Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
889/17.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
ARBITRAGEM
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO
TRANSMISSÃO
PATENTE
CADUCIDADE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – REGIMES JURÍDICOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL / INVENÇÕES / PATENTES / EFEITOS DA PATENTE.
Doutrina:
- Dário Moura Vicente, O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes (Lei N.º 62/2011), R.O.A., Ano 72, Volume III, 974, 976.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 99.º E 101.º, N.ºS 1 E 2.
ESTATUTO DO MEDICAMENTO: - ARTIGOS 23.º-A E 179.º.
LITÍGIOS EMERGENTES DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA/GENÉRICOS, APROVADO PELA LEI N.º 62/2011, DE 11-12: - ARTIGOS 1.º, 2.º E 3.º, N.º 7.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 726/2004 DE 31-03-2004, ALTERADO PELO REGULAMENTO (CE) 1901/2006 DE 12-12-2006.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 2001/83/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 06-11-2011: - ARTIGO 126.º.
DIRECTIVA 2004/27/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 31-03-2004.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-05-2014, PROCESSO N.º 402/13.2YRLSB.S1;
- DE 16-09-2014, PROCESSO N.º 183/14.2YRLSB.L1.S1;
- DE 26-03-2015, PROCESSO N.º 1203/13.3YRLSB.S1;
- DE 14-04-2015, PROCESSO N.º 512/14.9YRLSB-B.S;
- DE 20-05-2015, PROCESSO N.º 747/13.1YRLSB. S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 393/15.5YRLSB.S1, INWWW.DGSI.PT;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 17/15.0YRLSB.S1, INWWW.DGSI.PT;
- DE 12-03-2018, PROCESSO N.º 409/17.0YRSLSB.L1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 123/2015, DE 12-02-2015, IN DR, II SÉRIE, DE 7 DE JULHO DE 2015, P. 18143 A 18166;
- ACÓRDÃO N.º 108/2016, DE 24-02-2016;
- ACÓRDÃO N.º 435/2016, DE 16-07-2016.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 26-06-2014, PROCESSO N.º 787/13.YRLSB.L1-2;
- DE 02-12-2014, PROCESSO N.º 1158/13.4YRLSB.
Sumário :
I - Os litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos está submetido ao regime da arbitragem necessária instituído pela Lei n.º 62/2011, de 11-12 (arts. 1.º e 2.º).

II - Do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral não cabe recurso de revista (art. 3.º, n.º 7, da citada Lei n.º 62/2011).

III - Essa regra da irrecorribilidade tem sido mitigada ou temperada com a admissibilidade de recurso nos casos de verificação de alguma das situações previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, entre as quais se conta a contradição do acórdão da Relação com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito (al. d) do n.º 2 do art. 629.º).

IV - Alegando a recorrente que a contradição existente entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento respeita apenas à questão da proibição de transmissão dos pedidos de AIM (autorização de introdução no mercado) em que foi condenada, o objecto do recurso fica restrito à apreciação dessa questão, mantendo-se, quanto às demais questões suscitadas, a regra da irrecorribilidade.

V - A contradição de julgados como fundamento de admissibilidade do recurso pressupõe que os dois arestos tenham tomado decisões expressamente opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, num quadro factual essencialmente idêntico e no domínio do mesmo acervo normativo aplicável.

VI - O titular de uma patente tem o direito à sua exploração económica exclusiva, podendo fazer valer os seus direitos contra terceiros que, de algum modo, pretendam invadir esse seu monopólio de exploração, enquanto aquela não caducar (art. 101.º, n.º 1, do CPI).

VII - Embora a entrada no mercado de medicamentos genéricos implique que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham expirado (arts. 99.º, e 101.º, do CPI), o processo administrativo de concessão de AIM e de fixação de preço pode ser iniciado antes dessa caducidade, por razões económicas e de ordem pública que se prendem com a morosidade desses processos (arts. 23.º-A, e 179.º, do Estatuto do Medicamento).

VIII - A concessão de AIM de um genérico não constitui, por si só, violação do direito de propriedade industrial decorrente da patente do medicamento de referência, não se inserindo, por isso, em nenhuma das actuações proibidas pela previsão do art. 101.º, n.º 2, do CPI.

IX - Em consequência, a transmissão dessa AIM para terceiros – não permitindo iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos – também não integra nenhuma das condutas tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo.

Decisão Texto Integral:
1. RELATÓRIO.



Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.



AA, BB AG e CC, S.A. propuseram acção arbitral necessária contra DD, S.A.

Pediram, a condenação da Ré (1) a abster-se, em território português, de importar, fabricar, armazenar, introdudidos de AIM identificados, (2) a não transmitir a terceiros as referidas AIM´s, e, (3) a pagar sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 5.000 euros por cada dia de atraso no cumprimento da condenação – I Vol., fls. 35 a 50.

Alegaram, como causa de pedir, a titularidade pela autora de patente europeia com n.º 1 189 608 e a intenção de a Ré comercializar medicamentos genéricos em violação dos direitos protegidos pela mesma.


A Ré apresentou contestação, onde alegou que o âmbito de protecção conferido pela patente titulada pela Autora não engloba os medicamentos genéricos da Ré, e pediu a improcedência da acção e condenação das Autoras nas custas – I Vol., fls. 241 a 263.

Foi proferida sentença que absolveu a Ré dos pedidos e condenou as autoras no pagamento das custas – V Vol., fls. 1675 a 1713.


As Autoras interpuseram recurso de APELAÇÃO e o tribunal da Relação, por acórdão, revogou a sentença e condenou a Ré nos pedidos formulados na acção e na ampliação do pedido – VI Vol., fls. 2093 a 2191. 


Inconformada a Ré interpôs recurso de revista, pedindo nos termos de tudo quanto alegou, que se revogue o decidido no acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629º nº 2 d) do Código de Processo Civil quanto ao decisório relativo à proibição de transmissão da AIM do medicamento genérico.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões.


1) O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de … que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelas ora Recorridas do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito da arbitragem necessária iniciada pelas recorridas, nos termos dos artigos 2.° e 3.° da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro ("Lei 62/2011"), e que, consequentemente, decidiu: Julga[r] parcialmente procedente a apelação e condena[r] a EE, S.A. a:

i. Abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos cujos pedidos AIM (e respectivas AIM's são identificados no art. 81 da p.i., enquanto a EP 1189608, se encontrar em vigor;

ii. Não transmitir a terceiros as AIM's identificadas no art. 81 da p.i., até à caducidade da EP 1189606 (29/6/ 2020);

iii. A retirar imediatamente a suas expensas, do mercado português os seus medicamentos genéricos com a combinação das substâncias activas Levodo-pa/Carbidopa/Entacapona, em qualquer das suas formulações ou dosagens;

iv. No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A CC, no valor de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que foi condenada;

v. [No pagamento de uma] indemnização pelos prejuízos sofridos pelas demandantes decorrentes da alteração do planeamento e estratégia comercial, com repercussões nas modificações estruturais na organização comercial e recursos humanos e o valor dos encargos e custos suportados pelas apelantes com a acção arbitral.

2) O acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, porquanto a decisão nele proferida não tem sustentação na matéria de facto dada como provada nos autos, estando mesmo em manifesta contradição com alguns dos factos provados, o que resulta numa incongruência lógica que leva à contradição daquela decisão com a respectiva fundamentação de facto.

3) O acórdão sob recurso não conheceu o recurso da matéria de facto julgada provada interposto pelas aqui recorridas, mantendo-a nos mesmos termos em que consta do Acórdão Arbitral proferido, encontrando-se, por conseguinte, vinculado a subsumir nos factos desse elenco a aplicação de qualquer norma jurídica.

4) O objecto do litígio é determinar se os medicamentos genéricos da Recorrente infringem a patente invocada pelas Recorridas (a EP'608). Por consequência, os factos dados como provados no Acórdão Arbitral a propósito da determinação do âmbito dessa patente, e em particular das suas reivindicações 16 e 26, a cuja infracção as Recorridas limitaram o objecto da acção, são imprescindíveis ao atingimento de uma conclusão sobre a norma jurídica a aplicar e sobre o sentido dessa aplicação.

5) A interpretação do âmbito de protecção da EP'608 feita no acórdão recorrido ignorou a factualidade dada como provada e que foi determinante do sentido decisório do Acórdão Arbitral sobre o âmbito de protecção da patente, nomeadamente a factualidade respeitante ao estado da técnica à data de prioridade da patente, o problema técnico, a solução técnica protegida, a redacção da patente e as características do medicamento genérico.

6) A decisão recorrida não tomou em consideração os factos provados 40), 41), 42), 46), 51), 58), 77), 79), 80, d), e), f) e g), 81), 91), 92), 93), 94) e 95), os quais relevam para a correcta interpretação do âmbito de protecção da reivindicação 16, de cuja infracção depende a infracção da reivindicação 26, e, consequentemente, para a boa decisão do litígio dos autos.

7) Da redacção da reivindicação 16 da EP'608 resulta a obrigação de que a composição de entacapona, levodopa e carbidopa seja estável e que compreenda, pelo menos, um excipiente farmaceuticamente aceitável diferente de celulose microcristalina.

8) Relativamente à característica de estabilidade da composição reivindicada na reivindicação 16, foi dado como provado que i) um dos problemas técnicos que o intento da EP'608 se propôs a resolver foi a combinação dos três componentes activos num único comprimido sem prejudicar a sua estabilidade (factos provados 79) e 80); ii) muitos dos excipientes normalmente utilizados não são adequados a composições sólidas orais de entacapona, carbidopa e levodopa, precisamente porque provocam, entre outros problemas, instabilidade - facto provado 80), d); iii) que à data da prioridade da patente a celulose microcristalina era um excipiente utilizado na maior parte das formulações de levodopa - carbidopa, bem como também em formulações de entacapona - facto provado 77); iv) que foi descoberto pelo requerente da EP'608 que a celulose microcristalina provocava instabilidade da composição, designadamente em armazenamento de longa duração - facto provado 80), e) e f). Ou seja, ficou provado nos autos que a utilização de celulose microcristalina como excipiente farmaceuticamente aceitável põe em causa a estabilidade expressamente reivindicada para o invento protegido pela reivindicação 16 da EP'608.

9) O acórdão sob recurso entendeu todavia que, ao proteger uma composição que compreende pelo menos um excipiente diferente de celulose microcristalina, a reivindicação 16 não exclui a celulose microcristalina, ou seja, a composição da reivindicação 16 pode conter celulose microcristalina.

10) A interpretação do Tribunal a quo não tem nem sustentação nem se articula com o que resulta da matéria de facto provada, estando em clara oposição lógica com os factos provados 77), 79), 80), d),e),f) e g), 81) , 91) 92) e 94).

11) De acordo com a fundamentação de facto apurada em primeira instância, a patente ensina que uma composição que contenha as três substâncias activas e celulose microcristalina não é estável, logo a interpretação de acordo com a qual a reivindicação 16 da EP'608 não exclui a celulose microcristalina e por isso pode conter a mesma, como proposta pelo Tribunal recorrido, conduz forçosamente a uma composição instável, sempre de acordo com os ensinamentos da patente. Ora, uma composição instável não é protegida pela reivindicação 16.

