Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5131/18.8T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
MOTOCICLO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
EXCESSO DE VELOCIDADE
RECURSO SUBORDINADO
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: - CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO AUTOR
- NÃO SE CONHECE DO RECURSO SUBORDINADO
Sumário :
I - Um acidente de viação consistente no embate entre dois motociclos circulando no mesmo sentido de marcha é imputável a ambos os condutores quando um deles, apercebendo-se de uma possível avaria tenta imobilizá-lo e o atravessa perpendicularmente na via com a frente virada para o centro em vez de o imobilizar na berma do lado direito e o outro, por circular em excesso de velocidade, não consegue evitar o embate ou desviar-se do primeiro como o havia feito uma viatura que o precedia e circulava entre ambos.

II - Nessas circunstâncias entende-se ser ajustado repartir igualmente a culpa entre ambos.

Decisão Texto Integral:


EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


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RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1. AA, residente em ... – ..., demandou em acção declarativa com processo comum N Seguros, SA, com sede na Zona Industrial ... – ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de € 48.369,00 (quarenta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que no dia 8 de novembro de 2015 ocorreu um acidente de viacção consistente num embate entre o motociclo de matrícula ..-..-BT, por ele conduzido, e o motociclo de matrícula ..-NV-.., seguro na ré e conduzido por BB, tendo tal evento sido causado por exclusiva culpa deste último ao atravessar o motociclo perpendicularmente na faixa de rodagem, cortando a linha de trânsito na via por onde o autor seguia.

Mais alegou que do acidente para ele resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial cujo pagamento reclamou.


2. Regularmente citada a seguradora ré contestou o pedido, apresentando do acidente uma versão diferente da do autor e impugnando os factos alegados atinentes aos danos por ele sofridos.


3. O autor viria ainda a apresentar um articulado superveniente pedindo a condenação da ré, adicionalmente, por perdas salariais por si alegadamente sofridas, no pagamento da quantia de € 25.717,80 (vinte e cinco mil setecentos e dezassete euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.


4. Realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 32.308.55 (trinta e dois mil trezentos e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos, dos quais € 17.308,55 (dezassete mil, trezentos e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento relativos a danos de natureza patrimoniais e € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento, para ressarcimento de danos de natureza não patrimonial.

Do restante pedido foi a seguradora ré absolvida.


5. A seguradora ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o autor igualmente interposto recurso subordinado de apelação para o mesmo Tribunal.

Por seu acórdão de 7 de abril de 2022 o Tribunal da Relação do Porto decidiu julgar parcialmente procedente o recurso principal (interposto pela ré) e improcedente o recurso subordinado (interposto pelo autor) e, alterando a sentença recorrida – por considerar ter havido concorrência de culpas na produção do acidente, apesar de considerar ajustados os valores indemnizatórios fixados em primeira instância – condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 9.692,57 (nove mil cento e noventa e dois euros e cinquenta e sete cêntimos) sendo € 5.192,57 (cinco mil, cento e noventa e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento relativos aos danos de natureza patrimonial, e € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da data do acórdão até integral pagamento relativa aos danos de natureza não patrimonial.

A seguradora ré foi absolvida do restante pedido contra ela formulado.


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Parte II – A Revista

6. Inconformado com o teor da decisão proferida em segunda instância o autor interpôs recurso de revista, tendo apresentado as seguintes conclusões das suas alegações:

“1. A única questão que o Recorrente pretende colocar perante a esclarecida apreciação de V.Ex.as é a de apurar se, face à factualidade assente, e face ao comportamento exigível a um condutor normalmente prudente, ágil e dotado de perícia, seria exigível do Recorrente outro comportamento estradal distinto do que os autos evidenciam.

2. Não resulta dos autos qualquer evidência factual que pudesse levar a Segunda Instância à conclusão segundo a qual, o Recorrente tripulava o seu motociclo a velocidade instantânea excessiva para o local ou desatento ao trânsito.

3. E, de facto, o Tribunal da Relação, nesse aspecto, limitou-se a concluir que, colocado naquela situação concreta, o Recorrente poderia ter evitado o sinistro, desviando-se do obstáculo subitamente aparecido (o motociclo segurado da Recorrida), tal como o logrou o condutor do tal BMW.

