Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03080
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO
PREJUÍZO PATRIMONIAL
DESPENALIZAÇÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ1993012700030805
Data do Acordão: 01/27/1993
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DR IS 1993/04/07, PÁG. 1760 A 1765
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
O artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, não criou um novo tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão nem teve o efeito de despenalizar as condutas anteriormente previstas e puníveis pelo artigo 24.º do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, apenas operando essa despenalização quanto aos cheques de valor não superior a 5000$00 e quanto aos cheques de valor superior a esse montante em que não se prove que causaram prejuízo patrimonial .
Decisão Texto Integral:
Acordam no Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - A Exma. Procuradora da República no Tribunal da Relação de Lisboa veio, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão daquele Tribunal de 7 de Junho de 1992, proferido no processo n.º 3080, da 5.ª Secção, transitado em julgado, alegando, em substância e com interesse, que:
No acórdão recorrido decidiu-se que a emissão de cheque sem provisão praticada no âmbito da vigência do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, está despenalizada face ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, e no artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal;
Por seu turno, os Acórdãos da mesma Relação de 24 de Junho de 1992 e de 1 de Julho de 1992, proferidos nos processos n.os 27984 e 27796, respectivamente, sentenciaram em sentido oposto, isto é, que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 454/91 não conduziu à despenalização da emissão de cheque sem provisão praticada na vigência do falado Decreto n.º 13004;
Verifica-se, pois, que os indicados acórdãos da Relação de Lisboa, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, acolheram soluções claramente opostas;
Não é admissível recurso ordinário do acórdão recorrido e todos os apontados acórdãos transitaram em julgado, estando reunidas as condições de admissibilidade do presente recurso extraordinário.
2 - Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, proferido o despacho liminar e colhidos os vistos, decidiu-se, por Acórdão de 19 de Novembro de 1992, que o recurso devia prosseguir, porquanto se verifica (como, aliás, decorre do já acima exposto) que se trata de acórdãos da mesma Relação, proferidos no domínio da mesma legislação, que deram solução oposta à mesma questão de direito.
Cumprido o disposto no artigo 442.º do Código de Processo Penal, apenas o Ministério Público apresentou as suas alegações.
Nesta douta peça, e além de restringir o fundamento do recurso à oposição do acórdão recorrido com o predito acórdão proferido no processo n.º 27796, de 1 de Julho de 1992, suscitou a questão da impossibilidade de reapreciação dos pressupostos da decisão preliminar sobre a oposição de acórdãos e, quanto à questão de mérito, concluiu que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos:
O Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, ao exigir, de forma expressa, a verificação de um prejuízo patrimonial como elemento constitutivo do crime de emissão de cheque sem provisão, não veio a acrescentar qualquer elemento novo ao tipo de crime previsto no artigo 24.º do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 25/81, de 21 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro, e pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, pelo que o novo diploma, com excepção dos cheques de valor inferior a 5000$00, apenas opera a descriminalização nos casos em que se prove a inexistência de prejuízo.
3 - A restrição do objecto da oposição apenas a um dos acórdãos fundamento (o proferido no processo n.º 27796), posto que corresponda a uma redução do pedido admissível, nos termos do artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é a que melhor se harmoniza com o sentido da lei, pois que dos artigos 437.º, 438.º e 440.º do Código de Processo Penal decorre que o regime do recurso extraordinário tem como pressuposto a oposição entre o acórdão recorrido e um outro, e não outros.
O que se compreende, pois de outra forma se alargaria intoleravelmente o objecto do recurso.
No que toca à mencionada questão prévia, deve dizer-se que o problema já foi suscitado e resolvido por este plenário das Secções Criminais no seu Acórdão (proferido no processo n.º 42317, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal) de 6 de Maio de 1992, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 180, de 6 de Agosto de 1992, no sentido de que o acórdão preliminar a que alude o artigo 441.º daquele Código não é mais do que uma decisão inicial, de que depende o prosseguimento do recurso, a qual não pode vincular os restantes juízes que são chamados a apreciar o seu objecto.
Solução que, no silêncio do Código de Processo Penal sobre este ponto concreto, e por força do seu artigo 4.º, tem de buscar-se no artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o qual expressamente dispõe que «o acórdão que reconheça a existência da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário».
