ª e 2a rés,

44. Crédito esse que já estava vencido encontrava-se garantido por uma hipoteca legal e era exigível desde, pelo menos, 31 de janeiro de 2013.

45. Sendo que entre essa data e a data da dação em cumprimento (em que o recorrente foi pago do seu crédito) mediaram mais de seis meses.

46. A recorrida sabia, quando celebrou o contrato-promessa com as 1.ª e 2a rés (em setembro de 2012) que o recorrente pretendia que lhe fosse adjudicado o prédio objeto desse mesmo contrato-promessa;

47. Bem como sabia que o aqui recorrente era credor de tornas sobre as aí promitentes vendedoras;

48. E que o negócio prometido estava ainda dependente de autorização judicial a ser concedida para a venda das quotas partes detidas pelos menores;

49. A recorrida sabia que, face ao modo como foi feito o negócio do contrato-promessa com as 1.ª e 2a rés - em que o sinal por estas recebido era constituído, na sua quase totalidade/por apartamentos - estava a deixar as 1.ª e 2a rés sem qualquer liquidez que lhes permitisse pagar as tornas devidas ao aqui recorrente.

50. Pelo que é forçoso chegar-se á conclusão que o aqui recorrente não atuou em abuso do direito, ao ter celebrado com as 1.ª e 2a rés o contrato de dação em cumprimento.

51. Tendo-se limitado a obter o pagamento de uma quantia que lhe era devida;

52. Nunca tendo escondido as suas intenções seja de quem fosse, muito menos da recorrida - a quem as comunicou pessoalmente ao seu Provedor;

53. Sendo que a dação em cumprimento e a aquisição dos 6/8, nela operada foi efetuada por um valor adequado - o que até é reconhecido no acórdão recorrido;

54. Tendo ainda em conta que o recorrente acordou em deferir, até à maioridade dos menores (filhos da 1.ª ré), a cobrança dos créditos de tornas que sobre estes tem;

55. Sendo que a suposta vantagem fiscal existente no negócio efetuado entre o recorrente e as 1.ª e 2a rés, apenas a estas poderia favorecer.

56. Para haver abuso do direito, não basta que o terceiro conheça a obrigação do devedor, é preciso também que tenha agido manifestamente contra a boa fé os bons costumes - o que, no caso dos autos, obviamente que não ocorreu.

57. O devedor que não cumpre a obrigação pode não o fazer com o único intuito de prejudicar o credor (fá-lo, por exemplo, porque o contrato com o terceiro lhe é mais vantajoso, patrimonial ou não patrimonialmente);

58. Nem o terceiro, apesar de conhecera existência da obrigação do devedor, se torna necessariamente cúmplice da violação da obrigação, dado que esta não o vincula.

59. Aliás, o recorrente não atuou com qualquer intuito de prejudicar a recorrida.

60. Pretender que o credor de tornas, tem de esperar pacientemente que os devedores das tornas, fiquem em condições de cumprir um contrato-promessa celebrado com terceiros (sobre um dos prédios que integravam a herança), para só então, depois de celebrado o contrato-prometido, poder ver satisfeito o seu crédito, é impor uma restrição ao direito do recorrente que não tem qualquer fundamento legal.

61. Por outro lado, o contrato-promessa celebrado entre a recorrida e as 1ª e 2a rés tinha por objeto o prédio (a totalidade do prédio) e não quaisquer quotas partes sobre o mesmo;

62. De acordo com o que aí foi convencionado, a escritura definitiva de compra e venda deveria ter tido lugar até ao dia 31/12/2012;

63. Tendo sido convencionado entre as partes contratantes que o contrato-promessa não era passível de alteração ou anulação, no todo ou em parte, por qualquer forma;

64. Pelo que o incumprimento desse mesmo contrato-promessa ocorreu em 31/12/2012 e não aquando da celebração da dação em cumprimento celebrada com o aqui recorrente;

65. Sendo que, apesar de terem decorrido negociações entre a recorrida e as 1.ª e 2a rés, não se chegou a qualquer acordo quanto a qualquer alteração ou aditamento ao contrato-promessa subscrito em 04/09/2012;

66. O que, por força cio disposto no art. 410°, n° 2 do Código Civil, sempre teria de revestir a forma escrita;

67. Refira-se, ainda, que mesmo na data da celebração da dação em cumprimento era impossível dar-se cumprimento ao contrato-promessa, uma vez que nenhuma autorização judicial havia sido concedida (aliás, nem, sequer, havia sido solicitada) de modo a permitir a venda das quotas-partes detidas pelos menores;

68. Aliás, sinal de que as 1.ª e 2a rés e a recorrida não tinham alcançado qualquer acordo é o facto de, apesar das múltiplas marcações de escrituras, em finais de julho de 2013, ainda se estar a trocar minutas de propostas de alteração do contrato-promessa e se ponderar a rescisão dos contratos-promessa celebrados com o Eng. LL;

69. Pelo que, a recorrida sempre esteve consciente dos riscos que corria na celebração do contrato-promessa e das intenções do recorrente.

70. Para mais, aqui recorrente não foi parte em qualquer contrato-promessa celebrado com a recorrida,

71. O mesmo acontecendo quanto às negociações (tendentes a alterar os termos desse mesmo contrato-promessa) que a recorrida e as 1.ª e 2a rés mantiveram.

72. Pelo que não pode ser responsabilizado pelo eventual incumprimento quer do referido contrato-promessa, quer de qualquer «quebra de negociações» que eventualmente tenham ocorrido;

73. Numa promessa de compra e venda, a prestação a que os pactuantes se vinculam traduz-se em outorgarem no futuro contrato, correspondentemente, como comprador como vendedor.

74. O promitente comprador fica apenas com o direito de exigir ao promitente vendedor uma prestação de facere, a realização do negócio prometido ou, mais rigorosamente, a emissão da declaração negocial de venda imprescindível a celebração do contrato

75. Em regra, o contrato-promessa produz meros efeitos obrigacionais, restritos às partes contratantes, a menos que elas lhe tenham atribuído eficácia real (arts 413° do cc).

76. Quando o contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional, os efeitos que dele nascem «não valem contra terceiros», não podem ser opostos a terceiros, nem destes pode ser exigida qualquer indemnização, pelo facto da sua violação.

77. Assim em caso de violação culposa pelo promitente vendedor, designadamente pela venda da coisa a terceiro, ao promitente comprador resta apenas o pedido de indemnização contra o faltoso.

78. Mesmo que o não cumprimento resulte da colaboração de terceiro, só o devedor e não o terceiro (que nenhum dever assumiu perante o lesado) responde pela violação cometida.

79. A legislação portuguesa não acolheu qualquer norma que permita o reconhecimento do propalado «efeito externo das obrigações»;

80. Tendo essa sido uma opção deliberada do legislador - «Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei»,

81. Sendo essa a opinião da Jurisprudência e da Doutrina dominantes.

82. Não é para os direitos de crédito (a não ser quanto ao valor da sua titularidade) que aponta a responsabilidade delitual ou extracontratual, prevista e regulada nos artigos 483° e seguintes.

83. No caso dos autos, não estamos perante um qualquer terceiro que, intrometendo-se em negócio alheio (sabendo da existência de um prévio contra to-promessa), contrata com o promitente vendedor adquirindo o bem prometido vender, dolosamente e com intenção de prejudicar o promitente comprador.

84. Nestes autos, temos um credor das promitentes vendedoras (com um crédito reconhecido judicialmente e até garantido por uma hipoteca legal sobre o prédio em causa) que atua no sentido de, por meio da escritura de dação em pagamento, ver pago esse seu crédito.

85. Pelo que nada há a censurar à atuação do recorrente,

86. Devendo o mesmo ser absolvido dos pedidos efetuados pela autora/recorrida.

87. O acórdão recorrido faz uma incorreta interpretação do artigo 483°, n° 1 e 490° do Código Civil.

88. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 334°, 406° no 2, 410°, n° 2, 413°, 798º e 1306º dos do Código Civil.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando a decisão do Tribunal da Relação, confirmando-se a Douta Sentença proferida pelo Juízo Central Cível da …

     14. O 3.º Réu DD, notificado do recurso de revista interposto pela Autora Santa Casa da Misericórdia de AA, apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade e, na hipótese de o recurso ser admitido, pela sua improcedência. 

      15. Formulou, a final, as seguintes conclusões:

1. Nos termos do nº 3 do art. do CPC - «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância;

2. Sendo as decisões proferidas por ambas as Instâncias compostas por diversos segmentos decisórios distintos, uns favoráveis e outros desfavoráveis, o conceito de dupla conforme previsto no art. 671º, n.º 3, do NCPC deve ser aferido separadamente em relação a cada um deles.

3. Acontece que se verifica uma situação de dupla conforme quanto aos pedidos deduzidos pela recorrente neste seu recurso de revista.

4. De facto, quanto à matéria em causa neste recurso, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, confirmou, na íntegra a sentença do Juízo Central Cível da …, sem que tivesse sido lavrado qualquer voto de vencido;

5. Basta ver que o pedido deduzido, a final, nas alegações do recurso de revista abrange os mesmo pontos que estavam contidos no pedido deduzido, a final, pela recorrente, no recurso de apelação;

6. Por outro lado, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto é mais favorável à (aqui) recorrente do que a sentença que foi proferida em primeira instância;

7. O apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância – isto é, o réu que é condenado em “menos” do que na decisão da 1.ª instância ou o autor que obtém “mais” do que conseguiu na 1.ª instância – nunca pode interpor recurso de revista para o Supremo, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a – para ele menos favorável – decisão da 1.ª instância.

8. Sendo assim inadmissível o presente recurso interposto pela Santa Casa da Misericórdia de AA;

9. Sem prescindir, a cessão em pagamento em causa, não configura qualquer negócio contrário à ordem pública, nem ofensivo aos bons costumes.

10. Nem atuou o recorrido com qualquer abuso do direito.

11. O recorrido limitou-se, na escritura de dação em pagamento, a obter o pagamento do seu crédito de tornas, que se encontrava legal e judicialmente reconhecido, era exigível, já estava vencido e encontrava-se, inclusivamente, garantido por meio de uma hipoteca legal.

12. O pedido do reconhecimento da «execução específica» quanto a 6/8 indiviso do prédio em causa nestes autos, não tem qualquer fundamento, uma vez que o contrato-promessa em causa tinha por objeto a totalidade do prédio e não os 6/8 indivisos;

13. Sendo que a transmissão (execução especifica) da totalidade do prédio sempre seria legalmente inadmissível, quer por os titulares dos restantes 2/8 indivisos não terem sido partes no contrato promessa, quer por nos termos do disposto no art. 1.889º do Código Civil, ser necessária a autorização judicial para a alienação desses 2/8 indiviso por parte dos menores, que não existia (nem existe);

14. A recorrente sempre esteve consciente dos riscos que corria na celebração do contrato-promessa e das intenções do recorrido.

15. Sendo que o aqui recorrido não interveio no contrato promessa celebrado pela recorrente, não podendo, pelo incumprimento do mesmo, ser responsabilizado.

Termos em que o não deve ser admitido o recurso de revista interposto pela Santa Casa da Misericórdia de AA;

Sem prescindir, a assim se não entender, sempre deverá o mesmo ser julgado improcedente e confirmado, nessa parte, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

  16. A Autora Santa Casa da Misericórdia de AA, notificada do recurso de revista interposto pelo 3.º Réu DD, apresentou contra-alegações, pugnando pela sua improcedência.

     17. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

     18. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

     1.ª — se a conclusão do contrato de dação em cumprimento dos 6/8 indivisos que a 1.ª e 2.ª Rés BB e CC detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº 380, freguesia e concelho de …, viola a boa fé, os bons costumes ou a ordem pública (conclusões n.ºs 1 a 8 do recurso interposto pela Autora e conclusões n.ºs 1 a 88 do recurso interposto pelo 3.º Réu);

     2.º — se o contrato de dação em cumprimento dos 6/8 indivisos deve ser declarado nulo (conclusões n.ºs 1, 2, 3 e 8 do recurso interposto pela Autora, com remissão para os n.ºs 1 a 4 e 5 a 8 das conclusões da petição inicial);  

    3.º — se o 3.º Réu DD deve indemnizar a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA pelo não cumprimento do contrato-promessa (conclusões n.ºs 1 a 88 do recurso interposto pelo 3.º Réu);

    4.º — se deverá decretar-se a execução específica da obrigação de conclusão do contrato de compra e venda, nos termos do art. 830.º do Código Civil, e declarar-se transmitida a propriedade dos 6/8 indivisos para a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

       OS FACTOS

   1. A 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

 1.º Por contrato-promessa de compra e venda, datado e outorgado no dia 04 de Setembro de 2012, assinado primeiro pela autora, representada pelo seu Provedor, na sede da autora, e depois pelo punho da 1º e 2º rés, estas no gabinete do engenheiro LL, na presença do 4º réu, sendo a primeira por si e em representação de seus filhos menores, HH e JJ, prometeram vender à autora que, por seu turno, prometeu adquirir, pelo preço total de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros), o seguinte imóvel: prédio urbano, destinado a habitação, situado na Av. …, nº 380, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 2…8 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 3849º da matriz urbana da freguesia de …, confinante com o antigo ... Hotel.

 2.º Tal imóvel havia sido adjudicado às promitente-vendedoras no âmbito do processo de Inventário nº 710/06.9TBVCD do 3º Juízo Cível de …, por decisão, então, ainda não transitada em julgado, pertencendo à 1ª ré, BB, na proporção de 5/8 e à 2ª ré, bem como a cada um dos indicados filhos da 1ª ré, na proporção de 1/8 para cada.

