Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2296/17.0T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ORDEM DE COMPRA
FACTO ILÍCITO
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISTA
Decisão: RECURSO DE REVISTA IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / FACTOS QUE NÃO CARECEM DE ALEGAÇÃO OU DE PROVA.
Doutrina:
- AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia, Volume XIV, p. 138 e 139;
- ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, p. 708;
- ANSELMO DE CASTRO, Lições de Processo Civil, vol. III, Coimbra, p. 235;
- ANTUNES VARELA e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, p. 675 e 691 ; Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, p. 519 ; Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª Edição, p. 94;
- FELIPE CANABARRO TEIXEIRA, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, in Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, p. 74 e ss.;
- GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, p. 135;
- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, p. 318;
- MARIANA FRANÇA GOUVEIA, O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual in R.O.A., ano 73, vol. II/III, p. 602, in www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf;
- NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, Deveres de Protecção em Relações Obrigacionais, in Scientia Juridica, Tomo LII, N.º 297, p. 495;
- PAULO CÂMARA, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, p. 685;
- PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, Coimbra, p. 1388 e 1389.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 412.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-03-2009, PROCESSO N.º 507/09, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-11-2018, PROCESSO N.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 433/11.7TVPRT.P1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-01-2019, PROCESSO N.º 2406/16.4T8LRA.C2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-02-2019, PROCESSO N.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-02-2019, PROCESSO N.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1.
Sumário :
I - Não padece de nulidades, por excesso de pronúncia, nem por condenação além do pedido, o acórdão que se conteve nos estritos limites delineados pelas conclusões da apelação, conhecendo de questão que fora suscitada pela apelante, na sequência da improcedência do pedido que formulara na petição inicial.
II - Não viola o disposto no art.º 412.º, n.º 2, do CPC a Relação que se limita, no discurso motivador da decisão de facto, a notar a similitude com outras situações já antes apreciadas para enquadrar, esclarecer e complementar a valoração da prova testemunhal e documental que efectuou, sendo que tal apreciação não é sindicável pelo STJ.
III - Uma instituição de crédito, que assume ope legis a qualidade de intermediário financeiro, deve informar com clareza os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos para que a decisão por eles tomada seja esclarecida e fundamentada, mantendo com eles relações segundo os ditames da boa fé e de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
IV - A intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual e do concreto perfil do cliente.
V - Não cumpre o dever de informação nos termos em que é legalmente preconizado o banco que não presta ao cliente informação acerca da identidade da sociedade emitente de obrigações, nem o esclarece sobre a natureza do investimento que intermediou, tendo ficado convencido, erroneamente, de que se tratava da mesma entidade e de um depósito a prazo, o que foi determinante na aquisição das obrigações.
VI - É lícita a prova por presunção judicial a partir de factos provados para firmar um facto desconhecido e dá-lo como provado.
VII - Existe nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano da perda do capital investido na aquisição da posição obrigacionista e dos juros moratórios, bem como os correspondentes danos não patrimoniais quando se prova que a ordem de compra das obrigações não teria ocorrido se o cliente, com formação básica, desprovido de conhecimentos financeiros e avesso a investimentos desse tipo, soubesse que estava a dar ordem a uma entidade distinta do intermediário financeiro e que este não era responsável pela restituição do capital.


Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2296/17.0T8LRA.C2.S1[1]
*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:

I. Relatório

AA intentou acção declarativa, com processo comum, contra Banco BB, S.A., pedindo que se:

a) declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigação CC, ao réu, DD (actual BB S.A….), (…), adquirida na agência de ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);

b) declare que é da responsabilidade do BANCO BB S.A. (…) o reembolso do capital reportado à aquisição por parte da autora da obrigação CC, no valor de € 50.000,00 (…);

c) - condene o réu (…) a proceder ao imediato reembolso do capital de €50.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 11 de Outubro de 2014 sobre a obrigação CC, à taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o réu (…) a pagar à autora quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €10.000,00 (…), por danos morais sofridos pela autora com o comportamento imputável ao réu BANCO BB S.A., traduzido na informação falsa prestada pela gerente de conta do Balcão de ... e que conduziu à presente situação.

No entendimento de que o contrato é nulo:

d) Julgar-se nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre autora e réu que deu origem à ordem de subscrição de 11.10.2004 de obrigação CC no valor de € 50 000 (…). E,

e) Em consequência, condenar-se o réu BANCO BB SA., a restituir à autora o valor de €50 000 (…) acrescido de juros, à taxa legal, desde 11.10.2014 e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

Em Setembro de 2004, a autora dirigiu-se ao Balcão do DD, agência de ..., com vista a proceder a um depósito a prazo, no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros).

Aí chegada, foi recebida “pelo gerente do DD, ...”, que, ao inteirar-se das intenções daquela, logo lhe propôs que, ao invés de fazer o depósito a prazo a que se propunha, adquirisse um produto financeiro que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhe daria um maior rendimento.

“Para tal efeito e porque o valor de aquisição do referido produto tinha como limite mínimo de aplicação, €50.000,00 (…), a autora poderia adquirir uma obrigação CC, naquele preciso valor, e assim obteria o referido produto, que lhe traria um melhor rendimento e que tinha o reembolso do capital garantido pelo DD.”

Perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), a autora anuiu a tal proposta e aceitou adquirir tal produto.

O referido gerente disse, ainda, à aqui autora que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia, eventualmente, proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.

Até ao dia 10 de Outubro de 2014, sempre foram pagos à autora os juros do capital investido na aplicação financeira, pagamentos esses que lhe foram feitos pelo DD até 10 de Outubro de 2012 e pelo BB a partir dessa data.

A autora, em Outubro de 2009, mais precisamente cinco anos decorridos após as aplicações financeiras, confiante naquilo que o referido gerente de conta do DD lhe havia afirmado e garantido, deslocou-se ao DD (nessa data já nacionalizado e da responsabilidade do Estado, que o detinha a 100%) com vista a proceder ao resgate do capital investido, tendo sido informada que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhe havia sido garantido.

Começaram nessa data a gerar-se na autora angústias e receios.

Vencido o prazo de dez anos contratualmente estabelecido, foi a aqui autora informada de que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da EE, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no processo de insolvência.

Mais invocou o facto de não ter sido reduzido a escrito o “acordo entre as partes qualificável como de intermediação financeira”, para concluir pela nulidade formal desse convénio, por ausência de forma escrita.

Em sede de danos não patrimoniais, alegou ter passado noites sem dormir, dias sem conseguir gerir os seus negócios e ter gerado destabilização no seio do seu agregado familiar, sendo que ainda hoje “sofre de depressão e de angústia”.

Contestou a ré, por impugnação motivada, alegando, em resumo, o seguinte:

Nada ter vendido à autora, mas antes a seu falecido marido, FF, sendo que a obrigação veio a ser transferida para uma conta titulada pela autora, por instruções desta e de GG.

Não foi, assim, desenvolvida qualquer actividade de intermediação financeira, por parte do Banco, perante a autora, na colocação daquele produto.

À data, dificilmente haveria um produto tão seguro como a subscrição daquelas obrigações (pelos fundamentos que desenvolveu).

A ré cumpriu, perante o seu cliente, todos os seus deveres de informação.



Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e fixado o objecto do litígio. Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo a ré de todos os pedidos.

Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 28/11/2018, julgou a apelação parcialmente procedente, revogou, também parcialmente, a sentença recorrida e condenou o réu BB – ..., SA, a pagar à autora a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia 27 de Outubro de 2014 até efectivo e integral pagamento, bem como a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por dano não patrimonial, mantendo o demais decidido.