É, porém, inquestionável que, no caso presente, os acórdãos recorridos e fundamento, mantendo-se inalterada a legislação, chegaram a soluções opostas quando se debruçaram sobre a mesma questão de direito, não tendo este plenário qualquer objecção a opor ao decidido no acórdão preliminar a fl. 33.
4 - Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
O Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, além do mais, estabelece:
Art. 23.º É considerada criminosa a emissão de um cheque que, apresentado a pagamento no competente prazo do artigo 12.º [hoje artigo 29.º da Lei Uniforme] do presente decreto com força de lei, não for integralmente pago por falta de provisão.
Art. 24.º Ao sacador de um cheque cujo não pagamento, por falta de provisão, tiver sido verificado nos termos e no prazo prescritos nos artigos 21.º e 22.º do presente decreto com força de lei será aplicada, a pedido do portador do cheque, a pena de seis meses a dois anos de prisão correccional.
§ único. A aplicação desta pena não isenta o sacador do cheque da responsabilidade civil, ou de qualquer outra, em que, por disposição especial, possa incorrer.
Após longo trabalho doutrinal e jurisprudencial, foi uniformemente aceite que o tipo legal de crime definido naqueles artigos se preenche com os seguintes elementos essenciais:
Objectivos - o preenchimento do cheque com a assinatura do sacador, a falta ou insuficiência de fundos no banco sacado, a entrega do cheque ao tomador ou beneficiário;
Subjectivos - o conhecimento por banda do sacador daquela falta ou insuficiência de fundos, a vontade de praticar o facto sabendo que o mesmo é proibido, ou seja, a consciência da falta de provisão e da ilicitude da conduta, bastando para a comissão do crime o chamado «dolo genérico».
Por outro lado, sempre foi igualmente aceite que o bem jurídico que aquele tipo legal de crime visa tutelar é a confiança ou credibilidade do cheque como meio de pagamento.
5 - É sabido que, quando a lei define o crime nos seus elementos constitutivos essenciais, está a fornecer-nos o chamado «tipo legal».
Dito de outro modo, são elementos essenciais do crime aqueles que, por lei, são indispensáveis para a existência do crime; já não são elementos essenciais, mas antes acidentais, aqueles que apoiam ou fundamentam a quantidade ou gravidade quer do facto ilícito quer da culpabilidade (v. Cavaleiro de Ferreira, Lições, 1985, p. 18, e F. Antolisei, Manual do Direito Penal, tradução espanhola, p. 154).
Por outro lado, será na análise do «tipo legal do crime» (na medida em que neste «o legislador descreve aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais, que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais» - v. Eduardo Correia, Teoria do Concurso, 1963, p. 96) que o juiz terá de encontrar os interesses ou bens jurídicos protegidos em cada caso.
Num mundo de interpenetração de interesses, em que é praticamente impossível isolar, no objecto da tutela jurídica de determinado tipo, um único interesse, teremos de ter presente não só o conceito estrito de «tipo legal de crime» (onde releva, no plano normativo, aquele interesse específico que o Estado quis tutelar - e expressa na síntese categorial do tipo) como o seu conceito lato, onde cabem, além daquele bem jurídico, v. g., as condições objectivas de punibilidade, a forma de actuação e outras (v. Eduardo Correia, ibidem; Mezger, Tratado, tradução espanhola, I, p. 369; Welzel, citado por Cuello Calón, in Direito Penal, p. 332, e Yescheck, Tratado, tradução espanhola, I, p. 267).
Sem esquecer que, com referência a pontos de vista diferentes, existe toda uma tipologia elaborada doutrinalmente, a partir da forma de aparição do crime, de que se destacam os crimes de resultado e de simples actividade, de perigo e de dano, básicos e qualificados ou privilegiados, compostos, permanentes, etc.
Ora, uma das actividades principais do intérprete é a da determinação e conhecimento do bem jurídico tutelado pelo tipo legal de crime, sendo certo que o bem jurídico assim obtido constitui por sua vez o mais importante meio de interpretação da estrutura do dito tipo e das suas especiais características (v. Mezger, ibidem, p. 403).
6 - Já se viu que o tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão tutela, especificamente, o interesse ou bem jurídico da confiança ou credibilidade do cheque como meio de pagamento.
De posse deste elemento interpretativo, logo estamos aptos a partir, como se disse, para a interpretação da singular estrutura do tipo legal e das suas especiais características.
