Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21600/08.5YYLSB-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRESSUPOSTOS
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CESSÃO DE CRÉDITOS
AUTONOMIA DA VONTADE
RENÚNCIA
EXCEPÇÕES
EXCEÇÕES
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CESSÃO DE CRÉDITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA - RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, pp. 328, nota 2, 405; Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina Vol. II, 7.ª Edição, 1997, nota 1, pp. 330 e 331.
- Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, p. 537.
- José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português – Conceito e Fundamento, Almedina, 1986, pp. 86 e 87.
- José Maria Pires, Elucidário do Direito Bancário, Coimbra Editora, 2002, p. 668.
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª Edição, 2006, pp. 584, 585, 595.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 601.
- Vaz Serra, "Cessão de Créditos ou de Outros Direitos", Estudos, in BMJ, Número especial, 1955, pp. 121-122, 124, 138-139, 290.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 428.º, N.º1, 583.º, N.º1, 585.º, 587.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 802.º, 804.º, 814.º, N.º1, ALÍNEA E), 816.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 542.º, N.º 1 E 2, 635.º, N.º 3 A 5, 639.º, N.º 1, DO 713.º, 715.º, 729.º.
DEC.-LEI N.º 171/95, DE 18-07: - ARTIGO 7.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8-11-2007, PROCESSO N.º 07B3071, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. No âmbito de um contrato de locação financeira (factoring), a garantia de exigibilidade do crédito cedido dada ao cessionário (factor) pelo cedente ou pelo próprio devedor tem, em princípio, um alcance latitudinário, que não o sentido restrito ou forte de exigibilidade para os efeitos do art.º 802.º correspondente ao atual art.º 713.º do CPC, mormente quando se trate de crédito com vencimento posterior à cessão ou de crédito futuro.   

2. No entanto, dentro dos limites da autonomia da vontade negocial, pode o devedor renunciar, perante o cessionário, à ulterior invocação de qualquer ou de todas as exceções relativas ao crédito cedido, desde que o faça de forma inequívoca. 

3. Assim, quando a prestação correspondente ao crédito cedido, dependa, sinalagmaticamente, da contraprestação assumida pelo credor originário, a ter lugar em momento posterior ao conhecimento da cessão por parte do devedor, não está este impedido de invocar, perante o cessionário, a exceção do não cumprimento do contrato fundada na falta de realização daquela contraprestação.

4. Porém, como a exceção do não cumprimento do contrato pressupõe, necessariamente, a falta de cumprimento não definitivo da correspetiva contraprestação, aquela exceção fica precludida logo que ocorra o incumprimento definitivo desta contraprestação.

5. Quando a prestação exequenda dependa da prévia realização da correspetiva contraprestação, incumbe ao exequente alegar e provar que esta foi efetuada ou oferecida por quem a ela estava obrigado, o que constitui um pressuposto processual específico da ação executiva, nos termos dos artigos 802.º e 804.º correspondentes aos atuais artigos 713.º e 715.º do CPC.

6. Se o exequente o não fizer, a falta de exigibilidade da obrigação exequenda constitui fundamento de oposição à execução, de natureza processual, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 814.º correspondente ao atual artigo 729.º do CPC, a qual, não sendo suprida, determina a extinção da execução.

7. Essa falta de exigibilidade não fica removida pela eventual preclusão da exceção do não cumprimento do contrato fundada em facto superveniente que extravase o âmbito de exequibilidade do título executivo.

Decisão Texto Integral:
1. AA - Instituição Financeira de Crédito, S.A.., instaurou, em 07/10/2008, junto dos Juízos de Execução de Lisboa, execução contra BB - Sociedade de Empreendimentos Turísticos, S.A., para pagamento da quantia de € 322.007,98, acrescida de juros de mora, à taxa de 9,25% até 30/ 06/2006, de 9,83% até 31/12/2006, de 10,58 até 30/06/2007, de 11,07% até 31/12/2007, de 11,20% até 30/06/2008 e de 11,07% a partir de 01/07/2008, que computa em € 87.056,05, perfazendo a importância de € 409.064,03, correspondente ao crédito constante da fatura n.º …, de 11/10/2005, emitida pela sociedade CC - Soluções de Climatizações e Tratamentos de Ar, Ldª, o qual foi cedido à exequente mediante um contrato de factoring celebrado em 15/09/2005.