Inconformado, desta feita o banco réu interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“I.       O Autor peticionou na sua Petição Inicial a condenação no Banco Réu no pagamento de indemnização pelos danos não patrimoniais.

II.      A sentença de primeira instância absolveu o Banco deste pedido!!!

III.       O Autor recorreu da decisão não tendo abordado a matéria dos danos não patrimoniais, conformando-se assim com mesma.

IV.       O Acórdão Recorrido, sem que houvesse qualquer pedido expresso nesse sentido, condenou o banco Réu no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, situação que configura uma clara nulidade nos termos do artigo 615, nº 1, alínea d) e e) do Código de Processo Civil.

V.       Dispõe o artigo 412º, nº 2 do CPC que “Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove”.

I.          Na apreciação da alteração à matéria de facto o Acórdão recorrido disserta sobre aquele que seria a forma habitual de actuação dos funcionários no banco Réu, socorrendo-se de “conhecimento que vamos retirando dos julgamentos de situações idênticas a esta” não fazendo qualquer referência concreta ao processo ou processos me que tal se verificou, tratando por igual processos e situações necessariamente diferentes.

II.        A ideia que dá é que se decide por arrastão, massificando-se as decisões sem que a situação em concreto seja analisada nas suas circunstâncias próprias.

III.       Esta ideia, pré-pré-concebida, influi de forma directa na alteração que foi efectuada à matéria de facto em desrespeito pelo estatuído no referido artigo 412º, nº 2.

IV.       Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

VI.       A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

VII.      A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

VIII.     Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

IX.      Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

X.       O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

XI.      A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

XII.      Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

XIII.     É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

XIV.     E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

XV.      O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

XVI.     O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

XVII.   Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-r. devesse ter advertido a A.

XVIII.  A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Diga-se, ainda, sobre o nexo de causalidade,

XIX.     Sobre esta matéria, socorre-se a decisão recorrida da dita presunção de ilicitude, culpa e causalidade que vislumbram em citação do Prof. MENEZES CORDEIRO.

XX.      MAS do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

XXI.     E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

XXII.   Não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

XXIII.  Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, a verdade é que não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

XXIV.  De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

XXV.   Mesmo que se admitisse a dita presunção, toda a qualquer presunção é teoricamente passível de ser levada a cabo no âmbito do contrato em que se verifique o incumprimento - dito de outro modo, não se pode, nem tanto defende qualquer Doutrina, partir do incumprimento de um contrato para presumir a ilicitude e causalidade da responsabilidade no âmbito de outro contrato, distinto daquele efectivamente incumprido.

XXVI.  Ora, o que assistimos é que a decisão recorrida parte do incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente da emissão obrigacionista, para depois fazer presumir a ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um diferente contrato - o de intermediação financeira!

XXVII. Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

XXVIII.          Uma presunção, legal ou judicial, é um meio de prova! E sendo-o é um meio de obter uma decisão sobre um concreto facto, que deveria ser alegado ou ser instrumental em relação aos alegados. O certo é que uma presunção, legal ou judicial, é um meio de prova!

XXIX.  Todavia, a decisão recorrida apenas invoca a dita presunção, seja legal ou a judicial, como fundamento jurídico para suprir a falta, óbvia desde a PI, de qualquer facto que estabelecesse uma ligação que fosse entre uma deficiente informação pelo Banco e o dano da A.

XXX.   A causalidade há-de ser suportada ou corporizada num ou mais factos, por forma a que possa ser considerada preenchida! Ora, a invocação de uma presunção judicial, como parece fazer a douta decisão recorrida, deveria ter como corolário a determinação de um tal facto.

XXXI.  Todavia, esse facto não foi determinado na decisão sobre a matéria de facto – simplesmente não existe!

XXXII. A douta decisão recorrida violou assim o disposto no artº 349º do CCiv.

XXXIII. A A. não alegou, na sua petição inicial, qualquer facto que sustente uma qualquer relação causal entre uma qualquer violação dos deveres de informação por parte do Banco-R. e o seu alegado dano.

XXXIV. Neste caso, um qualquer facto que correspondesse a um nexo entre a violação de um dever de informação (ele próprio não alegado), e o dano certamente não é, não pode ser, um facto instrumental. E, por isso, deveria ter sido expressamente alegado pela A. na sua PI!

XXXV. Não o tendo sido, não pode o Tribunal agora introduzir a causalidade em falta por via da sua menção apenas como se de mero mecanismo jurídico se tratasse... A causalidade é efectivamente uma figura jurídica, mas tem de resultar de factos claros que suportem... e estes têm de ser alegados e provados!

XXXVI. A decisão recorrida violou assim o disposto no artº 5º do CPC.

XXXVII. A título de invocação e prova da causalidade, num primeiro momento seria indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

XXXVIII. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

XXXIX. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

XL. Nada disto foi feito, pela A. ou pelas instâncias!

XLI. A decisão em crise violou também assim o disposto no artº 563º do CCiv.

XLII. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo…

... JUSTIÇA!”

    A autora contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
           Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
1. Se o acórdão recorrido padece de nulidades por excesso de pronúncia e por condenação além do pedido (conclusões I. a IV.);
2. Se o mesmo violou o disposto no n.º 2 do art.º 412.º do Código de Processo Civil (conclusões V. a II. [3]);
3. Se a conduta do recorrente foi lícita (conclusões IV. a a XVII.);
4. E se falta a alegação e demonstração do nexo de causalidade entre o facto e o dano (conclusões XIX. a XLII);

II. Fundamentação


1. De facto

No acórdão recorrido foram considerados provados os factos que como tal haviam sido dados na sentença e que são os seguintes factos:

           1. A aqui ré resulta da fusão, ocorrida em 7 de dezembro de 2012, por incorporação do Banco BB S.A. no Banco DD, S.A., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.
2. A aqui autora e ..., em 01.06.2010 e em contexto não concretamente apurado, subscreveram, perante a ré, um escrito no qual consta solicitarem que “seja adquirida a posição de €50.000,00 da CC da Conta ...” para a conta titulada pela autora ..., na sequência do que aquela obrigação foi transferida para esta conta.
3. Essa obrigação havia sido subscrita, em 19 de outubro de 2004, por FF.
4. Do boletim de subscrição referente a “CC”, que havia sido assinado pelo identificado titular da obrigação, consta o seguinte: «Natureza da Emissão Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (…) «Prazo e reembolso O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 27 de outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da EE, SGPS, S.A., a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas: Cupões Taxa anual nominal bruta 1ºs. 10 semestres 4,5%* Restantes 10 Euribor a 6 meses + 1,75%semestres *Taxa anual efetiva líquida: 3,632%
5. Até ao dia 10 de outubro de 2014, sempre foram pagos os juros do capital investido na identificada aplicação financeira.
6. Vencido o prazo de dez anos previsto para a obrigação, não foi pago o montante nela investido, tendo a entidade emitente sido, entretanto, declarada insolvente.
7. A situação referida em 6 causou à autora preocupação e ansiedade.

O mesmo acórdão deu, ainda, como provados, na sequência da decisão da impugnação da matéria de facto, os factos que seguem:
8. A Autora e o seu ex-marido tinham formação básica, sem conhecimentos financeiros, avessos a investimentos com risco de capital.
9. Eles ficaram convencidos que tinham colocado o seu dinheiro, 50.000,00€, num depósito a prazo, no próprio Banco.
10. Eles não sabiam o que são Obrigações, nem o que era a SLN.
11. Eles sempre estiveram convencidos que o dinheiro em causa lhes seria restituído na maturidade pelo Banco DD.
12. Se eles soubessem que estavam a dar ordem de compra de dívida de uma entidade distinta do Banco DD e que este não era responsável pela restituição do capital na maturidade, não teriam dado ordem de compra da Obrigação em questão; manteriam a sua posição anterior no Banco.
13. Eles não possuíam conhecimentos nem experiência suficientes para compreender o tipo de investimento que fizeram e ninguém lho explicou.
14. Ninguém lhes explicou que DD e SLN eram duas entidades distintas e que investir em CC era diferente de depositar dinheiro no DD.
15. O DD garantiu o pagamento deste produto financeiro.