E rapidamente descobrimos que o legislador desde cedo quis tutelar a segurança da circulação do cheque em várias vertentes, com incidência nos aspectos penais, administrativos e até da liberdade negocial, e que na sua mente esteve sempre presente - além do elemento essencial atinente à confiança na circulação do cheque como meio de pagamento - o elemento reflexo ou indirecto respeitante ao «prejuízo patrimonial» normalmente (id quod plerumque accidit) derivado da devolução de um cheque por falta de provisão, ora acentuando um ora outro dos aludidos interesses.
Logo no Decreto n.º 13004 o legislador teve em mente o prejuízo patrimonial ao preocupar-se em ressalvar expressamente, no § único do artigo 24.º, a responsabilidade civil do sacador do cheque, quando conhecia o artigo 2361.º do Código Civil de 1867, donde já resultava que «todo aquele que viola ou ofende os direitos de outrem constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado por todos os prejuízos que lhe causa».
No Decreto-Lei n.º 182/74, de 2 de Maio, que passou a punir (artigo 2.º) o crime de emissão de cheque sem provisão com prisão maior de 2 a 8 anos, o legislador, no preâmbulo, põe o acento tónico na intensificação do uso do cheque como meio de pagamento.
Mas já no Decreto-Lei n.º 530/75, de 25 de Setembro, em que exclusivamente se estabelecem medidas de carácter administrativo, o legislador, sublinhando as duas vertentes apontadas, reconhece ser necessário «um meio eficaz de evitar que pessoas, reconhecidamente tidas por indesejáveis utilizadoras do cheque, continuem a dispor de um meio fácil de lesarem os interesses patrimoniais de terceiros, comprometendo, assim, a criação do desejável clima generalizado de confiança, tão necessário à rápida difusão do cheque».
Por sua vez na Lei n.º 25/81, de 21 de Agosto, cujo artigo 6.º deu nova redacção ao artigo 24.º do Decreto n.º 13004, é clara a tónica do legislador no prejuízo patrimonial do portador ou beneficiário do cheque, como decorre insofismavelmente do facto de o crime passar a ser punido diferentemente conforme o cheque seja superior ou não a 50000$00 (corpo do artigo) e da isenção da pena de sacador (§ 1.º) no caso do pagamento voluntário ou depósito do valor do cheque, respectivos juros moratórios e indemnização, ou mesmo da consignação em depósito à ordem do credor, se este se recusasse a receber ou dar quitação - a significar que, mesmo contra a vontade do ofendido, onde não houver prejuízo patrimonial não há pena e que o prejuízo é condição de punibilidade.
Uma consequência notável derivou dessa nova redacção do artigo 24.º: a partir da sua entrada em vigor pode dizer-se que ficou ultrapassada a eficácia interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1980, publicado no Diário da República, de 13 de Abril de 1981, por terem mudado os pressupostos em que assentou. Pode até afirmar-se que não foi inocente a alteração legislativa tão pouco tempo após o assento.
Mais tarde, no Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro, o legislador foi ainda mais longe (artigo 1.º, n.º 1), ao fazer extinguir a responsabilidade criminal do sacador que, antes de instaurado o procedimento criminal, efectua o pagamento do montante do cheque, acrescido de juros moratórios e compensatórios, e ao determinar que o pagamento ou depósito referidos, até ao encerramento da audiência de julgamento, implica a suspensão da execução da pena que ao caso couber (n.º 3 do artigo 1.º).
Isto é, nos indicados casos, ilidido o prejuízo patrimonial, passa a extinguir-se a responsabilidade e o procedimento criminal ou a ser obrigatória a suspensão da execução da pena (o prejuízo patrimonial fica consagrado como condição de procedibilidade e também de punibilidade).
7 - Não ficaram por aqui as vicissitudes do tão falado artigo 24.º.
O Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o novo Código Penal, veio dar (no seu artigo 5.º) nova redacção ao corpo do mesmo artigo 24.º, tipificando um crime básico no n.º 1, punido com prisão até 3 anos, e um crime agravado, no n.º 2, que reza assim:
A pena será de 1 a 10 anos se:
a) O agente se entregar habitualmente à emissão de cheques sem provisão;
b) A pessoa directamente prejudicada ficar em difícil situação económica;
c) O quantitativo sacado for consideravelmente elevado.