4. Esta perspectiva é, porém, errada porque irrealista, já que não teve em linha de conta que:

- a visibilidade do condutor do BMW relativamente ao aparecimento do NV, e ao seu atravessamento na faixa de rodagem, era muito superior, já que todo o espaço à frente do automóvel estava livre e desimpedido;

- já não assim quanto ao Recorrente que tinha, à sua frente, um veículo ligeiro compacto, com cerca de 1,5 metros de altura e 2m de largura, a funcionar como uma espécie de “cortina” que lhe impedia visionar o que se passava imediatamente diante do automóvel;

- assim, o súbito “afastamento “dessa “cortina” e o imediato surgimento do NV, atravessado no faixa de rodagem, constituíram para o Recorrente uma surpresa instantânea e total;

- compreendendo-se, assim, que o mesmo Recorrente não tivesse tido reflexos suficientemente lestos para, ou tentar contornar o obstáculo – arriscando uma queda mais do que provável – ou tentar accionar os manípulos dos travões do seu veículo.

5. Atribuir, assim, como fez o Tribunal da Relação, na decisão aqui recorrida 70% de responsabilidade ao autor da acção e deixar, com apenas 30% dessa responsabilidade, quem, nas circunstâncias apuradas, lhe cortou a linha de trânsito, é, salvo o devido respeito, interpretar os comportamentos humanos de uma forma absolutamente irrealista e exigir que o bonum pater famílias se comporte, não como um ser humano normal mas como um “deus das pequenas coisas”, ou, no caso, como um extraordinário jogador de vídeo-games ou um campeão de rallies .

6. O Tribunal da Relação, certamente norteado pelo propósito de fazer boa Justiça, acabou por proferir uma decisão absolutamente oposta ao espírito da lei e à realidade dos factos e da Vida.

7. A decisão recorrida violou o comando do artigo 487º nº 2 Código Civil.”


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7. Também a seguradora ré, interpôs recurso subordinado de revista, admitido liminar e tabelarmente, cujas alegações conclui imputando a culpa na produção do acidente ao autor e impugnando, em qualquer caso, o valor dos danos a arbitrar.

De tais conclusões extrai-se de relevo, o seguinte:

“1.ª (…)

2.ª A ora Recorrente não pode conformar-se com o douto Acórdão recorrido, ao entender existir uma concorrência de culpa do condutor do motociclo seguro na produção do acidente, e consequentemente fixar na proporção de 30%, (…).

3.ª A ora Recorrente entende que o condutor do veículo seguro em nada contribuiu para o acidente em que se viu envolvido, pelo que nenhuma culpa lhe deve ser atribuída.

4.ª Salvo o devido respeito, a Seguradora Recorrente não pode concordar com os fundamentos de facto e de direito que sustentam a Douta decisão proferida, consequentemente, um errado juízo a propósito da concreta dinâmica do acidente, bem como uma incorrecta análise jurídica da conduta estradal do aqui Recorrido, a qual sempre se impunha julgar incumpridora do disposto nos artigos 18.º, 24º e 25.º do Código da Estrada.

5.ª Do mesmo modo, considera ainda a Seguradora Recorrente que a decisão proferida no douto Acórdão aqui posto em crise contempla desadequado juízo a propósito da existência, extensão e quantificação de alguns dos danos peticionados, quer em sede de dano patrimonial, quer em sede de dano não patrimonial.

6.ª Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 18.º, 24.º, 25.º do Código da Estrada, 483º, 487.º 496º, 562º, 564º, 570.º todos do Código Civil.

(…)

10.ª Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, considera a Seguradora recorrente que se imporá atribuir a responsabilidade pela ocorrência do acidente dos autos, em exclusivo, e a título de culpa, não ao condutor do motociclo seguro, mas ao Autor, cuja conduta estradal imprudente foi a única causal do evento.

(…)

13.ª Na situação concreta em apreço, e embora se conceda que não era uma situação dita normal que o motociclo seguro estivesse parado ou quase parado na faixa de rodagem (porque avariado), ainda assim não se pode considerar, como no douto Acórdão recorrido, que o condutor do veículo seguro na ré, ao sentir o veículo falhar, devia e podia tê-lo imobilizado na berma ou o mais próximo possível da berma, o que manifestamente não fez, concorrendo esse comportamento para o acidente que vitimou o autor.

14.ª Um condutor com a diligência média de um pai de família, poderá esperar encontrar um obstáculo na hemi-faixa de rodagem, nomeadamente um veículo avariado.

(…)

17.ª Na verdade, a situação dos autos – de um veículo que avaria na via pública – é uma situação que um condutor minimamente diligente não só pode, como deve acautelar.

18.ª Dai ser necessário conduzir com uma distância do veículo da frente, e com uma velocidade que lhe permita imobilizar o veículo em segurança no espaço livre e visível à sua frente.

19.ª Mas o ponto central do caso sub judice, é que o Autor tinha todas as condições (de visibilidade e de espaço) que lhe permitiam, diante da presença do motociclo segurado na via, desviar-se do mesmo para evitar o impacto.