2. De direito

2.1. Das nulidades

Sustenta o recorrente que a recorrida se conformou com o decidido em 1.ª instância acerca do ressarcimento dos danos não patrimoniais e que, como tal, estava vedado ao tribunal recorrido arbitrar-lhe uma indemnização com esse fundamento, imputando-lhe as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

           

           Este artigo (também aplicável aos acórdãos, por força da remissão do art.º 666.º, n.º 1, do CPC) dispõe que a sentença é nula, entre outras situações que não importa aqui analisar, quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [al. d), parte final] ou quando “condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” [al. e)].

Aquela primeira causa de nulidade visa sancionar o desrespeito, pelo julgador, do comando contido na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, nos termos da qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Emerge desse preceito que a actividade judicativa (com excepção, naturalmente, das questões que o julgador deva conhecer oficiosamente) se mostra confinada ao objecto do litígio.

É entendimento pacífico, tanto a nível doutrinário como a nível jurisprudencial, que a noção de “questões” à volta das quais gravita a referida infracção processual reporta-se aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas excepções e, bem assim, aos pedidos formulados.

Por seu turno, a nulidade a que alude a alínea e) do n.º 1 daquele preceito consubstancia-se, fundamentalmente, no desrespeito pelo comando contido no n.º 1 do art.º 609.º do mesmo diploma, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido, a que corresponde o brocado latino ne eat iudex ultra vel extra petita partium.

A nulidade em causa encontra-se assim em estrita relação com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (o objecto do processo é a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual constitui uma emanação do princípio dispositivo (n.º 1 do art.º 5.º do Código de Processo Civil). 

Fora dos casos legalmente previstos (de que é exemplo o disposto no n.º 3 do art.º 609.º do Código de Processo Civil), não é processualmente admissível condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (n.º 1 do mesmo preceito), pois, ao infringir esse comando, o Tribunal ultrapassa o limite imposto por lei ao seu poder de jurisdição[4].

Daí que seja “também nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância … não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido”[5].

      Regressando ao caso em apreço, temos que a autora, ora recorrida, na petição inicial, impetrou, entre outros pedidos, a condenação do recorrente «(…) a pagar à Autora quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €10.000,00 (…), por danos morais sofridos pela Autora com o comportamento imputável ao réu BANCO BB S.A., traduzido na informação falsa prestada pela gerente de conta do Balcão de ... e que conduziu à presente situação. (…)» (cfr. alínea c) do petitório).

     Como a sentença da 1.ª instância desatendeu tal pretensão, a recorrida interpôs recurso de apelação em cujas conclusões inscreveu, aliás, o seguinte:

     «VIGÉSIMA QUINTA. Não podia o Tribunal dar como não provado que tal garantia de reembolso de Capital não lhe estava a ser dada pelo próprio Banco na pessoa do seu gerente de conta, pelo que neste circunspecto, impõe-se a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que declare que as garantias prestadas pelo gerente do Banco Réu, na forma como o foram, e nos termos em que o foram, porque se mostraram suficientes para que na Autora e no seu marido se gerasse a convicção de que estavam a fazer uma aplicação com o Banco e com garantia do Banco, constituem fundamento bastante para a responsabilização do Banco Réu, que deve assim indemnizar a Autora pelos danos sofridos tal como reclamado foi na acção[6].  (…)

TRIGÉSIMA OITAVA. Tendo o Banco, na qualidade de intermediário financeiro, proposto á Autora Recorrente a aquisição do produto financeiro, consubstanciado na subscrição de uma obrigação CC, sem observar os deveres de informação, tornou-se responsável pelos prejuízos causados ao investidor, nos termos do artigo 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo que no caso não logrou ilidir a presunção a que alude o n.º 2 do citado artigo 314.º e que impende sobre o Banco. (…)

TRIGÉSIMA NONA. Ao decidir como decidiu, absolvendo como absolveu o Réu, Sustentando, como sustentou, a douta decisão ora sob recurso que, nos autos, não logrou o Autor provar, como lhe competia (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), que o funcionário do Réu prestou informações relativas ao produto financeiro, cuja subscrição propôs á Autora, que não correspondiam à verdade, afirmando-lhe tratar-se de um produto com características semelhantes a um depósito a prazo e de capital totalmente seguro, sendo a restituição do capital declarada pelo DD como garantida/assegurada em papel com o logotipo do Banco, o Tribunal a quo interpretou de forma manifestamente errada as normas dos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.º 1, 314.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários, e do artigo 799.º do Código Civil, posto que «como entidade especializada na matéria, se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”, tal e tanto importa a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que, declarando não ter o Réu cumprido o ónus da prova de que cumpriu com o dever que lhe estava imposto por força dos comandos normativos das disposições decorrentes dos artigos 7.º n.º 1, 304.º, n.º 1 e 312.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, tanto, importa a revogação da douta decisão nesta parte e a sua substituição por outra que declare que era ao Réu que estava cometida a prova do cumprimento da obrigação de prestar todas as informações relevantes e completas, e, não fazendo tal prova, tal e tanto comporta a condenação dele, Réu, nos termos peticionados. (…)».

É sabido que, no contexto de um recurso e em regra, as conclusões do recorrente definem e delimitam o objecto do recurso, i.e. as questões a apreciar pelo tribunal superior (cfr. n.º 3 do artigo 635.º do Código de Processo Civil), desempenhando, naquele âmbito, uma função similar àquela que é reconhecida à causa de pedir e ao pedido.

Desse modo, torna-se preclaro que, por via da apelação, a apelante pretendia, de resto, o ressarcimento dos danos não patrimoniais que imputou à conduta do recorrente.

Daqui resulta que o acórdão recorrido, ao concluir pela condenação do recorrente no cumprimento de obrigação de indemnizar a recorrida pelos danos não patrimoniais, se conteve nos estritos limites delineados pelas conclusões da apelação formulada pela recorrida, conhecendo, em concreto, de uma questão que por ela fora suscitada, qual seja a ressarcibilidade desses danos. 

     Destarte, evidencia-se que o tribunal não condenou o recorrente para além dos estritos limites do pedido formulado na petição inicial e reiterado na apelação nem incorreu em excesso de pronúncia.

É, pois, de desatender a arguição das nulidades em apreço.


2.2. Da violação do disposto no n.º 2 do art.º 412.º do CPC

Argumenta o recorrente que foi infringido o disposto no preceito em epígrafe, atento o teor da fundamentação empregue na motivação da decisão sobre a matéria de facto.

Para compreendermos o teor da alegação em apreço, é útil, primeiramente, atentarmos na fundamentação do decidido quanto à matéria de facto.

O pertinente trecho do acórdão impugnado tem o seguinte teor:

«(…) A reapreciação da matéria de facto.

A recorrente questiona os factos não provados.

Ela invoca, em especial, os depoimentos da Autora e de HH

Também invoca um conhecimento público (ou do domínio público) de alguns factos.

A prova dos autos é constituída por documentos e por aqueles testemunhos, além de outros menosprezados.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº 1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

Reapreciados os documentos e a prova testemunhal, a nossa convicção manifesta-se no sentido do reclamado pela Recorrente, encontrando razões para esclarecer a decisão sobre a matéria de facto, aditando alguns factos, julgando assim parcialmente procedente a impugnação feita por aquela.