É aqui evidente a consideração do prejuízo patrimonial como condição objectiva de punibilidade. E, pela primeira vez, faz-se uma clara aproximação do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão ao crime de burla, pois aquele n.º 2 do artigo 24.º corresponde literalmente, mutatis mutandis, ao artigo 314.º do Código Penal, onde o prejuízo patrimonial é inequivocamente elemento do tipo (v. artigo 313.º).
8 - E somos chegados à última alteração do artigo 24.º, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
Sem revogar o artigo 24.º do Decreto n.º 13004, que continua a ser referência obrigatória na definição do tipo, aquele diploma dispõe no seu artigo 11.º, n.º 1:
Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial:
a) Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8.º (5000$00) que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque;
...
Como se vê, o legislador tornou agora explícito aquilo que já era um dado implícito na redacção dada ao artigo 24.º pelo Decreto-Lei n.º 400/82: por um lado, a aproximação - e mesmo conjunção - entre o crime da emissão de cheque sem provisão e o crime de burla; por outro, a definitiva e clara consagração do prejuízo patrimonial como «elemento estrutural» do tipo legal de crime que nos preocupa.
9 - Analisando o Decreto-Lei n.º 454/91, elaborado no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, e a Lei n.º 30/91, de 20 de Julho, uma coisa resulta nítida no pensamento do legislador: este não quis despenalizar, com aquele primeiro diploma, as emissões de cheque sem provisão praticadas antes da sua vigência.
Por muitas prevenções que se façam contra o argumento a contrario sensu, é meridianamente claro que a Assembleia da República, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 30/91, apenas permitiu a despenalização quanto aos cheques do montante não superior a 5000$00.
Nem se compreenderia, de resto, que uma lei que veio permitir o alargamento da penalização a outras condutas ligadas à circulação do cheque [v. artigo 3.º, n.os 1, alíneas b) e c), e 2] quisesse permitir a despenalização do próprio cheque, se emitido antes da vigência do decreto-lei autorizado.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 454/91 é ainda mais patente o pensamento do legislador, ao afirmar a despenalização apenas quanto aos cheques de montante não superior a determinado montante (5000$00, por analogia com os 100 FF do direito francês) e ao evidenciar a ineficácia do sistema anterior de protecção penal do cheque e a necessidade da sua adequada revisão, reforçando-o.
E esclareceu:
A aplicação das penas do crime de burla ao sacador do cheque sem provisão [...] é uma consequência da proximidade material desses comportamentos com os que integram aquela figura do direito penal clássico.
Ora, porventura preocupado com a proximidade dos dois tipos penais, et pour cause, o legislador resolveu introduzir no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91 a expressão «causando prejuízo patrimonial», idêntica à do artigo 313.º, n.º 1, do Código Penal - «causem [...] prejuízos patrimoniais», passando a estar excluída da punição a emissão de cheque sem provisão que não cause prejuízo patrimonial (salvo os casos - que aqui não tratamos - de tentativa punível, abordados pelo Prof. Figueiredo Dias no parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. III, p. 65).
E aqui teve origem a polémica que tem agitado a jurisprudência e a doutrina nacionais e de que se fazem eco os acórdãos recorrido e fundamento e as doutas alegações do Ministério Público.
De um lado os que entendem que o legislador, ao introduzir o referido elemento, fez incluir no tipo um elemento especializador que transformou este de crime de perigo abstracto em crime de perigo concreto e operou uma verdadeira despenalização (a resolver nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal), por não haver uma relação de continuidade normativo-típica; do outro lado os que sustentam que no falado artigo 11.º, n.º 1, não foi introduzido qualquer elemento novo e que não pode falar-se em despenalização, devendo o problema da sucessão das leis no tempo ser resolvido de harmonia com o artigo 2.º, n.º 4, do referido Código.
10 - Sabido que o legislador não quis proceder à dita despenalização, só nos resta averiguar se exprimiu de forma tão inábil e canhestra o seu pensamento que deixou uma abertura conceitual por onde ela poderia entrar.
Embora o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil nos diga que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, é conhecido que nem sempre isso acontece, desmentindo-se o brocardo ubi lex voluit dixit.
