Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
023987
Nº Convencional: JSTJ00012713
Relator: MENDES ARNAUT
Descritores: CASO JULGADO PENAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19350122023987
Data do Acordão: 01/22/1935
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 30-01-1935; COL OF ANO34,12; RT ANO53,24
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1935
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: RSH892 ARTIGO 230.
CPP29 ARTIGO 138 ARTIGO 148 - ARTIGO 154 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 669 PARUNICO.
CCIV867 ARTIGO 2503 - ARTIGO 2505.
Sumário :
Para os efeitos do artigo 148 do Codigo do Processo Penal, e abrangida na expressão "mesmos factos" a repetição, pelo arguido ou seus representantes, de factos que, contra o mesmo contraditor ou seus representantes, tenham sido julgados definitivamente não delituosos por representarem o uso de um direito civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em pleno, ou secções reunidas:

Havendo sido instaurado e seguido na comarca de Paredes este processo contra A e B, de Rebordosa, por transgressão do artigo 230 do regulamento dos serviços hidraulicos de 19 de Dezembro de 1892, com o fundamento de haverem danificado uma presa de agua existente na margem e leito do ribeiro de moleiros, o respectivo agente do Ministerio Publico promoveu que eles fossem chamados a julgamento em policia correccional. Na sua defesa deduziram os arguidos a excepção do caso julgado, fundados em que, como da certidão que estes haviam junto a folha..., eles ja tinham respondido nesse tribunal pelos mesmos factos a que se referem estes autos e deles foram absolvidos por sentença, que foi confirmada pelo acordão da Relação do Porto datado de 22 de Julho de 1933; e pela sentença, constatada a folha..., o juiz julgou procedente essa invocada excepção e absolveu da instancia os arguidos.


Em recurso que dessa sentença o Ministerio Publico levou para a Relação do Porto, este Tribunal, por seu acordão de folha..., não considerou como caso julgado para este processo aquele invocado acordão de 22 de Julho de 1933; e, por isso e revogando a mesma sentença, conheceu da acusação porque (diz-se) os autos forneciam para tanto os necessarios elementos, e julgando-a improcedente, absolveu os arguidos da imputada transgressão.
E, porque esta decisão não admitia recurso ordinario em face do disposto no artigo 646, n. 6, do Codigo do Processo Penal, o respectivo magistrado do Ministerio Publico, sob o fundamento de que ela se encontra em manifesta oposição, sobre a mesma materia de direito -
- requisitos essenciais do caso julgado em materia criminal -, com o acordão da mesma Relação datado de 29 de Novembro de 1933, cuja certidão juntou a folha..., traz interposto dela o presente recurso extraordinario, nos termos do artigo 669 e paragrafo unico do referido Codigo do Processo Penal, a fim de este Supremo Tribunal, em pleno, fixar jurisprudencia.
Tal recurso foi admitido pelo acordão de folha..., por se verificar que em verdade e manifesta a oposição entre os dois acordãos sobre o mencionado ponto de direito e que do recorrido não cabia no caso recurso ordinario, e sim e facultado o extraordinario interposto e que o foi em tempo oportuno.
Como da respectiva minuta a folha..., o magistrado recorrente, depois de por em confronto os dois acordãos para melhor evidenciar a invocada oposição doutrinal, conclui que o recorrido e que esta dentro dos principios estabelecidos nos artigos 148 e seguintes do ja mencionado Codigo do Processo Penal.


Antes de mais: verifica-se que no processo em que foi proferido o acordão invocado em oposição, e o qual fora instaurado e seguido na mesma comarca de Paredes, contra C, por ter alterado o curso de uma antiga levada de que era consorte, na sua contestação deduziu esse arguido a excepção do caso julgado, nos termos do artigo 2503 do Codigo Civil e artigos 138, 148 e 149 do Codigo do Processo Penal, juntando certidão da sentença e do acordão que por igual transgressão o absolveu; e o Tribunal da Relação julgou procedente essa deduzida excepção, fundando-se em que o artigo 148 do Codigo referido determina que - quando uma decisão transitada decidir ou julgar que os factos imputados não constituem infracção, não podera propor-se nova acção penal contra pessoa alguma pelos mesmos factos -, que esta expressão "mesmos factos" deve entender-se como sendo aqueles que reunem os mesmos elementos materiais e morais da infracção, que no caso de condenação e repetição dos mesmos factos, destinguindo-se por serem praticados em tempos diferentes, constituem reincidencia, mas no caso de absolvição a repetição dos mesmos factos em tempos tambem diferentes e igualmente a repetição de um facto que não constitui infracção, para o que o tempo não tem importancia, e assim (conclui) verifica-se a excepção do caso julgado.
Por seu lado o acordão recorrido ou o proferido nestes autos não considerou como caso julgado o invocado acordão de 22 de Julho de 1933, confirmativo da sentença que absolvera os arguidos da pretendida transgressão que, repetida por eles, originou a sua autuação e julgamento, por considerar que os requisitos do caso julgado em materia criminal variam conforme os casos (Codigo do Processo Penal, artigos 148 a 154), havendo todavia um requisito comum a todos eles - a identidade de facto, objecto da acusação -, mas identidade (constata-se) não significa nesta materia "perfeita semelhança" e sim absoluta conformidade quanto as circunstancias que o facto criminoso, objectivamente considerado, reveste (de tempo, lugar, etc.), acrescentando, por outras palavras: para que entre um facto que se acusa e outro que ja foi objecto de acusação exista identidade e preciso tratar-se em ambos os casos do mesmo facto, e não de factos de absoluta semelhança, praticados, embora pelos mesmos agentes, em ocasiões diferentes.