 3.º Dessa decisão de adjudicação o aqui 3º réu havia interposto recurso, o qual veio a ser julgado improcedente por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 15/10/2012.

 4.º Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, a autora entregou à 1ª ré BB, na presença do seu mandatário, o aqui 4º réu, a quantia de 275.000,00€ (duzentos e setenta e cinco mil euros), dividida em três cheques, cujas cópias estão juntas a fls. 26 da providência cautelar apensa, de que aquela ré deu a competente quitação, quantia que seria deduzida no pagamento final, a efectuar no acto da realização da escritura pública de compra venda.

 5.º A 1ª ré comprometeu-se “a devolver a totalidade do dinheiro recebido, na eventualidade da não concretização do negócio prometido, por causa alheia à vontade das partes” (ultimo § da cláusula quarta).

 6.º Foram convencionados naquele contrato os domicílios da autora e 1º e 2ª rés para todas e quaisquer comunicações, conferindo as partes ao contrato-promessa o direito à execução específica.

 7.º Nos termos do contrato-promessa celebrado entre a autora e a 1ª e a 2ª ré, ficou acordado que a escritura de compra e venda do imóvel identificado no item 1º supra, seria feita no cartório notarial de … até ao dia 31 de Dezembro de 2012.

 8.º O 4º réu comunicou à autora o trânsito da sentença de adjudicação no processo de inventário, ocorrido em 31/01/2013.

 9.º Em face disso, no dia 18 de Fevereiro de 2013, a pedido do 4º réu, foi feita uma reunião no escritório do Dr. MM, este na qualidade de membro da Mesa administrativa, com a presença do Provedor, do jurista Dr. NN, e dele, 4º réu.

 10.º Nessa reunião, foi equacionada qual a forma a seguir para se concretizar a transferência do prédio identificado para a autora.

 11.º Deu então o 4º réu a conhecer à autora, de que todos os problemas no inventário estavam resolvidos, e que era apenas necessário corrigir uma discrepância de áreas, pagar as tornas e resolver o problema da autorização para a venda das quotas- partes menores, filhos da 1ª ré.

 12.º Equacionadas as diversas hipóteses, foi acordado que o negócio se concretizaria em duas fases distintas:

 — numa primeira, a transmissão dos 6/8 indivisos pertencentes às rés (5/8 à BB e 1/8 à CC) que seria concretizada através de escritura pública a Tribunal Judicial da agendar logo que o registo a seu favor fosse realizado, que dependia apenas do prévio pagamento dos impostos de selo e sobre transmissões, por aquelas;

 — numa segunda, a transmissão dos 2/8 indivisos adjudicados aos menores seria efectuada obtida a competente autorização judicial, que a 1ª ré, através do 4º réu, se comprometeu a requerer de imediato;

 — sendo que a autora adiantaria a quantia necessária para que esta procedesse ao pagamento das tornas no inventário dela e dos seus três filhos, em momento prévio à escritura;

 — esclarecendo o 4º réu que a 1ª ré acertaria contas com os filhos, designadamente, através da transmissão para eles de quota parte do prédio da Rua do … que viesse a ser necessária em consequência da utilização por aquela de parte do preço que aos menores era devido pela venda dos seus 2/8 indivisos no prédio prometido vender.

 13.º Entretanto, o 4º réu informou a autora de que havia pedido apoio judiciário para instaurar a acção de autorização para a venda pelos menores e que aguardava o seu deferimento, e que estava a diligenciar pela rectificação de áreas do prédio e concretização do registo de definitivo de aquisição.

 14.º Neste circunstancialismo, em 11 de Junho de 2013, a Mesa administrativa deliberou a aquisição dos 6/8 indivisos e a autora comunicou tal facto ao 4º réu, perguntando pela data da marcação da escritura.

 15.º Tal acto notarial, entretanto agendado, não se verificou por não comparência das 1ª e 2ª rés, nem do 4º réu, que depois informou verbalmente que a 1ª ré estava em preparação para uma intervenção cirúrgica e, por isso, impedida de comparecer.

 16.º Por isso a autora, dando conhecimento ao 4º réu, notificou por carta registada a 1ª ré, no sentido desta e da 2ª ré, comparecerem no dia 12 de Julho de 2013, pelas 11h, cartório notarial de QQ, em … para celebrarem a escritura, não tendo a 1ª e 2ª Rés comparecido na data, hora e local designados.

 17.º O 4º réu, verbalmente e por email, comunicou nesse próprio dia 12, mas antes das 11h, que a 1ª ré estava impedida pelo médico de se ausentar da residência, justificando assim a impossibilidade de celebração da escritura naquele dia, mais referindo que na 2ª feira seguinte, dia 15 de Julho, contaria poder comprovar o impedimento médico supra referido e acertar o dia em que a escritura poderia ser realizada.

 18.º No dia 18 de Julho de 2013 o 4º réu comunicou à autora que a 1ª ré continuava impedida de sair de casa e logo que o impedimento físico cessasse o comunicaria à autora.

 19.º No dia 02 de Agosto de 2013, através de escritura pública, lavrada de fls. 6 a 10 do Livro 16-D do Cartório Notarial da Dra. KK, na …, a 1ª e 2ª rés declaram dar em pagamento, pelo valor de 204.442,50€ (duzentos e quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) ao 3º réu, os 6/8 indivisos que detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…8/… e inscrito na matriz sob o artigo 3.849º, prédio esse registado a seu favor através da apresentação 162 de 03/04/2013, para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas de 201.827,19€ (duzentos e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezanove cêntimos).

 20.º No dia 06 de Agosto de 2013 a autora recebeu uma carta, remetida pela 1ª ré, mas assinada pelo punho desta e pelo da 2ª ré, datada de 05/08/2013, com o seguinte teor:

 «Serve a presente para vos comunicar de que não vai ser possível realizar a escritura de compra e venda relativa ao prédio descrito na Conservatória sob o n° 2…8 e inscrito no artigo 3849, de …, uma vez que existe uma oferta substancialmente superior para os 2/8 dos meus filhos menores. Assim sendo, o Ministério Publico não iria permitir vender os 2/8 dos menores por um valor inferior ao dessa proposta, pelo que o contrato celebrado entre nós no dia 4 de Setembro de 2012, fica sem efeito.

 Por outro lado, existiram contornos na celebração do contrato que não são do meu agrado e foram do meu desconhecimento, nomeadamente a celebração de contratos com uma terceira pessoa que não a Santa Casa da Misericórdia de AA.

 Pelo que e em consequência, devolvo o sinal recebido de 25.000,00 € conforme cheque anexo.

 Nunca o sinal recebido foi de 275.000,00 €, conforme consta do contrato”. – doc. 5

 21.º Logo que recebeu a carta, o Dr. NN, jurista da autora, contactou o 4º réu confrontando-o com o teor da mesma ao que este respondeu dizendo-lhe não saber o que se passava e lamentando não poder estar com a 1ª ré por estar ele ausente de ….

 22.º Perante estas circunstâncias, a autora, no dia 07/08/2013, decide levar a registo o contrato promessa de compra e venda apresentando, com base nele, registo de aquisição provisória por natureza a seu favor do prédio, o qual é lavrado no dia 8 de Agosto de 2013, provisoriamente, por natureza e dúvidas, e requalificado pelo prédio estar inscrito em nome de pessoa diversa dos promitentes vendedores em 13/08/2013.

 23.º No dia 09/08/2013 a autora toma conhecimento que existe um registo de aquisição pendente sobre o prédio e consegue apurar que no dia 02/08/2013 a 1ª e a 2ª rés tinham dado em pagamento por escritura celebrada nesse dia no Cartório da Dra. KK os 6/8 por elas prometidos vender à autora.

 24.º  As 1ª e 2ª rés não compareceram à escritura agendada para o dia 29 de Agosto.

 25.º A autora acreditou e confiou no 4º réu, atento o crédito que aquele, como profissional do foro, lhe merecia e, especialmente, face ao comportamento e colaboração que havia demonstrado no sentido do cumprimento do contrato promessa celebrado.

 26.º No dia 16 de Setembro de 2013, através de notificação judicial avulsa, que a autora requereu, as 1º e 2º rés foram notificadas, designadamente, para «efectuarem à Requerente a restituição do sinal em dobro, ou seja, de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros)», valor esse «acrescido de juros desde a data da notificação, em face do incumprimento definitivo do contrato promessa».

 27.º No dia 24 de Setembro de 2013, através de escritura de doação, a 1º ré declarou doar o seu direito a 5/8 indivisos do prédio urbano, sito na Rua do …, nº …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…7, …, inscrito na matriz sob o art. 711, aos seus quatros filhos (a 2 ré, a 3º ré, GG, e aos dois filhos menores, os 6º e 7º réus), tendo as duas filhas maiores logo declarado aceitar a doação.

 Mais se provou que:

 Da petição (temas da prova I a IX):

 28.º Em meados de Fevereiro de 2012, o 4º réu, acompanhado de um seu amigo de nome PP, apresentando-se como advogado da 1ª ré BB, procurou o Eng. LL no sentido de aferir da possibilidade de venda de um dos prédios que a 1ª ré, adquirira num processo de partilhas judiciais, onde havia licitado mais bens do que o seu quinhão permitia, necessitando assim de realizar dinheiro para repor tornas aos demais herdeiros,

 29.º Nesse circunstancialismo, e inicialmente, em face do valor proposto, de 750.000,00€, o negócio não avançou.

 30.º Em Junho de 2012, tendo a ré BB baixado o preço do negócio, foi então acordada a compra e venda do dito imóvel, na sua totalidade, sendo metade do preço pago em dinheiro e outra metade em apartamentos.

 31.º Em face disso, a 1ª ré visitou vários apartamentos, escolhendo, aquando da terceira visita, dois dos apartamentos que visitou.

 32.º. O Eng. LL fazia parte da Mesa Administrativa da autora e tinha conhecimento que esta havia adquirido em Setembro de 2011 o edifício denominado … Hotel, sito no gaveto daquela Av. …, em …, onde, como instituição canónica e particular de solidariedade social, estava na altura a projectar, para concretização de seus fins estatutários, uma obra social para aquele antigo palácio hotel.

 33.º A autora constatou que, com o espaço (área) do referido prédio, nomeadamente em termos de frente para a via pública (jardim público), era possível alterar todo o estudo e projecto inicial e maximizar o espaço disponível, podendo com a junção dos dois prédios majorar a qualidade do empreendimento que visava executar.

 34.º O contrato-promessa com a autora, aludido em 1º., foi então elaborado pelo Dr. NN, jurista da instituição, tendo o Eng. LL minutado os contratos promessa de compra e venda dos apartamentos, após o que foram, todos eles, enviados para o 4º réu, que mereceram a sua concordância.

 35.º Em 30/08/2012, a Mesa administrativa da autora reuniu, tomando a deliberação de adquirir o referido imóvel pelo preço e condições constantes da minuta do contrato-promessa.

 36.º Após o que, em 04 de Setembro de 2012, foi assinado o contrato-promessa aludido em 1º, nos seus termos e cláusulas, nele se salvaguardando, como referido e a pedido do 4º réu, a circunstância de poder vir a não ser adjudicado às 1ª e 2ª rés o prédio no processo de inventário, por via do recurso que se encontrava então pendente (clausula 4ª, último parágrafo).

 37.º O pagamento do sinal, como aludido em 4º, foi feito através de três cheques emitidos a favor de BB em 04/09/2012, um no valor de 165.000,00€ sacado sobre o RR, outro no valor de 85.000,00€ sacado sobre o Montepio e outro no valor de 25.000,00€ sacado sobre o SS.

 38.º A autora foi mantendo com o 4º réu contactos regulares, através dos quais este sempre se mostrou colaborante no sentido de ser executado e assim cumprido o contrato promessa, nomeadamente, informando a autora, primeiro, das vicissitudes do recurso que estava pendente e, depois, da situação da sua cliente quanto à dívida de tornas.

 39.º O 4º réu deu conta à autora que a ré BB e os restantes interessados da partilha estavam, de tal modo, desavindos que havia necessidade de proceder ao registo logo que possível e providenciar pelo pagamento das tornas, de modo a ser celebrado o contrato prometido.

 40.º De igual modo, sempre aquele 4º réu fez crer à autora que em tudo colaboraria e participaria no sentido de, pela melhor forma, concretizar o negócio supra referido, e a autora sempre agiu, antes e após a celebração do contrato promessa, convencida da boa-fé e da melhor intenção do 4º réu, face ao seu comportamento e ao que este lhe transmitia.

 41.º No decurso do mês de Junho de 2013, o 3º réu, acompanhado da sua mandatária, Dra. TT, dirigiu-se aos serviços centrais da autora, pedindo para falar com o Sr. Provedor, o que conseguiram, dando conta que sabia que a Santa Casa tinha celebrado um contrato-promessa com a sua cunhada do prédio da Avenida … e relatou ter sido interessado no inventário no âmbito do qual tinha sido adjudicado à 1ª ré, sua cunhada, e filhos, que tinha perdido a oportunidade de ficar com o prédio no processo de inventário mas interesse na aquisição do mesmo, pedindo à autora para desistir de celebrar a escritura de compra.

 42.º O Sr. Provedor fez saber que a autora não abdicava de celebrar a compra.