Deve adiantar-se que a resposta à referida questão é negativa, pois que de tudo o que ficou expendido pode concluir-se que:
1.º O bem jurídico essencialmente protegido pelo tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão é a confiança na circulação do cheque, dada a sua função económico-jurídica como meio de pagamento;
2.º A doutrina mais representativa sempre considerou as condições objectivas de punibilidade do crime como fazendo parte do tipo, em sentido lato;
3.º Pelo menos desde o Decreto-Lei n.º 25/81, de 21 de Agosto, que o elemento «prejuízo patrimonial» passou a integrar uma condição objectiva de punibilidade e, portanto, a fazer parte do tipo legal de crime do artigo 24.º do Decreto n.º 13004;
4.º A inclusão daquele elemento como condição objectiva de punibilidade foi ainda mais vincada nos Decretos-Leis n.os 14/84 e 400/82;
5.º O legislador do Decreto-Lei n.º 454/91, ao incluir no artigo 11.º, n.º 1, o elemento «prejuízo patrimonial» - e ao consagrar este como elemento estrutural do tipo -, não introduziu elemento novo que não estivesse já contido no tipo legal do crime de emissão de cheque sem provisão;
6.º Pode mesmo reconhecer-se que o legislador sempre considerou o «prejuízo patrimonial» como conatural do não pagamento de um cheque por falta de provisão;
7.º Não pode afirmar-se que, com o artigo 11.º, n.º 1 - e face ao predito tipo legal -, fosse agravada a posição dos arguidos;
8.º Conhecendo o legislador a jurisprudência que - no geral, e continuando a ater-se ao Assento de 12 de Março de 1981 - punia o crime de emissão de cheque sem provisão quer tivesse ou não tivesse causado prejuízo patrimonial, a inclusão do elemento «causando prejuízo patrimonial» traduziu-se numa restrição ou redução da previsão anterior, retirando relevância criminal aos casos (que poderiam sofrer punição à luz do assento) em que não se prova o prejuízo patrimonial;
9.º É de concluir, finalmente, e em relação aos cheques sem provisão emitidos antes da vigência do Decreto-Lei n.º 454/91, que o facto punível não foi eliminado do número das infracções (pelo que não pode aplicar-se o artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal) e que o problema que se põe é apenas de sucessão de leis no tempo, a resolver de harmonia com o artigo 2.º, n.º 4, do mesmo Código, ou seja, aplicando o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, no caso concreto.
11 - Por tudo o que se expôs, decide-se solucionar o conflito de jurisprudência gerado entre os Acórdãos da Relação de Lisboa de 7 de Junho de 1992, proferido no processo n.º 3080, da 5.ª Secção, e de 1 de Julho de 1992, prolatado no processo n.º 27796, da 3.ª Secção, fixando a jurisprudência pelo modo seguinte:
O artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, não criou um novo tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão nem teve o efeito de despenalizar as condutas anteriormente previstas e puníveis pelo artigo 24.º do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, apenas operando essa despenalização quanto aos cheques de valor não superior a 5000$00 e quanto aos cheques de valor superior a esse montante em que não se prove que causaram prejuízo patrimonial.
Deve, oportunamente, a decisão recorrida ser alterada pelo tribunal que a proferiu, em cumprimento da jurisprudência acabada de estabelecer.

Lisboa, 27 de Janeiro de 1993.

António de Sousa Guedes (relator) - José Henriques Ferreira Vidigal - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Bernardo Guimarães Fischer de Sá Nogueira - António Coelho Ventura - Jorge Celestino da Guerra Pires - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - Armando Pinto Bastos (vencido, conforme declaração que junto) - José Abranches Martins (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Armando Bastos) - Fernando Lopes de Melo (vencido, em parte, nos termos e com os fundamentos constantes da declaração de voto que junto) - Fernando Alves Ribeiro (vencido, concordando no geral com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Pinto Bastos, mas entendo que o crime previsto no artigo 24.º do Decreto n.º 13004 desapareceu do número de infracções com as consequências estabelecidas no artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal) - José António Lopes Cardoso Bastos (vencido pelas razões constantes da declaração que junto).