2. A executada deduziu oposição à execução, em 26/02/2009, alegando, no essencial, que:

   . A indicada fatura n.º …, na cifra de € 266.122,30, acrescida de IVA no valor de € 55.885,68, com vencimento em 10/03/ 2006, reporta-se ao fornecimento de 134 aparelhos de ar condicionado, no valor de € 128.350,00, e à respetiva instalação no valor de € 137.772,30;

    . De acordo com as condições estabelecidas entre a ora executada e a sociedade “CC, Ld.ª”, a entrega dos aparelhos de ar condicionado e a respetiva instalação devia iniciar-se em 06/11/2005 e estar concluída em 05/01/2006;

    . Em 13/10/2005, a “CC, Ld.ª”, enviou à executada a sobredita fatura e também a carta reproduzida a fls. 358, com o texto final ali inserido, pedindo à executada para assinar essa carta, informando que se tratava de uma mera formalidade com vista a obter da exequente o financiamento necessário à aquisição do equipamento em referência;

    . Porém, nessa data, o crédito relativo àquela fatura ainda não existia nem era exigível, por não ter sido ainda fornecido nem instalado o equipamento a que dizia respeito, só tendo a executada assinado tal declaração no pressuposto e convicção de que o viesse a ser nas condições acordadas;

  . Logo após a assinatura da referida declaração, a executada estabeleceu contactos com a ora exequente, ficando esta ciente de que o equipamento não havia sido fornecido nem instalado;

  . Em 28/10/2005, a exequente remeteu à executada o termo de notificação reproduzido a fls. 16, tendo esta inserido nele a declaração de que a aceitação da dívida ficava condicionada ao integral cumprimento de entrega e instalação do equipamento, remetendo o referido termo à exequente em 02/11/2005;

   . Exequente e executada acordaram em que esta comunicaria àquela o recebimento e instalação do equipamento, mas a “CC, Ld.ª”, nunca o fez, apesar das várias insistências da executada;            

   . Assim, não se chegou a constituir a obrigação de pagar o preço dos bens e serviços encomendados, como é do conhecimento da exequente;

   . Mas ainda que se considere constituída tal obrigação, a mesma não se mostra exigível, não tendo a exequente oferecido provas de ter sido realizada as correspetivas prestações;

. A par disso, assiste à executada a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação exequenda, nos termos dos art.º 428.º e 585.º do CC, mesmo contra a cessionária do pretenso crédito.

Concluiu a executada/opoente pela extinção da execução.

2. A exequente contestou a oposição, sustentando, em síntese, que:

. A exequente condicionara a aquisição do crédito à sociedade “CC, Ld.ª”, à respetiva existência e exigibilidade, tendo esta remetido àquela, em 27/10/2005, a declaração constante do documento reproduzido a fls. 358, através da qual a executada tomou conhecimento e reconheceu a exigibilidade daquele crédito;

. Nessa base, em 28/10/2005, a exequente confirmou a aquisição do crédito e procedeu ao pagamento do preço correspondente à “CC, Ld.ª”;

. Só depois disso é que a exequente foi informada de que o equipamento não tinha sido entregue nem instalado;

. Assim, uma vez que tais factos ocorreram após a cessão de crédito, o incumprimento por parte da “CC, Ld.ª”, não pode ser oposto à cessionária ora exequente.      

3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

4. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 253-256, foi proferida a sentença de fls. 257-269, datada de 28/07/2014, a julgar improcedente a oposição.

5. Inconformada com tal decisão, a executada/opoente veio interpor recurso de revista per saltum, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, obrigou-se perante a Recorrente a fornecer e instalar 134 aparelhos de ar condicionado nos quartos e zonas públicas do Hotel Apartamento DD, na Rua do …, lote …, em Albufeira, devendo os trabalhos ser iniciados em 06/11/2005 e estar concluídos em 05/01/2006;

2.ª - Em contrapartida, a Recorrente obrigou-se a pagar à “CC, Ld.ª”, o preço global de € 266.122,30, acrescido de IVA, no montante de € 55.885,60, tendo esta emitido a fatura n.º …, datada de 11/10/2005, com vencimento em 10/03/2006;

3.ª - O acordo estabelecido entre a Recorrente e a “CC, Ld.ª”, comporta todos os elementos típicos do contrato de empreitada, o qual se encontra definido no art.º 1.207.º do CC, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço;

4.ª - Não obstante a emissão da fatura, nada se apurou quanto ao modo e tempo de pagamento do preço, pelo que este deve ser pago no ato de aceitação da obra, segundo o disposto no artigo 1.211.º, n.º 2, do CC;

5.ª - A empreitada é um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, pelo que as prestações prometidas - realização da obra e pagamento do preço - estão ligadas entre si por um nexo causal: o preço só é devido se e quando o empreiteiro realizar a obra e esta for aceite;

6.ª - Em face da matéria provada (alíneas A), B) e L) da matéria assente), a “CC, Ld.ª”, e a exequente celebraram entre si, em 15/09/2005, um contrato de factoring, no âmbito do qual foi transferido para o factor o crédito correspondente ao preço emergente do contrato de empreitada acima referido.