(…)

22.ª É que o motociclo até é um veículo que, para além de muito mais pequeno, e que demanda, pois, uma necessidade de um espaço muito menor na faixa de rodagem para circular, é um veículo substancialmente mais simples de manobrar, especialmente no que toca a contornar obstáculos que possam surgir na via.

23.ª O Autor só não o logrou fazer porque não circulava com a distância adequada do veículo da frente e porque conduzia distraído.

(…)

28.ª O artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada encerra um princípio geral em matéria de velocidade segundo o qual o condutor deve regulá-la de modo a poder executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

29.ª O n.º 1 do artigo 25.º prevê vários casos, locais ou situações em que, sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a sua velocidade, designadamente nas localidades ou vias marginadas por edificações.

(…)

31.ª (…) A afirmação de que o condutor não tem de prever que se vai deparar com a presença de um veículo a obstruir a faixa de rodagem não pode pois afastar a exigência de que ele imprima ao seu veículo uma velocidade que, em caso de necessidade, lhe permita imobilizar-se antes do obstáculo.

(…)

33.ª Era essa atitude de cautela e de prudência que se exigia do autor, exigências redobradas pela circunstância de circular dentro de um aglomerado urbano (…) de forma a que, em caso de necessidade, pudesse imobilizar, em condições de segurança, o veículo que conduzia, no espaço livre e visível à sua frente.

34.ª Com efeito, circulando numa recta, de dia, com bom tempo, sendo o pavimento de alcatrão e achando-se em bom estado, podia o autor, se seguisse atento, e conduzisse de forma prudente, regulando a velocidade de forma a poder imobilizar, no espaço livre e visível à sua frente, o motociclo que conduzia, mesmo perante o confronto com o inesperado obstáculo na via (…)  podia, em condições de segurança, evitar o acidente, travando a tempo de embater no motociclo atravessado na via ou efectuando manobra de recurso, como a realizada pelo veículo de marca BMW, que seguia à sua frente, e que, em piores condições físicas, dada a sua volumetria, conseguiu contornar, pela sua direita, o motociclo seguro na ré, sem danos em qualquer dos veículos.

(…)

36.ª Assim, o embate só ocorreu por o Autor seguir desatendo ao restante tráfego que circulava na via, e/ou por circular a uma velocidade excessiva para o local e para a circulação de veículos que na altura aí se registava, não adequando a velocidade às referidas circunstâncias e condições, de modo a poder imobilizá-lo, em segurança, no espaço livre e visível à sua frente, de forma a poder evitar o embate no motociclo seguro na Ré.

(…)

38.ª Assim, facilmente podemos concluir que o condutor do veículo seguro pela Ré em nada contribuiu para o acidente em que se viu envolvido.

39.ª O único e exclusivo contributo para a produção do acidente deveu-se, no entanto, à conduta do próprio Autor que, pelas razões apontadas, se seguisse atento, de forma cautelosa e a uma velocidade ajustada ao local e às condições de tráfego que então se faziam sentir, teria logrado evitar o acidente, apesar de se deparar com o motociclo na via nas condições mencionadas no ponto 7.º dos factos provados (…).

40.ª A sua conduta foi imprudente e leviana, ao não tomar atenção, em tempo útil, ao motociclo que se lhe deparou na via e ao não dominar o veículo que conduzia fazendo-a parar no espaço livre e visível que tinha à sua frente, ou contorná-lo pela sua direita, à semelhança do que fizera, com sucesso, o veículo que o antecedia.

(…)

43.ª Dispõe o artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.

44.ª Os factos provados permitem concluir que o Autor contribui claramente de forma única e exclusiva para a produção do evento danoso de que ele próprio também foi vítima.

(…)

46.ª Face a este circunstancialismo, e atenta a análise do critério da diligência de um bom pai de família e sua aplicação nos autos, o mesmo não se compadece com a fixação de 30% de culpa pela produção do acidente ao veículo seguro na ora Recorrente.

47.ª O Autor violou, pois, o disposto nos artigos 18º e 24º n.º 1 do Cód. Estrada, com o que deu causa ao acidente.

(…)

49.ª Sustentando um entendimento que, salvo o devido respeito por diversa opinião, desrespeita o critério da culpa plasmado do artigo 487º n.º 2 e 570º do Cód. Civil, bem como as regras atinentes à responsabilidade civil extracontratual.

(…)”.