12) A decisão do Tribunal a quo quanto ao âmbito de protecção conferido pela reivindicação 16 da EP'608 está em manifesta oposição com os fundamentos de facto que a sustentam, em sentido oposto àquela que seria a conclusão lógica a que a aplicação do direito aos ditos factos levaria. Por isso encontra-se também viciada a subsequente conclusão que determinou a revogação parcial do Acórdão Arbitral, a conclusão de que os medicamentos genéricos infringem a reivindicação 16 e, consequentemente, também a reivindicação 26 da EP'608.

13) O acórdão recorrido está, por isso, ferido da nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, devendo por isso esta nulidade ser declarada nos termos do artigo 617.°, n.° 2 do CPC, ou subsidiariamente, suprida pelo Venerando Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 684.°, n.° 1 do CPC, com todos os efeitos legais.

14) O acórdão recorrido é também nulo por ter acolhido uma solução de direito que pressupõe uma interpretação da EP'608 que não se encontra sustentada pelos factos provados nos autos. Conforme se viu, o acórdão recorrido entendeu que a reivindicação 16 protege uma composição que pode conter celulose microcristalina.

15) Para que a utilização da celulose microcristalina na composição levodopa, carbidopa e entacapona pudesse ser considerada como estando protegida pelo texto da reivindicação 16, seria necessário que a patente ensinasse o modo de ultrapassar a impossibilidade técnica detectada pelo inventor de obter uma composição estável com aquele excipiente.

16) Não consta da matéria de facto provada i) que uma qualquer solução para o problema técnico tenha sido descoberta pelo requerente da patente; ii) nem de que modo esse problema técnico poderia ser ultrapassado. Também por este motivo a decisão tomada no acórdão recorrido não tem sustentação na matéria de facto dada como provada, o que equivale a dizer que a mesma está em oposição com a fundamentação de facto, sendo por isso nula, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea b) do CPC.

17) Ao ter tomado uma decisão que está em clara oposição com a fundamentação de facto, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 607.°, n.° 3 do CPC, sendo por isso nulo, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC.

18) O presente recurso é fundamentado no erro de julgamento incorrido no acórdão sob recurso relativamente à interpretação do âmbito de protecção da patente dos autos, o que resultou numa errada aplicação do direito.

19) O recurso é igualmente fundamentado na contradição da parte do decisório que condenou a Recorrente a não transmitir a AIM do medicamento genérico até à caducidade da EP'608 com o que foi julgado no acórdão do Tribunal da Relação de … já transitado em julgado, de 07.03.2017, tirado no processo n.° 470/15.2YRLSB.

20) O recurso de revista ordinário tendo por objecto decisões do Tribunal da Relação proferidas em sede de recurso de decisões no âmbito da arbitragem necessária realizada ao abrigo da Lei 62/2011 é admissível, conforme já consignou este Venerando Supremo Tribunal no acórdão de 23.06.2016, tirado no processo n.° 1248/14.6YRLSB.

21) A admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais funda-se na interpretação, sufragada no referido acórdão de 23.06.2016, do artigo 3.°, n.° 7 da Lei 62/2011 conjugado com a norma prevista no artigo 59.°, n.° 8 da LAV: das decisões do Tribunal da Relação proferidas em sede de recurso de decisões dos tribunais arbitrais caberão os recursos normalmente previstos na lei de processo; em consequência, das decisões arbitrais poderá recorrer-se nos termos gerais previstos na lei processual, salvo se tal recorribilidade for expressamente afastada,

22) O duplo grau de recorribilidade de decisões proferidas por tribunais arbitrais necessários constituídos ao abrigo da Lei 62/2011 não é expressamente afastado nem pelo artigo 3.°, n.° 7 daquela Lei, nem pelo regime de recorribilidade de decisões arbitrais previsto na LAV subsidiariamente aplicável às arbitragens necessárias da Lei 62/2011, pelo que o presente recurso deve ser admitido.

23) A interpretação contrária à tese que se sustenta, de que a norma do n.° 7 do Art. 3.° da Lei 62/2011 deve ser lida como considerando irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação proferido, efectivamente restringindo ou excluindo o direito de recurso de revista nos termos legalmente previstos, é inconstitucional por violação do Art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, que determina o acesso de todos ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os legais efeitos.

24) A interposição do presente recurso de revista é ainda admissível nos termos do artigo 629.°, n.° 2, alínea d) do CPC, por a decisão do Tribunal a quo estar em frontal oposição como acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, 1.a Secção, proferido no âmbito do processo 470/15.2YRLSB em 07.03.2017.

25) Nessa sede, haverá sempre recurso desde que não esteja esse recurso vedado por insuficiência do valor da causa e da sucumbência, conquanto existam duas ou mais decisões das Relações em oposição com aquela emanada do Tribunal a quo, tiradas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o que se verifica quando confrontados o acórdão fundamento e a douta decisão do Tribunal recorrido.

26) A semelhança do que sucede no acórdão recorrido, no acórdão fundamento discutiu-se se a condenação na abstenção de comercialização de um medicamento genérico por se ter entendido que o mesmo infringe direitos de propriedade industrial legitima a condenação acessória no pedido de proibição da transmissão da AIM do medicamento genérico julgado infractor, tendo-se chegado a uma conclusão oposta.

27) O acórdão fundamento debruçou-se sobre decisão arbitral que determinou i) a condenação de uma empresa de medicamentos genéricos a abster-se de comercializar um determinado medicamento genérico, por se ter considerado que o mesmo infringia os direitos de patente ali invocados, bem como ii) decisão de proibição da empresa de genéricos de transmitir a AIM do medicamento genérico.

28) Tal como nos presentes autos, o problema da transmissão da AIM do medicamento genérico foi analisada à luz dos direitos conferidos por patente ao respectivo titular, previstos e regulados no artigo 101.° do CPI, ou seja, estava em causa a suposta infracção dos direitos de propriedade industrial das titulares de uma patente, pela hipotética transmissão da titularidade da AIM um medicamento genérico que se julgou infringir os mesmos direitos, o que configura uma mesma questão fundamental de direito.

29) O acórdão fundamento deliberou que a titularidade de uma AIM de medicamento genérico não infringe qualquer direito de propriedade industrial e que por isso a condenação na proibição da transmissão da AIM do medicamento genérico carece de fundamento legal, enquanto no acórdão recorrido se decidiu em sentido contrário, ou seja, pela condenação da Recorrente, titular da AIM do medicamento genérico considerado infractor, a não transmitir a AIM dos medicamentos em causa nos autos até à caducidade da patente das Recorridas.

30) A inversão do sentido da decisão operada no acórdão recorrido não se encontra autorizada pela matéria factual dada como provada pelo Tribunal Arbitral, o que implica que o Tribunal a quo incorreu também necessária e inevitavelmente num erro de julgamento consubstanciado numa incorrecta interpretação da EP'608, e mais concretamente da respectiva reivindicação 16.

31) Não obstante identificar os preceitos legais relevantes para a interpretação da patente e, consequentemente, para determinar se os medicamentos genéricos da Recorrente a infringem ou não, o Tribunal da Relação ignorou que essa interpretação deve ser feita à luz da matéria de facto dada como provada, nomeadamente a matéria factual referente ao estado da técnica à data de prioridade; a redacção da patente; o problema técnico; a solução encontrada para o problema técnico.

32) Com relevo para a correcta interpretação da reivindicação da 16 da EP'608 foram dados como provados pelo Tribunal Arbitral os seguintes factos - que o Tribunal da Relação recusou reapreciar e por isso deveria ter levado em conta -: 79), 80), 81), 82), 83), 84), 85), 86), 87), 88), 89), 90), 91), 92), 93), 94), 95) e 96).

33) Daqueles factos dados como provados resulta que: i) a estabilidade da composição contendo os três ingredientes activos faz parte do problema técnico que a patente quis resolver; ii) perante o problema de instabilidade causado pela celulose microcristalina detectado, um perito na matéria não teria qualquer incentivo para usar aquele excipiente na composição sólida oral que combine a levodopa, carbidopa e entacapona.

34) A solução técnica que se compreende pelos factos provados nos autos é uma solução que exclui obrigatoriamente o elemento causador da instabilidade, ou seja, a celulose microcristalina.

35) Caso as Recorridas houvessem encontrado uma solução técnica que permitisse ultrapassar a instabilidade causada pela celulose microcristalina, tal solução teria sido inscrita na EP'608 de forma clara e inequívoca - o que não foi. Ficou provado nos autos que o medicamento através do qual as Recorridas exploram a EP'608 não contém celulose microcristalina.

36) A interpretação da reivindicação 16 levada a cabo no acórdão recorrido está incorrecta por não ter tido em conta a característica da estabilidade expressamente reivindicada, nem a solução encontrada na patente que assegure aquela característica do invento.

37) O acórdão recorrido fundamenta a sua interpretação da reivindicação 16 num excerto do voto de vencido do Arbitro Sr. Dr. FF onde este retira conclusões que não se encontram autorizadas pela matéria dada como provada nos autos, nomeadamente nos factos 79), 80), 87) e 88).

38) Tanto a estabilidade da composição sólida oral como a biodisponibilidade de cada um dos ingredientes activos quando combinados numa única composição sólida oral foram problemas técnicos que o invento da EP'608 pretendeu resolver. Uma vez que as duas formulações descritas no Exemplo 1, Tabela 1 da EP'608 não reúnem essas duas características técnicas essenciais ao invento, as mesmas não podem ser consideradas como sendo adequadas a resolver o problema técnico.

39) A interpretação da reivindicação 16 feita no acórdão recorrido está errada também por ser contrária às regras de interpretação de patentes, e mais concretamente de patentes europeias. O âmbito da protecção de uma patente europeia deve ser aferido de acordo com o disposto no artigo 69.° da Convenção Europeia de Patentes e respectivo Protocolo Interpretativo, i.e., pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar.

40) As reivindicações devem ser lidas tendo em conta os interesses jurídicos subjacentes à atribuição da protecção jurídica e do exclusivo legal que a lei lhes confere, tendo em conta o grau de certeza de terceiros. A interpretação das reivindicações deve ser aquela que seja mais evidente aos terceiros que olhem a patente como um todo, ou seja, implica a consideração da patente em todos os seus elementos e tenha em conta, na interpretação das reivindicações, tanto os elementos constantes nas mesmas, como a forma como aqueles elementos são concretizados na descrição da patente.

41) O Tribunal a quo procedeu a uma interpretação puramente literal da reivindicação 16, que exclui a necessidade de estabilidade da composição exigida na própria reivindicação e que não tem sustentação nem na descrição nem no texto da EP'608 como um todo.

42) A reivindicação protege uma composição sólida oral estável. A estabilidade da composição oral sólida em causa na reivindicação 16 da EP'608 não se encontra limitada em qualquer sentido, ou seja, não se sabe se é seria limitada a uma estabilidade de curta, média ou longa duração. Não sendo redacção da reivindicação 16 clara e inequívoca, a interpretação da mesma não poder ser feita sem recurso à descrição (e aos desenhos), conforme resulta de forma expressa do Protocolo Interpretativo do artigo 69.° da CPE.