 43.º No dia 28/06/2013, no sentido de tudo organizar para a outorga da escritura e com prévio conhecimento e colaboração do 4º réu, a autora apresentou o competente pedido de isenção de IMT no serviço de Finanças de …, e para ultrapassar uma situação de divergência de áreas que era impeditiva da realização da escritura, em diligência conjunta com a colaboradora do 4º réu, e com este mesmo, o jurista em exclusividade da autora, Dr. NN, organizou toda a documentação necessária para promover junto da Conservatória do Registo Predial a conversão do registo a favor das 1ª e 2ª rés em definitivo, o que conseguiu, ao final da manhã do dia 01/07/2013, tendo ficado nessa data convertido em definitivo o registo de aquisição a favor da 1ª, 2ª, 6º e 7º réu.

 44.º Ultrapassadas todas as dificuldades, a autora, através do Dr. NN, confirmou de imediato com o 4º réu a possibilidade da celebração da escritura dos 6/8 para esse mesmo dia, 01/07/2013, como ficara combinado na semana anterior com o 4º réu, caso tudo corresse como pretendido após as diligências registais tomadas, mas o acto notarial não se verificou pois que, segundo foi transmitido à autora pelo 4º réu, a 1ª ré estava em preparação para a intervenção cirúrgica e, por isso, impedida de comparecer.

 45.º Verbalmente e com o 4º réu, foi de seguida, combinada a possibilidade da realização da escritura para o dia 8 de Julho de 2013, o que não foi concretizado, conforme resulta do certificado do cartório de fls. 78 do apenso de arresto, razão pela qual, dando conhecimento ao 4º réu, a autora notificou por carta registada a 1ª ré, no sentido desta e da 2ª ré, comparecerem no dia 12 de Julho de 2013 pelas 11h no cartório notarial de QQ, em … para celebrarem a escritura, a que o 4º réu, por email de 18/07/2013, deu resposta, tudo nos termos constantes da carta e email cujas cópias se encontram junta a fls. 345 e 347 destes autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzidos.

 46.º Alguns dias depois do descrito em 18º, o 4ª réu acertou verbalmente com a autora a possibilidade da celebração da escritura prometida de compra e venda para o dia 26/07/2013, no cartório já acima identificado, propondo-se a autora a, nessa data, pagar a quantia necessária ao pagamento das tornas que a 1ª ré e seus filhos deviam ao 3º réu no referido inventário em que eram interessados, em vista do que o jurista da autora enviou ao 4º réu mensagem de correio electrónico e o aditamento ao contrato-promessa, nos termos constantes do email e anexo cujas cópias se encontram junta a fls. 350 a 352 destes autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzidos.

 47.º As rés não compareceram na escritura de 26 de Julho de 2013, tendo o 4º réu enviado à autora o email de fls. 353, onde refere existir um problema com um representante da Santa Casa, e que sem o mesmo resolvido não será possível a realização da escritura, a que a autora deu resposta, cujos teores aqui damos por integralmente reproduzidos.

 48.º A autora enviou às 1º e 2º rés carta, datada de 06/08/2013, marcando a escritura para o dia 29 de Agosto de 2013, no cartório notarial já acima identificado, conforme cartas cujas cópias se encontra juntas a fls. 75 e sgs. dos autos de arresto.

 49.º Os 1ª a 4º réus estiveram presentes no dia 2 de Agosto, no cartório notarial da Dra. KK, na …, na outorga da escritura referida em 19.º.

 50.º Vencido nas licitações, pelas 1ª e 2ª rés, tentou o 3º réu, judicialmente no inventário em que era interessado com as rés e extrajudicialmente, junto da autora, obter para si a transmissão do prédio prometido vender, mas não o conseguiu.

 51.º A 1ª ré nunca chegou a dar entrada de acção a pedir a autorização judicial para venda da parte dos seus filhos menores no imóvel prometido vender à autora.

 52.º Nos autos de inventário o 3º réu reclamou e insistiu pelo pagamento das tornas e adjudicação do prédio para pagamento daquelas, tendo, a partir de Junho de 2013, acordado com a 1ª e 2ª rés a prorrogação do prazo de pagamento das mesmas, e o pagamento directo das tornas, acordando que o pagamento das tornas pelos menores fosse só feito aquando da maioridade deles.

 Mais se provou que:

 Da contestação (tema da prova XI):

 53.º A ré BB, no negócio que fez com a autora, teve como interlocutor da mesma o Engenheiro LL, não conhecendo o Provedor nem qualquer outro membro da mesma administrativa, tendo sido o Eng. LL a transmitir que os termos do negócio passariam pelo pagamento do preço acordado, de 550mil euros, em dinheiro e apartamentos.

 54º. Na concretização da globalidade do negócio, no dia da outorga do contrato promessa descrito em 1º, foi também assinado pela 1ª ré, acompanhada pelo 4º réu, dois contratos promessa referentes a duas fracções, datados de 30/08/2012, em que o promitente vendedor era o Engenheiro LL, e a promitente compradora a 1ª ré, tal como resulta das minutas que foram enviada por email do dia 31/08/2012, cujas cópias se encontram juntas a fls. 454 e 553 dos autos.

 55º. Por força desses contratos, do sinal aludido em 4º, a ré BB de imediato endossou dois dos ditos cheques ao Eng. LL, como sinal e princípio de pagamento dos contratos descritos em 56.º, no valor global de 250mil euros.

 56º. Em 29/07/2013, foi aventada a possibilidade de revogação dos ditos contratos promessa, com a devolução do valor entregue pela 1ª ré ao Eng. LL, conforme proposta nesse sentido, minutada a fls. 184/186 dos autos, que não chegou a ser assinada

 57.º A 1ª ré não aceitou a proposta da autora no sentido do aditamento descrito em 46º, que não assinou, dado que estaria a declarar que recebia dinheiro por parte dos seus filhos.

     2. A 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

 a -) Que a proposta de venda do imóvel dos autos foi inicialmente apenas feita ao Eng. LL e sem qualquer referência à autora e que tenha sido proposto ao mesmo que a 1º estaria disponível para receber metade do preço em dinheiro e metade em apartamentos;

 b -) Que só depois de acordados os termos do negócio, é que o Eng. LL, apresentou o mesmo à autora, disponibilizando-se para, sem qualquer contrapartida, possibilitar à mesma a compra daquele prédio;

 c -) Que foi só então é que o Eng. LL chamou o 4º réu ao seu gabinete e lhe comunicou que tinha colocado à disponibilidade da autora a possibilidade de fazer ela o negócio, no que a mesma mostrara interesse, pelo que, se nada tivessem a opor, ele e a 1ª e 2ª rés, quem compraria o prédio e pagaria o preço de 550.000,00€ seria a instituição autora, cumprindo ele, Eng. LL, o ajustado com a 1ª ré no sentido de lhe vender os dois apartamentos pelo preço acordado, se esta o continuasse a pretender;

 d -) Que o 4º réu, em representação das 1ª e 2ª rés, disse que aquelas nada tinham a opor à venda à Santa Casa da Misericórdia do dito prédio e que a 1ª ré mantinha interesse na compra dos apartamentos para si e para a sua filha;

 e -) Que os cheques emitidos a favor de BB, descritos em 37º, foram emitidos pela autora de acordo com a indicação dada pelo 4º réu, em representação das 1ª e 2ª rés, face aos pagamentos que haviam convencionado com o Engº LL no âmbito do contrato promessa de compra dos apartamentos;

 f -) Que o 4º réu agiu como gestor de negócios da 1ª ré e que a escritura de dação aludida em 19º foi feita em conluio entre os réus para impedir a transmissão dos 6/8 do imóvel para a autora e a aquisição total do dito imóvel, visando prejudicar a autora;

 g -) Que o comportamento do 4º réu visou, o que foi alcançado, que a autora não tomasse qualquer iniciativa acauteladora do seu direito e que impedisse a concretização daquela escritura de dação em cumprimento ou outro acto de transmissão, ou seja, que pudesse impedir ou prejudicar o intento e plano que todos os 1º a 4º réus conceberam e executaram;

 h -) Que a doação descrita em 27º foi feita pela 1ª ré, com óbvio intuito de enganar a autora, em conluio com as suas duas filhas maiores, que sabiam que a 1ª ré apenas pretendia criar a aparência de uma transferência para o património das donatárias desse direito, de modo a evitar a sua apreensão judicial e subsequente venda e dificultar ainda mais a possibilidade da autora obter pagamento/ressarcimento da quantia equivalente do sinal em dobro e danos decorrente dos actos por si praticados;

 i -) Que, em conluio os réus, agiram de má-fé, bem sabendo que os 6/8 valiam muito mais dos que os declarados 204.442,50 euros da escritura de dação;

 j -) Que após a celebração do contrato promessa com a 1ª e 2ª rés a autora curou de alterar o estudo/projecto para o … hotel, instruindo o arquitecto nesse sentido que, por isso, elaborou um projecto de arquitectura;

 k -) Que a autora pretendia concorrer a fundos do QREN, facto de que, pela circunstância de não ter podido celebrar a escritura de compra e venda do prédio identificado em 1º, foi impedida;

 l -) Que um empreendimento hoteleiro construído no local em apreço, com a junção dos dois sobreditos prédios, e com a classificação de cinco estrelas valerá, pelo menos, a quantia de € 7.200.000,00, e que um empreendimento hoteleiro construído no local em apreço, apenas no prédio denominado … Hotel, com a classificação de quatro estrelas, não valerá mais do que € 6.000.000,00.

    3. O Tribunal da Relação do Porto eliminou o facto dado como não provado sob a alínea i) e deu como provados os factos seguintes:

 58º O 3º réu sabia, à data da escritura de dação, como também as 1ª, 2ª e 4º Réus, que aqueles 6/8 do prédio valiam e valem muito mais dos que os declarados € 204.442,50

 59º Em conversas havidas com o Eng. LL, que se situam entre o final do mês de Junho e o mês de Julho de 2013, este foi auscultado pela 1ª ré, acompanhada pelo 4º réu, que referiu ter uma melhor proposta para o negócio, sobre a disponibilidade da autora para celebrar a escritura em questão pelo valor matricial do imóvel, a fim de lhe proporcionar poupança fiscal.

 60º A 1ª, 2ª e 3º réus celebraram a escritura de dação em cumprimento declarando um valor da quota-parte transmitida (6/8 do prédio) inferior ao valor venal da mesma e ao constante do contrato promessa que havia sido celebrado com a Autora.

 61º A quantia paga pelo 3º Réu às 1ª e 2ª Réus em contrapartida da transmissão da quota- parte transmitida (6/8 do prédio), que foi de € 207.000,00, a acrescer ao valor declarado na escritura de € 204.442,50, foi propositadamente ocultada.

 62º Assim, o 3º Réu aliciando as 1ª e 2ª Rés para a prática daquele acto de dação em cumprimento, com o benefício de, enganando o Estado, lhes diminuir o imposto resultante da mais−valia que o cumprimento da promessa com a Autora para elas acarretava.

 63º As rés não compareceram na escritura de 26 de Julho de 2013, motivo pelo qual o Dr. NN contactou o 4º Réu, no dia 26 de Julho e no dia 1 de Agosto de 2013 que lhe garantiu que não ia de férias sem que a escritura prometida estivesse realizada.

 64º O 4º réu chegou mesmo a assegurar à autora que não iria ele de férias nesse verão sem que a escritura de compra e venda fosse celebrada.

      4. Face à alteração feita pelo Tribunal da Relação do Porto, são os seguintes os factos dados como provados:

 1.º Por contrato-promessa de compra e venda, datado e outorgado no dia 04 de Setembro de 2012, assinado primeiro pela autora, representada pelo seu Provedor, na sede da autora, e depois pelo punho da 1º e 2º rés, estas no gabinete do engenheiro LL, na presença do 4º réu, sendo a primeira por si e em representação de seus filhos menores, HH e JJ, prometeram vender à autora que, por seu turno, prometeu adquirir, pelo preço total de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros), o seguinte imóvel: prédio urbano, destinado a habitação, situado na Av. …, nº …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 2…8 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 3849º da matriz urbana da freguesia de …, confinante com o antigo … Hotel.

 2.º Tal imóvel havia sido adjudicado às promitente-vendedoras no âmbito do processo de Inventário nº 710/06.9TBVCD do 3º Juízo Cível de …, por decisão, então, ainda não transitada em julgado, pertencendo à 1ª ré, BB, na proporção de 5/8 e à 2ª ré, bem como a cada um dos indicados filhos da 1ª ré, na proporção de 1/8 para cada.

 3.º Dessa decisão de adjudicação o aqui 3º réu havia interposto recurso, o qual veio a ser julgado improcedente por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 15/10/2012.

 4.º Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, a autora entregou à 1ª ré BB, na presença do seu mandatário, o aqui 4º réu, a quantia de 275.000,00€ (duzentos e setenta e cinco mil euros), dividida em três cheques, cujas cópias estão juntas a fls. 26 da providência cautelar apensa, de que aquela ré deu a competente quitação, quantia que seria deduzida no pagamento final, a efectuar no acto da realização da escritura pública de compra venda.

 5.º A 1ª ré comprometeu-se “a devolver a totalidade do dinheiro recebido, na eventualidade da não concretização do negócio prometido, por causa alheia à vontade das partes” (ultimo § da cláusula quarta).

 6.º Foram convencionados naquele contrato os domicílios da autora e 1º e 2ª rés para todas e quaisquer comunicações, conferindo as partes ao contrato-promessa o direito à execução específica.

 7.º Nos termos do contrato-promessa celebrado entre a autora e a 1ª e a 2ª ré, ficou acordado que a escritura de compra e venda do imóvel identificado no item 1º supra, seria feita no cartório notarial de … até ao dia 31 de Dezembro de 2012.

 8.º O 4º réu comunicou à autora o trânsito da sentença de adjudicação no processo de inventário, ocorrido em 31/01/2013.