Porém, quanto aos factos do domínio público, não encontramos a fonte ou suficiente sustentação daqueles que são apresentados como do conhecimento geral (cfr. art.412º do Código de Processo Civil).

Vejamos:

Os documentos 2 (nota interna), 3 (argumentário) e 5 (mail veiculado por funcionários), juntos com a petição, a par com o depoimento de HH, quanto ao que se pode considerar procedimento habitual do Banco, nesta questão, e a par com o conhecimento que vamos retirando dos julgamentos de situações idênticas a esta, confirmam a ideia de que o Banco vendia o produto referido como equivalente a um depósito a prazo do próprio Banco, com uma excelente taxa, de reembolso garantido, sem diferenciar o perfil dos clientes.

No boletim de subscrição, junto com a contestação, o logotipo do DD aparece destacado no cabeçalho.

O testemunho da Senhora funcionária, HH, já referenciada e notada por nós em julgamentos idênticos, revela um procedimento habitual dos funcionários do Banco, que apresentam um produto garantido pelo próprio Banco, como um depósito a prazo, sem qualquer risco.

Este testemunho, apoiado com a audição da Autora, reveladora da sua dificuldade de verbalização, confirma que esta e o seu marido são pessoas humildes, pouco ou nada sabedores de produtos financeiros, preocupados, como disse a primeira, em aplicar as suas poupanças de forma a garantir a sua velhice, confiando nos funcionários do Banco, no pressuposto do respeito pela sua natureza de pessoas que não queriam assumir riscos.

A subscrição foi feita com a presença do casal (o marido da Autora faleceu entretanto), dizendo HH que conhecia o casal, pessoas que iam habitualmente juntas ao balcão.

Os Senhores funcionários falavam com os clientes, especialmente deste tipo, de forma superficial.

Percebe-se das declarações da Autora que a ideia do casal era a de estarem “a emprestar dinheiro ao Banco”.

Os subscritores foram convencidos de caraterísticas idênticas ao depósito a prazo e acreditaram que o Banco reembolsaria o produto.

Os subscritores não foram informados da natureza das obrigações em causa, da diferenciação entre a SLN e o DD.

Não se fez qualquer prova infirmadora dos referidos testemunhos.

Assim, no contexto assinalado, podemos concluir o seguinte:

Os subscritores (a Autora incluída) estavam convictos de estar a contratar com o Banco e a subscrever produto financeiro desse Banco, garantindo este o seu reembolso.

Se aqueles tivessem sido informados da natureza das referidas obrigações e das eventualidades financeiras das mesmas, considerando o seu perfil “conservador”, de quem não punha a hipótese de perder o dinheiro depositado no Banco, eles não teriam subscrito as mesmas. Eles manteriam os seus depósitos no Banco.

Não há razões para não perceber que são a Autora e o seu falecido marido os subscritores do produto, tendo sido ambos a dirigir-se ao balcão e a concordar com aquela subscrição.

Considerando o procedimento habitual dos funcionários e a perceção do tipo de casal em causa, mostra-se indiferente ter sido a mulher ou o marido a assinar a aquisição.

Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a reclamação da Recorrente, decide-se aditar os seguintes factos provados: (…)».

Retornando à alegação em apreço, tenha-se em conta que, no nosso sistema processual civil, continua a ser imposto às partes o ónus de alegação (assim se enuncia o princípio dispositivo – art.º 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), cabendo ainda às partes indicarem os meios de prova aptos a demonstrá-los (n.º 2 do artigo 552.º e alínea d) do art.º 572.º, ambos do mesmo diploma).

Todavia, a instrução tem por objecto os factos necessitados de prova (art.º 410.º do Código de Processo Civil) e o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por um certo interessado (princípio da aquisição processual - cfr. art.º 413.º do mesmo diploma). 

Entre essas disposições conta-se o preceituado no n.º 2 do art.º 412.º do Código de Processo Civil. Aí, determina-se ao julgador que, oficiosamente, considere factos que não tenham sido alegados e de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções. Para tanto, impõe-se-lhe que os documente no processo.

Perscrutada a fundamentação, acima transcrita, parece claro que a Relação, além de ter expressamente afastado a existência de fundamento bastante para a consideração de factos notórios, se limitou, no discurso motivador, a notar a similitude com outras situações já antes apreciadas para enquadrar, esclarecer e complementar a valoração da prova testemunhal e documental que efectuou.

Como é bom de ver, a referência, na fundamentação, a situações paralelas ou semelhantes não é confundível com o recurso a factos cujo conhecimento provenha do desempenho funcional do tribunal a quo.

Destarte, não se vislumbra qualquer sustento na alegação em apreço. Na verdade, antes se constata que o recorrente pretende somente colocar em crise a motivação da alteração da matéria de facto encetada pela Relação por nela surpreender uma “ideia pré-pré-concebida” e por a ter como uma decisão massificada.

Ora, como é consabido (e, aliás, salientado pela recorrida) e ressalvados os casos de incursão em violação da lei adjectiva, a alteração da matéria de facto com base na diversa apreciação dos meios de prova é insusceptível de ser sindicada em sede de revista (n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil)[7].

Com efeito, o âmbito dos poderes do STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto consta dos art.ºs 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC.

           Nos termos do primeiro normativo “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

E, de acordo com este preceito, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

           Assim, o fundamento de revista previsto nesta norma visa a intervenção (excepcional) do Supremo, no plano dos factos, quando tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a exigência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Não se trata, manifestamente, de nenhum destes casos.

Por isso, é inviável a este Supremo censurar os concretos fundamentos concitados pela Relação para empreender a alteração da matéria de facto em questão.

Improcede, por conseguinte, esta questão.


2.3. Da licitude da conduta do recorrente

Procurando contrariar o entendimento defendido no acórdão sob censura, sustenta o recorrente que cumpriu os deveres de informação de que, na qualidade de intermediário financeiro, estava incumbido, sendo que não lhe cabia advertir a recorrida para o risco associado à robustez do emitente das obrigações cuja aquisição intermediou nem a informar a respeito do risco de incumprimento das responsabilidades por ele assumidas.

Através da presente acção, pretende a recorrida efectivar a responsabilidade civil contratual do recorrente enquanto interveniente na compra de uma posição de € 50.000,00 em obrigações “EE” que haviam sido previamente adquiridas por FF. Para tanto, estriba a causa de pedir no incumprimento/deficiente cumprimento dos deveres de informação legalmente colocados a seu cargo.

Como é sabido, em tese geral, a responsabilidade civil contratual (genericamente prevenida no art.º 798.º do Código Civil) assenta em pressupostos que são em tudo idênticos àqueles a que o n.º 1 do art.º 483.º do mesmo diploma fixou para a responsabilidade civil extracontratual[8]

Assim, consideram-se, como pressupostos desta modalidade de penalização civil, o incumprimento, em sentido lato, de uma obrigação contratual, que é ilícito, culposo (presumindo-se, nesta sede, a culpa do agente – n.º 1 do art.º 799.º do Código Civil) e a que é imputável, segundo um nexo de causalidade, um dano sofrido pela contraparte.

Sendo conhecido este quadro geral, impõe-se uma aproximação à actividade de intermediação financeira, a qual, nos moldes delineados no Código dos Valores Mobiliários [alínea g) do n.º 1 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 289.º][9], compreende, aliás, os serviços de investimento em instrumentos financeiros. Tal actividade contempla, de resto, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem e a execução de ordens por conta de outrem [alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 290.º daquele diploma].

Note-se, por seu turno, que uma instituição de crédito (que é a natureza jurídica do recorrente – cfr. alínea a) do art.º 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) assume ope legis a qualidade de intermediário financeiro [alínea a) do n.º 1 do art.º 293.º do Código dos Valores Mobiliários].