O caso julgado e genericamente definido no artigo 2502 do Codigo Civil como sendo - o facto ou o direito tornado como certo por sentença de que ja não ha recurso -; e, para que seja invocado como prova por via de excepção, deve satisfazer as tres condições ou requisitos indicados nos numeros do artigo 2503 do mesmo Codigo - identidade do objecto sobre que versa o julgamento, identidade do direito ou causa de pedir, e identidade dos litigantes e da sua qualidade juridica.


Mas, não se encontrando definido, como desnecessario, no Codigo do Processo Penal, neste se previnem, todavia, os casos e condições essenciais em que ele se verifica em materia criminal nos seus artigos 148 a 154.


Para a solução da hipotese dos autos porem somente importa o que dispõe o artigo 148, porquanto nas decisões em oposição doutrinal, e em especial na que foi nelas invocada como caso julgado, atendido em uma mas desatendido na outra, julgou-se (incluindo afinal o proprio acordão recorrido, que todavia desatendeu a excepção) que os factos constantes dos autos (e que ficaram sumariados no relatorio deste) não constituem infracção, caso em que esse artigo 148 determina que - não podera propor-se nova acção penal pelos mesmos factos contra pessoa alguma: e os outros artigos respeitam a casos ja antes previstos no proprio Codigo Civil (seus artigos 2504 e 2505) ou no artigo 883 da Novissima Reforma Judiciaria, sendo claro que a expressão "esses factos", empregada no artigo 149 do Codigo, abrange tão so os que constituiram a anterior infracção e em cujo julgamento se reconheceu que o arguido os não praticou ou que não e responsavel por eles ou que se extinguiu a respectiva acção penal, como a expressão "mesmos factos" do seu artigo 150 abrange aqueles pelos quais o reu ja antes respondera e dos quais fora absolvido por falta de provas.

A questão e pois restrita a interpretação da expressão "mesmos factos" empregada igualmente naquele artigo 148 do Codigo.

Abrangera ela tão so e precisamente o mesmo facto pelo qual os arguidos haviam antes respondido (destruição da presa, a qual em ambos os casos foi considerada como existente em um curso de aguas particulares e não publicas), facto este que o julgado decidiu não constituir infracção, de sorte que somente por esse mesmo facto e que não podera propor-se nova acção penal, tal como se entendeu no acordão recorrido, mas em o qual alias se concluiu tambem pela inexistencia da infracção?


Ou querera significar tambem que, havendo decisão transitada de que um facto praticado por certas pessoas em determinadas circunstancias de tempo, lugar, etc., não constitui infracção punivel, se, em igualdade de circunstancias, essas mesmas pessoas praticarem, em ocasião diferente, identico facto (no caso - a destruição da presa), aquela decisão constituira para essas pessoas (os arguidos) e bem assim para o Ministerio Publico acusador, ou seja para os litigantes, um caso julgado impedindo que seja proposta contra aqueles uma nova acção penal?


A referida disposição do Codigo não pode deixar de interpretar-se neste segundo sentido, sob pena de se ir ate ao absurdo de - poder ser sucessivamente perseguido qualquer que, embora absolvido de agente de um facto, que os tribunais hão definitivamente julgado não constituir infracção ou não ser enfim legalmente punivel, venha a praticar novo facto em igualdade de circunstancias, identico facto ou o mesmo facto, segundo a expressão empregada pelo legislador.


De resto, o primeiro requisito do caso julgado - identidade do objecto - não pode ter o significado restrito e literal que se lhe deu no acordão recorrido, pois que etimologicamente e na linguagem corrente quer dizer que os factos sejam perfeitamente semelhantes, analogos, da mesma natureza e contendo os mesmos elementos caracteristicos; de sorte que havera perfeito caso julgado, em o qual o direito dos litigantes foi tornado certo, desde que conjuntamente se verifique a identidade do direito ou causa de pedir e a identidade desses litigantes e da sua capacidade juridica, requisitos estes que nem sequer foram postos em duvida.
Por estes fundamentos, e revogando neste ponto doutrinal o acordão recorrido, na interpretação do mencionado artigo 148 do Codigo do Processo Penal, fixam a seguinte jurisprudencia ou "assento":
Para os efeitos do artigo 148 do Codigo do Processo Penal, e abrangido na expressão "mesmos factos" a repetição, pelo arguido ou seus representantes, de factos que, contra o mesmo contraditor ou seus representantes, tenham sido julgados definitivamente não delituosos por representarem o uso de um direito civil.


Lisboa, 22 de Janeiro de 1935

Mendes Arnaut - Pires Soares - Silva Monteiro - Alexandre de Aragão - J. Soares - A. Osorio de Castro - Arez -
- Amaral Pereira - Ponces de Carvalho - E. Santos - A.
Campos - Crispiniano - J. Cipriano - B. Veiga - Carlos Alves - Alfeu Cruz.