43) Resulta dos factos provados 94) e 95) que a descoberta das Recorridas, descrita e reivindicada na Reivindicação 16 da EP'608, mais não é do que a constatação de que o uso da celulose microcristalina na formulação combinada das três substâncias activas desestabiliza aquela composição no longo prazo, o que naturalmente pode comprometer o prazo de validade desejável e consentâneo com a comercialização do medicamento. Resultou igualmente do facto provado 91) que a celulose micro cristalina não foi o único excipiente excluído pelos inventores da EP'608 devido aos problemas de estabilidade da composição do invento: da descrição da patente resulta que também os agentes tensioactivos e a sílica provocam instabilidade de armazenamento à composição do invento.

44) Ao longo da descrição da EP'608, a técnica de redacção quanto à selecção dos excipientes farmaceuticamente aceitáveis para a composição sólida oral estável do invento é sempre a mesma, não havendo sequer debate quanto ao facto de os demais excipientes considerados desadequados (ie, agentes tensioactivos e sílica) se deverem encontrar ausentes da composição.

45) A EP'608 ensina que a utilização da celulose microcristalina - que já era amplamente utilizada nos comprimidos de entacapona e de levodopa/carbidopa à data de prioridade da EP'608 (30.06.1999) - causa problemas de estabilidade da composição em armazenamento. Ou seja, leva a uma composição não estável, justamente o que a reivindicação 16 não pretende nem protege. Resulta claro que os ensinamentos da patente apontam no sentido de não se utilizar celulose microcristalina como excipiente da composição oral sólida contendo as três substâncias activas, sob pena de a composição não ser estável, e por isso não estar compreendida na reivindicação 16.

46) A única interpretação possível da reivindicação 16, que resulta logicamente da reivindicação, da descrição e dos desenhos e que é consistente com o contexto da patente, é aquela que foi sufragada pelo Tribunal Arbitral, ou seja, a composição ali descrita não pode conter celulose microcristalina, sob pena de não ter a estabilidade aí reivindicada, justamente porque a descrição ensina que a sua utilização desestabiliza no longo prazo as composições sólidas orais que combinam as substâncias activas levodopa, carbidopa e entacapona.

47) Ao afirmar-se na reivindicação 16 que a composição compreende pelo menos um excipiente farmaceuticamente aceitável diferente de celulose microcristalina, reclama-se protecção para composições de levodopa + carbidopa + entacapona isentas de celulose microcristalina, em face do problema técnico descrito que encerra a sua utilização. Esta é a única interpretação da reivindicação 16 compatível com a presunção de validade de que a mesma goza, nos termos do artigo 4.°, n.° 2 do CPI.

48) Assim sendo, uma composição oral sólida que utilize celulose microcristalina como excipiente farmaceuticamente aceitável situa-se fora do âmbito de protecção da reivindicação 16 da EP'608. Deste modo, e sendo incontroverso que o medicamento da ora recorrente contém celulose microcristalina, resulta evidente que, ao utilizar celulose microcristalina como excipiente farmaceuticamente aceitável, o medicamento da Recorrida não infringe a reivindicação 16 da EP'608.

49) Uma vez que a reivindicação 26 tem por objecto a utilização das composições das reivindicações 1 a 16 ou 24 a 25, e só destas, no fabrico de um medicamento para o tratamento de Parkinson, a não infracção da reivindicação 16 afasta necessariamente violação da reivindicação 26.

50) Ao ter acolhido uma interpretação da reivindicação 16 da EP'608 que não só não tem sustentação nos factos provados como é contrária às regras e princípios próprios da interpretação de patentes, o acórdão recorrido incorreu num erro de julgamento e violou, por isso, o disposto no artigo 69.° da CPE e respectivo Protocolo Interpretativo, o artigo 84.° da CPE, e ainda os artigos 4.°, n.° 2, 97.°, n.° 1 e 101.°, n.° 4 do CPI.

51) O Tribunal a quo andou mal em ter condenado a Recorrente a não transmitir as AIMs do seu medicamento genérico, porquanto laborou no erro de que o ato administrativo da competência do INFARMED de concessão de AIMs depende de algum modo da (in)existência e (in)validade de direitos de propriedade industrial de terceiros, o que resultou numa aplicação errada do direito.

52) O titular de um direito, ao proceder à sua transmissão, transmite-o tal como este se encontra configurado, o que se significa que, se sobre esse direito impende uma oneração ou qualquer outra limitação, é precisamente nesses termos que esse direito será transmitido e, consequentemente, adquirido por terceiro (com a oneração ou limitação que sobre ele impende).

53) O pedido formulado pelas Recorridas - e concedido pelo Tribunal a quo - de condenação da Recorrente a não vender ou ceder a terceiros as AIMs dos medicamentos genéricos contendo levodopa, carbidopa e entacapona é ilícito e mesmo inconstitucional por pretender introduzir uma limitação dos poderes de disposição desta de um activo de que é titular, pelo que jamais poderia ser procedente.

54) A jurisprudência do Tribunal da Relação de … tem sido absolutamente pacífica, no sentido de que a transmissão a terceiro de autorização de introdução no mercado de medicamento genérico não constitui em si violação do exclusivo concedido pela patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, pelo que não deve, em princípio, ser proibida no âmbito da arbitragem prevista na Lei 62/2011.

55) A aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória nos presentes autos pressupõe o incumprimento de uma obrigação, in casu, a obrigação negativa decorrente da condenação da Recorrente a abster-se de comercializar os seus medicamentos genéricos. Não se verificando qualquer violação do direito de patente das Recorridas pela Recorrente, a obrigação de non facere pressuposta para a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória não existe.

56) Mal andou o Tribunal recorrido ao ter condenado a Recorrente ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, o que fez através de uma aplicação ilegal do artigo 829.°-A do Código Civil, pelo que deve ser revogada a parte decisória do acórdão recorrido que condenou a Recorrente ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que foi condenada.

57) Não se verificando qualquer violação do direito de patente das Recorridas, não têm estas qualquer legitimidade ou fundamento que sustente a sua pretensão indemnizatória. Assim, o acórdão recorrido violou também o disposto no artigo 338.°-L do CPI ao ter condenado a Recorrente no pagamento de uma indemnização ilegal, porque fundada em violação inexistente.

58) Julgado procedente o presente recurso e atento o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 533.° do CPC, deverão ainda as Recorridas ser condenadas a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral.

59) O presente recurso de revista vem ainda interposto com fundamento no contraditório de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido em 7 de Março de 2017 pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (l.a Secção), no âmbito do processo n.° 470/15.2YRLSB, onde. à semelhança do que sucedeu nestes autos, foi proferida i) decisão de condenação de uma empresa de medicamentos genéricos a abster-se de comercializar um determinado medicamento genérico, por se ter considerado que o mesmo infringia os direitos de patente ali invocados, bem como ii) decisão de proibição da empresa de genéricos de transmitir a AIM do medicamento genérico, decisão essa que foi revogada no acórdão fundamento.

60) No acórdão fundamento o Tribunal da Relação decidiu que a titularidade de uma AIM de medicamento genérico não infringe qualquer direito de propriedade industrial e que por isso a condenação na proibição da transmissão da AIM do medicamento genérico carece de fundamento legal, revogando a condenação proferida pelo tribunal arbitral e absolvendo a empresa de medicamentos genéricos daquele pedido.

61) Nos presentes autos, o Tribunal recorrido condenou a Recorrente a não transmitir a AIM do seu medicamento a terceiros até à caducidade da EP'608, tendo tal condenação subjacente o entendimento de a mera titularidade de uma AIM de medicamento genérico contendo levodopa, carbidopa e entacapona é susceptível de infringir o direito de exclusivo das Recorridas em virtude da titularidade da EP'608, nos termos e para os efeitos do artigo 101.°, n.° 2 do CPI.

62) É evidente a contradição entre os dois acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de …, os quais se pronunciam de forma absolutamente oposta quanto ao fundamento jurídico da condenação na proibição de transmissão de AIM de um medicamento genérico que se julgue infringir uma patente que proteja o medicamento de referência.

63) A contradição de julgados impõe a revogação do acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.°, n.° 2, d) do CPC, quanto ao decisório relativo à proibição de transmissão da AIM do medicamento genérico.


As AA. apresentaram contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


*


2. FUNDAMENTOS.


O Tribunal deu como provados os seguintes.


2.1. Factos.


A - Das substâncias activas Entacapona, Levodopa e Carbidopa

1 - A entacapona, a levodopa e a carbidopa são substâncias activas utilizadas no tratamento sintomático de doentes com doença de Parkinson (cfr. Docs. 2 e 3 p. i., Doc. 28 junto à contestação e Doc. junto ao requerimento da Demandada de 12 de Fevereiro de 2016, doravante designado por "Certidão Revista");

2 - Os nomes químicos da entacapona, levodopa e carbidopa são (E)-2-ciano-3-(3,4-di-hidroxi-5-nitrofenil)-N,N-dietil-2-propenamida, ácido (-)-L-ccamino- p-(3,4-di-hidroxifenil) propanóico e ácido (-)-L-a-hidrazino-u-metil-13-(3,4-di-hidroxifenil) propanóico (cfr. Doc. 3 da p.i. e Certidão Revista, pág. 1);

3 - A doença de Parkinson está associada a uma transmissão insuficiente de dopamina ao nível do cérebro (cfr. Doc. 28 da contestação e depoimento da testemunha GG [00:06:23]);

4 - A levodopa pode atravessar a barreira hematoencefálica e uma vez no cérebro é convertida em dopamina (cfr. Doc. 28 junto à contestação e depoimento da testemunha GG [00:19:29]);

5 - O aumento da concentração no cérebro deste neurotransmissor, a dopamina, diminui os sintomas de Parkinson (cfr. Doc. 28 junto à contestação e depoimento da testemunha GG [00:20:10]);

6 - A levodopa, antes de entrar no sistema nervoso central, está sujeita à acção de enzimas que a metabolizam, como sejam a descarboxilase dos L-aminoácidos aromáticos (DDC) e a enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) (cfr. Doc. 28 junto à contestação e depoimento da testemunha GG [00:19:291);

7 - Dado que estas enzimas metabolizam a levodopa, a nível periférico a consequência da sua actuação é uma diminuição da quantidade de levodopa que penetra a barreira hematoencefálica e atinge o cérebro (cfr. Doc. 28 junto à contestação);

8 - Para evitar os efeitos nefastos destas enzimas a levodopa é normalmente administrada juntamente com um inibidor periférico da enzima DDC, corno a carbidopa e com um inibidor da enzima catecol-O-metiltransferase (COMT), a entacapona (cfr. Doc. 28 junto à contestação);

9 - Estes inibidores permitem que uma maior quantidade de levodnpa atravesse a barreira hematoencefálica e previnem efeitos secundários da presença excessiva de dopamina no sistema nervoso periférico (cfr. Doc. 28 junto à contestação);

10 - Os produtos contendo lerodopa e a carbidopa como substância activa são os fármacos de utilização mais comum no tratamento de doentes com a doença de Parkinson (cfr. Certidão Revista, pág. 1, e depoimento da testemunha GG [00:19:29]);

11 - A CC Europharm, Ltd. é a titular de uma AIM, concedida em 22 de Setembro de 1998, para um medicamento contendo a entacapona como substância activa, sob a marca Comtan (cf. base de dados do INFARMED, o INFOMMED, contendo informação sobre AIM concedidas, disponível no seguinteendereço: https://www.infarmed.pt/infomed/lista.php);

12 - A AA é a titular de uma AIM, concedida em 16 de Setembro de 1998, para um medicamento contendo a entacapona como substância activa, sob a marca Comtess (cf. Informação disponível em https://www.infarmed.pt/infomed/lista.php);

B - Da Patente EP 608

13 - A AA é a titular da Patente intitulada "Preparação farmacêutica de levodopa/carbidopa/entacapona" (cfr. Doc. 3 p.i.)