 A responsabilidade do intermediário financeiro é delineada no art.º 304.º-A do Código dos Valores Mobiliários nos seguintes moldes:


«Artigo 304º-A

Responsabilidade civil


1 – Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».

Da interpretação desta disposição emerge que o facto ilícito que espoletará a responsabilidade que se pretende efectivar se identifica com a violação de deveres legais e regulamentares atinentes ao exercício da actividade de intermediação financeira e que, no âmbito contratual e pré-contratual, se presume a culpa do intermediário financeiro.

Assim, concatenando este preceito com a disciplina vertida no art.º 798.º do Código Civil, pode-se, em suma, considerar que a efectivação da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro pressupõe a ocorrência de um facto ilícito (que se traduz na infracção de deveres legais ou emergentes de regulamento), a verificação da culpa (cabendo ao intermediário demonstrar que o inadimplemento não provém de culpa sua) e a existência de um dano que esteja ligado, por um nexo de causalidade, à conduta do interveniente financeiro[10].

Estabelecido este quadro genérico, importa delinear o dever de informação que o acórdão recorrido teve por incumprido.

Como se colhe no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro[11], o legislador teve a preocupação de «(…) criar ou desenvolver regimes gerais adequados aos principais institutos, designadamente aqueles que respeitam (…) às várias actividades de intermediação financeira (…)», tendo encetado uma «regulação sistemática dos contratos de intermediação» cujas regras gerais se «destinam a assegurar, sob alguns aspectos, a protecção dos investidores (…)».

Entre essas regras gerais conta-se, sem dúvida, o dever de informação.

Lucidamente, já se observara no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 142/91[12] que a suficiência, oportunidade, qualidade e acessibilidade da informação são pressupostos essenciais para assegurar a «(…) defesa obrigatória dos legítimos interesses dos investidores (…)» e a «(…) própria regularidade e transparência do funcionamento do mercado, a consistência e a estabilidade dos preços que nele se formam e a viabilidade de um efectivo controlo das transacções que nele se realizam e das actividades de intermediação em valores mobiliários que nele se desenvolvem.

Trata-se, afinal, do princípio da full disclosure, consagrado na legislação americana desde 1933, e que a CEE, através de um conjunto já numeroso de directivas aprovadas ou em estudo, vem procurando implantar em todos os países que a integram. É evidente que a lei (…) deve assegurar-lhe a informação necessária para habilitar um investidor de conhecimentos e diligência médios a tomar por si próprio uma decisão correcta. (…)».

Assim, na esteira do que já se preconizava no art.º 97.º[13] do Código do Mercado de Valores Mobiliários, o n.º 1 do art.º 7.º do Código dos Valores Mobiliários prevê que a informação a prestar relativamente a actividades de intermediação e a emitentes deve ser qualitativamente «(…) completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (…)».

Temos, pois, que a prestação de informação ao público por parte dos operadores dos mercados financeiros deve ser pautada pelo respeito pelos princípios rectores da completude, da veracidade, da actualidade, da objectividade e da clareza, constituindo-se estes como vectores de aferição da qualidade daquela[14].

Importa ainda reter que o recorrente, na sua qualidade de instituição de crédito, estava adstrito a «(…) informar com clareza os clientes sobre (…) os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos (…)» (cfr. n.º 1 do art.º 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras na redacção à data vigente).

No particular domínio da intermediação financeira, o legislador impôs ao intermediário financeiro o dever acessório[15] de prestar «(…) todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes: (…)

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados os riscos de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (…)» (cfr. n.º 1 do art.º 312.º do Código dos Valores Mobiliários).

Em face desta previsão normativa, é preclara a conclusão que, no campo da intermediação financeira, a informação se assume como «(…) um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento (…)»[16] [17], constituindo, como tem sido repetidamente assinalado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça[18], um pilar na avaliação e concretização do investimento mobiliário.

Para compreender cabalmente o alcance do dever de informação, importa ainda ter em consideração que a actividade de intermediação financeira se deve guiar pela protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e pela eficiência do mercado[19] (n.º 1 do art.º 304.º do Código dos Valores Mobiliários), cabendo aos intermediários o dever de pautarem as suas relações com todos os intervenientes no mercado pelos ditames da boa fé[20] e de acordo com elevadíssimos padrões de diligência, lealdade e transparência[21] (n.º 2 daquele preceito).

Em concretização desses deveres, impõe-se adicionalmente ao intermediário o dever de obter informação «(…) sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente (…)» (n.º 3 daquele preceito), a fim de avaliar a adequação das operações financeiras que intermedeia em benefício do seu cliente[22].

Avulta, também, que o intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente/investidor em detrimento dos seus próprios interesses e/ou dos interesses de empresas com as quais se encontre em relação de domínio ou de grupo (n.º 3 do art.º 309.º e n.º 1 do art.º 310.º. ambos do Código dos Valores Mobiliários).

Cabe, enfim, referir que, como resulta do n.º 2 do art.º 312.º do Código dos Valores Mobiliários, «a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente». Trata-se de uma regra de proporcionalidade inversa, assinalando-se, nessa confluência, que o «(…) cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é (…) de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente (…)»[23], tudo sem prejuízo de se reconhecer que tal adimplemento não dispensa o investidor de adoptar uma postura diligente no sentido do seu próprio esclarecimento[24].

Aqui chegados, é tempo de relembrar os factos provados que mais relevam para apreciar se o comportamento do recorrente correspondeu à conduta que lhe era imposta nos termos das normas vindas de citar[25].

Revela-se isento de dúvidas que o recorrente, por solicitação da recorrida, desenvolveu uma actividade de intermediação financeira, concretamente a recepção e execução de uma ordem de aquisição de uma posição obrigacionista previamente na titularidade de FF [cfr. pontos n.ºs 8, 10, 2, 3 e 4 do elenco factual e alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 293.º do Código dos Valores Mobiliários].

A respeito do perfil da recorrida, demonstrou-se que a mesma tinha formação básica, era desprovida de conhecimentos financeiros – desconhecendo, mormente, o que fossem obrigações – e de experiência para compreender o investimento obrigacionista que realizou e era avessa a investimentos com risco de capital (cfr. pontos n.ºs 8, 10, 13 e 4 do elenco factual).

Relativamente à qualidade da informação prestada, vem demonstrado que a recorrida desconhecia o que fosse a “EE, SGPS, S.A.” (i.e. a entidade emitente das obrigações, como se depreende do teor do boletim de subscrição[26]), sendo que ninguém lhe explicou que o “Banco DD, S.A.”[27] e a “EE, SGPS, S.A.” eram, de facto, entidades distintas (cfr. n.ºs 13 e 14 da fundamentação de facto).

De igual modo, ninguém lhe explicou o tipo de investimento que realizou nem a elucidou sobre a distinção entre investir nas obrigações por esta emitidas e depositar dinheiro naquela entidade bancária.

No que toca, enfim, à índole do valor mobiliário cuja transacção foi intermediada pelo recorrente, há a notar que a recorrida ficou convencida que tinha colocado o seu dinheiro num depósito a prazo constituído junto do “Banco DD, S.A.”, desprovido de risco (com efeito, “Banco DD, S.A.” aprestou-se a garantir o pagamento do produto financeiro) e que o mesmo lhe seria restituído na maturidade (cfr. n.ºs 9 e 15 do elenco factual).