 9.º Em face disso, no dia 18 de Fevereiro de 2013, a pedido do 4º réu, foi feita uma reunião no escritório do Dr. MM, este na qualidade de membro da Mesa administrativa, com a presença do Provedor, do jurista Dr. NN, e dele, 4º réu.

 10.º Nessa reunião, foi equacionada qual a forma a seguir para se concretizar a transferência do prédio identificado para a autora.

 11.º Deu então o 4º réu a conhecer à autora, de que todos os problemas no inventário estavam resolvidos, e que era apenas necessário corrigir uma discrepância de áreas, pagar as tornas e resolver o problema da autorização para a venda das quotas- partes menores, filhos da 1ª ré.

 12.º Equacionadas as diversas hipóteses, foi acordado que o negócio se concretizaria em duas fases distintas:

 — numa primeira, a transmissão dos 6/8 indivisos pertencentes às rés (5/8 à BB e 1/8 à CC) que seria concretizada através de escritura pública a Tribunal Judicial da agendar logo que o registo a seu favor fosse realizado, que dependia apenas do prévio pagamento dos impostos de selo e sobre transmissões, por aquelas;

 — numa segunda, a transmissão dos 2/8 indivisos adjudicados aos menores seria efectuada obtida a competente autorização judicial, que a 1ª ré, através do 4º réu, se comprometeu a requerer de imediato;

 — sendo que a autora adiantaria a quantia necessária para que esta procedesse ao pagamento das tornas no inventário dela e dos seus três filhos, em momento prévio à escritura;

 — esclarecendo o 4º réu que a 1ª ré acertaria contas com os filhos, designadamente, através da transmissão para eles de quota parte do prédio da Rua do … que viesse a ser necessária em consequência da utilização por aquela de parte do preço que aos menores era devido pela venda dos seus 2/8 indivisos no prédio prometido vender.

 13.º Entretanto, o 4º réu informou a autora de que havia pedido apoio judiciário para instaurar a acção de autorização para a venda pelos menores e que aguardava o seu deferimento, e que estava a diligenciar pela rectificação de áreas do prédio e concretização do registo de definitivo de aquisição.

 14.º Neste circunstancialismo, em 11 de Junho de 2013, a Mesa administrativa deliberou a aquisição dos 6/8 indivisos e a autora comunicou tal facto ao 4º réu, perguntando pela data da marcação da escritura.

 15.º Tal acto notarial, entretanto agendado, não se verificou por não comparência das 1ª e 2ª rés, nem do 4º réu, que depois informou verbalmente que a 1ª ré estava em preparação para uma intervenção cirúrgica e, por isso, impedida de comparecer.

 16.º Por isso a autora, dando conhecimento ao 4º réu, notificou por carta registada a 1ª ré, no sentido desta e da 2ª ré, comparecerem no dia 12 de Julho de 2013, pelas 11h, cartório notarial de QQ, em … para celebrarem a escritura, não tendo a 1ª e 2ª Rés comparecido na data, hora e local designados.

 17.º O 4º réu, verbalmente e por email, comunicou nesse próprio dia 12, mas antes das 11h, que a 1ª ré estava impedida pelo médico de se ausentar da residência, justificando assim a impossibilidade de celebração da escritura naquele dia, mais referindo que na 2ª feira seguinte, dia 15 de Julho, contaria poder comprovar o impedimento médico supra referido e acertar o dia em que a escritura poderia ser realizada.

 18.º No dia 18 de Julho de 2013 o 4º réu comunicou à autora que a 1ª ré continuava impedida de sair de casa e logo que o impedimento físico cessasse o comunicaria à autora.

 19.º No dia 02 de Agosto de 2013, através de escritura pública, lavrada de fls. 6 a 10 do Livro 16-D do Cartório Notarial da Dra. KK, na …, a 1ª e 2ª rés declaram dar em pagamento, pelo valor de 204.442,50€ (duzentos e quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) ao 3º réu, os 6/8 indivisos que detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. ..., nº 380, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2..8/… e inscrito na matriz sob o artigo 3.849º, prédio esse registado a seu favor através da apresentação 162 de 03/04/2013, para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas de 201.827,19€ (duzentos e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezanove cêntimos).

 20.º No dia 06 de Agosto de 2013 a autora recebeu uma carta, remetida pela 1ª ré, mas assinada pelo punho desta e pelo da 2ª ré, datada de 05/08/2013, com o seguinte teor:

 «Serve a presente para vos comunicar de que não vai ser possível realizar a escritura de compra e venda relativa ao prédio descrito na Conservatória sob o n° 2…8 e inscrito no artigo 3849, de …, uma vez que existe uma oferta substancialmente superior para os 2/8 dos meus filhos menores. Assim sendo, o Ministério Publico não iria permitir vender os 2/8 dos menores por um valor inferior ao dessa proposta, pelo que o contrato celebrado entre nós no dia 4 de Setembro de 2012, fica sem efeito.

 Por outro lado, existiram contornos na celebração do contrato que não são do meu agrado e foram do meu desconhecimento, nomeadamente a celebração de contratos com uma terceira pessoa que não a Santa Casa da Misericórdia de AA.

 Pelo que e em consequência, devolvo o sinal recebido de 25.000,00 € conforme cheque anexo.

 Nunca o sinal recebido foi de 275.000,00 €, conforme consta do contrato”. – doc. 5

 21.º Logo que recebeu a carta, o Dr. NN, jurista da autora, contactou o 4º réu confrontando-o com o teor da mesma ao que este respondeu dizendo-lhe não saber o que se passava e lamentando não poder estar com a 1ª ré por estar ele ausente de ….

 22.º Perante estas circunstâncias, a autora, no dia 07/08/2013, decide levar a registo o contrato promessa de compra e venda apresentando, com base nele, registo de aquisição provisória por natureza a seu favor do prédio, o qual é lavrado no dia 8 de Agosto de 2013, provisoriamente, por natureza e dúvidas, e requalificado pelo prédio estar inscrito em nome de pessoa diversa dos promitentes vendedores em 13/08/2013.

 23.º No dia 09/08/2013 a autora toma conhecimento que existe um registo de aquisição pendente sobre o prédio e consegue apurar que no dia 02/08/2013 a 1ª e a 2ª rés tinham dado em pagamento por escritura celebrada nesse dia no Cartório da Dra. KK os 6/8 por elas prometidos vender à autora.

 24.º As 1ª e 2ª rés não compareceram à escritura agendada para o dia 29 de Agosto.

 25.º A autora acreditou e confiou no 4º réu, atento o crédito que aquele, como profissional do foro, lhe merecia e, especialmente, face ao comportamento e colaboração que havia demonstrado no sentido do cumprimento do contrato promessa celebrado.

 26.º No dia 16 de Setembro de 2013, através de notificação judicial avulsa, que a autora requereu, as 1º e 2º rés foram notificadas, designadamente, para «efectuarem à Requerente a restituição do sinal em dobro, ou seja, de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros)», valor esse «acrescido de juros desde a data da notificação, em face do incumprimento definitivo do contrato promessa».

 27.º No dia 24 de Setembro de 2013, através de escritura de doação, a 1º ré declarou doar o seu direito a 5/8 indivisos do prédio urbano, sito na Rua do …, nº 210, descrito no Registo Predial sob o nº 2…7, …, inscrito na matriz sob o art. 711, aos seus quatros filhos (a 2 ré, a 3º ré, GG, e aos dois filhos menores, os 6º e 7º réus), tendo as duas filhas maiores logo declarado aceitar a doação.

 Mais se provou que:

 Da petição (temas da prova I a IX):

 28.º Em meados de Fevereiro de 2012, o 4º réu, acompanhado de um seu amigo de nome PP, apresentando-se como advogado da 1ª ré BB, procurou o Eng. LL no sentido de aferir da possibilidade de venda de um dos prédios que a 1ª ré, adquirira num processo de partilhas judiciais, onde havia licitado mais bens do que o seu quinhão permitia, necessitando assim de realizar dinheiro para repor tornas aos demais herdeiros,

 29.º Nesse circunstancialismo, e inicialmente, em face do valor proposto, de 750.000,00€, o negócio não avançou.

 30.º Em Junho de 2012, tendo a ré BB baixado o preço do negócio, foi então acordada a compra e venda do dito imóvel, na sua totalidade, sendo metade do preço pago em dinheiro e outra metade em apartamentos.

 31.º Em face disso, a 1ª ré visitou vários apartamentos, escolhendo, aquando da terceira visita, dois dos apartamentos que visitou.

 32.º. O Eng. LL fazia parte da Mesa Administrativa da autora e tinha conhecimento que esta havia adquirido em Setembro de 2011 o edifício denominado … Hotel, sito no gaveto daquela Av. …, em …, onde, como instituição canónica e particular de solidariedade social, estava na altura a projectar, para concretização de seus fins estatutários, uma obra social para aquele antigo … hotel.

 33.º A autora constatou que, com o espaço (área) do referido prédio, nomeadamente em termos de frente para a via pública (jardim público), era possível alterar todo o estudo e projecto inicial e maximizar o espaço disponível, podendo com a junção dos dois prédios majorar a qualidade do empreendimento que visava executar.

 34.º O contrato-promessa com a autora, aludido em 1º., foi então elaborado pelo Dr. NN, jurista da instituição, tendo o Eng. LL minutado os contratos promessa de compra e venda dos apartamentos, após o que foram, todos eles, enviados para o 4º réu, que mereceram a sua concordância.

 35.º Em 30/08/2012, a Mesa administrativa da autora reuniu, tomando a deliberação de adquirir o referido imóvel pelo preço e condições constantes da minuta do contrato-promessa.

 36.º Após o que, em 04 de Setembro de 2012, foi assinado o contrato-promessa aludido em 1º, nos seus termos e cláusulas, nele se salvaguardando, como referido e a pedido do 4º réu, a circunstância de poder vir a não ser adjudicado às 1ª e 2ª rés o prédio no processo de inventário, por via do recurso que se encontrava então pendente (clausula 4ª, último parágrafo).

 37.º O pagamento do sinal, como aludido em 4º, foi feito através de três cheques emitidos a favor de BB em 04/09/2012, um no valor de 165.000,00€ sacado sobre o RR, outro no valor de 85.000,00€ sacado sobre o UU e outro no valor de 25.000,00€ sacado sobre o SS.

 38.º A autora foi mantendo com o 4º réu contactos regulares, através dos quais este sempre se mostrou colaborante no sentido de ser executado e assim cumprido o contrato promessa, nomeadamente, informando a autora, primeiro, das vicissitudes do recurso que estava pendente e, depois, da situação da sua cliente quanto à dívida de tornas.

 39.º O 4º réu deu conta à autora que a ré BB e os restantes interessados da partilha estavam, de tal modo, desavindos que havia necessidade de proceder ao registo logo que possível e providenciar pelo pagamento das tornas, de modo a ser celebrado o contrato prometido.

 40.º De igual modo, sempre aquele 4º réu fez crer à autora que em tudo colaboraria e participaria no sentido de, pela melhor forma, concretizar o negócio supra referido, e a autora sempre agiu, antes e após a celebração do contrato promessa, convencida da boa-fé e da melhor intenção do 4º réu, face ao seu comportamento e ao que este lhe transmitia.

 41.º No decurso do mês de Junho de 2013, o 3º réu, acompanhado da sua mandatária, Dra. TT, dirigiu-se aos serviços centrais da autora, pedindo para falar com o Sr. Provedor, o que conseguiram, dando conta que sabia que a Santa Casa tinha celebrado um contrato-promessa com a sua cunhada do prédio da Avenida … e relatou ter sido interessado no inventário no âmbito do qual tinha sido adjudicado à 1ª ré, sua cunhada, e filhos, que tinha perdido a oportunidade de ficar com o prédio no processo de inventário mas interesse na aquisição do mesmo, pedindo à autora para desistir de celebrar a escritura de compra.

 42.º O Sr. Provedor fez saber que a autora não abdicava de celebrar a compra.

 43.º No dia 28/06/2013, no sentido de tudo organizar para a outorga da escritura e com prévio conhecimento e colaboração do 4º réu, a autora apresentou o competente pedido de isenção de IMT no serviço de Finanças de …, e para ultrapassar uma situação de divergência de áreas que era impeditiva da realização da escritura, em diligência conjunta com a colaboradora do 4º réu, e com este mesmo, o jurista em exclusividade da autora, Dr. NN, organizou toda a documentação necessária para promover junto da Conservatória do Registo Predial a conversão do registo a favor das 1ª e 2ª rés em definitivo, o que conseguiu, ao final da manhã do dia 01/07/2013, tendo ficado nessa data convertido em definitivo o registo de aquisição a favor da 1ª, 2ª, 6º e 7º réu.

 44.º Ultrapassadas todas as dificuldades, a autora, através do Dr. NN, confirmou de imediato com o 4º réu a possibilidade da celebração da escritura dos 6/8 para esse mesmo dia, 01/07/2013, como ficara combinado na semana anterior com o 4º réu, caso tudo corresse como pretendido após as diligências registais tomadas, mas o acto notarial não se verificou pois que, segundo foi transmitido à autora pelo 4º réu, a 1ª ré estava em preparação para a intervenção cirúrgica e, por isso, impedida de comparecer.

 45.º Verbalmente e com o 4º réu, foi de seguida, combinada a possibilidade da realização da escritura para o dia 8 de Julho de 2013, o que não foi concretizado, conforme resulta do certificado do cartório de fls. 78 do apenso de arresto, razão pela qual, dando conhecimento ao 4º réu, a autora notificou por carta registada a 1ª ré, no sentido desta e da 2ª ré, comparecerem no dia 12 de Julho de 2013 pelas 11h no cartório notarial de QQ, em … para celebrarem a escritura, a que o 4º réu, por email de 18/07/2013, deu resposta, tudo nos termos constantes da carta e email cujas cópias se encontram junta a fls. 345 e 347 destes autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzidos.

