Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
502/14.1T8PTG-A-E1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
CONVOLAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. Não está em causa uma simples convolação do fundamento de recorribilidade, mas antes a apreciação de reclamação (cfr. art. 643.º do CPC) do despacho de indeferimento do recurso de revista, na qual o recorrente invoca novo fundamento de admissibilidade do recurso, no caso a alegada contradição de julgados, superveniente em relação ao despacho de rejeição do recurso.
II. Assim sendo, a limitação segundo a qual o STJ apenas pode atender ao fundamento de recurso invocado pelo recorrente (cfr. art. 637.º, n.º 2, do CPC), e não a qualquer outro fundamento que a Relação não teve oportunidade de apreciar, é uma limitação inerente à natureza da intervenção do STJ como tribunal de recurso, não lesando a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



1. Em 20 de Novembro de 2020 foi proferida a seguinte decisão da relatora:

«1. No âmbito de um incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, intentado pelo R. Município de Nisa na acção principal, a 1.ª instância proferiu despacho no qual, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP), preceito aditado pela Lei n.º 27/2019 de 28-03, determinou a notificação desse R. reclamante para, no prazo de dez dias, proceder ao depósito total do valor da nota justificativa objecto da reclamação.

Inconformado com essa decisão, o R. interpôs recurso de apelação que foi admitido e julgado improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Novamente inconformado, o R. interpôs, em 18.03.2020, recurso de revista por via excepcional com fundamento no art. 672.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, alegando estar em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito.

Num primeiro despacho proferido electronicamente, em 01.10.2020, o recurso foi admitido pelo relator do Tribunal da Relação, mas, por despacho proferido em 06.10.2020, veio o mesmo declarar que a inserção daquele primeiro despacho no sistema citius constituiu um lapso, sendo sua intenção inserir um despacho de sentido inverso. Proferiu, então, novo despacho no qual não admitiu o recurso de revista com base no disposto no art. 26.º-A, n.º 3, do RCP, que dispõe que “da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC”.

Inconformado com tal decisão, o R. Recorrente veio reclamar desse despacho de indeferimento para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 643.º do CPC, alegando, em suma, que em 02.07.2020, no processo n.º 17474/16…., o Tribunal da Relação …. proferiu decisão na qual recusou a aplicação do aludido n.º 2 do art. 26.º-A do RCP por inconstitucionalidade de tal normativo, havendo oposição de julgados entre essa decisão e o acórdão recorrido que aplicou aquela norma julgando-a conforme à Constituição.

Conclui que essa contradição de acórdãos constitui fundamento para recurso de revista por via normal, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, alegando que, à data da interposição do recurso de revista por via excepcional de cujo indeferimento se reclama ainda não havia sido proferida a invocada decisão do Tribunal da Relação ….. que aqui assume a função de acórdão-fundamento, pelo que não poderia o Recorrente, ora reclamante, ter apresentado recurso de revista com fundamento na contradição de julgados que, à data, ainda não existia. Sendo que a presente reclamação prevista no art. 643.º do mesmo Código – por ser o momento imediatamente seguinte em que a parte pode reagir – constitui o acto processualmente azado para o efeito.

Os Recorridos/reclamados não se pronunciaram.

2. Sendo a reclamação tempestiva, cumpre apreciar e decidir nos termos previstos no art. 643.º, n.º 1, do CPC.

Assinale-se que, por não ter sido suscitada pelo reclamante, não cabe conhecer da questão do eventual esgotamento do poder jurisdicional do juiz relator da Relação que, num primeiro momento, admitiu o recurso de revista por via excepcional, notificando-se tal despacho às partes, para depois proferir despacho em sentido inverso.

Consideremos a questão da admissibilidade do recurso de revista tal como foi interposto pelo Recorrente, isto é, por via excepcional.

Como se salienta no despacho reclamado, nos termos do actual art. 26.º-A, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, da decisão proferida quanto à reclamação da nota justificativa, “cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC”. Tal normativo corresponde ao regime que já resultava no n.º 3 do art. 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.

No caso dos autos, uma vez que a decisão que é objecto de recurso foi proferida pela 1.ª instância no âmbito de um incidente de reclamação da nota justificativa de custas de parte e já foi interposto recurso de apelação dessa decisão para o Tribunal da Relação, é manifesto que do acórdão recorrido não cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça pois tal corresponderia à admissibilidade de um triplo grau de jurisdição que foi expressamente afastado pelo legislador.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, em especial da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC, tem entendido, de forma consolidada, que não sendo admissível a revista por via normal, não será também admissível a revista por via excepcional, uma vez que esta se destina aos acórdãos em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado apenas e tão só, devido ao obstáculo da dupla conformidade entre as decisões das instâncias. Cfr. neste sentido, os acórdãos (da Formação) de 09.01.2014 (proc. n.º 274/12.4TBVVC-D.E1.S1) de 16.01.2014 (proc. n.º 953/09.3TVLSB.L1.S1), de 06.02.2014 (proc. n.º 8/11.0TBAMR-A.G1.S1), de 20.03.2014 (proc. n.º 1279/09.8TBCTB-D.C1.S1), de 06.12.2017 (proc. n.º 21595/15.9T8LSB.L1.S2) e de 10.05.2018 (proc. n.º 909/17.2T8VIS.C1.S1), cujos sumários estão disponíveis em sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt.