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8. Questão prévia - Do não conhecimento do recurso subordinado

Conforme ressalta do antecedente relatório a ré seguradora obteve em segunda instância melhoria relativa da definição da sua responsabilidade, tendo visto ser reduzido o valor da indemnização devida ao autor em função da concorrência de culpas na ocorrência do facto lesivo, sendo certo que o acórdão do Tribunal da Relação ora recorrido manteve integralmente o valor dos danos sofridos pelo autor estabelecidos em primeira instância.

O acórdão recorrido não regista qualquer declaração de voto divergente e a fundamentação das decisões das instâncias é – em especial no que se refere à responsabilidade causal do acidente e ao valor e critério de determinação do valor dos danos – essencialmente coincidente.

Ora nos termos do artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil, ressalvados os casos em que é sempre admissível recurso ordinário, não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em primeira instância. – é a chamada dupla conforme impeditiva da revista.

Constitui jurisprudência largamente maioritária neste Supremo Tribunal de Justiça a adopção, nestas circunstâncias de reformatio in melius, de um critério pragmático e funcional do conceito de dupla conforme que inviabiliza a possibilidade de interposição do recurso de revista face ao disposto no artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil – indica-se a título meramente exemplificativo o acórdão de 5 de maio de 2020 proferido no processo 1514/16.6T8VFR.P1.S1.

É certo que a ré seguradora interpôs recurso subordinado e que, face ao disposto no artigo 633.º n.º 5 do Código de Processo Civil, sendo admissível o recurso independente também o deveria ser o recurso subordinado.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1 /2020, publicado no DR de 30 de janeiro de 2020, veio, porém, clarificar as dúvidas sobre a admissibilidade do recurso subordinado quando relativamente a ele se verifiquem os requisitos da dupla conforme, firmando jurisprudência no sentido de que “o recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do artigo 633.º do Código de Processo Civil”.

Assim sendo, e não se tratando de admissão excepcional do recurso de revista – de resto não requerida – decide-se não conhecer do recurso subordinado de revista interposto pela ré seguradora.

Sem embargo, na análise acerca das circunstâncias que deram causa ao acidente dos autos e decisão sobre a concorrência de culpa que continua em discussão, será ponderada a posição que a ré seguradora vem defendendo ao longo do processo.


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9. Colhidos que foram os Vistos dos Senhores Juízes Conselheiros que intervêm no julgamento, cumpre apreciar e decidir, ao que nada obsta.

Atendendo às conclusões das alegações do recurso de revista interposto pelo autor as questões a resolver prendem-se exclusivamente com o apuramento da responsabilidade pela ocorrência do evento causador do dano, isto é, a quem é imputável – e em que medida se se apurar ter havido concorrência de culpas – o acidente de viacção a que os autos se reportam.


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FUNDAMENTAÇÃO

Parte I – Os Factos Provados

1. Recapitulemos, antes de mais, o elenco dos factos que as instâncias deram como provados, considerando já as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação quanto aos factos descritos nos pontos 8, 10 e 11.

Os factos provados são os seguintes:

“1. No dia 8 de novembro de 2015, cerca das 16 horas, ocorreu um embate na Rua ..., em ..., em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula ..-..-BT, conduzido pelo autor e o motociclo com a matrícula ..-NV-.., conduzido por BB.

2. No local do embate, a Rua ... tem dois sentidos de trânsito e, a separá-los, uma ilha triangular ajardinada.

3. E, ainda, no seu prolongamento uma linha longitudinal contínua desenhada no pavimento com cerca de 8 metros de extensão.

4. Na berma direita da Rua ..., atento o sentido marcha do motociclo conduzido pelo autor, existe uma zona de aparcamento de veículos, com cerca de dois metros de largura.

5. O local do embate insere-se num aglomerado urbano.

6. No dia e hora referidos, o condutor do motociclo de matrícula ..-NV-.. tripulava o identificado motociclo na Rua ..., no sentido nascente – poente, pela hemi-faixa da direita atento o seu sentido de marcha.

7. Quando se aproximava do local do embate, o condutor do motociclo ..-NV-.., tendo sentido o veículo a falhar, tentou-o imobilizar, tendo acabado por o atravessar perpendicularmente na mesma faixa de rodagem, com a frente virada para a esquerda, atento o respectivo sentido de marcha.

8. Imediatamente atrás do veículo seguro, circulava um veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, que o contornou pela direita, e prosseguiu a sua marcha.

9. Atrás do veículo ligeiro de passageiros, de marca, BMW seguia o autor, tripulando o motociclo de matrícula ..-..-BT, no sentido nascente - poente, pela hemi-faixa direita, atento o seu sentido de marcha.