 46.º Alguns dias depois do descrito em 18º, o 4ª réu acertou verbalmente com a autora a possibilidade da celebração da escritura prometida de compra e venda para o dia 26/07/2013, no cartório já acima identificado, propondo-se a autora a, nessa data, pagar a quantia necessária ao pagamento das tornas que a 1ª ré e seus filhos deviam ao 3º réu no referido inventário em que eram interessados, em vista do que o jurista da autora enviou ao 4º réu mensagem de correio electrónico e o aditamento ao contrato-promessa, nos termos constantes do email e anexo cujas cópias se encontram junta a fls. 350 a 352 destes autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzidos.

 47.º As rés não compareceram na escritura de 26 de Julho de 2013, tendo o 4º réu enviado à autora o email de fls. 353, onde refere existir um problema com um representante da Santa Casa, e que sem o mesmo resolvido não será possível a realização da escritura, a que a autora deu resposta, cujos teores aqui damos por integralmente reproduzidos.

 48.º A autora enviou às 1º e 2º rés carta, datada de 06/08/2013, marcando a escritura para o dia 29 de Agosto de 2013, no cartório notarial já acima identificado, conforme cartas cujas cópias se encontra juntas a fls. 75 e sgs. dos autos de arresto.

 49.º Os 1ª a 4º réus estiveram presentes no dia 2 de Agosto, no cartório notarial da Dra. KK, na …, na outorga da escritura referida em 19.º.

 50.º Vencido nas licitações, pelas 1ª e 2ª rés, tentou o 3º réu, judicialmente no inventário em que era interessado com as rés e extrajudicialmente, junto da autora, obter para si a transmissão do prédio prometido vender, mas não o conseguiu.

 51.º A 1ª ré nunca chegou a dar entrada de acção a pedir a autorização judicial para venda da parte dos seus filhos menores no imóvel prometido vender à autora.

 52.º Nos autos de inventário o 3º réu reclamou e insistiu pelo pagamento das tornas e adjudicação do prédio para pagamento daquelas, tendo, a partir de Junho de 2013, acordado com a 1ª e 2ª rés a prorrogação do prazo de pagamento das mesmas, e o pagamento directo das tornas, acordando que o pagamento das tornas pelos menores fosse só feito aquando da maioridade deles.

 Mais se provou que:

 Da contestação (tema da prova XI):

 53.º A ré BB, no negócio que fez com a autora, teve como interlocutor da mesma o Engenheiro LL, não conhecendo o Provedor nem qualquer outro membro da mesma administrativa, tendo sido o Eng. LL a transmitir que os termos do negócio passariam pelo pagamento do preço acordado, de 550mil euros, em dinheiro e apartamentos.

 54º. Na concretização da globalidade do negócio, no dia da outorga do contrato promessa descrito em 1º, foi também assinado pela 1ª ré, acompanhada pelo 4º réu, dois contratos promessa referentes a duas fracções, datados de 30/08/2012, em que o promitente vendedor era o Engenheiro LL, e a promitente compradora a 1ª ré, tal como resulta das minutas que foram enviada por email do dia 31/08/2012, cujas cópias se encontram juntas a fls. 454 e 553 dos autos.

 55º. Por força desses contratos, do sinal aludido em 4º, a ré BB de imediato endossou dois dos ditos cheques ao Eng. LL, como sinal e princípio de pagamento dos contratos descritos em 56.º, no valor global de 250mil euros.

 56º. Em 29/07/2013, foi aventada a possibilidade de revogação dos ditos contratos promessa, com a devolução do valor entregue pela 1ª ré ao Eng. LL, conforme proposta nesse sentido, minutada a fls. 184/186 dos autos, que não chegou a ser assinada

 57.º A 1ª ré não aceitou a proposta da autora no sentido do aditamento descrito em 46º, que não assinou, dado que estaria a declarar que recebia dinheiro por parte dos seus filhos.

 58º O 3º réu sabia, à data da escritura de dação, como também as 1ª, 2ª e 4º Réus, que aqueles 6/8 do prédio valiam e valem muito mais dos que os declarados € 204.442,50

 59º Em conversas havidas com o Eng. LL, que se situam entre o final do mês de Junho e o mês de Julho de 2013, este foi auscultado pela 1ª ré, acompanhada pelo 4º réu, que referiu ter uma melhor proposta para o negócio, sobre a disponibilidade da autora para celebrar a escritura em questão pelo valor matricial do imóvel, a fim de lhe proporcionar poupança fiscal.

 60º A 1ª, 2ª e 3º réus celebraram a escritura de dação em cumprimento declarando um valor da quota-parte transmitida (6/8 do prédio) inferior ao valor venal da mesma e ao constante do contrato promessa que havia sido celebrado com a Autora.

 61º A quantia paga pelo 3º Réu às 1ª e 2ª Réus em contrapartida da transmissão da quota- parte transmitida (6/8 do prédio), que foi de € 207.000,00, a acrescer ao valor declarado na escritura de € 204.442,50, foi propositadamente ocultada.

 62º Assim, o 3º Réu aliciando as 1ª e 2ª Rés para a prática daquele acto de dação em cumprimento, com o benefício de, enganando o Estado, lhes diminuir o imposto resultante da mais−valia que o cumprimento da promessa com a Autora para elas acarretava.

 63º As rés não compareceram na escritura de 26 de Julho de 2013, motivo pelo qual o Dr. NN contactou o 4º Réu, no dia 26 de Julho e no dia 1 de Agosto de 2013 que lhe garantiu que não ia de férias sem que a escritura prometida estivesse realizada.

 64º O 4º réu chegou mesmo a assegurar à autora que não iria ele de férias nesse verão sem que a escritura de compra e venda fosse celebrada.

     4. Face à alteração feita pelo Tribunal da Relação do Porto, são os seguintes os factos dados como não provados:

 a -) Que a proposta de venda do imóvel dos autos foi inicialmente apenas feita ao Eng. LL e sem qualquer referência à autora e que tenha sido proposto ao mesmo que a 1º estaria disponível para receber metade do preço em dinheiro e metade em apartamentos;

 b -) Que só depois de acordados os termos do negócio, é que o Eng. LL, apresentou o mesmo à autora, disponibilizando-se para, sem qualquer contrapartida, possibilitar à mesma a compra daquele prédio;

 c-) Que foi só então é que o Eng. LL chamou o 4º réu ao seu gabinete e lhe comunicou que tinha colocado à disponibilidade da autora a possibilidade de fazer ela o negócio, no que a mesma mostrara interesse, pelo que, se nada tivessem a opor, ele e a 1ª e 2ª rés, quem compraria o prédio e pagaria o preço de 550.000,00€ seria a instituição autora, cumprindo ele, Eng. LL, o ajustado com a 1ª ré no sentido de lhe vender os dois apartamentos pelo preço acordado, se esta o continuasse a pretender;

 d -) Que o 4º réu, em representação das 1ª e 2ª rés, disse que aquelas nada tinham a opor à venda à Santa Casa da Misericórdia do dito prédio e que a 1ª ré mantinha interesse na compra dos apartamentos para si e para a sua filha;

 e -) Que os cheques emitidos a favor de BB, descritos em 37º, foram emitidos pela autora de acordo com a indicação dada pelo 4º réu, em representação das 1ª e 2ª rés, face aos pagamentos que haviam convencionado com o Engº LL no âmbito do contrato promessa de compra dos apartamentos;

 f -) Que o 4º réu agiu como gestor de negócios da 1ª ré e que a escritura de dação aludida em 19º foi feita em conluio entre os réus para impedir a transmissão dos 6/8 do imóvel para a autora e a aquisição total do dito imóvel, visando prejudicar a autora;

 g -) Que o comportamento do 4º réu visou, o que foi alcançado, que a autora não tomasse qualquer iniciativa acauteladora do seu direito e que impedisse a concretização daquela escritura de dação em cumprimento ou outro acto de transmissão, ou seja, que pudesse impedir ou prejudicar o intento e plano que todos os 1º a 4º réus conceberam e executaram;

 h -) Que a doação descrita em 27º foi feita pela 1ª ré, com óbvio intuito de enganar a autora, em conluio com as suas duas filhas maiores, que sabiam que a 1ª ré apenas pretendia criar a aparência de uma transferência para o património das donatárias desse direito, de modo a evitar a sua apreensão judicial e subsequente venda e dificultar ainda mais a possibilidade da autora obter pagamento/ressarcimento da quantia equivalente do sinal em dobro e danos decorrente dos actos por si praticados;

 j -) Que após a celebração do contrato promessa com a 1ª e 2ª rés a autora curou de alterar o estudo/projecto para o … hotel, instruindo o arquitecto nesse sentido que, por isso, elaborou um projecto de arquitectura;

 k -) Que a autora pretendia concorrer a fundos do QREN, facto de que, pela circunstância de não ter podido celebrar a escritura de compra e venda do prédio identificado em 1º, foi impedida;

 l -) Que um empreendimento hoteleiro construído no local em apreço, com a junção dos dois sobreditos prédios, e com a classificação de cinco estrelas valerá, pelo menos, a quantia de € 7.200.000,00, e que um empreendimento hoteleiro construído no local em apreço, apenas no prédio denominado … Hotel, com a classificação de quatro estrelas, não valerá mais do que € 6.000.000,00.

            O DIREITO

   1. A questão da admissibilidade do recurso, suscitada pelo Recorrido DD nas suas contra-alegações, é uma questão prévia, pelo que deve perguntar-se três coisas:

        Em primeiro lugar, se há dupla conforme quanto à improcedência dos pedidos formulados pela Autora “sob os pontos 1, 2, 3 e 4 […] da petição inicial”.

        Isto é, quanto à improcedência dos pedidos de que seja:

1. Declarada nula a dação em cumprimento celebrada através da escritura pública lavrada de fls. 6 a 10 do Livro 16-D do Cartório Notarial da Dra. KK, na …, pela qual as 1ª e 2.ª rés declaram dar em pagamento, pelo valor de 204.442,50€ (duzentos e quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) ao 3.º réu, os 6/8 indivisos que detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº 380, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…8/… e inscrito na matriz sob o artigo 3.849º, para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas de 201.827,19€ (duzentos e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezanove cêntimos) com as legais consequências;

 2. Ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

 3. Declarada, por execução específica do contrato promessa aludido no art. 1º da Petição, transmitida para a autora, por venda, livre de ónus e encargos, as quotas partes indivisas de 6/8, pertencentes a de 5/8 à 1ª ré, e a de 1/8 à 2.ª ré, do prédio identificado em 1) do pedido, pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

 4. Ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora das quotas-partes indivisas da 1ª e 2.ª Rés identificadas no pedido formulado sob o nº 3.

      Em segundo lugar, se há dupla conforme quanto à improcedência dos pedidos subsidiariamente formulados pela Autora “sob os pontos […] 5, 6, 7 e 8 da petição inicial”.

      Isto é, quanto à improcedência dos pedidos de que seja:

5. Declarada inoponível em relação à autora a dação em cumprimento celebrada pela escritura identificada no pedido formulado em 1), pelo facto de ter sido celebrada em abuso de direito pelos 1ª, 2.ª e 3.º réus, com as consequências legais;

6. Declarada, por execução específica do contrato promessa aludido no art. 1º da Petição, transmitida para a autora, por venda, livre de ónus e encargos, as quotas partes indivisas de 6/8, pertencentes a de 5/8 à 1ª ré, e a de 1/8 à 2.ª ré, do prédio identificado em 1) do pedido, pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

7. Ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

8. Ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora das quotas partes indivisas da 1ª e 2.ª rés identificadas no pedido formulado sob o nº 6.

     Em terceiro, lugar, se há dupla conforme quanto à improcedência dos pedidos subsidiariamente formulados pela Autora “sob os pontos 9 a 13 da petição inicial”.

     Isto é, quanto à improcedência dos pedidos de que:

9. Sejam os 1ª, 2.ª e 3.º réus condenados solidariamente a indemnizar a autora pelos danos causados pelo inadimplemento do contrato promessa de compra e venda identificado o art. 1 da petição, através da dação em cumprimento celebrada pela escritura identificada no pedido formulado em 1), pelo facto desta ter sido celebrada em abuso de direito, e, como tal, condenados na restituição em espécie à autora da quota parte indivisa de 6/8 sobre o prédio identificado em 1) deste pedido;

10. Em consequência, sempre ser declarada transmitida para a autora, por efeito do abuso de direito ou por execução específica, livre de ónus ou encargos, a quota parte indivisa de 6/8 sobre o prédio identificado em 1) deste pedido pelo preço de € 412.500,00 do qual se encontra pago € 275.000,00;

11. Seja ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do 3.º réu, apresentação 2428 de 2013.08.02 do prédio descrito na CRP sob o nº 2…8/…;

12. Seja ordenada a inscrição no registo predial da aquisição a favor da autora da quota parte indivisa de 6/8”

e de que, “[s]empre em todo o caso,

13. Sejam todos os réus condenados a reconhecer a autora como proprietária e legítima possuidora de 6/8 indivisos do prédio identificado em 1) deste pedido”.

   2. O art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

     A distinção entre segmentos decisórios para efeitos de dupla conforme é controvertida; ainda que se admitisse, sempre pressuporia que os segmentos decisórios fossem autónomos.

     Em concreto, entendendo-se, como deve entender-se, que não pode autonomizar-se a questão da violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública da questão dos efeitos da violação da boa fé, da ordem pública ou dos bons costumes, deverá admitir-se os dois recursos.