A tudo isto, acresce que se apurou que se a recorrida soubesse que estava a dar ordem de compra de dívida de uma entidade distinta do “Banco DD, S.A.” e que este não era responsável pela restituição do capital na maturidade, não teria dado ordem de compra das obrigações em questão e manteria a sua posição anterior no Banco (cfr. n.º 12 da fundamentação de facto).

A valoração deste acervo factual evidencia à saciedade que o recorrente não prestou à sua contraparte a indispensável informação acerca da identidade da sociedade emitente das obrigações, o que permitiu que se criasse e mantivesse, no espírito da recorrida, a ideia de que o “Banco DD, S.A.” e “EE, SGPS, S.A.” eram entidades indistintas entre si.

Por seu turno, conclui-se igualmente que o recorrente também não esclareceu a recorrida acerca da natureza do investimento que intermediou, tendo a mesma ficado convencida de que colocara dinheiro num depósito a prazo sedeado naquela entidade bancária e que o mesmo lhe seria restituído na maturidade.

Ora, como se colhe da demonstração da vontade conjectural da recorrida, tais aspectos foram fundamentais na decisão expressa na formulação daquela ordem de compra. Com efeito, revela-se que o erróneo convencimento em que incorreu (e que, em devido tempo, não foi esclarecido) relativamente à identidade do emitente e à natureza do investimento em questão foi determinante na aquisição das obrigações.

Deste modo, é de concluir que o recorrente omitiu, por completo, o cabal esclarecimento acerca do investimento que a recorrida se propôs realizar. Vale dizer que não foram respeitados, naquelas sobreditas dimensões, os princípios da completude, da veracidade e da objectividade, não sendo, outrossim, prestadas as informações funcional e efectivamente requeridas para uma tomada de decisão elucidada e assente em dados objectivos e transparentes.

Anote-se, enfim, que a recorrida era financeiramente iletrada e inexperiente, o que, de acordo com a aludida regra de proporcionalidade inversa, deveria ter impelido o recorrente a um cumprimento muito mais profícuo e aprofundado do aludido dever prestacional.

Foi, pois, grosseiramente, omitido o cumprimento do dever de informação nos termos em que ele é legalmente preconizado [n.º 1 do art.º 7.º e pelo corpo do n.º 1 do art.º 312.º, ambos do Código dos Valores Mobiliários, e pela alínea d) do mesmo preceito], o que equivale a dizer que foi a conduta do recorrente que não se pautou pelos padrões de diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito nem se revela minimamente consonante com os ditames da boa-fé.

É, pois, de concluir pela desconformidade entre o comportamento adoptado e aquele que era o legalmente exigido, i.e., pela ilicitude da sua conduta.

Com o que se deixou dito, torna-se evidente que não pode lograr acolhimento o que se inscreveu nas conclusões XV e XVIII.

            Face a esta conclusão, evidencia-se ser irrelevante discutir, como propõe o recorrente nas conclusões IV a XIV, se o “Banco DD, S.A.” estava, a coberto da alínea e) do n.º 1 do art.º 312.º, adstrito a advertir a recorrida para o risco da perda da totalidade do capital envolvido.

É que, como se depreende do que se acabou de expor, a abrangência do incumprimento detectado estende-se muito para lá desse particular aspecto (o qual, de resto, nem foi aflorado no acórdão recorrido) e, por outro, não foi esse o cerne da motivação subjacente à emissão da dita ordem de compra.

Assim, ainda que, em tese, se possa concordar que a aquisição das obrigações não representava, em si mesmo, um risco especial de perda dos montantes empregues para o efeito – já que aquele é inerente ao eventual incumprimento da emissão obrigacionista (quer no que toca ao capital quer no que respeita aos juros) e que a factualidade provada não evidencia que, à data da emissão da ordem de compra, fosse previsível que a emitente viria a ser declarada insolvente[28] –, a verdade é que esse aspecto se revela, no contexto dos presentes autos, marginal e manifestamente despiciendo para arredar a conclusão de que o “Banco DD, S.A.” agiu ilicitamente.

Não se divisam razões que, com propriedade, possam conduzir a solução diversa, pelo que também improcede esta questão suscitada.

 

  2.4. Da falta de alegação e de demonstração do nexo de causalidade

Por último, sustenta o recorrente que a recorrida não alegou qualquer facto de onde se extraia a existência de uma relação causal e o seu alegado dano, que o acórdão recorrido não concita os factos subjacentes ao estabelecimento da presunção conducente à demonstração do nexo de causalidade e que, por fim, não foi provado que o negócio foi causa adequada daquele dano.

Vejamos separadamente cada um dos argumentos convocados.

O novo Código de Processo Civil viabilizou que os tribunais de instância passassem a dispor de maior margem de manobra na definição da matéria de facto que releva para a decisão da causa.

Contudo, relativamente aos factos que compõem a causa de pedir, continua, como se disse, a vigorar o princípio dispositivo (n.º 1 do art.º 5.º do Código de Processo Civil), o qual constitui ainda uma emanação de princípios com dignidade constitucional como sejam a autonomia da vontade e a propriedade privada[29].

Em suma, as partes continuam a ser as únicas responsáveis por traçar os limites do objecto da causa (delineando os contornos da causa de pedir, do pedido e das excepções peremptórias), incumbindo, em particular, ao autor o ónus de, na petição inicial, alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir [alínea d) do n.º 1 do art.º 552.º do Código de Processo Civil].

Recentrando-nos no caso em apreço, é indubitável que, como deriva da previsão abstracta do art.º 798.º do Código Civil e do n.º 1 do art.º 314.º do Código dos Valores Mobiliários, a causa de pedir complexa ali prevista é, ademais, integrada pela alegação do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa do intermediário financeiro e o dano cujo ressarcimento se almeja.

Nessa medida, impendia sobre a recorrida o ónus de alegar os pertinentes factos.

Ora, no artigo 13.º da petição inicial, a autora alegou que «Perante os argumentos do gerente de conta do DD- (ACTUAL BANCO BB S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), que propunha a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez semestral ao par, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo a Autora acedeu em adquirir a aplicação financeira que se traduziu na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que estavam a ser dadas pelo gerente daquele Balcão do DD, na agência de ....».

E, mais adiante (fls. 12, pág. 20 da petição inicial), invocou que «No caso dos autos. Foi com base na “informação de capital garantido” que a Autora deu o seu acordo na aquisição do mencionado título, sendo certo (…) sem essa informação a Autora não daria o seu acordo na aquisição do identificado activo financeiro».

Teve-se como provado (cfr. ponto n.º 12 do elenco factual) que «se eles soubessem que estavam a dar ordem de compra de dívida de uma entidade distinta do Banco DD e que este não era responsável pela restituição do capital na maturidade, não teriam dado ordem de compra da Obrigação em questão; manteriam a sua posição anterior no Banco.»  

Não é difícil concluir que este facto teve por base as aludidas alegações.

Daí que se deva considerar cumprido o aludido ónus de alegação, improcedendo, como tal, o vertido nas conclusões XXIX e XXXIV a XXXVI.

Vejamos, agora, a invocação atinente à viabilidade/admissibilidade da formulação de presunções neste domínio.

Como se disse, o Supremo Tribunal de Justiça pode averiguar se a Relação, ao manter ou alterar a matéria de facto, respeitou os limites traçados pela lei e averiguar se fez correcta observância das regras de direito probatório material.

Vem sendo uniformemente afirmado, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ser lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, fazerem a sua interpretação e esclarecimento, desde que não a alterem, antes se limitando a desenvolvê-la.

Desse modo, o emprego da prova por presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil) tem que confinar-se aos factos controvertidos oportunamente alegados, não podendo daí derivar a supressão do ónus da prova ou a subversão das regras que regem sobre a sua repartição entre as partes.