Contudo, em sede de reclamação do despacho de indeferimento, o Recorrente veio invocar, como novo fundamento do recurso, a contradição de julgados, fundamento previsto na alínea d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, invocando como acórdão-fundamento o acórdão da Relação de Lisboa de 02.07.2020, proferido no processo n.º 17474/16.0T8LSB-C.L1-6 e alegando que, à data da interposição do recurso de revista por via excepcional, não lhe era possível invocar a referida contradição de julgados por o acórdão-fundamento ainda não ter sido proferido, sendo este o momento processual adequado para o  efeito.

Em primeiro lugar, importa salientar que no recurso de revista por via excepcional interposto pelo Recorrente nunca foi invocada qualquer contradição de julgados, nem foi feita qualquer referência à alínea c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, nem tampouco à alínea d) do n.º 2 do art. 629.º do mesmo Código que o reclamante vem agora invocar, fundamentando-se a admissibilidade da revista por via excepcional unicamente na alínea a) do n.º 1 do art. 672.º (relevância jurídica da questão a apreciar).

O que o Recorrente pretende é aproveitar o presente incidente de reclamação previsto no art. 643.º do CPC para aditar um novo fundamento de admissibilidade do recurso de revista por si interposto.

No acórdão deste Supremo Tribunal de 21.04.2016 (proc. n.º 359/10.1TBFAF.G1.S1) foi decidido que, não tendo os recorrentes invocado como fundamento para a admissibilidade do recurso a existência de contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação – art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC – não pode tal questão ser introduzida em sede de reclamação para a conferência, ao abrigo do art. 652.º, n.º 4, do CPC, por se tratar de uma questão nova suscitada extemporaneamente.

Constitui jurisprudência consolidada do STJ que o fundamento de admissibilidade do recurso é fixado nas respectivas alegações, não podendo ser modificado numa posterior reclamação, constituindo essa modificação uma questão nova não suscitada anteriormente, em relação à qual está vedado o conhecimento pelo Tribunal. Neste sentido vejam-se os acórdãos de 12.03.2019 (proc. n.º 43168/15.6YIPRT.P1.S1), in www.dgsi.pt, de 19.12.2018 (proc. n.º 20348/15.9T8LSB.P1-A.S1), de 03.05.2018  (proc. n.º 3240/14.1T8CBR-F.C1.S1), de 25.05.2017 (proc. n.º 1823/12.3TBLGS-F.E1.S1), de 17.05.2017 (proc. n.º 394/11.5YHLSB.L1-A.S1), de 21.04.2016 (proc. n.º 366/13.2TBLSD.P1-A.S1) e de 24.02.2015 (proc. n.º 63454/09.3YIPRT.L1-A.S1), cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt.

Independentemente da data de prolação do acórdão-fundamento, isto é, ainda que o mesmo seja superveniente, não pode o Recorrente alterar o fundamento do recurso em sede de reclamação do despacho que indeferiu a sua admissão. Na verdade, o Supremo Tribunal ao apreciar esta reclamação apenas pode atender ao fundamento de recurso que foi apreciado pelo tribunal a quo, e não a outro qualquer fundamento que a Relação não teve oportunidade de apreciar.

Não pode ser dada relevância a uma contradição de acórdãos superveniente em relação ao despacho reclamado por tal extravasar por completo a competência deste Supremo Tribunal no âmbito do presente incidente de reclamação, sendo a invocação desse fundamento de recurso manifestamente extemporânea.

3. Pelo exposto, indefere-se a reclamação.»

2. Desta decisão vem a Recorrente impugnar para a conferência nos seguintes termos:

«1. A questão suscitada pelo Reclamante – reclamação de nota justificativa de custas de parte, respeitante à (não) aplicação do nº 2 do art. 26º-A do Regulamento das Custas Processuais por vício de inconstitucionalidade – conheceu decisão desfavorável tanto em 1ª como em 2ª instância, ambas no mesmo sentido e com fundamentação não essencialmente diferente, configurando assim uma situação de dupla conforme, impeditiva do terceiro grau de recurso nos termos do nº 3 do art. 671º.