     I. — Em relação aos pedidos formulados sob os n.ºs 1, 2, 3 e 4 da petição inicial, ou seja, e essencialmente, em relação aos pedidos de declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento concluído entre as 1.ª e 2.ª Rés e o 3.º Réu e de execução específica do contrato-promessa de compra e venda concluído entre a Autora e as 1.ª e 2.ª Rés, constata-se, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1.ª instância e, em segundo lugar, que a fundamentação das duas decisões é em tudo ou quase tudo semelhante.

     A Relação fundamenta a improcedência do pedido de declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento convocando os mesmos conceitos indeterminados que a 1.ª instância — bons costumes e ordem pública —, concretizando-os nos mesmos termos e chegando, através da sua concretização nos mesmos termos, ao mesmo resultados — ao resultado da validade do contrato de dação em cumprimento.

    II. — Em relação aos pedidos subsidiariamente formulados sob os pontos 5, 6, 7 e 8 da petição inicial, ou seja, e essencialmente, em relação aos pedidos de declaração de ineficácia ou de inoponibilidade do contrato de dação em cumprimento e de execução específica do contrato-promessa de compra e venda, constata-se, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido, a decisão da 1.º instância e, em segundo lugar, que, a fundamentação das duas decisões é em tudo diferente — podendo e devendo qualificar-se de “essencialmente diferente”.

    A 1.º instância considerou que não havia abuso do direito; que o pedido de declaração de ineficácia ou de inoponibilidade do contrato não procedia porque não havia abuso do direito; a Relação considerou que havia abuso do direito; que o pedido de declaração de ineficácia ou de inoponibilidade do contrato de dação em cumprimento (só) não procedia porque o abuso do direito não tinha como consequência a ineficácia ou inoponibilidade do contrato em relação à Autora.

      III. — Em relação aos pedidos formulados “sob os pontos 9 a 13 da petição inicial”, ou seja, e essencialmente, em relação ao pedido de que a indemnização dos danos causados pelo abuso do direito corresponda a uma indemnização em espécie e de que a indemnização em espécie corresponda a uma condenação dos 1.º, 2.º e 3.º Réus a restituir os 6/8 indivisos do prédio ou a uma execução específica do contrato-promessa de compra e venda, constata-se o seguinte:

      A 1.ª instância considerou que não estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade do 3.º Réu e, por consequência, não se pronunciou sobre se a sua responsabilidade havia de concretizar-se numa indemnização em dinheiro ou numa indemnização em espécie. A Relação considerou que estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade do 3.º Réu; pressupôs que a responsabilidade do 3.º Réu estava limitada pela cláusula de sinal; e, por consequência, pronunciou-se no sentido de que a responsabilidade do 3.º Réu era, tão-só, uma responsabilidade solidária pela restituição do sinal em duplicado:

“Neste contexto,” escreve-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, “é o terceiro réu responsável solidário com a 1ª ré pelo pagamento dos sobreditos € 550.000,00”.

      3. O 3.º Réu DD alega que as decisões proferidas pelas instâncias são “compostas por diversos segmentos decisórios distintos, uns favoráveis e outros desfavoráveis”; que “o conceito de dupla conforme previsto no art. 671º, n.º 3, do NCPC deve ser aferido separadamente em relação a cada um deles”; e que há “uma situação de dupla conforme quanto aos pedidos deduzidos pela [Autora] neste seu recurso de revista”.

        O confronto entre as decisões das instâncias conduz-nos aos seguintes resultados:

   — Em relação ao conjunto de quatro pedidos principais, formulados sob os pontos 1 a 4 da petição inicial, a fundamentação das instâncias não é essencialmente diferente; pode, por isso, duvidar-se da admissibilidade do recurso interposto pela Autora;

  — Em relação aos dois conjuntos de pedidos subsidiários, formulados sob os pontos 5 a 8 e 9 a 13 da petição inicial, respectivamente, a fundamentação das instâncias é essencialmente diferente; não pode, por isso, duvidar-se da admissibilidade do recurso interposto.

       Circunscrita a questão ao conjunto de quatro pedidos principais — e, dentro do conjunto de quatro pedidos principais, essencialmente, aos pedidos de declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento e de execução específica do contrato-promessa de compra e venda —, perguntar-se-á se as questões jurídicas consideradas no conjunto de pedidos principais e nos dois conjuntos de pedidos subsidiários são autonomizáveis, em termos de deverem qualificar-se como decisões distintas, como objectos distintos ou como segmentos decisórios distintos.

       I. — O problema está em que, em todos os pedidos, em todos os pedidos principais e em todos os pedidos subsidiários, estão em causa duas questões jurídicas: — averiguar se há violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública; — caso afirmativo, averiguar se as consequências da violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública devem concretizar-se na invalidade, na ineficácia ou na inoponibilidade do contrato de dação em cumprimento concluído entre os 1.º, 2.º e 3.º Réus ou, tão-só, na responsabilidade do 3.º Réu.

     Estando em causa duas, e só duas, questões jurídicas, entendemos que não pode autonomizar-se as questões da violação da boa fé, da violação dos bons costumes e da violação da ordem pública, com a consequência, p. ex., de haver dupla conforme quanto à violação da ordem pública e de não haver dupla conforme quanto à violação da boa fé e dos bons costumes, e que não pode autonomizar-se a questão da violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública da questão dos efeitos da violação da boa fé, da ordem pública ou dos bons costumes, com a consequência, p. ex., de haver dupla conforme quanto à validade e de não haver dupla conforme quanto à eficácia ou à oponibilidade do contrato.

     a) Em primeiro lugar, não pode autonomizar-se as questões da violação da boa fé, da violação dos bons costumes e da violação da ordem pública.

     Os critérios convocados para distinguir boa fé, bons costumes e ordem pública são imprecisos — alega-se, p. ex, que a boa fé é mais complexa [1] e que os bons costumes são mais simples [2]; que a boa fé é mais complexa, por exigir que cada uma das partes assuma “uma série de atitudes correspondentes a exigências fundamentais do sistema” [3], e que os bons costumes são mais simples por exigirem, tão-só, que cada uma das partes assuma uma série, mais limitada, de atitudes correspondentes a exigências de ética profissional e privada [4] e, dentro da ética privada, sobretudo de ética familiar e sexual [5] [6]; ou que os bons costumes estão ligados a interesses individuais, ou inter-individuais, e o de que a ordem pública está ligada a interesses colectivos ou comunitários [7].

    O facto de os critérios serem imprecisos significa (só pode significar) que a fungibilidade das três grandes cláusulas gerais do direito civil subsiste — que a referência à boa fé pode ser reinterpretada como uma referência aos bons costumes ou à ordem pública, e que a referência aos bons costumes poderá ser reinterpretada como uma referência à boa fé ou como uma referência à ordem pública. Federico de Castro dizia-o de forma impressiva — bons costumes e ordem pública são, simplesmente, o anverso e o reverso de uma mesma moeda [8].

       b) Em segundo lugar, não pode autonomizar-se a questão da violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública da questão dos efeitos da violação da boa fé, da ordem pública ou dos bons costumes. Entre o efeito mais radical da invalidade e, dentro das invalidades, da nulidade do negócio jurídico e o efeito menos radical da responsabilidade, há tão-só uma diferença de grau; de gravidade e de intensidade — os efeitos de uma violação mais grave da boa fé, ou dos bons costumes, tendem a ser diferentes dos efeitos de uma violação menos grave; entre os efeitos de uma violação mais grave tenderá a estar a invalidade ou a ineficácia do contrato; entre os efeitos de uma violação menos grave tenderá a estar a indemnização dos danos causados a terceiros.

       O raciocínio só pode ser reforçado pela circunstância de, no caso concreto, a invalidade alegada pela Autora corresponder ao tipo nulidade do negócio jurídico e de a nulidade do negócio jurídico ser uma invalidade de conhecimento oficioso (cf. art. 286.º do Código Civil).

       O tribunal não poderá ter, simultaneamente, o dever de conhecer a questão da (in)eficácia do contrato e de não conhecer a questão da sua (in)validade, desde que esteja em causa, como está, o tipo mais grave de invalidade — a nulidade do negócio jurídico.

      II. — Face ao exposto, deve admitir-se os dois recursos — o recurso interposto pela Autora Santa Casa da Misericórdia de AA, e o recurso interposto pelo 3.º Réu, DD.

     4. O problema da violação da boa fé, dos bons costumes ou da ordem pública através do contrato de dação em cumprimento concluído entre os 1.º, 2.º e 3.º Réus prende-se com os factos provados sob os n.ºs 41.º e 42.º, 50.º, 52.º, 58.º e 60.º a 62.º, em ligação com o facto provado sob o n.º 19.º:

41.º No decurso do mês de Junho de 2013, o 3º réu, acompanhado da sua mandatária, Dra. TT, dirigiu-se aos serviços centrais da autora, pedindo para falar com o Sr. Provedor, o que conseguiram, dando conta que sabia que a Santa Casa tinha celebrado um contrato-promessa com a sua cunhada do prédio da Avenida … e relatou ter sido interessado no inventário no âmbito do qual tinha sido adjudicado à 1ª ré, sua cunhada, e filhos, que tinha perdido a oportunidade de ficar com o prédio no processo de inventário mas interesse na aquisição do mesmo, pedindo à autora para desistir de celebrar a escritura de compra.

42.º O Sr. Provedor fez saber que a autora não abdicava de celebrar a compra.

50.º Vencido nas licitações, pelas 1ª e 2ª rés, tentou o 3º réu, judicialmente no inventário em que era interessado com as rés e extrajudicialmente, junto da autora, obter para si a transmissão do prédio prometido vender, mas não o conseguiu.

52.º Nos autos de inventário o 3º réu reclamou e insistiu pelo pagamento das tornas e adjudicação do prédio para pagamento daquelas, tendo, a partir de Junho de 2013, acordado com a 1ª e 2ª rés a prorrogação do prazo de pagamento das mesmas, e o pagamento directo das tornas, acordando que o pagamento das tornas pelos menores fosse só feito aquando da maioridade deles.

58º O 3º réu sabia, à data da escritura de dação, como também as 1ª, 2ª e 4º Réus, que aqueles 6/8 do prédio valiam e valem muito mais dos que os declarados € 204.442,50.

60º A 1ª, 2ª e 3º réus celebraram a escritura de dação em cumprimento declarando um valor da quota-parte transmitida (6/8 do prédio) inferior ao valor venal da mesma e ao constante do contrato promessa que havia sido celebrado com a Autora.

61º A quantia paga pelo 3º Réu às 1ª e 2ª Réus em contrapartida da transmissão da quota- parte transmitida (6/8 do prédio), que foi de € 207.000,00, a acrescer ao valor declarado na escritura de € 204.442,50, foi propositadamente ocultada.

62º Assim, o 3º Réu aliciando as 1ª e 2ª Rés para a prática daquele acto de dação em cumprimento, com o benefício de, enganando o Estado, lhes diminuir o imposto resultante da mais-valia que o cumprimento da promessa com a Autora para elas acarretava.

19.º No dia 02 de Agosto de 2013, através de escritura pública, lavrada de fls. 6 a 10 do Livro 16-D do Cartório Notarial da Dra. KK, na …, a 1ª e 2ª rés declaram dar em pagamento, pelo valor de 204.442,50€ (duzentos e quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) ao 3º réu, os 6/8 indivisos que detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº 380, freguesia e concelho de …, descrito no Registo Predial sob o nº 2…8/… e inscrito na matriz sob o artigo 3.849º, prédio esse registado a seu favor através da apresentação 162 de 03/04/2013, para cumprimento da obrigação de pagamento de tornas de 201.827,19€ (duzentos e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezanove cêntimos).

     Entre as três grandes cláusulas gerais do direito civil, deverá chamar-se ao caso os bons costumes. O alcance da boa fé deve determinar-se através da referência a um particular contexto ou a uma particular estrutura — à estrutura de uma ligação especial entre os sujeitos [9] —; como entre a Autora e o 3.º Réu não havia nenhuma ligação especial, deve considerar-se excluída a violação da boa fé; o alcance da ordem pública, esse, deve determinar-se através da referência a uma particular função — à função de promover ou de proteger um interesse colectivo, comum ou comunitário —; como, no caso, não há nenhum interesse colectivo, comum ou comunitário, deve considerar-se excluída a violação da ordem pública. Excluídas a boa fé a e ordem pública, fica a violação dos bons costumes.

    I. — O conceito de bons costumes, para que remete o art. 280.º, corresponde sensivelmente ao conceito de moral pública para que remetia o art. 671.º do antigo Código Civil [10]; designa o conjunto das regras morais aceites pela consciência social [11], ou o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento [12].

      Explicando o art. 671.º do antigo Código Civil, Manuel de Andrade dizia que

“[n]ão se trata de usos ou práticas morais, mas de ideias ou convicções morais; não da moral que se observa e se pratica (mores), mas daquela que se entende dever ser observada (bonos mores). Não se trata tão-pouco da moral subjectiva ou pessoal do juiz, antes sim da moral objectiva e precisamente da que corresponde ao sentido ético imperante na comunidade social. Não se trata ainda, portanto, da moral transcendente, religiosa ou filosófica, mas da moral positiva (hoc sensu)” [13]

e, explicando o art. 280.º do actual Código Civil, Carlos da Mota Pinto escreve que

“[n]ão se trata de remeter o juíz para uma averiguação empírica dos usos, pois remete-se para os bons usos, mas também não se faz apelo a uma ética ideal, de carácter eterno” [14].