14 - Uma vez que a EP 608 foi pedida em 29.062000, a mesma tem como termo de vigência 29.06.2020 (cf. Doc. 3 p.i.)

15 - A Demandada não solicitou nem obteve autorização das Demandantes para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da Patente (cfr. artigo 78 p.i. não impugnado);

16 - Em 29.06.2000 foi apresentado pela AA no Instituto Europeu de Patentes (doravante "IEP") o pedido de patente internacional reivindicando a referida prioridade, que mais tarde deu origem à EP 608, sob o nº 944070.2 (PCT/FI00/00593) (cf. Doc. 2 da contestação, "Application number, filling date" e Doc. 3 da p.i.);

17 - A EP 608 reivindica a prioridade do pedido de patente FI 991.185, de 30.06.1999 (cf. Doc. 3 p.i e doc 2 contestação)

18 - Em 29.06.2000 foi apresentado pela AA o pedido de patente internacional reivindicando a referida prioridade, que mais tarde deu origem à EP 608, sob o nº 944070.2 (PCT/F100/00593) (cf. Documento 2 da contestação);

19 - Em 11.12.2000 foi apresentado pela AA pedido de exame preliminar do pedido internacional (cf. Docs. 3 e 4 da contestação);

20 - O pedido de patente internacional PCT/F100/00593 foi publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em 11.01.2001, tendo-lhe sido atribuído o número de publicação internacional WO 01/01984 Al (cf. Doc. 5 da contestação);

21 - Na mesma data, foi também publicado o relatório de pesquisa internacional do referido pedido (cf. Docs. 2 e 6 da contestação);

22 - Por referência ao mesmo pedido internacional (PCT/FI00/00593), o Instituto Europeu de Patentes ("EPO") emitiu, em 23.02.2001, "Opinião Escrita" (cfr. Doc. 7 da contestação);

23 - Em resposta à Opinião Escrita do EPO, a AA enviou, em 18.05.2001, um fax dirigido ao examinador do Instituto Europeu de Patentes C. Favos (cfr. Doc. 8 da contestação);

24 - Em 25.06.2001 foi enviado pelo EPO à AA o "Relatório de Exame Preliminar Internacional" (cfr. Doc. 9 da contestação);

25 - Em 11.12.2001 a AA requereu a entrada na fase regional europeia do pedido PCT/FI00/00593 (cf. Docs. 10 e 11 da contestação);

26 - Em 23.05.2002 foi emitida pela Divisão de Exame do EPO, ao abrigo do nº 2 do artigo 96 da Convenção da Patente Europeia de 1973, uma comunicação dirigida à AA relativa ao conteúdo da descrição, das reivindicações, e dos desenhos da EP 608 (cf. Doc. 12 da contestação);

27 - Nos termos dessa comunicação, a AA foi convidada pelo EPO a apresentar a sua resposta no prazo de 4 meses, com o objectivo de correcção das deficiências do pedido (cf. Doc. 12 da contestação);

28 - A AA apresentou, em 02.12.2002, a supradita resposta à comunicação da Divisão de Exame do EPO, juntando em anexo à mesma uma versão emendada do pedido de patente (cf. Doc. 17 da contestação);

29 - Dessa resposta resulta afirmado pela AA o seguinte: "Além disso, a Requerente descobriu surpreendentemente que a celulose microcristalina desestabiliza a composição quando todas as três substâncias activas, i.e., entacapona, levodopa e carbidopa, são combinadas. Este efeito desestabilizador da celulose microcristalina é inesperado uma vez que a celulose microcristalina provou ser um excipiente aceitável de acordo com o estado da técnica, e é amplamente usado em formulações farmacêuticas orais. De facto, a maior parte das formulações de levodopa e carbidopa disponíveis no mercado contêm celulose microcrislalina como veículo. Também as formulações de entacapona Comtess e Contam, que são as únicas formulações de entacapona no mercado, contêm quantidades consideráveis de celulose microcristalina"; "Também se descobriu que as composições compreendendo as três substâncias activas são incompatíveis com um número inesperadamente grande de outros excipientes farmacêuticos amplamente usados, tais como dióxido de silício, copolividorta, e tensioactivos como o polietilenoglicol, polisorbato, e lauril sulfato de sódio (cfr. página 10 da especificação). O armazenamento de longa duração da composição fica impedido pelas incompatibilidades descobertas" (cf. Doc. 17 da contestação, pág. 2 (último parágrafo) e pág. 3 (1º e 2º parágrafos);

30 - As afirmações supra são retornadas grosso modo na descrição da Patente (cfr. Doc. 3 p.i., pág. 8, 2º parágrafo da descrição, que corresponde ao 2º parágrafo da pág. 9 do texto da Certidão Revista);

31 - Em 14.01.2003 a AA foi informada pelo EPO da intenção de conceder a EP 608 (cf. Doc. 18 da contestação);

32 - Tendo sido emitida, em conformidade, a decisão final de concessão da EP 608 em 13.06.2003 (cf. Doc. 19 da contestação);

33 - A EP 608, tal como concedida pelo IEP, foi publicada no Boletim EP 2003/30, de 23.07.2003, sendo Portugal um dos países designados (cf. Doc. 3 p.i.)

34 - A tradução da EP 608 foi apresentada junto do INPI em 15.10.2003, e publicada no Boletim da Propriedade Industrial 12/2003, de 31.12.2003 (cf. Doc.3 p.i.)

35 - Em 27 de Novembro de 2013, a AA e a BB AG celebraram um acordo de confirmação de licença, nos termos do qual a AA concedeu à BB AG uma licença exclusiva de exploração, no território Português, dos direitos resultantes da EP 608, facultando à segunda, inter alia, o direito de desenvolver, registar, usar, preparar, produzir e vender o medicamento sob a marca comercial STALEVO®, incluindo o direito a conceder sublicenças a terceiros (cf. Doc. 4 p.i.)

36 - Tal acordo de confirmação de licença de exploração da Patente foi registado junto do INPI, conforme resulta da cópia certificada da certidão emitida pelo INPI (cf. Doc. 5 p.i.)

37 - Em 29 de Novembro de 2013, a BB AG e a CC FARMA celebraram um acordo, nos termos do qual a BB AG concedeu à CC FARMA uma sublicença de exploração, no território Português, dos direitos resultantes da EP 608, facultando à segunda, inter alia, o direito de desenvolver, registar, usar, preparar, produzir e vender o medicamento sob a marca comercial STALEVO (cf. Doc. 5 p.i.)

38 - Tal acordo de sublicença de exploração da Patente foi registado junto do INPI, conforme resulta da cópia certificada da certidão emitida pelo INPI (cf. Doc. 3 p.i.)

39 - A Patente contém 26 reivindicações de três tipos: reivindicações de composição, processo e utilização (cf. Doc. 3 p.i. e depoimento da testemunha HH [00:04:201);

40 - A reivindicação 16 é uma reivindicação de composição e abrange urna "composição sólida oral estável que compreende quantidades farmacologicamente eficazes de entacapona, levodopa e carbidopa, ou seus sais ou hidratas farmaceuticamente aceitáveis, e que compreende pelo menos um excipiente farmaceuticamente aceitável diferente de celulose microcristalina (redacção correspondente à Certidão Rectificada);

41 - A reivindicação 16 é uma reivindicação independente do produto;

42 - A reivindicação 26 é uma reivindicação de utilização e abrange a "Utilização de uma composição de acordo com qualquer das reivindicações 1 a 16 ou 24 a 25, tio fabrico de um medicamento para o tratamento da doença de Parkinson" (cf. Doc. 3 p.i.)

43 - Existia uma discrepância na redacção da Reivindicação 16 entre o texto na língua original da EP 608 e a sua tradução em Portugal, uma vez que na redacção original da Reivindicação 16 aparece o elemento "estável" que não constava da tradução portuguesa (cf. Documento 3 p.i., cfr. Documento junto ao requerimento das demandantes de 15 de Fevereiro, contendo versão inglesa da Patente e Certidão Rectificada): as demandantes apresentaram, em 20/1/2016, um pedido de rectificação da Patente junto do INPI, devendo para todos os efeitos ser considerado o texto da tradução portuguesa como revisto (cfr. Certidão Rectificada).

C - Do Medicamento de Referência

44 - A AA é a titular de AIM de medicamentos contendo a associação das substâncias activas levodopa/carbidopa/entacapona sob a marca Stalevo®, que são comercializados em Portugal pela CC FARMA (cf. Documentos 1 e 2 p.i. e Certidão Rectificada, descrição da Patente, páginas 17 e 18);

45 - Os medicamentos contendo a combinação de levodopa, carbidopa e entacapona como substâncias activas, sob a marca Stalevo®, obtiveram autorizações de introdução no mercado para as dosagens de 100 mg + 25 mg + 200 mg, 125 mg + 31.25 mg + 200 mg, 150 mg + 37.25 mg + 200 mg, 175 mg + 43.75 mg + 200 mg, 200 mg + 50 mg + 200 mg, 50 mg + 12.50 mg + 200 mg, 75 mg + 18.75 mg + 200 mg (comprimido revestido por película) (conforme cópia da informação constante da página electrónica do INFARMED e do respectivo Resumo das Características do Medicamento ("RCM") de cada uma das dosagens do STALEVO®, pág. 2, secção 2, cfr. Documentos 1 e 2 p.i.)