Declaração de voto
Mesmo aceitando o que se diz no projecto de acórdão de que o legislador não esqueceu o prejuízo patrimonial no § único do artigo 24.º, nos preâmbulos dos Decretos-Leis n.os 182/74 e 530/75 e no artigo 6.º da Lei n.º 25/81, o certo é que os elementos típicos do tipo legal de crime continuaram a ser o preenchimento do cheque com a assinatura do sacador, a falta ou insuficiência de fundos no banco sacado, a entrega do cheque ao tomador ou beneficiário, o conhecimento por banda do sacador daquela falta ou insuficiência de fundos e a vontade de praticar o facto, sabendo que o mesmo é proibido, ou seja, a consciência da falta de provisão e da ilicitude da conduta (por todos os Acórdãos de 19 de Outubro de 1988, na Colectânea de Jurisprudência, 4.º, p. 12, e, recentemente, de 14 de Março de 1990, no recurso n.º 40679).
Por isso, os factos que, na grande maioria dos casos, eram descritos nas acusações e que demarcavam o campo de investigação do julgador, alicerçando depois a condenação, eram apenas de que, em determinada data, o arguido preencheu e entregou ao ofendido aquele cheque, devidamente identificado, o qual, apresentado a pagamento no prazo legal, tinha sido devolvido por falta de provisão, conforme nota nele aposta, e que, ao actuar dessa maneira, o arguido sabia que não tinha no banco sacado provisão e que estava a praticar acto proibido por lei (v., por exemplo, a matéria de facto provada nos Acórdãos deste Tribunal de 1 de Junho de 1988 e de 10 de Novembro de 1989, publicados no Boletim, n.os 378, p. 226, e 391, p. 220, com base na qual foram proferidas as decisões e em que não existe a menor referência a prejuízo ou sequer à finalidade com que os cheques foram emitidos).
Uma acusação nestes termos era recebida, sujeitava o arguido a julgamento e, a ser provada, implicava a sua condenação.
Esta posição foi até a que veio a obter consagração no Assento de 20 de Novembro de 1980, que caracterizou este crime como crime de perigo.
Isto, porque, como se diz, por exemplo, no Acórdão de 30 de Junho de 1988 (Boletim, n.º 378, p. 497), «no crime de emissão de cheque sem cobertura, para além da tutela do interesse patrimonial do portador, o interesse protegido primacialmente é o da circulação do título como meio de pagamento».
Daqui que, uniformemente, se tenham punido os cheques sem provisão pós-datados, em que normalmente o prejuízo do tomador ainda não podia merecer protecção (Acórdãos de 30 de Outubro de 1984, no Boletim, n.º 340, p. 255, de 25 de Julho de 1985, no Boletim, n.º 349, p. 313, de 19 de Novembro de 1986, no Boletim n.º 361, p. 269, e de 4 de Outubro de 1989, no Boletim n.º 390, p. 110), se tenha declarado que era irrelevante a finalidade de emissão do cheque (Acórdãos de 4 de Outubro de 1988, no Boletim, n.º 380, p. 395, e de 9 de Fevereiro de 1989, no Boletim n.º 384, p. 390, onde se diz textualmente: «A este tipo, de natureza formal, é indiferente a relação jurídica subjacente ao pagamento efectuado por cheque»), se tenha escrito que é irrelevante, para o efeito da existência do crime, que o cheque apenas haja sido emitido para garantia de pagamento de empréstimo, dado a sua função ser a de circular para pagamento (Acórdão de 19 de Outubro de 1988, no Boletim, n.º 380, p. 250, onde se escreveu: «Não é necessária qualquer lesão de interesse juridicamente protegido, pelo que não é um delito de dano. Mas criou-se um perigo de lesão de interesses juridicamente protegidos. Trata-se, consequentemente, de um crime de perigo. Ele consuma-se independentemente de qualquer resultado no mundo exterior ao evento») e que o cheque é um título de crédito dotado de autonomia e abstracção que o desligam da relação jurídica que lhe está subjacente, ficando o sacador obrigado, pelo simples facto da emissão, a garantir a efectivação da cobrança pelo provimento do depósito bancário respectivo e pela sua manutenção durante o período que a lei prescreve (Acórdão de 25 de Maio de 1983, no Boletim, n.º 327, p. 493).
A nova redacção do artigo 24.º pela Lei n.º 25/81 e pelo Decreto-Lei n.º 400/82 não ultrapassou, de forma alguma, a eficácia interpretativa do Assento de 20 de Novembro de 1980, já que as referências a valor consideravelmente elevado e a pagamento são feitas em relação ao valor inscrito no cheque, e não a qualquer prejuízo patrimonial que tenha sido sofrido, que pode ser superior ou inferior. De forma alguma passou a deixar de ser punida a criminosa emissão de cheque, nos termos atrás referidos, ainda que se provasse não ter acontecido qualquer prejuízo patrimonial.