10. Circulando a velocidade não concretamente apurada.

11. O qual, quando se deparou com o motociclo de matrícula ..-NV-.. a cortar-lhe a linha de trânsito, não se desviou, indo embater com a sua parte frontal contra a parte lateral esquerda, junto à roda traseira, do aludido motociclo de matrícula ..-NV-...

12. O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha dos referidos motociclos.

13. Em consequência do embate, ambos os veículos tombaram e foram de rasto pela faixa de rodagem, tendo o motociclo de matrícula ..-..-BT ficado imobilizado na hemi-faixa de rodagem por onde circulava, cerca de 10 metros à frente do local do embate.

14. E o motociclo de matrícula ..-NV-.. foi imobilizar-se a cerca de 8 metros, na hemi-faixa de rodagem de sentido contrário.

15. Em consequência da queda do motociclo de matrícula ..-..-BT e do seu arrastamento sobre a faixa de rodagem, o corpo do autor embateu no solo, com a zona do capacete e da anca e do ombro direitos, tendo sido arrastado durante alguns metros.

16. Na altura do embate era de dia e estava bom tempo.

17. O pavimento da via era em alcatrão e encontrava-se em bom estado.

18. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor foi transportado ao Hospital ..., em ..., onde foi assistido e onde lhe foi diagnosticado traumatismo no ombro.

19. E foi-lhe colocada imobilização com velpeau e teve alta no mesmo dia.

20. Manteve recomendação de repouso do membro direito.

21. Não obstante, o autor continuou a ter dores e dificuldades funcionais.

22. Tendo, em 27.02.2018, sido submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital ....

23. Foi efectuada redução da articulação acrómio-clavicular do ombro direito + Mumford + fixação com placa em gancho (stryker) e gracilis autólogo entre a clavícula e a coracóide.

24. Após a cirurgia, o autor manteve seguimento na consulta de ortopedia do Hospital ... e realizou fisioterapia.

25. Em consequência das lesões sofridas, o autor apresenta fenómenos dolorosos no ombro direito que se agravam com os movimentos e falta de mobilidade do ombro direito, não conseguindo dormir sobre o ombro direito.

26. Tem dificuldade em pegar em pesos e transportar compras por períodos acima dos três minutos, em pegar ao colo a filha e prestar cuidados à companheira que padece de doença crónica.

27. O autor é dextro e apresenta marcha normal.

28. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas o autor apresenta as seguintes sequelas:

- no abdómen: na face lateral do flanco direito área hipocrómica medindo 1,3x1cm devido a abrasão;

- no membro superior direito: cicatriz nacarada na região clavicular de características cirúrgicas medindo 10 cm de comprimento; mobilidades do ombro mantidas, mas com dor acima dos 90º nas elevações anterior e lateral e a partir dos 75º nas rotações; força muscular diminuída a nível do ombro e cintura escapular (grau 4/5) assimetria escapular com discreta perda de massa muscular a nível do ombro o qual se encontra a um nível inferior quando comparado com o contralateral; sem amiotrofia a nível do braço.

29. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor em consequência do embate é fixável em 11.07.2019.

30. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor suportou um período de défice funcional temporário total de 5 dias e um período de défice funcional temporário parcial de 1337 dias.

31. Ainda em consequência do embate e de outros antecedentes clínicos (síndrome de Marfan, complicações oftalmológicas e cardíacas) o autor suportou um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 1341 dias.

32. As supra descritas lesões acarretam para o autor um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com a actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

33.  O quantum doloris é fixável no grau 3/7.

34.  O dano estético no grau 2/7.

35. E uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.

36. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor suportou e continuará a sofrer dores.

37. Em consequência do embate, o autor sentiu receio pela vida.

38. E padeceu incómodos e constrangimentos ao andar com o braço imobilizado e com a realização da intervenção cirúrgica e dos tratamentos.

39. As sequelas e as limitações de que o autor padece em consequência do embate provocam-lhe desgosto e tristeza.

40. O autor nasceu em .../.../1975, conforme documento de fls. 86 a 86v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

41. Antes do embate, o autor trabalhava como servente/auxiliar de armazém, auferindo uma retribuição média mensal de € 500,00.

42. À data do embate, o autor encontrava-se a receber subsídio de doença, o que ocorreu até maio de 2017, inclusive, e a partir de novembro do mesmo ano passou a beneficiar de RSI, tendo no período de 9.11.2015 a 11.07.2019 obtido rendimentos no valor total de € 20.840,75.

43. Em consequência da queda resultante do embate, o autor viu danificados o capacete de que era portador, no valor de pelo menos € 100,00, bem como as peças de vestuário que envergava que valiam, pelo menos, € 50,00.