2. Sem prejuízo da dupla conforme, o Reclamante interpôs recurso de revista excecional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …., o qual não foi admitido com base na previsão legal do nº 3 do art. 26º-A do RCP, aplicável ao caso: “Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC”.

3. Sucede que, em 02-07-2020 e nos autos do Proc. nº 17474/16…, o Tribunal da Relação …. proferiu decisão na qual recusou a aplicação do aludido nº 2 do art. 26º-A do RCP num caso similar ao dos autos, indo assim em sentido contrário ao da decisão ora proferida pelo Tribunal da Relação …...

4. Os Acórdãos em causa foram sumariados da seguinte forma: - Acórdão do Tribunal da Relação …, de 27-02-2020, Proc. nº 502/14….: “Não há violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ao fazer se depender a admissão da respetiva reclamação do depósito prévio do montante do valor das custas de parte, tal como exige o artigo 26º-A, n.º 2 do RCP”; - Acórdão do Tribunal da Relação …, de 02-07-2020, Proc. nº 17474/16…: “A norma prevista no nº 2 do artº 26-A do RCP (introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28 de Março), ao exigir o depósito do valor total da nota de custas de parte, como requisito de admissibilidade de reclamação, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva constante dos arts 18 nº2 e 3 e 20 nº1 e 5 da Constituição”.

5. Nos termos conjugados da al. d) do nº 2 do art. 629º e do nº 3 do art. 671º, tal contradição configura fundamento para recurso de revista comum da decisão proferida nos presentes autos, pois todos os requisitos da referida al. d) se verificam.

6. À data da interposição do recurso de revista excecional de cujo indeferimento se reclama, 18-03-2020, ainda não havia sido prolatada a invocada decisão do Tribunal da Relação …. que aqui assume o papel de acórdão-fundamento, proferida apenas em 02-07-2020.

7. Neste caso concreto não podia o reclamante adotar outra qualquer conduta processual em termos de defender o seu direito ao recurso, uma vez que o fundamento que justifica a alteração do fundamento e tipo de recurso – da revista excecional para revista comum – ocorreu no momento posterior àquele em que as alegações da revista excecional foram apresentadas e não tinha o reclamante qualquer outra oportunidade processual para invocar o novo fundamento de recurso perante o tribunal recorrido.

8. A decisão singular que indeferiu a reclamação revela, quanto a nós, alguma injustiça, uma vez que, constatando a existência de contradição expressa nos acórdãos atrás mencionados sobre a mesma questão de direito – ainda não uniformizada – e que se subsume a um daqueles casos em que, à luz do art. 629º do CPC, é sempre admissível recurso, negar que tal matéria seja submetida à elevada pronúncia deste Supremo Tribunal de Justiça por uma questão de forma que em nada contende com os poderes da Relação na admissão do recurso, revela-se, quanto a nós, uma decisão injusta porque este Supremo Tribunal tem agora a oportunidade, face à contradição invocada, de conhecer da questão e procurar encontrar um entendimento que uniformize as interpretações do art. 26º-A do Regulamento das Custas Judiciais acolhidas pelas Relações.

9. Esta posição constante da douta decisão singular, ao escudar-se apenas numa questão de forma que impede o acesso à pronuncia do STJ, atenta contra o principio pro actione ou principio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma que decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva constante do art. 2º do CPC decorrente do art. 20º nº 1 e 4 da Constituição.

10. É sabido que os despachos proferidos em sede de admissão de recurso e da fixação do efeito pelo tribunal que admite o recurso, não vinculam o Tribunal Superior por constituírem uma apreciação genérica e tabelar, por parte do relator, de aspetos formais relacionados com a admissibilidade dos recursos, o que não preclude a possibilidade do tribunal superior acolher pronuncia em sentido diverso (art. 641º nº 5 do CPC).

11. Cremos que a decisão singular fez uma interpretação do art. 654º nº 2 [rectius: art. 652.º, n.º 4] do CPC que contraria a natureza e os efeitos das decisões do tribunal recorrido tal como previsto no art. 641º nº 5 do CPC.

12. Por outro lado, a própria lei ao referir que o despacho de admissão de um recurso não vincula, quanto a esse aspeto, a intervenção do tribunal superior, não se percebe porque razão a douta decisão singular atribui à posição do Tribunal da Relação …. tanta relevância ao ponto de dizer que, por ser uma decisão nova, introduzida apenas na reclamação que incidiu sorte o despacho que não admitiu o recurso, impede que dela conheça.

13. Recusar a admissão do recurso com tal fundamento seria, salvo o devido respeito, uma verdadeira injustiça por coartar o direito à reapreciação da decisão, pelo que se impõe a consideração do novo fundamento para recurso de revista da decisão proferida nos autos pelo Tribunal da Relação … .