E este Supremo Tribunal pode censurar a decisão da Relação que infrinja o atrás apontado limite, decidindo se, no caso, era ou não possível o uso de presunções ou se a formulação se mostra afectada por ilogicidade[30].

É que, de acordo com a definição legal, as presunções judiciais são ilações que o julgador extrai de um facto conhecido – que é um facto sustento da presunção – para firmar um facto desconhecido - facto presumido. O suporte desse raciocínio intelectual são as regras da experiência da vida, o conhecimento da normalidade das coisas e o domínio da lógica, sendo que a afirmação do facto desconhecido deve surgir como «a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»[31].

No caso vertente e como resulta da antecedente transcrição[32], a introdução do facto vertido no ponto n.º 12 (anote-se que tal facto não fora tido como demonstrado ou indemonstrado em 1.ª instância) no elenco factual provado alicerçou-se, por um lado, na convicção adquirida pela Relação de que a autora estava convencida de que «estava a contratar com o Banco e a subscrever produto financeiro desse Banco, garantindo este o seu reembolso», por outro, na constatação de que a mesma tinha um perfil conservador (não colocando, pois, sequer a hipótese de perder o capital investido) e, por fim, na consideração de que não foi informada da natureza das obrigações em que investiu e das suas inerências.

A partir da ponderação desses elementos, o Tribunal a quo logrou extrair a presunção que firmou a demonstração daquele facto.

A consideração destes elementos evidencia que a Relação cumpriu o iter procedimental estabelecido para o emprego da prova por presunção judicial.

Note-se, primeiramente, que foram indicados os factos instrumentais que suportam a ilação extraída (cfr. segunda parte do n.º 4 do art.º 607.º do Código de Processo Civil). 

Por seu turno, não se detecta, no encadeamento de razões espelhado no aresto recorrido, qualquer vício discursivo ou ilogicidade que seja susceptível de justificar a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça. Nem, de resto, o recorrente o identifica em concreto, já que se limita a invocar a falta de suporte alegatório para fundamentar a presunção extraída pela Relação.

Atente-se, enfim, que a Relação apelou unicamente a uma presunção judicial, não tendo feito uso de uma interpretação do preceituado no art.º 314.º do Código dos Valores Mobiliários e no art.º 799.º do Código Civil, segundo a qual a presunção de culpa aí contida se estenderia unicamente à ligação causal entre o facto ilícito e culposo e o dano[33].

Nessa medida, carece de sentido e de utilidade discorrer sobre o que se inscreveu nas conclusões XIX a XXII e XIV em que se debate a extensibilidade de tal presunção.

Não se divisam, assim, razões que possam conduzir à enunciação de solução diversa, pelo que improcede ou é irrelevante a alegação atinente a esta questão.

Resta, por fim, determinar se os factos apurados são causalmente adequados aos danos ressarcidos no acórdão recorrido. É esse, se bem compreendemos, o cerne do que se afirma nas conclusões XXIII, XXV (parte final), XXVI e XXXVII a XLI.

Vejamos então.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça[34] tem assumido que o nexo de causalidade é analisado segundo a teoria da causalidade adequada, na sua vertente negativa, a qual é tida como mais criteriosa e que se considera inscrita no art.º 563.º do Código Civil.

De acordo com tal formulação, o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza, se mostrar indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto[35].

Desse modo, embora não incumba a este Tribunal apurar, do ponto de vista naturalístico, a materialidade subjacente ao estabelecimento do nexo de causalidade, dispõe este Supremo da medida de jurisdição necessária para averiguar se, em relação a ele, ocorre o correspondente nexo de adequação, por tal constituir matéria de direito.

Retornando ao caso em apreço, temos que o acórdão recorrido assentou a verificação do nexo de causalidade entre o comportamento ilícito do recorrente e o dano na demonstração de que «se eles soubessem que estavam a dar ordem de compra de dívida de uma entidade distinta do Banco DD e que este não era responsável pela restituição do capital na maturidade, não teriam dado ordem de compra da Obrigação em questão; manteriam a sua posição anterior no Banco.».

Embora não seja uniforme a jurisprudência relativamente ao nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano[36], tal facticidade revela-se, de acordo com a maioria da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça[37], suficiente para o preenchimento do nexo de causalidade entre o facto ilícito perpetrado pelo recorrente e os danos tidos como indemnizáveis pelo acórdão recorrido, qual seja a perda do capital investido[38] pela recorrida na aquisição da dita posição obrigacionista e às consequências de índole psicológica que tal situação acarretou para a autora (cfr. pontos n.ºs 6 e 7 da fundamentação de facto).

Com efeito, a demonstração de tais factos permite constatar que o omitido cumprimento do dever de informação se constituiu com condição sine qua non desses danos, já que a recorrida não teria adquirido as obrigações se assim não tivesse sucedido.

E, por outro lado, alcança-se que foram os moldes em que o recorrente conduziu a intermediação financeira que espoletaram esse dano. É que, se aquele tivesse advertido a recorrida nos termos legalmente preconizados, a mesma não teria adquirido as obrigações em questão e, logo, não suportaria a perda patrimonial daí adveniente nem teria as inerentes preocupação e ansiedade.

Acresce, enfim, que, como vimos, o art.º 563.º do Código Civil apenas atribui relevo à formulação negativa da teoria da causalidade adequada.

Ora, a concitação do juízo de prognose (conclusão XXXIX) convoca os ensinamentos da formulação positiva da causalidade adequada (o facto será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação), sendo, pois e desde logo, inatendível.

Daí que se deva concluir pela verificação de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

Improcede, assim, também esta questão.

O recurso de revista deve, pois, improceder, com a consequente manutenção do acórdão recorrido.

Sumariando em jeito de síntese final:
1. Não padece de nulidades, por excesso de pronúncia, nem por condenação além do pedido, o acórdão que se conteve nos estritos limites delineados pelas conclusões da apelação, conhecendo de questão que fora suscitada pela apelante, na sequência da improcedência do pedido que formulara na petição inicial.
2.  Não viola o disposto no art.º 412.º, n.º 2, do CPC a Relação que se limita, no discurso motivador da decisão de facto, a notar a similitude com outras situações já antes apreciadas para enquadrar, esclarecer e complementar a valoração da prova testemunhal e documental que efectuou, sendo que tal apreciação não é sindicável pelo STJ.
3. Uma instituição de crédito, que assume ope legis a qualidade de intermediário financeiro, deve informar com clareza os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos para que a decisão por eles tomada seja esclarecida e fundamentada, mantendo com eles relações segundo os ditames da boa fé e de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
4. A intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual e do concreto perfil do cliente.
5. Não cumpre o dever de informação nos termos em que é legalmente preconizado o banco que não presta ao cliente informação acerca da identidade da sociedade emitente de obrigações, nem o esclarece sobre a natureza do investimento que intermediou, tendo ficado convencido, erroneamente, de que se tratava da mesma entidade e de um depósito a prazo, o que foi determinante na aquisição das obrigações.
6. É lícita a prova por presunção judicial a partir de factos provados para firmar um facto desconhecido e dá-lo como provado.
7. Existe nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano da perda do capital investido na aquisição da posição obrigacionista e dos juros moratórios, bem como os correspondentes danos não patrimoniais quando se prova que a ordem de compra das obrigações não teria ocorrido se o cliente, com formação básica, desprovido de conhecimentos financeiros e avesso a investimentos desse tipo, soubesse que estava a dar ordem a uma entidade distinta do intermediário financeiro e que este não era responsável pela restituição do capital.

III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar o recurso de revista improcedente e manter o acórdão recorrido.


*

Custas pelo recorrente.