    A invalidade de um negócio jurídico por violação dos bons costumes é em última análise a invalidade por violação de um mínimo [15], de um “mínimo ético-jurídico” [16], e, entre os indícios da violação do “mínimo ético jurídico” está a intenção ou, em todo o caso, a consciência de causar um dano a um terceiro (designadamente, a um credor da contraparte).

     Os factos provados são suficientes para que se conclua três coisas: para que se conclua, em primeiro lugar, que o 3.º Réu conhecia o direito de crédito da Autora, constituído através do contrato-promessa (n.ºs 41.º e 50.º); para que se conclua, em segundo lugar, que o 3.º Réu conhecia a intenção de a Autora actuar ou exercer o direito de crédito, constituído através do contrato-promessa (n.º 42); para que se conclua, em terceiro lugar, que o 3.º Réu tinha a consciência de que a conclusão do contrato de dação em cumprimento causava danos à Autora — ou, pelo menos, de que a conclusão do contrato de dação em cumprimento podia causar-lhe danos [17]. O 3.º Réu, conhecendo o contrato-promessa, tentou que o prédio lhe fosse transmitido (factos dados como provados sob o n.ºs 50.º e 52.º); como não o conseguiu, “aliciou” a 1.ª e a 2.ª Rés “para a prática daquele acto de dação em cumprimento” (facto dado como provado sob o n.º 62.º).

    Como o 3.º Réu tivesse a intenção de induzir a 1.ª Ré a um comportamento ilícito e a intenção [18] ou, em todo o caso, a consciência de, através da indução da 1.ª Ré a um comportamento ilícito, determinar a causação de um dano à Autora, a conclusão do contrato de dação em cumprimento entre os 1.º, 2.º e 3.º Réus deverá considerar-se contrária aos bons costumes.

     II. — Existindo violação dos bons costumes, deverá averiguar-se da validade ou da invalidade do contrato de dação em cumprimento (cf. arts. 280.º e 281.º do Código Civil).

    A circunstância de haver violação dos bons costumes não significa necessariamente que estejam preenchidos os pressupostos do art. 280.º ou do art. 281.º do Código Civil.

       Em primeiro lugar, não significa necessariamente que o contrato seja nulo por ilicitude ou imoralidade do seu conteúdo ou do seu objecto, nos termos do art. 280.º do Código Civil — a conduta a que o devedor e o terceiro se obrigaram pode não ser nem ilícita, nem imoral [19] — e, em segundo lugar, não significa necessariamente que o contrato seja nulo por ilicitude ou imoralidade do seu fim, nos termos do art. 281.º do Código Civil. O fim ilícito ou imoral do negócio jurídico só determinará a sua nulidade desde que seja um fim “comum a ambas as partes”.

      O conteúdo e o objecto do contrato concluído entre a 1.ª e 2.ª Rés e o 3.º Réu — do contrato de dação em cumprimento — não são, em si, nem ilícitos, nem imorais. Excluídas a ilicitude e a imoralidade do conteúdo ou do objecto, ficam a ilicitude e a imoralidade do fim.

      O critério decisivo para a coordenação do caso ao sistema da validade / invalidade dos arts. 280.º e 281.º ou ao sistema da responsabilidade do art. 334.º encontrar-se-á na plurilateralidade ou na unilateralidade do fim: caso o fim ilícito ou imoral, contrário aos bons costumes, seja um fim bilateral ou plurilateral, imputável a todas as partes, o contrato será inválido e, dentro dos negócios inválidos, será nulo; caso o fim, contrário aos bons costumes, seja só unilateral, exclusivo do 3.º Réu, o contrato será válido. O problema será, tão-só, de responsabilidade por abuso do direito.

     O sentido do termo fim comum a ambas as partes é  em todo o caso controvertido.

      O requisito de que o fim seja comum pode interpretar-se em termos de se exigir mais ou menos — em termos de se exigir mais, isto é, de se exigir a intenção ou volição [20] ou em em termos de se exigir menos, isto é, de se exigir só a consciência da ilicitude ou da imoralidade [21].

     Exigindo-se mais, o fim comum do art. 281.º deveria ser “activamente procurado” pelas duas partes, “por ambas as partes” [22]; em termos de se exigir menos, isto é, de se exigir só a consciência [23]; exigindo-se menos, o fim comum poderia ser o fim activamente procurado por uma, e só por uma, das partes, desde que “expressa ou implicitamente conhecido pela outra” [24].

     Entre os corolários da primeira tese estaria o de que o fim contrário aos bons costumes só determinasse a nulidade dos contratos incompatíveis com o cumprimento de uma obrigação desde que as duas partes, desde que o devedor e o terceiro, fossem determinados por dolo de lesão; desde que as duas partes, desde que o devedor e o terceiro, tivessem como intenção exclusiva ou, em todo o caso, essencial causar um dano ao credor [25]; entre os corolários da segunda tese estaria o de que o fim contrário aos bons costumes determinasse a nulidade dos contratos incompatíveis desde que uma das partes, desde que devedor ou desde que o terceiro, fosse determinado por dolo de lesão, pela intenção de causar um dano, e que a contraparte o conhecesse ou devesse conhecer.

     Os argumentos sistemáticos e teleológicos depõem sobretudo a favor da segunda tese — exigir mais, exigir uma intenção ou uma volição, uma intenção ou uma volição comum, e uma volição comum a todas as partes, significaria “subaproveitar a mensagem legal” [26] e subverter as finalidades, de prevenção geral e de prevenção especial, dos arts. 280.º e 281.º do Código Civil [27].

     III. — O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de que a cláusula geral dos bons costumes proíbe “que se celebre um contrato visando prejudicar — directa, intencional e deliberadamente — um terceiro, em proveito próprio” [28]; de que o juízo sobre a violação da cláusula geral dos bons costumes deverá atender ao contrato como um todo, “na sua globalidade” [29]; e de que, ao atender ao contrato como um todo, “na sua globalidade”, deverá considerar “o conjunto das vinculações assumidas”, “dada a sua interdependência e correspectividade” [30].

     Ora o comportamento da 1.ª e da 2.ª Rés dá prova suficiente da intenção de causar um dano à Autora: em primeiro lugar, através do não cumprimento das obrigações constituídas através dos contratos concluídos em 4 de Setembro de 2012 e em 18 de Fevereiro de 2013 e, em segundo lugar, através do não cumprimento da obrigação de restituição do sinal recebido. 

      Em primeiro lugar, através do não cumprimento das obrigações constituídas através dos contratos concluídos em 4 de Setembro de 2012 e em 18 de Fevereiro de 2013.

      A 1.ª e a 2.ª Rés não compareceram no cartório notarial para celebrarem a escritura pública por quatro vezes — no dia 8 de Julho de 2013 (facto provado sob os n.ºs 15 e 45), no dia 12 de Julho de 2013 (facto provado sob os n.ºs 16 e 17), no dia 26 de Julho de 2013 (facto provado sob o n.º 47.º) e no dia 29 de Agosto de 2013 (facto provado sob os n.ºs 24 e 48), a pretexto de impedimentos médicos (factos provados sob os n.ºs 15 e 17) — e, na carta de 5 de Agosto de 2013, desconsideraram por completo a obrigação de concluírem o contrato definitivo, alegando, designadamente, terem recebido uma oferta “substancialmente superior”, como se continuassem a ter a liberdade de concluir ou de não concluir o contrato definitivo (facto provado sob o n.º 20).

      Em segundo lugar, através do não cumprimento da obrigação de restituição do sinal

      A 1.ª Ré recebeu 275 000 euros (factos provados sob os n.ºs 4 e 37) e, na carta de 5 de Agosto de 2013, disponibilizou-se para restituir, tão-só, 25 000 euros (menos de 10% do total!).

       Em relação à 1.º Ré, o caso é agravado pela circunstância de, representada pelo 4.º Réu, ter prometido propor a acção necessária para conseguir a transmissão dos 2/8 indivisos dos seus três filhos (facto provado sob os n.ºs 12 e 13) e de nunca o ter feito (facto provado sob o n.º 51).

       O facto provado sob o n.º 20 confirma que o comportamento contrário aos bons costumes continuou depois da conclusão do contrato de dação em cumprimento e depõe fortemente no sentido de que a 1.ª e a 2.ª Rés tiveram a intenção de causar um dano através de esclarecimentos e de informações falsos: a carta de 5 de Agosto de 2013 — segunda-feira — não faz qualquer referência ao contrato de dação em cumprimento celebrado no dia 2 de Agosto — ou seja, na anterior sexta-feira — e dá como pretextos para “dar sem efeito” o contrato-promessa os seguintes:

“… existe uma oferta substancialmente superior para os 2/8 dos meus filhos menores. Assim sendo, o Ministério Publico não iria permitir vender os 2/8 dos menores por um valor inferior ao dessa proposta”.

“… existiram contornos na celebração do contrato que não são do meu agrado e foram do meu desconhecimento, nomeadamente a celebração de contratos com uma terceira pessoa que não a Santa Casa da Misericórdia de AA”.

    O caso é em substância semelhante àqueles que foram apreciados e decididos pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2000, proferido no processo n.º 99A1061 — e de de 10 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 7B1994 — o fim prosseguindo pelos 1.ª, 2.ª e 3.º Réus é um fim comum, e um fim comum contrário aos bons costumes, determinando a invalidade e, dentro das invalidades, a nulidade do contrato de dação em cumprimento.

      IV. — Em consequência da declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento, deve decretar-se a execução específica do contrato de compra e venda e declarar-se transmitida a propriedade dos 6/8 indivisos que a 1.ª e 2.ª Rés BB e CC detinham no prédio urbano de casa de três andares, com dependência e quintal sito na Av. …, nº 380, freguesia e concelho de ….

     Considerada a semelhança com o caso apreciado e decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008, deve condicionar-se o efeito da execução específica, designadamente o efeito da transmissão da propriedade, ao pagamento da parte do preço ainda em falta — 137 5000 — no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão [31].

    5. O 3.º Réu DD pede que seja absolvido de indemnizar a Autora, pagando-lhe, solidariamente com a 1.ª Ré BB, a quantia de 550.000,00 euros (como restituição do sinal em dobro — art. 442.º, n.º 2, do Código Civil).

      I. — O tema da responsabilidade de um terceiro, como o 3.º Réu, pela violação de um direito de crédito está entre os mais controversos de todo o direito civil [32].

       Os adeptos de uma interpretação declarativa da primeira cláusula delitual do art. 483.º do Código Civil consideram que o termo direitos deve ser interpretado de forma a abranger todos os direitos subjectivos, incluindo os direitos relativos — e, dentro dos direitos relativos, os direitos de crédito [33]. Os adeptos de uma interpretação restritiva, esses, consideram que o termo direitos deve ser interpretado de forma a abranger alguns, e só alguns, direitos subjectivos — os direitos absolutos — a responsabilidade do terceiro pela violação do direito de crédito só poderia ser uma responsabilidade por abuso do direito (art. 334.º do Código Civil) [34].

     II. — Os danos causados ao credor são danos patrimoniais primários ou puros — e, como se diz, exemplarmente, no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1,

“I. Os danos económicos puros (também designados como danos puramente patrimoniais ou danos patrimoniais puros) – aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido prévia afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida – não são reparáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual, salvo no caso de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (segunda regra do art. 483º, nº 1, do CC) ou em determinadas hipóteses especiais como as dos arts. 485º e 495º do CC, ou ainda quando se verifique abuso do direito enquanto fonte de responsabilidade civil.

II. Não tendo sido feita prova da titularidade de qualquer situação absolutamente protegida, nem se verificando a violação de norma destinada a proteger os interesses da autora/lesada, resta a possibilidade de recurso ao instituto do abuso do direito, interpretado em sentido amplo, abrangendo as simples liberdades, designadamente a liberdade genérica de agir e a liberdade especial de contratar, ou convocar ‘uma proibição destinada a assegurar o mínimo ético-jurídico no relacionamento entre os membros da comunidade jurídica’, independentemente de se encontrarem ou não inseridos em relações contratuais, conduzindo a soluções práticas idênticas às que resultam do recurso ao art. 334º do CC”.

     Como os danos causados aos credor sejam danos patrimoniais primários ou puros, deve preferir-se a interpretação restritiva do art. 483.º do Código Civil — e, por consequência, deve representar-se os casos de responsabilidade do terceiro pela violação do direito de crédito como casos da responsabilidade do terceiro por abuso do direito (por violação dos bons costumes).

      Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de de 20 de Setembro de 2011 — processo n.º 245/07.2TBSBG.C1.S1 —, de 29 de Maio de 2012 — processo n.º 3987/07.9TBAVR.C1.S1 —, de 11 de Novembro de 2012 — processo n.º 165/1995.L1.S1 —, de 24 de Outubro de 2013 — processo n.º 2/11.1TVPRT.P1.S1 — pronunciaram-se, explícita ou implicitamente, no sentido de que os direitos subjectivos do art. 483.º, n.º 1, são só os direitos absolutos.

     O sumário do acórdão de de 24 de Outubro de 2013 é elucidativo:

I - Ao contrário do que se passa via de regra nos direitos reais onde os seus efeitos são erga omnes, no âmbito do direito das obrigações e deveres gerados pelas mesmas tendem a confina-se no seio da relação obrigacional ou seja, são vocacionalmente internos, nessa medida podendo apenas ser infringidos pelas partes.

II - Àquela doutrina ainda prevalecente opõe-se a do efeito externo das obrigações propugnando que os direitos de crédito na realidade impõem-se a todas as pessoas e, nessa medida, sendo susceptíveis de lesão por parte de todos, impõem-se forma universal.