14. Tendo o recurso sido inicialmente interposto com fundamento no disposto na al. a) do nº 1 do art. 672º, afigura-se então necessária a convolação do mesmo de revista excecional para revista comum.

15. Admitindo-o, pronunciou-se já este Supremo Tribunal, em 15-03-2018, nos autos do Proc. nº 1503/16.0YRLSB.S1 e a própria lei o permite, ao proclamar no nº 3 do art. 193º que “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos adequados”.

16. Apesar de, no caso dos autos, se tratar não de um erro no meio processual empregue mas sim do surgimento de fundamento para recurso a outro, a norma invocada merece, a nosso ver, aplicação analógica, justamente por assim se evitar que uma razão de ordem meramente formal impeça a reapreciação da pretensão recursiva do Reclamante a que este tem direito – sempre, como determina o nº 2 do art. 629º.»

Os Recorridos/reclamados não se pronunciaram.

Cumpre apreciar e decidir.


3. Diversamente do invocado pelo Recorrente, na presente reclamação, apresentada ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil, não está em causa uma mera questão formal, susceptível de resolução mediante convolação pelo tribunal, seja por aplicação directa, seja por aplicação analógica do poder/dever previsto no n.º 3 do art. 193.º do mesmo Código.

Com efeito, e como se afirma na decisão ora impugnada, no recurso interposto pelo Recorrente nunca foi invocada qualquer contradição de julgados, nem foi feita qualquer referência à alínea c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, antes se fundamentou a admissibilidade da revista por via excepcional unicamente na alínea a) do n.º 1 do mesmo art. 672.º respeitante à relevância jurídica da questão a apreciar.

Assim, e contrariamente ao que o Recorrente pretende inculcar em sede de impugnação para a conferência, não está em causa uma simples convolação do fundamento de recorribilidade (da contradição de julgados do art. 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, para a contradição de julgados do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do mesmo Código).

Está sim em causa a apreciação da reclamação do despacho de indeferimento do recurso de revista, reclamação na qual o Recorrente invoca novo fundamento de admissibilidade do recurso, no caso a alegada contradição de julgados entre o acórdão recorrido e um acórdão da Relação … proferido em data (02.07.2020) posterior à data da interposição do recurso (18.03.2020).[1]

 Deste modo, a limitação segundo a qual – na apreciação da reclamação do despacho do tribunal a quo que não admitiu o recurso – este Supremo Tribunal apenas pode atender ao fundamento de recurso invocado pelo Recorrente e apreciado por aquele tribunal, e não a qualquer outro fundamento que a Relação não teve oportunidade de apreciar, é uma limitação inerente à natureza da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de recurso.

Não oferece dúvida que, como afirma o Recorrente, este Supremo Tribunal não se encontra vinculado pelo despacho do relator do tribunal a quo, sobre o qual incide a reclamação interposta ao abrigo do art. 643.º do CPC. Assim é, mas apenas no sentido de que pode divergir desse despacho e não no sentido de que possa modificar o fundamento de recorribilidade invocado. A intervenção do Supremo Tribunal está limitada pelo objecto da reclamação, o qual, por sua vez, é definido pelo fundamento de interposição do recurso.

Com efeito, o n.º 2 do art. 637.º do CPC prescreve que:

«O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (...)»

Temos, assim, que é a própria lei que exige que se identifique o fundamento de recorribilidade, não podendo – designadamente por se incorrer em violação do princípio do contraditório – admitir-se a revista com um fundamento que não foi invocado ou nem sequer existia no momento da interposição do recurso, apenas cabendo ao relator do Supremo Tribunal de Justiça sindicar (aquando do despacho de admissão da revista, ou, no presente caso, em sede de reclamação), se o fundamento invocado para a admissibilidade do recurso é procedente, não se distinguindo, pois, o objecto do despacho liminar, dado aquando do recebimento do recurso no Supremo, do objecto de reclamação – como a presente – apresentada ao abrigo do art. 643.º do CPC.

Não se vislumbra que tais condicionantes, resultantes da própria natureza da função do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de recurso, lesem a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva.


4. Pelo exposto, indefere-se a impugnação para a conferência, confirmando-se a decisão impugnada.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 28 de Janeiro de 2021


Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.

Maria da Graça Trigo (Relatora)

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[1] A situação em apreciação não tem, pois, similitude com aquela outra situação em que o recurso de revista foi interposto com fundamento em contradição de julgados entre o acórdão recorrido e acórdão-fundamento que, à data da interposição do recurso, ainda não transitou em julgado. Cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30.04.2019 (proc. n.º 3404/16.3T8VFR-D.P1.S1, sumário in www.stj.pt) e de 23-01.2020 (proc. n.º 1761/18.6T8LRA-A.C1.S2, in www.jurisprudencia.csm.org.pt), que, apreciando tal questão, decidiram pela não admissibilidade do recurso.