*

Lisboa, 9 de Abril de 2019

Fernando Samões (Relator) *
Maria João Vaz Tomé
António Magalhães

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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Cível de Leiria – Juiz 4.
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães

[3] A enumeração das conclusões padece de um evidente lapso de escrita, o que justifica a referenciação aparentemente desordenada das mesmas.
[4] Assim, ANSELMO DE CASTRO, Lições de Processo Civil, vol. III, Coimbra, pág. 235; MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra pág. 318; Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, págs. 675 e 691, a propósito do correspondente art.º 661.º do CPC de 1961, de igual teor.
[5] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, pág. 737.
[6] São nossos os sublinhados do texto.
[7] A este respeito, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 2009, proferido na revista n.º 507/09 e acessível em www.dgsi.pt.
[8] Assim ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, pág. 519.
[9] Salvo menção em contrário, reportar-nos-emos, doravante, à redacção de preceitos deste diploma na versão do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, por ser aquela que estava em vigor (cfr. n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil) em 1 de Junho de 2010, data em que a recorrida solicitou ao recorrente que adquirisse as obrigações emitidas pela “EE, SGPS, S.A.” que haviam precedentemente sido adquiridas por Silvino Alexandre (cfr. pontos n.os 2 a 4 da fundamentação de facto). 
[10] Assim, entre outros, os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2019 e de 7 de Fevereiro de 2019, proferidos, respectivamente, no processo n.º 2406/16.4T8LRA.C2.S1 e no processo n.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Cujo art.º 1.º aprovou a versão original do Código dos Valores Mobiliários.
[12] Cujo art.º 1.º aprovou o Código do Mercado de Valores Mobiliários.
[13] Cujo teor era o seguinte:
«Artigo 97.º
Informação
1 - A informação, obrigatória ou facultativa, fornecida ao público, sob qualquer forma, pelas entidades emitentes, entidades responsáveis por ofertas públicas de subscrição ou de transacção, intermediários financeiros e entidades gestoras de mercados secundários deve conformar-se com princípios rigorosos de licitude, veracidade, objectividade, oportunidade e clareza.
2 - As entidades referidas no número anterior não poderão, nomeadamente pela insuficiência, inexactidão ou falsidade da informação que divulguem, pela falta de rigor ou de fundamento objectivo dos indicadores, previsões ou juízos de valor que dela façam constar, pela forma dúbia ou confusa que revista, pelo modo ou contexto da sua apresentação, pela sua falta de actualidade ou de oportunidade, pela omissão de esclarecimentos necessários para o seu correcto entendimento e avaliação ou por quaisquer outras circunstâncias cujo conhecimento, explicitação ou consideração fosse razoavelmente exigível das mesmas entidades, induzir o público em erro sobre a realidade dos factos, situações, actividades, resultados, negócios, perspectivas, valores, taxas de rendimento ou de valorização de capital investido ou quaisquer outras matérias que sejam objecto dessa informação.».
[14] Neste sentido, vd., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 e de 19 de Dezembro de 2018, proferidos, respectivamente, no processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 e no processo n.º 433/11.7TVPRT.P1.S2, acessíveis em www.dgsi.pt.
[15] Assim, o citado acórdão de 6 de Novembro de 2018.
[16] Assim, PAULO CÂMARA, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 685.
[17] Assinala GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS - A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, pág. 135 - que «(…) são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (...) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivas para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele (…)».
[18] Exemplificativa e mais recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1 e ainda inédito.
[19] É por isso que, com PAULO CÂMARA, - ob. cit. pág. 691 – se pode afirmar que «(…) um dos alicerces do sistema mobiliário (…)» é a «(…) função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes (…)».
[20] Obrigação que sempre lhes adviria do respeito pelo estatuído no n.º 1 do art.º 227.º e no n.º 2 do art.º 762.º, ambos do Código Civil.
[21] A este respeito, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt, bem como o citado acórdão de 6 de Novembro de 2018.
[22] Assim, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt e AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia, Volume XIV, págs. 138 e 139. Trata-se, em suma, do “suitability test” – à disponibilidade para conhecer o risco –, como se encarou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[23] Cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[24] Assim, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt. A este respeito, v. ainda FELIPE CANABARRO TEIXEIRA, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, in Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, págs. 74 e segs.
[25] A respeito do modo como deve ser aferida a ilicitude na responsabilidade civil contratual, v. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª Edição, pág. 94. Em aplicação do critério enunciado no texto v., no domínio da responsabilidade contratual do intermediário financeiro, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 364/11.0TVLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt. 
[26] Cfr. ponto n.º 4 do elenco factual.
[27] Entidade cuja fusão veio dar a origem ao Réu (cfr. ponto n.º 1 do elenco factual).
[28] Até porque se deu como provado que até ao dia 10 de Outubro de 2014, sempre foram pagos os juros do capital investido na identificada aplicação financeira (cfr. ponto n.º 5 do elenco factual).
[29] MARIANA FRANÇA GOUVEIA, O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual in R.O.A., ano 73, vol. II/III, pág. 602, igualmente acessível em http://www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf.
[30] Assim, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2004 e de 29 de Abril de 2010, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 3526/04 e 792/02.2YRPRT.S1 e acessíveis em www.dgsi.pt.
[31] Cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 3612/07.0TBLRA.C2.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[32] E, como adiante se reafirmou na motivação jurídica do julgado: «Este nexo (art. 563º do Código Civil) deve ser encontrado na demonstração, que decorre da matéria de facto e da motivação da decisão desta, de que se o Banco tivesse informado completamente os subscritores, estes não teriam investido naquela aplicação, mas sim noutra que lhes garantisse o capital, condição de investidores conhecida do banco, “quem procurava aplicar as suas poupanças para garantir a sua velhice”. Com certeza, os subscritores manteriam os seus depósitos a prazo no DD.».
[33] Solução que, de resto, poderia ter acolhimento no parecer de MENEZES CORDEIRO junto a fls. 241v. e ss. (e, com maior detalhe e alcance, na lição de PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, Coimbra, págs. 1388 e 1389), mas que tem vindo a ser rejeitada pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver pela recensão feita no acórdão de 24 de Janeiro de 2019 precedentemente citado. Na doutrina, v. ainda NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, Deveres de Protecção em Relações Obrigacionais, in Scientia Juridica, Tomo LII, N.º 297, pág. 495.
[34] Entre muitos outros, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 4474/03, e de 16 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 1623/03.1TCLRS.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[35]Mais desenvolvidamente, vd. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, cit., págs. 893, 894, 899,900 e 890 e 891 e ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, pág. 708.
[36] No sentido da sua inexistência podem ver-se, v.g., os acórdãos do STJ de 4 e 11 de Outubro de 2018 e de 21/2/2019, já citados.
[37] Neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes:
- os citados acórdãos de 24 de Janeiro de 2019 e de 6 de Novembro de 2018;
- os acórdãos do STJ de 5 de Junho de 2018,  proferido no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1; de 13 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1; de 18 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 20403/16.8T8SLB.L1.S1; e de 25 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt;
- o acórdão de 8 de Novembro de 2018, proferido no processo n.º 6164/09.0TVLSB.L1.S1 e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/02/sum_acor_civel_novembro_2018.pdf.
[38] Note-se que a entidade emitente foi declarada insolvente (ponto n.º 14 do elenco factual) e que as obrigações adquiridas são de natureza subordinada (ponto n.º 5 do mesmo elenco). Assim, é de ter como certa a inviabilidade prática da recuperação do montante investido, atenta a prevalência dada, no processo de insolvência, ao pagamento dos créditos garantidos, aos créditos privilegiados e dos créditos comuns (cfr. alínea c) do artigo 48.º e o artigo 177.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – a este respeito, v. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.