46 - O Stalevo® é indicado no tratamento de doentes adultos com doença de Parkinson e flutuações motoras de fim-de-dose cuja estabilização não é possível com tratamento com levodopa/inibidor da dopa descarboxilase (DDC) (cf. Doc. 2 p.i., Página 2, Secção 4.1);

47 - Os preços de venda ao público ("PVP") do Stalevo® antes da actualização que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 eram os seguintes (cfr. Doc. 1 p.i.):

48 - Os PVP do Stalevo® são actualmente os seguintes, tendo em consideração a actualização de preços em 1 Janeiro de 2016 (cfr. informação disponível em Infomed http:/lwww.infarmed.pt/infomed/lista.php?dci=&nome comer=c3RhhGV2bw. =&dosagem= &cnpem=&chnm=&forma farmac=&estado aim=&pesquisa titular=&cft=&grupo produto=&

tc=&disp=&pagina=l e depoimento da testemunha Maria Emília Pinto, minutos [00:17:16] a 00: 18:31

dosagem                      Embalagem      PVP

1Q0 mg+ 25 mp2+ 200_mg       100 un.       79,65 €

125 mg+ 31.25 mg + 200 mg   100 un.       84,62 €

150mg+37.5 mg+200mg               100un.        82,23 €

175 mg+ 43.75 mg+200mg       100 un.       N/A

200 mj+ 50 mg + 200 mg       100 un.       86.08 €

50 mg+ 12.5 mg + 200 mg 30 un., 100_un. 25,03 €, 76.80 €

75 mg+ 18.75 mg + 200 mg         100un.        81.72 €

49 - Cada comprimido de STALEVO® contém uma dose completa de levodopa com as quantidades correspondentes de carbidopa e entacapona para melhoria da sua eficácia. A dose de Stalevo® que deve ser usada pelo doente está baseada na quantidade de levodopa que necessita para controlar os seus sintomas (cf. RCM, Doc. 2 p.i. páginas 2 e 3);

50 - Os doentes que estão a ser presentemente tratados com entacapona (Comtan®/Comtess®) e formulações de libertação normal de levodopa/carbidopa (por ex., Sinemet) em doses iguais às doses dos comprimidos de Stalevo© podem ser transferidos directamente para os comprimidos de Stalevo correspondentes (cf. RCM, Doc. 2 p.i., páginas 2 e 3 e depoimento da testemunha Dr. GG, a minutos [00:14:19] a [00:22:46] e minutos [00:23:28] a 100:28:461);

51 - O medicamento Stalevo© não utiliza celulose microcristalina como excipiente (cfr. o depoimento da testemunha II, minutos [00:43:33] a [00:43:51] e JJ [00:28:24] a [00:28:43]);

D — Dos medicamentos genéricos da Demandada

52 - Os Genéricos Levodopa + Carbidopa + Entacapona Labesfal (doravante simplesmente designados por "Genéricos Labesfal") são composições sólidas contendo quantidades farmacologicamente eficazes de entacapona, levodopa e carbidopa (cf. Docs 6, 7 e 10 p.i.)

53 – A 23/4/2014, o INFARMED publicitou na lista “Publicação para efeitos do art. 15-A DL 176/2006 de 20/8”, disponível na sua página electrónica, os seguintes pedidos de AIM para medicamentos contendo a combinação de levodopa, carbidopa e entacapona como substâncias activas, requeridos pela Labesfal, nos termos adiante indicados (cfr. certidões do Infarmed, doc. 6 p.i.)

54 - Às AIMs em apreço foram atribuídos os seguintes números de processo: (…).

55 - De acordo com a informação disponível no INFOMED (base de dados do INFARMED contendo informação sobre AIM concedidas, disponível no seguinte endereço: http://www.infarmed.ptlinfomedlinicio.php), as AIMs indicadas supra foram concedidas em 24 de Outubro de 2014 (cfr. prints do INFOMED, cfr. Doc.7 p.i.)

56 - Tal como resulta da informação publicada pelo INFARMED, o Stalevo é o medicamento de referência dos medicamentos genéricos objecto dos pedidos de AIM (e das respectivas AIM entretanto concedidas) indicados supra (cfr. Doc. 6 p.i.);

57 - Os Genéricos DD são indicados no tratamento de doentes adultos com doença de Parkinson (conforme consta do ponto 4.1. do RCM dos Genéricos DD, anexo à Certidão do INFARMED de 15 de Maio de 2014, cfr. Doc. 10 p.i.).

58 - Os Genéricos DD contém celulose microcristalina como excipiente farmaceuticamente aceitável na sua composição, bem como crospovidona (tipo B), povidona K30, estearato de magnésio, citrato de sódio, entre outros, de acordo com o Módulo 3.2.P.1. do dossier entregue com os pedidos de AIM dos autos, junto à certidão emitida pelo INFARMED datada de 15 de Maio de 2014 e o RCM aprovado para os genéricos dos autos, ponto 6.1. (cf. Doc. 10 p.i , Doc. 27 da contestação, Relatório da perícia, resposta à questão 1.b) e Relatório da perícia 2, ponto 5, Parecer junto como doc. 28 da Contestação, respostas às questões 5 e 6);

59 - A análise laboratorial levada a cabo pelo laboratório inglês KK levou à conclusão que nos comprimidos de levodopa + carbidopa + entacapona DD, a carbidopa não se encontra separada das demais substâncias activas - levodopa e entacapona -, ou, pelo menos, não se encontra separada da levodopa (Cfr. pontos 7 e seguintes do relatório da perícia 1);

60 - A mesma conclusão foi obtida no âmbito da perícia 2, onde foram analisados os módulos 3.2.P.2 (Desenvolvimento farmacêutico) e 3.2.P.32 (Fórmula de fabrico) do dossier farmacêutico dos medicamentos Genéricos DD (cf. respostas às questões 4 e 9, págs. 8 e 12 a 14 do relatório pericial, respectivamente);

61 - De acordo com os módulos 3.2.P.1 e 3.2.P.3.3. que fazem parte integrante do dossier de aprovação dos medicamentos genéricos referente às AIMs dos autos, os medicamentos Genéricos DD apresentam-se na forma de comprimidos de duas camadas, revestidos, em que: O) a primeira camada contém levodopa e carbidopa e os seguintes excipientes: celulose microcristalina, povidona, crospovidona, estearato de magnésio e álcool isopropílico; (ii) a segunda camada contém entacapona e os seguintes excipientes: povidona, crospovidona, citrato de sódio, estearato de magnésio e água purificada (cfr. doc. 10 da p.i. (módulos 3.2.P1) e docs, 27 (módulos 3.2.P3.3. do dossier de aprovação dos Genéricos Labesfal) e 28 da contestação).

62 - Os Genéricos DD são produzidos de acordo com o dossier técnico submetido ao INFARMED com os pedidos de AIM’s objecto da presente acção arbitral (cfr. documento 10 junto com a petição inicial e documento 27 junto com a Contestação; depoimento da testemunha LL, minutos [00:18:22] a [00:19:00]);

63 - MM, Ltd. fabrica produtos farmacêuticos contendo levodopa, carbidopa e entacapona sob a forma de uma composição oral sólida (cfr. depoimento da testemunha Samil Sha [00:07:46]);

64 - A MM, Ltd. fornece os medicamentos genéricos à Demandada, produzidos de acordo com o dossier 3.2.P.3.2 (Fórmula de. fabrico), que descreve o processo de fabrico do produto em causa (cfr. Doc. 27 da contestação e depoimento das testemunhas NN [00:08:56] e LL [00:18:19] a [00:19:00]);

65 - Em Fevereiro de 2016, a DD, requerente e titular das identificadas AIM’s, realizou a transferência destas AIMs a favor da sociedade EE, o que motivou a subsequente habilitação daquela nos presentes autos como Demandada (cfr. Docs 1 a 8 juntos com o requerimento de habilitação, de 26 de Fevereiro de 2016);

66 - A EE é a actual titular das AIM’s dos medicamentos Genéricos DD, contendo as substâncias activas levodopa, carbidopa e entacapona, sob a forma farmacêutica de comprimidos revestidos por película, nas dosagens: 50 mg + 12,5 mg + 200 mg; 75 mg +18,75 mg + 200 mg; 100 mg + 25 mg + 200 mg; 125 mg + 31,25 mg + 200 mg; 150 mg +37,5 mg + 200 mg; 200 mg + 50 mg + 200 mg (cfr. documentos 6 e 7 p.i. e documentos 1 a 8 juntos com o requerimento de habilitação, de 26 de Fevereiro de 2016);

E - Da comercializarão dos medicamentos genéricos

67 - Os Genéricos DD estão a ser comercializados em Portugal (cfr. Docs. 1 a 6 junto com o requerimento de ampliação do pedido das Demandantes, de 15.10.2015 e depoimento das testemunhas NN, [00:10:18], OO [0024:15], PP [00:05:33]);

68 - A Demandada encontra-se a comercializar os Genéricos DD nas dosagens de 50 mg + 12,5 mg + 200 mg, 75 mg + 18,75 mg +200 mg, 100mg + 25 mg + 100 mg, 125 mg + 31.25 mg + 200 mg e 200 mg + 50 mg +200 mg desde o dia 1 de Janeiro de 2015 (cfr. depoimento da testemunha PP, [00:05:27] a [00:05:39] e Docs. 1 a 6 juntos aos autos pelas Demandantes em 15 de Janeiro de 2015 e INFOMED);

 69 - A dosagem de 150 mg + 37.5 mg + 200 mg encontra-se a ser comercializada desde o dia 1 de Janeiro de 2016 (cfr. Depoimento da testemunha PP, minutos [00:05:39] a [00:06:30]);

70 - A informação quanto à data de comercialização resulta dos dados recolhidos pela empresa IMS Health ("IMS") (cfr. depoimentos das testemunhas PP, [00:10:08] a [00.10:50] e QQ [00:29:47] a [00:30:08]);

71 - O IMS é uma empresa multinacional que opera em vários países, entre os quais Portugal, e que recolhe e trata a informação relativa a vendas de produtos farmacêuticos dos armazenistas para a farmácia, constituindo uma referência para a indústria farmacêutica, que pode por esta via aceder às vendas dos produtos concorrentes (cfr. depoimento da testemunha PP [00:10:15] e da testemunha QQ [00:29:55]);

72 – Os dados da IMS são de livre acesso pelo público (cfr. depoimento da testemunha PP [00:13:47] e da testemunha QQ 100:30:05]);

73 - Os PVP dos Genéricos DD são os seguintes (cfr. depoimento da testemunha PP [00:08:56] a [00:10:02] e da testemunha QQ, [00:33:10] e a [00:33:33] e INFOMED):

- 50 mg + 12,5 mg + 200 mg, 30 unidades: C17.11; 100 unidades: C41.98

- 75 mg + 18,75 mg + 2011 mg, 100 unidades: C46.51

- 100mg + 25 mg + 100 mg, 100 unidades: C42.42 • 125 mg + 31.25 mg + 200 mg, 100 unidades: C47.54

- 150 mg + 37.5 mg + 200 mg, 100 unidades: C45.31

- 200 mg + 50 mg + 200 mg, 100 unidades: C50.92

F — Da composição do invento como objecto de protecção da EP 608

f.1. O estado da técnica na data da prioridade (Junho de 1999)

74 – À data da prioridade da Patente, a levodopa e um inibidor da DDC eram administrados como produtos de combinação (cfr. Doc. 3 p.i. “Antecedentes do Invento", e depoimento da testemunha GG [00:19:531);

75 - Nessa data, os produtos de combinação de levodopa / carbidopa estavam disponíveis comercialmente como comprimidos de combinação vendidos na Europa sob diversas marcas comerciais, tais como Sineme @ e Sinemet® Plus (cfr. Doc. 3 p.i., "Antecedentes do Invento");

76 - A data da prioridade da Patente a entacapona era administrada como uma terapêutica adjuvante à terapêutica da combinação de levodopa/inibidor da DDC (carbidopa), indicada especificamente para os doentes com doença de Parkinson que sofriam da deterioração de "fim de dose" e que não podiam ser estabilizados com a terapêutica de combinação levodopa/ carbidopa (depoimento da testemunha GG [00:22:04] a [00:22:07]);