Surgindo o Decreto-Lei n.º 454/91, no seu artigo 11.º, n.º 1, nitidamente que se acrescenta, de forma expressa, como mais um elemento típico, o prejuízo patrimonial.
Na emissão de um cheque, esse prejuízo está subjacente, pois ninguém o faz por divertimento; mas ele não era exigido, não constava dos elementos típicos do crime, que se preenchia sem ele, como vimos.
Aliás, como nota Germano Marques da Silva (Do Regime Penal dos Cheques sem Provisão, p. 8), «em muitos casos e na prática quotidiana em número não despiciendo, a falta de pagamento de cheque emitido e entregue não causa prejuízo ao portador, não permite é o seu enriquecimento indevido. É que se generalizou a prática dos cheques pós-datados entregues em garantia de pagamento antes da constituição ou do vencimento da obrigação cujo cumprimento garantem».
Nitidamente que este novo diploma legal não acrescentou de forma expressa este novo elemento típico ao tipo legal para converter o que era implícito em expresso, mas sim para modificar a orientação anteriormente seguida, nos termos acabados de referir.
Sendo assim, como temos por seguro que é, acontece que, no tempo, se sucederam dois regimes jurídicos diversos, para punição do mesmo crime de emissão de cheque sem provisão: até à publicação do Decreto-Lei n.º 454/81, com diferentes graduações de punição e diferentes regimes acessórios, em que não era exigida, como elemento típico do crime, a verificação ou existência de prejuízo patrimonial; a partir desse diploma, um novo regime, que não só despenaliza a emissão de cheques de valor inferior a 5000$00 como acrescenta um elemento típico ao crime, ou seja, a verificação de prejuízo patrimonial, que até aí não era exigido.
Portanto, tudo se traduz, em relação às condutas anteriores à sua entrada em vigor, por sucessão de leis penais no tempo, no funcionamento da regra do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal: será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente.
Desta forma, não se pode falar em nova lei a descriminalizar ou a não conduzir à despenalização, mas sim em nova lei que pode levar à descriminalização ou não de certa conduta concreta, consoante os seus elementos típicos se mostrem também preenchidos face a ela, já que ela contém os da lei anterior à qual acrescentou um novo.
Apenas assim se poderá, em consciência, satisfazer a lei ao mandar utilizar o regime mais favorável ao arguido, já que, seguindo a orientação do projecto que faz vencimento, seguramente se irá cair na situação de vir a condenar ou a manter a condenação de arguido que praticou os factos ao tempo da lei anterior, conforme a orientação então pacificamente seguida, quando eles, apreciados pela lei nova, forçosamente que teriam de conduzir à sua absolvição, por não estar provado o elemento «prejuízo patrimonial».
Tendo tudo isto em consideração, formularia o acórdão da forma seguinte:
I - São diferentes as disposições do artigo 24.º do Decreto n.º 13004, em qualquer das redacções que teve, e do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, já que nesta última é acrescentada, como elemento típico do crime, a produção de prejuízo patrimonial.
II - Consequentemente, na apreciação das condutas anteriores a 28 de Março de 1992, que ainda não foram objecto de decisão transitada em julgado, há que utilizar as regras do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, ou seja, com base nos factos constantes da acusação ou da pronúncia ou fixados pelas instâncias, aplicar o regime concretamente mais favorável ao arguido, face aos dois regimes jurídicos referidos.
III - E, por isso, desde que não constem da acusação ou da pronúncia ou não tenham sido provados pelas instâncias factos que levem à conclusão de que a conduta do arguido causou prejuízo patrimonial ao ofendido, não se pode dar por verificado o crime de emissão de cheque sem provisão, ainda que o arguido tenha, dolosamente, emitido cheque que, apresentado a pagamento no prazo legal, tenha sido devolvido por falta de provisão. - Armando Pinto Bastos.

Declaração de voto
Da aplicação dos artigos 8.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91 resulta a descriminalização não só de todos os cheques sem provisão (total ou parcial) de montante não superior a 5000$00 mas ainda de todos os cheques de montante superior, quando a falta ou insuficiência de provisão não causar doloso prejuízo patrimonial a outrem.