44. O veículo que o autor tripulava era um motociclo de marca “Yamaha”, modelo ..., do ano de fabrico de 1993, de sua propriedade e encontrava-se em estado razoável de conservação.

45. Em resultado do embate, o motociclo do autor sofreu danos cuja reparação ascende a € 6.158,55.

46. Tendo a ré avaliado o valor venal do veículo em € 1.900,00.

47. E estimado o valor de salvado em € 350,00.

48. À data do embate, o proprietário do veículo ..-NV-.. havia transmitido para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através da Apólice nº ...76, válida e em vigor.


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Parte II – O Direito

1. A questão que importa decidir é a da responsabilidade causal em relação à ocorrência do acidente de viacção em que intervieram dois motociclos sendo um deles – o de matrícula ..-..-BT – conduzido pelo autor e o outro – de matrícula ..-NV-.., relativamente ao qual a responsabilidade civil por factos ilícitos se encontrava transferida para a ré – conduzido por BB.

Divergiram substancialmente as instâncias quanto a esta questão já que a sentença proferida em primeira instância atribuiu o acidente a culpa exclusiva do condutor do motociclo ..-NV-.. e o acórdão proferido em segunda instância considerou haver concorrência de culpas na ocorrência do acidente, atribuindo 30% da responsabilidade causal do acidente a esse condutor e os restantes 70% ao autor.


2. Segundo ficou expresso na fundamentação da sentença era manifesto face aos factos apurados que o condutor do motociclo ..-NV-.. tinha omitido deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária, e colocando em causa com a sua conduta a segurança e a comodidade dos utentes da via, assim violando o disposto no artigo 3.º n.º 2 do Código da Estrada.

O comportamento do referido condutor que, nos termos da sentença, foi causal do acidente consistiu no facto de, ao sentir o veículo falhar, não o ter imobilizado na berma ou o mais próximo possível dela, violando assim os artigos 13.º, nº 1 e 90.º, nº 3 do Código da Estrada, “porquanto se afastou da berma do seu lado direito e atravessou perpendicularmente o motociclo na hemi-faixa de rodagem, cortando a linha de trânsito do veículo no qual circulava o autor”.

Tais considerações foram tidas por acertadas pelo Tribunal da Relação do Porto que, confirmou ter o condutor do ..-NV-.. concorrido com tal comportamento para o acidente que vitimou o autor, por não ter tomado as cautelas necessárias a não pôr em causa a segurança do tráfego rodoviário, continuando a circular na via pública como descrito nos pontos 7 e 11.


3. Nesta sede não pode deixar de se concordar com tal entendimento: o comportamento do condutor do motociclo ..-NV-.. nos momentos que imediatamente antecederam a colisão entre os dois motociclos não é, de forma alguma, numa perspectiva naturalística e causal, irrelevante para a colisão a que os autos se referem.

A este propósito, e em geral, pode estabelecer-se uma relação de causa e efeito entre um determinado facto e as suas consequências quando ele revela aptidão para as provocar, de acordo com as regras da experiência comum suportadas, no caso dos acidentes de viacção, pela dinâmica dos corpos em movimento e pelas expectativas criadas pela normalidade das condutas no contexto de uma actividade potencialmente perigosa como é a condução de veículos automóveis na via pública.

Ou, como se diz no acórdão recorrido, é idónea a produzir um acidente “a acção ou omissão que, no consenso da generalidade das pessoas medianamente prudentes, colocadas nas circunstâncias do caso, e segundo um juízo de prognose póstumo e de acordo com as regras da experiência comum ou conhecida do agente, é apta a produzir o evento danoso”.

Tratando-se de conduta abrangida pela previsão de determinada norma legal de cariz regulador ou proibitivo, a causalidade pode estabelecer-se também quando as consequências de determinado facto ilícito se registem dentro do círculo de interesses que as normas violadas visam tutelar.


4. Ora analisada a dinâmica do acidente de viacção dúvidas não podem restar de que o comportamento do condutor do motociclo ..-NV-.., seguro na ré, colocou em risco a segurança dos demais utentes da via, concorrendo para a colisão entre os dois motociclos dentro da faixa de rodagem direita e junto à roda traseira do motociclo ..-NV-.. assim posicionado na via.