77 – À data da prioridade da EP 608, a celulose microcristalina era um excipiente conhecido e amplamente aceite em composições sólidas orais sendo, nomeadamente, usado em composições sólidas de carbidopa e levodopa bem como em composições sólidas de entacapona (cfr. depoimento da testemunha Samil Sha [00:13:53]);

78 - De acordo com a descrição da EP 608:

"A maior parte das formulações de levodopa - carbidopa disponíveis no mercado contém como excipiente celulose microcristalina. De igual modo, as formulações de entacapona CONTESS e COMTAN, que recentemente se tomaram disponíveis na Europa, contém quantidades consideráveis de celulose microcristalina. Na arte anterior, a celulose microcristalina parecia ser um excipiente aceitável" (cfr. pág. 9, 2." parágrafo da Certidão Rectificada);

f.2. O problema técnico

79 - O problema que o inventor pretendeu resolver foi colocar os três componentes activos num único comprimido de forma à toma ser possível e de forma à biodisponibilidade não ser comprometida, o comprimido ser estável e ser fácil de ingerir (cfr. depoimento da testemunha RR [00:35:37]);

80 - Deste modo, a Patente visou solucionar os seguintes problemas:

a) Adesão à terapêutica: pretendeu aumentar a simplicidade da toma, diminuindo o número de comprimidos que os doentes teriam que tomar para tratar a sua doença (cfr. pág. 2 da Certidão Rectificada) e depoimento da testemunha GG [00:24:06] a [00:26:37]);

b) Dimensão do produto: Um dos problemas seria conseguir juntar as três substâncias num único comprimido que tivesse dimensões adequadas (cfr. depoimento da testemunha II [01:32:32] e pág. 15 da Certidão Retificada2);

c) Biodisponibilidade: Foi descoberto que a absorção da levodopa, carbidopa e da entacapona a partir do aparelho digestivo é altamente variável, sendo por isso difícil harmonizar os níveis de absorção dos três agentes activos a partir de uma única composição sólida oral (cfr. depoimento da testemunha II [00:30:45] e págs. 2 e 6 da Certidão Rectificada);

d) Estabilidade: Foi descoberto que muitos dos excipientes normalmente utilizados não são adequados para utilização em composições sólidas orais contendo entacapona, levodopa e carbidopa (cfr. págs. 9 e 10 da Certidão Rectificada);

e) Em particular, não sendo conhecido qualquer efeito desestabilizador da celulose microcristalina, que não seria óbvio, nem expectável, dado que a celulose microcristalina estava no mercado e era usada em quantidades consideráveis nas substâncias separadas, foi surpreendente que os requerentes da EP 608 tenham descoberto um potencial efeito desestabilizador da celulose microcristalina (cfr. depoimento da testemunha II, [00:26:48] a [00:32:27] e [00:41:09] a [00:42:47] e [00:52:56] a [00:53:10] e [00:06:56] a [00:08:01] e testemunha SS [00:13:53]);

f) O uso da celulose microcristalina na composição do medicamento tem por efeito a instabilidade das formulações em armazenagem de longa duração (cfr. págs. 9 e 10 da Certidão Rectificada);

g) A escolha dos excipientes farmacêuticos não era óbvia, tendo em conta a necessidade de assegurar a biodisponibilidade dos agentes activos, por um lado, bem como a estabilidade da composição, por outro lado (cfr. págs. 9 e 10 da Certidão Rectificada);

f.3. A Solução

81 - O problema técnico pode ser resolvido mediante a obtenção de uma única composição sólida oral, definida em pormenor nas reivindicações da EP 608, e implica que demonstre estabilidade e biodisponibilidade suficiente das três substâncias activas, aumente o cumprimento da terapêutica pelos

82 - No que respeita à adesão à terapêutica, o Stalevo permitiu aumentar a simplicidade da toma e a consequente compliance do tratamento por parte dos doentes (cfr. depoimento da testemunha GG [00:24:06] a [00:26:37]);

83 - No que respeita à dimensão do produto, foi possível encontrar um tamanho adequado à toma (cfr. pág. 17 da Certidão Rectificada);

 84 - No que respeita à biodisponibilidade, foram levados a cabo estudos intensivos para que fosse possível aumentar a biodisponibilidade da carbidopa, sem que, ao mesmo tempo, fosse colocada em causa a estabilidade do invento (cfr. págs. 7 a 9 e 18 a 23 da Certidão Rectificada);

85 - Na Patente estão descritos testes de absorção dos três agentes activos a partir da mesma composição sólida oral, que correspondem ao Exemplo 1, formulações 1 e 2, Exemplo 2, formulações 3 e 4 e Exemplo 3, formulações 5 e 6 (cfr. págs. 7 e 18 a 23 da Certidão Rectificada);

86 - O Exemplo 1 é designado de "primeiro estudo piloto de absorção" e compreende os estudos de absorção das formulações 1 e 2 (cfr. pág. 19 da Certidão Rectificada);

87 - Na formulação 1 foi utilizado como excipiente a celulose microcristalina; contudo a biodisponibilidade da carbidopa foi considerada demasiado baixa quando comparada com a do produto de referência (cfr. pág. 7 da Certidão Rectificada);

88 - Na formulação 2 foi utilizado como excipiente a celulose microcristalina; contudo verificou-se que o polietilenoglicol provoca problemas de estabilidade (cfr. pág. 7 e 15 da Certidão Rectificada);

89 - O Exemplo 2 diz respeito a "exemplos de formulações [3 e 4] adequadas de comprimidos de 200/100/25 mg de entacapona/levodopa/carbidopa" (cfr. pág. 20 da Certidão Rectificada);

90 – Nas formulações 3 e 4 não foi utilizado como excipiente a celulose microcristalina (cfr. págs. 21 e 22 da Certidão Rectificada);

91 - No que respeita à estabilidade, o invento aponta, como causadores de instabilidade, os excipientes celulose microcristalina e/ou agentes tensioactivos e/ou silíca coloidal (cfr. Certidão Rectificada, págs. 9 e 10);

92 - De acordo com estes ensinamentos da Patente, o perito na matéria estaria desincentivado a utilizar a celulose microcristalina como excipiente uma vez que a mesma provoca instabilidade (cfr. depoimento das testemunhas RR [00:55:26] e JJ [00:28:43]);

93 - Uma composição farmacêutica estável significa que mantém as características físico-químicas das suas propriedades durante o respectivo prazo de validade (cfr. depoimento da testemunha II [00:48:41] a 100:52:30));

94 - Para o perito na área à data da prioridade o conceito "estável" constante da Reivindicação 16 da Patente dizia respeito a uma estabilidade de armazenamento de longa duração (cfr. depoimentos das testemunhas II [00:48:41] a [00:52:30], JJ [00:30:49], RR [01:38:21], [01:40:24], [01:42:57] a [01:45:01] e SS [00:17:34] a [00:18:29], muito embora a testemunha RR diga que o conceito não é absolutamente claro e a testemunha HH [01:15:47] se refira a estabilidade de curto prazo). Conjugando os vários testemunhos apresentados bem como os elementos que se extraem da própria patente, designadamente a págs. 2, 7, 9 e 15, que se referem de forma consistente a estabilidade em armazenamento ou de longa duração, o Tribunal ficou convencido que a estabilidade a que se refere a Descrição da Patente é uma estabilidade de longo prazo;

95 - O ensinamento da Patente relativo à celulose microcristalina faz parte da inventividade da Patente no que respeita à Reivindicação 16 (cfr. testemunha JJ [00:20:19]);

96 - Numa composição sólida oral, sob a forma de cápsula, é possível ter apenas um excipiente (cfr. depoimento da testemunha II [01:02:29] a [01:02:33] e Certidão Rectificada ao referir que, "apesar das diversas incompatibilidades encontradas, a composição sólida oral de acordo com o invento pode ainda ser surpreendentemente preparada utilizando poucos excipientes compatíveis, isoladamente ou dois ou mais em conjunto" cfr. Certidão Rectificada, pág.11);

G – Do impacto nas vendas da entrada no mercado dos Genéricos DD

97 - A actividade do Grupo BB/CC consiste no comércio e indústria de produtos farmacêuticos, dedicando-se à actividade de investigação e desenvolvimento de produtos farmacêuticos (cfr. depoimento da testemunha PP [00:02:44] a [00:02:47]);

98 - Existem outras 3 empresas que estão a comercializar medicamentos genéricos contendo a tripla combinação de substâncias activas entacapona, levodopa e carbidopa (cfr. depoimento da testemunha OO [00:24:32], que referiu que a DD não é a única empresa a comercializar medicamentos com estas substâncias activas, tendo-se referido à EE, à TT, S.A. e à UU, S.A.; consultando a base de dados do INFARMED, o INFOMED, é possível ter livre acesso a informação de outras empresas de genéricos que se encontram a comercializar estes medicamentos);

99 - O preço de venda dos Genéricos DD é inferior em cerca de 50% ao preço de venda do medicamento Stalevo (cfr. depoimento da testemunha PP, [00:21:51]);

100 - Em Janeiro de 2015 as vendas do Stalevo® em Portugal situaram-se no valor de € 396.691,00 (cfr. depoimento das testemunhas PP, Audiência [00:25:00] e QQ, minutos [00:41:21] a [00:41:31]);

101 - Em Janeiro de 2016, as vendas do Stalevo® em Portugal situaram-se no valor de C 167.336,00 (cento e sessenta e sete mil trezentos e trinta e seis mil euros) (cfr. depoimento da testemunha PP, Audiência [00:25:00] e QQ, minutos [00:41:21] a [00:41:31]);

102 - O valor de vendas registado pela Demandada desde 1 de Agosto de 2015 até final de Fevereiro de 2016 foi de € 69.101,00 (sessenta e nove mil cento e um euros), de acordo com os dados recolhidos pela IIMIS (cfr. depoimento das testemunhas PP [00:14:02] e [00:21:05] a [00:21:20] e QQ [00:35:28] a [00:35:44]);

103 - Os Genéricos DD causaram uma erosão nas vendas do medicamento Stalevo® (cfr. depoimento das testemunhas PP, minutos [00:11:09] a [00:12:54] e QQ [00:33:40] a [00:34:22]; muito embora as testemunhas tenham declarado que o impacto no decréscimo das vendas do medicamento Stalevo® das Demandantes resultante do lançamento prematuro dos genéricos da Demandada consubstanciou um prejuízo imediato na ordem dos €120.000,00 (cento e vinte mil euros) imputáveis à Demandada o que corresponde a 12,4% do mercado total do produto, a verdade é que esta não passa de uma prova meramente indiciária que não permite ao Tribunal formar uma convicção suficiente quanto à demonstração deste prejuízo por duas razões: não foram apresentadas as margens de lucro aplicáveis à comercialização do Stalevo® e 5 outras empresas iniciaram também a sua comercialização de genéricos com a tripla combinação destas substâncias activas. Em suma, por forma a demonstrar o nexo de causalidade e a medida do eventual impacto do início das vendas dos Genéricos DD e os prejuízos directos das Demandantes seriam necessários mais elementos de prova que não foram carreados para os autos);

104 - A estes prejuízos acrescem os prejuízos para as Demandantes decorrentes da inevitável alteração do seu planeamento e estratégia comercial, com previsíveis modificações estruturais na organização comercial e de recursos humanos da companhia, prejuízos esses que são inquantificáveis (cfr. depoimento da testemunha PP (00:11:23).