Essa descriminalização (artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal) só se verificará nos casos em que possa inexistir prejuízo patrimonial, dada a fé em juízo de que gozam os cheques, como títulos de crédito, e o prejuízo patrimonial já estar subjacente (artigo 2.º, n.º 4), nos casos de dupla incriminação pela lei antiga e nova.
Mantenho, assim, a posição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992, processo n.º 42057, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. III, pp. 8-12, em que sou o relator.
O facto praticado na vigência dos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, permanecerá punível se preencher a exigência (o elemento) especificadora da lei nova (artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91), a qual adicionou um novo elemento (o resultado de dano), sendo certo que há um conceito - elemento comum nessas duas leis (a exigência de dano: um perigo concreto ou abstracto na antiga, segundo a unanimidade da jurisprudência, até à publicação do Decreto-Lei n.º 454/91, ou com esmagadora permanência da mesma, com resultado na nova).
O elemento «prejuízo patrimonial» exigido pelo artigo 11.º não é uma condição objectiva de punibilidade, pois o crime de emissão do cheque sem provisão consuma-se com a emissão e entrega do cheque ao portador, tendo o sacador conhecimento da falta de provisão, e representando como efeito necessário e adequado da sua conduta a possibilidade de causar prejuízo patrimonial ao portador legítimo do cheque, conformando-se com esse evento.
Tanto mais que com a lei nova aquele crime tornou-se um crime público.
E nem as condições objectivas de punibilidade do crime fazem parte do «tipo legal» do crime de emissão de cheque sem provisão, principalmente no conceito restrito de tal «tipo legal».
O novo elemento adicionado pelo Decreto-Lei n.º 454/91 (resultado de dano) não é acidental (de mera qualidade ou quantidade), mas sim essencial a um novo «tipo legal» do aludido crime, cujo bem jurídico passou a ser diferente (deixou de ser prioritariamente a «confiança» ou «credibilidade no cheque» para ser também, em pé de igualdade, o «património da vítima», do portador do cheque).
Nem se compreenderia outra posição do legislador depois de o Prof. Figueiredo Dias (presidente da Comissão de Reforma da Legislação Penal) ter explicitado ao Diário de Notícias (v. o jornal do dia 22 de Dezembro de 1990) «que há em Portugal uma distorção profundíssima da função dos cheques, que são um meio de pagamento e nunca foram, em parte nenhuma, meio de garantia». Em virtude desta situação, qualquer credor «quer ter um cheque, pois fica com um instrumento excelente para pressionar o devedor: ou paga ou vai para a cadeia. Isto é algo que não diverge muito da prisão por dívidas, do século XVIII».
Ora, para a modificação de tal estado de coisas (numa linguagem mais clara e precisa) da lei anterior, impõe-se antes aquela solução que se adoptou no citado artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91 - a de novo «tipo legal» do crime de emissão de cheque sem provisão. - Lopes de Melo.

Declaração de voto
Na vigência do Decreto n.º 13004, com a redacção dada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro - que criou novas modalidades de crime de emissão de cheque sem cobertura qualificado, uma das quais tinha o prejuízo como elemento constitutivo e só essa -, as outras modalidades continuaram a ser crimes de perigo.
Com o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, aquele crime passou a ser sempre de dano, pois um novo elemento foi acrescentado - o prejuízo.
De harmonia com o n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, só há descriminalização quando um facto punível deixa de o ser segundo a lei nova.
Mas o facto punível eliminado é o facto concretamente praticado (Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições, I, 3.ª ed., p. 23).
E o facto concreto a considerar é o constante da acusação ou da pronúncia, que fixa o objecto do processo. A sua qualificação jurídica é livre.
Assim, se o facto mencionado na pronúncia - já constituindo crime quando em vigor o Decreto n.º 13004 - integra o elemento prejuízo, crime continua a ser de harmonia com a lei nova, pois preenche todos os elementos por esta exigidos. Não haveria, portanto, despenalização de tal facto concreto, já que - repete-se - é a este que se há-de atender no confronto das duas leis (Prof. Cavaleiro Ferreira, ob. cit., loc. cit.).
Daí a discordância com a decisão, que devia, entendo eu, apreciar a questão em relação ao objecto do processo, admitindo que, não constando dele o elemento prejuízo, não se caracteriza o crime do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91. - José António Lopes Cardoso Bastos.