III - Todavia a doutrina do “efeito interno das obrigações” não é entendida de forma pura, reconhecendo-se que a interferência de terceiros na esfera negocial pode assumir aspectos que ultrapassam os limites da liberdade contratual. Quando tal sucede, o comportamento do terceiro interferente poderá ser passível de censura à luz dos princípios da boa fé ou do abuso do direito, verificados os pressupostos da responsabilidade civil.

IV - Verificado que a ré adquirente de uma Quinta, objecto de contratos-promessa de lotes para construção celebrados com a ré alienante, tinha conhecimento desses negócios, abusa do direito da liberdade contratual se adquirindo o prédio provoca conscientemente o incumprimento de tais contratos.

      III. — Entre os adeptos de uma intepretação declarativa e os adeptos de uma interpretação restritiva do art. 483.º do Código Civil há em todo o caso algum consenso — p. ex., em torno de que a responsabilidade do terceiro é uma responsabilidade por dolo, e só por dolo.

      O parecer do Professor António Pinto Monteiro nos presentes autos sustenta, de forma impressiva, que

“[s]ó há ilicitude, só há violação ilícita do direito de crédito quando o terceiro conheça esse direito, quando o terceiro, ao contratar, saiba, tenha perfeito conhecimento de que a outra parte tinha um compromisso anterior que a impedia de o fazer”.

   O sujeito estranho à relação obrigacional (terceiro) só deverá responder extracontratualmente pelos danos causados quando saiba que o credor tem um direito e, sabendo que o credor tem um direito, aja com a intenção de o lesar, “no sentido de o lesante querer a lesão do crédito (como consequência directa, necessária ou eventual da acção)” [35].

    O consenso em torno de que a responsabilidade do terceiro é uma responsabilidade por dolo, e só uma responsabilidade por dolo, confirma que através de uma adequada interpretação da cláusula delitual do art. 334.º do Código Civil se alcançam "resultados práticos equiparáveis aos que razoavelmente se deriv[ariam] da doutrina do efeito externo" [36].

     Os factos dados como provados provados são suficientes para se estabelecer a ilicitude e a culpa do 3.º Réu: a ilicitude concretiza-se na violação dos bons costumes e a culpa do 3.º Réu, no dolo — o 3.º Réu tinha consciência de causar um dano à Autora (dolo necessário) ou, em todo o caso, consciência da possibilidade de causar um dano à Autora (dolo eventual). Estabelecidas a ilicitude e a culpa, na modalidade de dolo (necessário ou, pelo menos, eventual), estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade do 3.º Réu nos termos do art. 334.º do Código Civil.

    IV. — Em todo o caso, a responsabilidade do terceiro pelo não cumprimento do contrato-promessa não deverá determinar-se de acordo com o art. 442.º, n.º 2, do Código Civil. 

      Em primeiro lugar, o art. 442.º, n.º 2, pressupõe que o contrato-promessa não possa ser cumprido, designadamente através de uma execução específica, e em segundo lugar, o princípio da relatividade do contrato, consignado no art. 406.º, n.º 2, do Código Civil, significa que o terceiro não fica (não pode ficar) nem beneficiado nem prejudicado pela cláusula de sinal.

     Não pode ficar beneficiado — o terceiro, responsável pela violação do direito de crédito, não pode prevalecer-se da cláusula de sinal contra o credor, contra o promissário, para que a indemnização devida seja inferior ao dano efectivo [37] — e não pode ficar prejudicado — o credor não pode prevalecer-se da cláusula de sinal contra o terceiro, responsável pela violação do direito de crédito, para que a indemnização devida seja superior ao dano efectivo [38].

     Face ao princípio da relatividade do contrato, as consequências da responsabilidade do 3.º Réu devem determinar-se de acordo com os arts. 562.º ss. do Código Civil.

III. — DECISÃO

    Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pela Autora Santa Casa da Misericórdia de AA, na parte relativa aos pedidos subsidiários formulados nos pontos 1 a 4 da petição inicial, e nega-se provimento ao recurso interposto pelo 3.º Réu DD, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido, nos termos seguintes:

      I. — declara-se a nulidade do contrato de dação em cumprimento concluído entre os 1.ª, 2.ª e 3.ª Réus em 2 de Agosto de 2013;

       II. — decreta-se a execução específica do contrato-promessa de compra e venda concluído entre a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA e a 1.ª e 2.ª Rés, BB e CC, em 4 de Setembro de 2012;

     III. — declara-se transmitida para a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA, por efeito da execução específica, a quota-parte indivisa de 6/8 sobre o prédio objecto do contrato-prometido, pelo preço de 412500 euros;

     IV. — ordena-se o cancelamento da inscrição da aquisição a favor do 3.º Réu DD, apresentação 2428 de 2 de Agosto de 2013 do prédio descrito na Conservatória de Registo Prédial sob o nº 2…8/…;

      V. — ordena-se a inscrição no registo predial da aquisição a favor da Autora Santa Casa da Misericórdia de AA da quota parte indivisa de 6/8 do prédio descrito na Conservatória de Registo Prédial sob o nº 2…8/…;

    VI. — condiciona-se os efeitos referidos em II, III, IV e V ao pagamento pela Autora Santa Casa da Misericórdia de AA da parte do preço ainda não paga, ou seja, de 137 500 euros, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão;

    VII. — confirma-se a condenação do 3.º Réu DD a indemnizar a Autora Santa Casa da Misericórdia de AA pelos danos causados pelo não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda concluído entre a Autora e a 1.ª e 2.ª Rés no dia 4 de Setembro de 2012, identificado sob o n.º 1.º dos factos provados;

    VIII. — revoga-se a condenação do 3.º Réu DD ao pagamento da quantia 550 000 euros, substituindo-a pela condenação do 3.º Réu ao pagamento de uma indemnização calculada nos termos gerais dos arts. 562.º ss. do Código Civil, a liquidar ulteriormente.

        Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.

       Custas do recurso interposto pela Santa Casa da Misericórdia de AA pelos Recorridos BB, CC, DD, FF, GG, HH e JJ.

       Custas do recurso interposto pelo 3.º Réu DD pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Abril de 2019



Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)


Paula Sá Fernandes


Maria dos Prazeres Beleza

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[1] Cf. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1997 (reimpressão), pág. 1223.

[2] Cf. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, cit., pág. 1223.

[3] Cf. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, cit., pág. 1223.

[4] Menezes Cordeiro fala de “aspectos deontológicos próprios de determinadas esferas de actividade profissional que, não correspondendo a vectores fundamentais do sistema, não são de ordem pública” (cf. Da boa fé no direito civil, cit., pág. 1222).

[5] Cf. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, cit., pág. 1218-1223.

[6] Em termos semelhantes, para o direito espanhol, vide Federico de Castro, “Nota sobre las limitaciones intrínsecas de la autonomia de la voluntad”, cit., págs. 1034 ss.; ou Francisco Oliva Blásquez, “Límites a la autonomía privada en el Derecho de los contratos: la moral y el orden público”, in: Maria Angeles Parra Lucán (coord.), La autonomia privada en el derecho civil, Thompson Reuters Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2016, págs. 295-359.

[7] Como explica Manuel Carneiro da Frada, “A ordem pública no direito dos contratos”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 83-96 (esp. na pág. 85): ““O adjectivo ‘público’ da ‘ordem pública’ evoca sem dúvida uma dimensão externa, colectiva ou comunitária, ínsita constitutivamente na noção. Não estão em causa bens ou interesses meramente individuais. Visa-se uma publica utilitas, transpessoal (que pode certamente ser de natureza política, administrativa, policial, económica, ou outra)”.

[8] Federico de Castro, “Nota sobre las limitaciones intrínsecas de la autonomia de la voluntad”, in: Anuario de derecho civil, vol. 35 (1982), págs. 9087-1086 (1058).

[9] Cf. designadamente António Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, cit., pág. 1256; Manuel Carneiro da Frada, Tutela da confiança e responsabilidade civil, cit., pág. 848; ou Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 164-172.

[10] Cf. designadamente Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 558: “O sentido desta exigência [ou seja, da exigência de que o acto não seja ofensivo dos bons costumes] é o mesmo da fórmula ‘não contrariedade à moral pública do Código de Seabra”.

[11] Cf. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1974 (reimpressão), pág. 341.

[12] Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, cit., pág. 559.

[13] Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, cit., pág. 341.

[14] Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, cit., págs. 558-559.

[15] Cf. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, cit., pág. 341 (nota n.º 1): “… importa distinguir entre o que ela [a moral pública] exige e o que ela apenas recomenda, entre aquilo que ela considera louvável — sendo virtude a sua observância — e aquilo que ela reputa estritamente obrigatório — constituindo vício ou pecado mortal a sua inobservância. Só este mínimo releva para efeitos do art. 671.º, n.º 4”.

[16] Expressão de Manuel Carneiro da Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2004, págs. 164-174 (nota n.º 121).

[17] Cf. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, cit., pág. 999: “O terceiro que tenha a consciência de que o credor tem um direito, e quer exercê-lo, terá quase sempre a consciência de causar danos ao credor — ou, pelo menos, terá quase sempre a consciência da possibilidade de lhe causar danos”.

[18] Em termos tais que o contrato de dação em cumprimento concluído entre o 1.º, 2.º e 3.º Réus pode coordenar-se à categoria ou ao tipo dos “negócios que têm por objecto mediato um comportamento ilícito de uma ou de ambas as partes, ou que por outra forma são adequados a um tal comportamento [ou mesmo só um tal resultado], ou pelo menos são adequados a favorecê-lo” (cf. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, cit., pág. 349).

[19] E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil do terceiro por lesão do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, pág. 568.

[20] Cf. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 310.

[21] Cf. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, cit., pág. 310.

[22] Cf. António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, pág. 572.

[23] Cf. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, cit., pág. 310.

[24] Cf. António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, cit., pág. 573.

[25] E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil do terceiro por lesão do direito de crédito, cit., págs. 567-568 — o fim ilícito ou imoral do negócio jurídico só determinará a sua nulidade de um contrato incompatível com o cumprimento de uma obrigação desde que “o contrato incompatível [haja] sido celebrado pelo devedor e pelo terceiro exclusivamente (ou, pelo menos, principalmente) com o objectivo de prejudicar o credor”.

[26] António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, cit., pág. 572.

[27] António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, cit., págs. 572-573: “O direito, quando veda negócios com fins ilícitos lato sensu (abrangendo portanto a contrariedade à ordem pública e aos bons costumes), pretende agir no domínio da prevenção geral e da prevenção especial, evitando que, de futuro, tais negócios se repitam”.

[28] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2000 — processo n.º 99A1061 — e de de 10 de Julho de 2008 — processo n.º 7B1994.

[29] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 — processo n.º 7B1994 —, de de 27 de Novembro de 2008 — processo n.º 07B3045 — e de de 21 de Março de 2013 — processo n.º 637/1999.L1.S1.

[30] Cf. acórdãos do acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 — processo n.º 7B1994 — e de 27 de Novembro de 2008 — processo n.º 07B3045.

[31] Cf. designadamente Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, cit., págs. 420-422 (considerando expressamente a hipótese de recurso para os tribunais superiores); Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, cit., pág. 287.

[32] Sobre a (chamada) eficácia externa ou eficácia em relação a terceiros das relações obrigacionais em geral e das relações contratuais em especial, vide designadamente Adriano Vaz Serra, "Responsabilidade de terceiros no não cumprimento de obrigações", in: Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril de 1959, págs. 345-360; António Ferrer  Correia, "Da responsabilidade civil de terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência", in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 98.º (1966-1967), págs. 355-360 e 369-374; António Ferrer  Correia / Vasco da Gama Lobo Xavier, "Efeito externo das obrigações; abuso do direito; concorrência desleal", in: Revista de Direito e Economia, ano 5 (1979), págs. 3-19; Pedro Pais de Vasconcelos, O efeito externo da obrigação no contrato-promessa, separata da revista Scientia Juridica, Braga, 1983, págs. 3-23; Rita Amaral Cabral, A eficácia externa da obrigação e o n.º 2 do art. 406.º do Código Civil, Livraria Cruz, Braga, 1984; Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, págs. 185-187; Rita Amaral Cabral, "A tutela delitual do direito de crédito", in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001, págs. 1025-1053; João Carlos Leal Amado, Vinculação versus liberdade. O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 347-357; E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, págs. 437 ss. (esp. págs. 550-553); e Mário Júlio de Almeida Costa, “A eficácia externa das obrigações. Entendimento da doutrina clássica”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 135 (2006), págs. 130-136.

[33] Vide, p. ex., António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações. — Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, pág. 448: “… ficam abrangidos todos os direitos subjectivos, incluindo os relativos. Nenhuma razão existe para os excluir, em nome dos arts. 798.º e seguintes: estes preceitos apenas se aplicam ao devedor, como é sabido; não a terceiros”.

[34] Vide, p. ex., João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2000, págs. 172-182.

[35] E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil do terceiro por lesão do direito de crédito, cit., pág. 510.

[36] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, pág. 96 (nota n.º 2).

[37] Cf., ainda que considerando o lugar paralelo da cláusula penal, António Ferrer Correia / Vasco da Gama Lobo Xavier, "Efeito externo das obrigações; abuso do direito; concorrência desleal", cit., págs. 12-13; ou E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., pág. 561: “… não pode [o terceiro] pretender aproveitar-se [da cláusula penal], limitando, vinculativamente, perante si, alguém — o credor — que não contratou com ele”.

[38] Cf., ainda que considerando o lugar paralelo da cláusula penal, E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, cit., pág. 561: “não tendo o terceiro estipulado a cláusula penal, pois não foi parte no contrato ou na convenção independente que a albergou, a cláusula não pode ser eficaz em relação a ele, para o vincular a uma prestação indemnizatória que não contratou”.