+


2.2. O Direito.


Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:  

- Questão prévia.

- Nulidade do acórdão recorrido;

- Violação dos direitos decorrentes da patente da autora;

- Proibição de transmissão das AIM´s pela ré;

- Aplicação da sanção pecuniária compulsória;

- indemnização por violação daqueles direitos.


2.2.1. Questão prévia.


Antes de entrar no conhecimento de mérito de cada uma das referidas questões, importa saber se o recurso de revista é admissível, sobre o que as partes se pronunciaram no recurso e na resposta ao recurso, não sendo caso de as notificar novamente para o efeito – art. 3.º, n.º 3, 130.º, e 655.º, n.º 1, todos do CPC.

Assim.


O litígio a resolver insere-se nos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, pelo que está submetido ao regime de composição destes litígios instituído pela Lei n.º 62/2011, de 11-12 – arts.º 1.º e 2.º.


Este regime prevê que “Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo” – art. 3.º, n.º 7.


A conjugação da expressão “cabe recurso para o Tribunal da Relação” com (1) a expressão “direito a uma instância de recurso” constante da exposição de motivos do diploma; (2) a finalidade de, por via do regime criado, se lograr a célere resolução de litígios desta natureza; e, (3) os casos paralelos de (idêntica) restrição à recorribilidade para o STJ de decisões proferidas em matéria de propriedade industrial – art. 46.º, n.º 3, do CPI – e em sede de arbitragem voluntária – art. 59.º, n.º 1, al. g), da LAV, conduzem ao sentido, na hermenêutica jurídica da norma – art. 9.º do CC, de que não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral[1].


E que, acrescidamente, não enferma de inconstitucionalidade material, mormente por violação do disposto no art. 20.º da CRP – Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva –, como assacada pelo recorrente, visto que o direito de recurso em um grau está assegurado – arts.º 210.º, n.ºs, 1 e 4, e 21.º, n.º 2, ambos da CRP, mostra-se limitado por razões objectiva a racionalmente fundadas – repita-se, a celeridade do procedimento, e a exigência constitucional de um duplo grau de jurisdição confina-se ao processo penal art. 32.º, n.º 1, do CRP[2]

O entendimento exposto da regra da irrecorribilidade do acórdão da Relação que recaia sobre decisão arbitral tomada ao abrigo do diploma em análise, tem sido mitigada ou temperada com a excepção da recorribilidade nos casos de verificação, subordinada, a montante, ao cumprimento do ónus de alegação necessário, de alguma das situações, previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, em que o recurso para o STJ é sempre admissível – Acórdãos de 02.02.2017, processo n.º 393/15.5YRLSB.S1. e de 25-05-2017, processo n.º 17/15.0YRLSB.S1 (que teve por relator e adjunto os adjuntos deste acórdão), ambos in www.dgsi.pt.


Dentre elas, conta-se a contradição do acórdão da Relação com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada da Relação – al. d) – em que a recorrente arvorou, subsidiariamente, a admissibilidade do recurso.


A teleologia ou justificação da admissibilidade do recurso na verificação da contradição de julgados é tanto evidente como convincente: permitir que o mais alto Tribunal da hierarquia dos tribunais judiciais possa dirimir conflitos de jurisprudência travados na 2.ª instância, cumprindo, dessa forma, a sua tarefa de esclarecimento, pacificação e segurança jurídicas.


Alinhando com a posição da recorribilidade excepcional para o STJ naqueles casos, seguem-se dois escrutínios: (1) se o recorrente alegou a contradição de julgados quanto a todas ou quanto a uma das questões de direito suscitadas no recurso, depurando o recurso à questão ou questões versadas na contradição; e (2) se a contradição de julgados quanto à questão ou questões de direito versadas existe.


Vejamos assim por partes.


(1) A leitura das alegações e conclusões do recurso evidencia, sem margem para equivocidade, que a recorrente alegou existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (de que juntou certidão de teor integral e de trânsito, fls. 2225 a 2244) quanto à questão apenas da proibição de transmissão dos pedidos de AIM´s em que fora condenada (questão enunciada sob o n.º 8.1.3).

São elucidativas, a propósito, as seguintes afirmações produzidas nas conclusões:

19) O recurso é igualmente fundamentado na contradição da parte do decisório que condenou a Recorrente a não transmitir a AIM do medicamento genérico até à caducidade da EP'608 com o que foi julgado no acórdão do Tribunal da Relação de … já transitado em julgado, de 07.03.2017, tirado no processo n.° 470/15.2YRLSB. (…)

24) A interposição do presente recurso de revista é ainda admissível nos termos do artigo 629.°, n.° 2, alínea d) do CPC, por a decisão do Tribunal a quo estar em frontal oposição como acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, 1.a Secção, proferido no âmbito do processo 470/15.2YRLSB em 07.03.2017.(…)

26) A semelhança do que sucede no acórdão recorrido, no acórdão fundamento discutiu-se se a condenação na abstenção de comercialização de um medicamento genérico por se ter entendido que o mesmo infringe direitos de propriedade industrial legitima a condenação acessória no pedido de proibição da transmissão da AIM do medicamento genérico julgado infractor, tendo-se chegado a uma conclusão oposta…)

29) O acórdão fundamento deliberou que a titularidade de uma AIM de medicamento genérico não infringe qualquer direito de propriedade industrial e que por isso a condenação na proibição da transmissão da AIM do medicamento genérico carece de fundamento legal, enquanto no acórdão recorrido se decidiu em sentido contrário, ou seja, pela condenação da Recorrente, titular da AIM do medicamento genérico considerado infractor, a não transmitir a AIM dos medicamentos em causa nos autos até à caducidade da patente das Recorrida”.


Como a recorrente esclarece, a contradição de julgados, a existir, situa-se apenas quanto a parte do decisório.


Ora, não se encontrando as outras questões recursivas numa relação de dependência do julgamento da questão sobre a qual foi alegada existir contradição de julgados (8.1.3), cabe concluir pela irrecorribilidade da revista do acórdão da Relação quanto a elas, identifiquem-se, as questões da (8.1.2.) violação dos direitos decorrentes da patente titulada pela autora, da (8.1.4) aplicação da sanção pecuniária compulsória e da (8.1.5) indemnização por violação daqueles direitos.


Escapa a esta irrecorribilidade, por ora, a questão das nulidades assacadas ao acórdão recorrido (8.1.1.), porquanto a admissibilidade (em aberto) do recurso de revista quanto à questão sobrante da condenação na proibição de transmissão dos pedidos de AIM`s (8.1.3.) ditará o conhecimento necessário das mesmas – artsº 615.º, n.º 4, 666.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. c), e 684.º, todos do CPC.


(2) A contradição de julgados como fundamento de admissibilidade de recurso pressupõe, como tem sido entendido una voce na jurisprudência deste tribunal, que os dois arestos tenham tomado decisões expressamente opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, num quadro factual essencialmente idêntico e no domínio do mesmo acervo normativo aplicável.

Fazendo o cotejo do acórdão fundamento e do acórdão recorrido, constatamos que sobre a mesma questão fundamental de direito, a questão expressa de saber se no quadro da violação dos direitos da patente da autora pelos pedidos de AIM apresentados pela ré, se segue a condenação, pedida, na obrigação de a ré não transmitir esses pedidos a terceiros, e sobre um idêntico quadro factual provado – titularidade de patente pela autora e comercialização de dado medicamento de referência; pedido de AIM apresentado pela ré tendo em vista um medicamento genérico de composição potencialmente semelhante à daquele –, os acórdãos tomaram posições expressas contrárias e na vigência do mesmo quadro legal: no acórdão fundamento (fls. 2226 a 2244), entendeu-se que a proibição de transmissão de AIM não tem fundamento legal e absolveu-se a ré desse pedido; no acórdão recorrido (fls. 2093 a 2192), pelo contrário, seguiu-se o entendimento que a proibição de transmissão de AIM tem fundamento legal e condenou-se a ré no pedido correspondente.

A contradição é expressa e frontal quanto à referida questão, pelo que se impõe admitir o recurso nessa parte (arrastando, por consequência, a questão prévia da nulidade do acórdão).


Posto isto, procedamos ao tratamento autonomizado das duas questões admissíveis conhecer no recurso de revista: a nulidade do acórdão recorrido (8.1.1.) e a proibição de transmissão dos pedidos de AIM`s.(8.1.3.).


+


2.2.2. Nulidade do acórdão recorrido.


A recorrente considera que o acórdão recorrido é nulo, por duas razões:

 - Por ter ignorado factualidade dada como provada (factos 40 a 42,46, 51, 58, 77, 79 a 81, 91 a 95) na interpretação do âmbito de protecção da patente da autora, em face do que existe oposição entre os fundamentos e a decisão – art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC;

- Por ter ditado uma solução de direito que pressupõe uma interpretação da patente não sustentada nos factos provados, o que equivale dizer que a mesma está em oposição com a fundamentação de facto, sendo por isso nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC (fls. 2201, vso.).


Embora a recorrente refira também o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC para sustentar a nulidade do acórdão recorrido, em passo algum afirma ocorrer a previsão normativa correspondente, ou seja, que o acórdão não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão.

A nulidade assacada reduz-se ao caso previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, traduzido na oposição ou desarmonia lógica entre os fundamentos e a decisão, a que entende reconduzir-se o caso de a decisão jurisdicional ignorar parte da factualidade provada e chegar a solução de direito que nela não colhe fundamento de facto suficiente.

Lavra aqui a recorrente numa incompreensão dos limites da referida nulidade: o caso nela sancionado é o do erro na construção do silogismo judiciário, traduzido na incompreensão lógica de os fundamentos, de facto e de direito, tidos por relevantes segundo o acórdão recorrido (e não pelos recorrentes …), inculcarem um sentido decisório oposto ou diverso do proferido. Erro de julgamento este que, embora constitua fundamento do recurso de revista – art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC, não pode ser aqui requestado e sindicado, visto operar a referida regra da irrecorribilidade do acórdão recorrido perante o STJ – art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, e não ter sido alegada contradição de julgados que a excepcione – art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.


Pelo que, sem mais, improcede a nulidade apontada ao acórdão recorrido.


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2.2.3. Proibição de transmissão dos pedidos de AIM’s.


A questão já foi tratada neste Tribunal, em acórdão de 20-05-2015, proferido na Revista n.º 747/13.1YRLSB. S1 (consultável em http://www.dgsi.pt, /jstj.nsf/-09298597858C0EA80257E4B00540124), de que o ora relator foi 1.º adjunto.