Na verdade, o condutor do motociclo ..-NV-.., perspectivando a iminência de uma avaria no motociclo que tripulava, em vez de proceder ao seu imediato estacionamento ou de preparar a sua imobilização próximo do limite direito da via para eventual e rápida remoção da via pública, conforme estabelece o artigo 87.º n.º 1 do Código da Estrada, sem atentar na presença dos veículos que circulavam no local, atravessou o motociclo perpendicularmente na faixa de rodagem com a frente virada para o lado esquerdo, considerando o seu sentido de marcha (centro da via), afastando-se da berma do seu lado direito e, desse modo, cortando a linha de trânsito do autor  que ali circulava conduzindo o seu motociclo – além de outro veículo cujo condutor conseguiu evitar a colisão.

De onde se conclui que o comportamento do condutor do motociclo ..-NV-.. foi causal do acidente de viacção em apreciação.


5.  Mas, tendo em conta o elenco dos factos provados, não pode deixar de se concluir que para a ocorrência do acidente contribuiu também a conduta do autor.

O acórdão recorrido fundamentou a responsabilidade do autor na violação das regras constantes dos artigos 18.º n.º 1, 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 do Código da Estrada.

Trata-se de normas relativas à condução de veículos na via pública que se destinam a tutelar a segurança da circulação rodoviária e dos demais utilizadores da via pública.

Impõe a primeira das normas citadas a manutenção de uma distância entre os veículos em circulação suficiente para evitar qualquer colisão em caso de necessidade de súbita paragem ou de diminuição da velocidade.

Da segunda dessas normas resulta para os condutores a obrigação de adequação da velocidade instantânea a que circulam às concretas condições da via e do veículo, intensidade de trânsito e a quaisquer circunstâncias em concreto relevantes de forma a poder executar em segurança as manobras previsivelmente necessárias a garantir a segurança de outros utentes e, especialmente a fazer parar o veículo no espaço livre visível à sua frente.

Por sua vez o artigo 25.º n.º 1 do Código da Estrada identifica diversas situações em que a velocidade deve ser especialmente moderada.


6. As regras relativas à circulação rodoviária e, em particular, as atinentes aos cuidados impostos aos condutores no exercício da condução encontram a sua razão de ser na necessidade de prevenção de acidentes de viação e, com eles, a destruição ou grave afectação de bens pessoais e materiais alheios.

Tratando-se de uma actividade que envolve um determinado nível de risco de lesão de bens alheios, variável em função do tipo do veículo e das condições da via em que circula, a avaliação da adequação da velocidade há-de ter por referência as circunstâncias com que, em condições normais, o condutor podia e devia contar.

Dito de outro modo, o condutor está sempre obrigado a adequar a velocidade que imprime ao veículo de modo a conseguir fazê-lo parar no espaço livre e visível à sua frente tendo presentes as condições concretas que se lhe deparam e os obstáculos á circulação que, nessas concretas circunstâncias, deva representar como possíveis.

A exigibilidade de um comportamento adequado às mencionadas concretas condições do veículo e da via em que exerce a condução, constitui deste modo a base da imputação da violação culposa da norma e das consequências daí resultantes.


7. Vejamos então o caso dos autos.

Como se pondera no acórdão recorrido, o acidente dos autos ocorreu dentro de um aglomerado urbano, onde diversos factores podem condicionar – em qualquer momento – a circulação rodoviária, razão pela qual se exige aos condutores que adequem a velocidade de modo a poder fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente em condições de segurança.

É certo que não se apurou qual a velocidade instantânea a que, em concreto, seguia o autor tripulando o seu motociclo nos momentos que imediatamente antecederam o acidente.

Porém, a colisão entre os motociclos teve lugar numa recta, era de dia e fazia bom tempo, sendo o pavimento de alcatrão e em bom estado.

À frente do motociclo conduzido pelo autor seguia um veículo automóvel que, apercebendo-se da tentativa do condutor do motociclo ..-NV-.. para o imobilizar e do seu atravessamento perpendicular na faixa de rodagem com a frente virada para o lado esquerdo, o contornou pelo lado direito, prosseguindo a sua marcha.

Nessas circunstâncias, mesmo não se tendo apurado a distância a que o autor se apercebeu da presença do motociclo de matrícula ..-NV-.., a realização de uma tal manobra do veículo automóvel sempre deveria ter alertado o autor para a existência de um obstáculo na via pública a condicionar a circulação e levado a que regulasse a velocidade a que seguia de modo a imobilizar o motociclo no espaço livre e visível à sua frente ou a desviar-se dele.

Se assim tivesse feito o autor teria seguramente tido possibilidade de evitar o embate, travando e/ou desviando a trajectória do motociclo que conduzia – como o fez o veículo que circulava à sua frente.


8. Como se conclui no acórdão recorrido, o acidente a que estes autos se referem ocorreu também porque o autor imprimia ao motociclo que conduzia uma velocidade que era objectivamente excessiva tendo em conta as concretas condições de circulação rodoviária existentes, não adequando a velocidade de modo a poder imobilizá-lo, em segurança, no espaço livre e visível à sua frente e assim evitar o embate no motociclo seguro de matrícula ..-NV-...

Ou seja, para a ocorrência do acidente concorreram as condutas de ambos os condutores dos motociclos nele intervenientes.


9. Nos termos do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Importa então analisar qual o grau de culpa na produção do acidente de cada um dos condutores dos motociclos intervenientes.

É verdade que o condutor do motociclo seguro pela ré contribuiu em larga medida para o acidente em que se viu envolvido, por, ao constatar os problemas técnicos que o mesmo manifestava e perante a iminência da avaria – que faria com que acabasse atravessado perpendicularmente na via – não ter providenciado pela sua deslocação para a berma ou para a zona de parqueamento, ou, pelo menos, por encostá-lo o mais à direita possível da via, de forma a não criar embaraços no trânsito que nela circulava e evitar o risco de um qualquer outro veículo nele embater, como veio a suceder.

Porém, como já atrás se assinalou, para a ocorrência do acidente foi igualmente decisiva a conduta do próprio autor que, pelas razões apontadas, se seguisse atento, de forma cautelosa e a uma velocidade ajustada ao local e às condições de tráfego que então se faziam sentir, teria logrado evitar o acidente, apesar de se deparar com o motociclo na via nas condições mencionadas no ponto 7.º dos factos provados, tal como o evitou, em piores condições para o efeito por estar dele mais próximo, o condutor do veículo ligeiro de marca BMW.


10. O acidente dos autos consistiu no embate do motociclo conduzido pelo autor por circular em velocidade excessiva – tendo em conta as condições de circulação na via – que o impediu de evitar o motociclo que estava atravessado perpendicularmente junto ao eixo da via na sequência de uma avaria que o deveria ter levado a imobilizar o motociclo na berma direita da via.

Atenta a dinâmica do acidente que resulta dos factos descritos, a culpa na produção do acidente deve ser distribuída de forma igual por ambos os condutores dos motociclos intervenientes já que ambos criaram, em medida sensivelmente igual as condições para a sua verificação, violando ambos normas legais destinadas a tutelar a segurança da circulação rodoviária.

Termos em que se decidirá alterar o juízo do acórdão recorrido sobre a proporção da concorrência de culpas nele fixada.


11. Aqui chegados, importa apenas dizer que sobre a matéria dos danos a reparar, seus critérios e montantes, convergiram as decisões de primeira e de segunda instância em toda a linha, sendo que a redução para 30% do montante da indemnização inicialmente atribuída, seja pelos danos de natureza patrimonial seja pelos danos não patrimoniais, decorre exclusivamente da aplicação ao caso do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil decidida no acórdão recorrido.

O valor dos danos a ressarcir está criteriosamente determinado, desde o relativo à reparação dos danos patrimoniais futuros à compensação pelos danos morais sofridos pelo autor cuja fixação foi feita com base em critérios de equidade.

O mesmo se diga quanto à relevância do valor da reparação do motociclo do autor e sobre a preferência pela reparação natural face à ausência de prova sobre o valor patrimonial do motociclo danificado.


12. Em conclusão, improcede parcialmente o recurso de revista interposto pelo autor, alterando-se o acórdão recorrido de acordo com a concorrência de culpas fixada nesta instância, sendo a seguradora ré condenada a pagar ao autor a quantia global de € 16.154,28 (dezasseis mil cento e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) sendo € 8.654,28 (oito mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento relativos aos danos de natureza patrimonial, e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da data do acórdão até integral pagamento relativa aos danos de natureza não patrimonial.

O autor e a ré suportarão as custas relativas ao recurso de revista apreciado na proporção do respectivo decaimento e a ré seguradora as custas do recurso (subordinado) que interpôs.



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DECISÃO

Termos em que acordam em:

- julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelo autor;

- condenar a seguradora ré a pagar ao autor a quantia global de € 16.154,28 (dezasseis mil cento e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) sendo € 8.654,28 (oito mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento relativos aos danos de natureza patrimonial, e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da data do acórdão até integral pagamento relativa aos danos de natureza não patrimonial;

- absolver a ré seguradora do restante pedido;

- não conhecer do recurso subordinado de revista interposto pela ré;

- condenar autor e ré nas custas da revista de que se tomou conhecimento na proporção do respectivo decaimento e a ré seguradora nas do recurso subordinado de revista não apreciado.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 28 de fevereiro de 2023


Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor

António Pedro de Lima Gonçalves