Aí se sustentou o seguinte, com o que inteiramente se concorda (sendo nosso o sublinhado):

“Não obstante, atenta a delimitação do objecto do recurso, o nó górdio centra-se em saber se esse exclusivo lhe confere o direito de exigir que as demandadas não transmitam a terceiros a autorização de introdução no mercado (AIM) dos referidos genéricos, concedida pelo INFARMED – e que consubstancia o 2.º pedido formulado pelas requerentes.

(…)

A introdução no mercado nacional de medicamentos para uso humano está sujeita a autorização por parte do INFARMED. Essa autorização depende do preenchimento de requisitos atinentes à qualidade, segurança e eficácia terapêutica do medicamento, tendo como objectivo primordial a protecção da saúde pública.

É isto que resulta do art.14º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo DL n.º 176/2006, de 30-08, com alterações introduzidas pelo DL n.º 182/2009, de 07-08, DL n.º 64/2010, de 09-06, DL n.º 106-A/2010, de 01-10, Lei 25/2011, de 16-06, Lei n.º 62/2011, de 12-12, Lei n.º 11/2012, de 08-03, DL n.º 20/2013, de 14-02, DL n.º 128/2013, de 05-09 e Lei n.º 51/2014, de 25-08.

A efectiva entrada no mercado dos medicamentos genéricos pressupõe que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham caducado.

Mas a questão coloca-se em saber se não obstante a patente do medicamento de referência não ter caducado, pode ou não ser requerida a AIM de um medicamento genérico.

Posto isto, e quanto à autorização de introdução do medicamento no mercado, já em tempos foi defendido que o exclusivo de comercialização concedido pela patente conferia ao seu titular o direito de impedir terceiros de praticar actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização do produto objecto da patente, designadamente de dar início ao processo administrativo de AIM e, numa fase posterior, de obter a fixação do preço.

E tanto assim foi que a apresentação do pedido de AIM de medicamentos genéricos respeitantes a medicamentos de referência com patentes ainda em vigor, por vezes ainda com anos de vigência pela frente, desencadeou a reacção dos laboratórios dos medicamentos de referência, que invocaram quer junto das autoridades administrativas responsáveis pela concessão de AIM e fixação de preço, quer junto dos tribunais, uma violação ou ameaça de violação dos seus direitos de propriedade industrial. Esse fenómeno ganhou dimensão relevante, nomeadamente em Portugal, merecendo até menção por parte da Comissão Europeia no Relatório Final do Inquérito do Sector Farmacêutico.

E nesse mesmo Relatório da Comissão Europeia, na parte respeitante ao Mercado Farmacêutico, considera-se que o denominado patente “linkage”, ou seja a pretensão de conexão entre a concessão de AIM ou de qualquer aprovação administrativa de um medicamento genérico e o estado da patente do medicamento de referência, é contrária à legislação comunitária, nomeadamente face ao disposto no art.126º da Directiva 2001/83/CE.

Com efeito, a defender-se tal concepção, o que ocorreria, na prática, seria o extremo de se permitir defender que só poderia ser pedida uma AIM após a patente caducar! Assim se conferindo ao titular da patente, entretanto caducada, um novo monopólio (do decurso do prazo dos procedimentos administrativos), sem qualquer suporte jurídico – cf. art. 23.º do Estatuto do Medicamento, do qual consta que o INFARMED tem até 210 dias para decidir sobre o pedido de concessão de AIM.

Por isso, somos do entendimento que podem terceiros dar inicio à prática de actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização de produto objecto da patente, antes mesmo desta caducar (…).

De facto, a Lei nº 62/2011, de 12-12, ao introduzir alterações ao Estatuto do Medicamento, aditou igualmente um art.23º-A, no qual expressamente se declara que o pedido que visa a obtenção de inclusão do medicamento na comparticipação não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, e que a decisão a proferir sobre a inclusão ou exclusão de medicamento na comparticipação não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.

Acresce ainda que, o art.179º do mesmo Estatuto do Medicamento, respeitante à suspensão, revogação ou alteração de autorização ou registo concedido ao abrigo do diploma se passou a prever expressamente que «A autorização ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial» - cf. n.º 2.

Aliás, nesse mesmo sentido apontava já a Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06-11-2011, a Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31-03-2004 e o Regulamento (CE) n.º 726/2004 de 31-03-2004, entretanto alterado pelo Regulamento (CE) 1901/2006 de 12-12-2006, que instituiu uma Agência Europeia de Medicamentos e onde se estipula que «uma autorização de introdução no mercado de um medicamento em conformidade com o presente regulamento só pode ser concedida, recusada, alterada, suspensa, retirada ou revogada em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas no presente regulamento».

Ou seja, em todos estes diplomas não se faz, assim, depender a concessão de AIM no mercado da inexistência de direitos de patentes vigentes que pudessem ser por ela afectados.

Posto isto resulta evidente a verificação, e subsequente afirmação, de que para o legislador, sem qualquer distinção, a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui por si violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo assim em nenhuma das actuações proibidas pela previsão do nº2 do art.101º do CPI.

Ou seja, numa primeira afirmação de princípio referente aos presentes autos: podiam as demandadas ter requerido a concessão da AIM e podia o INFARMED tê-la concedido, como concedeu em alguns dos medicamente genéricos aqui em causa.

Assim se as demandadas podiam requerer, e requereram, se o INFARMED podia conceder, e concedeu, poder-se-á impor uma limitação à transferência dessa titularidade da AIM para terceiros, como pretendem as demandantes com o 2.º pedido formulado?

Afigura-se-nos que não.

Em primeiro lugar, não procede o argumento das demandantes de que só assim logram obter o efeito útil que pretendem com a presente acção. Isto porque, ao contrário daquilo que as demandantes pretendem fazer crer, o 1.º pedido formulado nos autos, julgado procedente e transitado em julgado, impor-se-á sempre a um eventual transmissário da AIM por ela afectada, constituindo caso julgado material nos termos dos art. 671º e 498º do CPC, na medida em que o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente, sendo contra ele exequível a decisão transitada contra os adquirentes, ex vi arts.56º e 57º do CPC.

Aliás o próprio regime processual civil prevê expressamente, agora no art.º 263º nº 3 do CPC – anterior art. 271º nº 3 –, a vinculação do transmissário ao caso julgado proferido em acção em que este não interveio.

Assim, carece de sentido o argumento de utilidade ou de esvaziamento de conteúdo útil à decisão arbitral e ao acórdão recorrido (que nesta parte a confirmou). Numa eventual transmissão da AIM impõem-se aos adquirentes as mesmas limitações de comercialização que se impõem aos transmitentes, aqui demandados, não se vendo como nem porquê ficará esvaziada de conteúdo útil a condenação das demandadas no 1º pedido formulado nos autos, e já transitada em julgado. Um eventual adquirente de AIM ficaria sujeito às mesmas condições de proibição de comercialização impostas à transmitente pelo Tribunal – neste sentido Ac. R.L. de 02-12-2014, proc. 1158/13.4YRLSB; Ac. R.L de 26-06-2014, proc. 787/13.YRLSB.L1-2.

E se assim é, por um lado, por outro o Estatuto do Medicamento, no seu art.º 37º, permite a transferência da titularidade da AIM, sendo a mesma definida no art.3º, ppp) do mesmo Estatuto, como a «mudança de titular de uma autorização de um medicamento, desde que não se trate apenas na mudança do nome do titular que permanente o mesmo».

A AIM é, como se refere na decisão arbitral, uma posição activa na esfera jurídica do (s) seu (s) titular (es), e como tal é passível de estar na disponibilidade do comércio jurídico sendo ou podendo ser objecto de negócios.

Conforme já referido supra, segundo o Estatuto do Medicamento – Lei n.º 62/2011 – a decisão de concessão, registo, suspensão ou revogação de AIM é independente e não pode ter por objecto a existência, validade ou eficácia dos direitos de patente…

Dar provimento ao 2º pedido formulado pelas demandantes seria, de uma forma ínvia, contornar as disposições legais e obter, por via da condenação, aquilo que a lei não permite: uma suspensão parcial da eficácia do AIM, por via da eficácia dos direitos de patente, limitando os poderes de disposição do seu titular, sobre um bem que lhe pertence. Dar provimento ao 2º pedido seria limitar, de uma forma não consentida, um direito das demandadas.

Tendo o legislador assumido que a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui, por si, violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo em nenhuma das actuações proibidas pela norma do art.101º nº 2, do CPI, não se vê que a transmissão dessa autorização corporize alguma das aludidas actuações tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo concedido pela patente – neste sentido posto que a mesma – a titularidade de AIM ou a sua transmissão a terceiros – não permite iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos.

Assim, se a titularidade de autorização de introdução no mercado de um medicamento não viola os direitos protegidos pela patente e certificado complementar de protecção (pois estas só tutelam erga omnes a violação da exclusividade da comercialização da invenção patenteada), então a sua transmissão a terceiros não poderá ser considerada contrária aos direitos de propriedade industrial.

Como se afirma na decisão arbitral a titularidade de uma AIM é um bem com valor económico e, como tal, um bem transaccionável que pode ser objecto de negócios jurídicos. A restrição à sua transmissibilidade só se poderia justificar – na vigência dos direitos conferidos pela patente – se a simples titularidade do direito conferido pela AIM fosse ofensiva desses direitos, o que já vimos não ser o caso. Assim sendo, bem andou o acórdão recorrido ao confirmar a decisão arbitral no sentido de concluir pela ausência de fundamento legal para a condenação, pretendida pelas recorrentes, das demandadas a absterem-se de transmitir para terceiros a AIM concedida pelo Infarmed.”.


No seguimento da posição adoptada no aresto transcrito, deve proceder o recurso quanto à questão colocada, absolvendo a ré do pedido de abstenção de transmissão dos pedidos de AIM`s identificados no artigo 81 da pi até à caducidade da patente da autora.


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3. DECISÃO.


Pelo exposto acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que condena a Ré a não transmitir a terceiros as AIM identificadas no artigo 81 da pi até à caducidade da EP 1189606, desse pedido a absolvendo.

Custas na proporção do vencimento/decaimento.


Lisboa, 17 de Maio de 2018


Távora Victor (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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[1] Entendimento este, que constitui jurisprudência maioritária do STJ - Acórdãos de 06-05-2014, processo n.º 402/13.2YRLSB.S1; de 16-09-2014, processo n.º 183/14.2YRLSB.L1.S1; de 26-03-2015, processo n.º 1203/13.3YRLSB.S1; de 14-04-2015, processo n.º 512/14.9YRLSB-B.S; de 02.02.2017, processo n.º 393/15.5YRLSB.S1; de  25.05.2017, processo n.º 17/15.0YRLSB.S1 e decisão singular de 12-03-2018, processo n.º 409/17.0YRSLSB.L1.

Na doutrina dominante – Dário Moura Vicente, «O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes (Lei N.º 62/2011)», R.O.A., ano 72, vol. III, 974, 976. ob. cit., pág. 976..

[2] Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 123/2015, de 12 de Fevereiro de 2015, publicado no D.R., II Série, de 7 de Julho de 2015, págs. 18143 a 18166, n.º 108/2016 (de 24 de Fevereiro de 2016) e 435/2016 (de 16 de Julho de 2016).