7.ª - Este contrato, regulado no Dec.-Lei n.º 171/95, de 18-07, reveste a natureza de um negócio de promessa de cessão de créditos ou de cessão de créditos futuros, regendo-se pelas suas cláusulas e, subsidiariamente, pelas regras da cessão de créditos (artigos 577.º e seguintes do CC);

8.ª - O crédito cedido por via do contrato de factoring não sofre qualquer alteração, pois apenas se opera uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente para o cessionário;

9.ª - Como decorre do n.º 1 do art.º 577.º e do n.º 1 do art.º 583.º do CC, a cessão de créditos não depende do consentimento do devedor, produzindo efeitos em relação a este desde que lhe seja notificada ou desde que este a aceite, e, sendo o devedor alheio ao ato de que emerge a cessão de créditos, a alteração do titular do crédito em nada pode onerar ou agravar a sua situação;

10.ª - Por isso, nos termos do artigo 585.º do CC, o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão;

11.ª - A posição do cessionário é integralmente equiparada à do cedente, não lhe assistindo o direito de invocar a sua boa fé para afetar a situação do devedor, colocando-o numa situação pior do que aquela em que ele anteriormente se encontrava;

12.ª - A “CC, Ld.ª”, não realizou a obra – fornecimento e instalação dos aparelhos de ar condicionado nos quartos e zonas públicas do Hotel Apartamento DD -, cujo preço a exequente pretende encaixar coercivamente através de ação executiva movida contra a executada, pelo que esta teve de recorrer a outro fornecedor para fornecer e instalar os aparelhos de ar condicionado;

13.ª - Nos contratos bilaterais, se não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (art.º 428.º, n.º 1, do CC), sendo esta exceção também invocável pelo contraente que não esteja obrigado a realizar a sua prestação antes da contraparte. É a chamada “exceptio non adimpleti contractus”.

14.ª - Estando a Recorrente obrigada a pagar o preço depois de executada e aceite a obra adjudicada à “CC, Ld.ª”, a Recorrente podia invocar em sua defesa contra a empreiteira a referida exceção;

15.ª – A “exceptio non adimpleti contractus” é uma arma de defesa que obsta a que um dos contraentes possa subverter a justiça comutativa, possa exigir ao outro contraente a prestação sem realizar simultânea ou previamente aquela a que está vinculado. Dada a sua natureza e escopo, tal exceção emerge do próprio contrato bilateral;

16.ª - A exceção de não cumprimento é uma exceção dilatória de direito material que, uma vez invocada, obsta temporariamente a que o outro contraente possa obter a sua prestação;

17.ª - Assim, a Recorrente podia opor ao factor, ora Recorrida, a exceção de inadimplemento prevista no artigo 428.º, n.º 1, do CC, seja o incumprimento do cedente anterior ou posterior ao conhecimento da transmissão do crédito pelo devedor;

18.ª - Essa exceção podia ser invocada contra o cedente e a cessão do crédito não pode obstar ao recurso à mesma, pois a prestação da Recorrente - pagamento do preço - está condicionada à prévia realização da obra, seja quem for o titular do crédito cedido;

19.ª - Não ficou demonstrado nos autos quando o documento referido na Alínea A) da matéria assente chegou ao conhecimento da exequente. No entanto, é certo que o mesmo não teve qualquer relevância ou impacto na cedência do crédito ou pagamento do respetivo preço;

20.ª - Embora a exequente tenha alegado que condicionara a aquisição do crédito à sua existência e exigibilidade, pelo que, em 28/10/2005, confirmou a aquisição e procedeu ao pagamento do preço à “CC, Ld.ª”, nenhum destes factos ficou provado;

21.ª - A obrigação de garantir à cessionária a existência e a exigibilidade do crédito recaía única e exclusivamente sobre a cedente nos termos do disposto no artigo 587.º do CC e também na alínea i) da cláusula 11.ª/1 do contrato de factoring;

22.ª - Acresce que a Recorrente teve o cuidado e zelo de transmitir, por diversas formas e em várias ocasiões, à Recorrida que o pagamento do preço dependeria da integral entrega e instalação dos equipamentos de ar condicionado e, mesmo assim, a Recorrida decidiu confirmar a cessão do crédito e antecipar o seu pagamento;

23.ª - Por isso, não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil delitual, já que a Recorrida nem sequer demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre a referida declaração e a decisão de aquisição do crédito e a antecipação do seu pagamento;

24.ª - A Recorrida intencionalmente deturpou factos, alegando, na contestação da oposição à execução, que o preço tinha sido pago em 28/10/2005, com o objetivo de imputar à Recorrente a responsabilidade delitual, invocando ser falsa a informação que lhe havia prestado quanto à exigibilidade do crédito objeto de cessão, “sem a qual a cessão do crédito e o pagamento do respetivo preço não se teria verificado”, como alegou;

25.ª - A Recorrida sabia que estava a alterar a verdade dos factos, única e exclusivamente para abalar a procedência da oposição à execução e, no seu afã de litigância, mesmo após ter sido descoberta a sua artimanha, persistiu, obstinadamente, numa pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, atirando as culpas para cima do seu mandatário;

26.ª - Trata-se, em suma, de uma lide alicerçada numa contestação cuja falta de fundamento a Recorrida não podia ignorar, de uma lide imprudente e leviana, sendo a negligência grave;

27.ª - Nessa medida, por via do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 542.º do NCPC, estão reunidos os pressupostos da condenação da Recorrida como litigante de má fé;

28.ª - A Recorrida, com o seu comportamento processual ilícito, causou à Recorrente um prejuízo que esta não teria, traduzido nos custos da garantia bancária junta aos autos no apenso de prestação de caução, destinada a obter a suspensão dos termos do processo executivo até à decisão da oposição à execução, bem como os honorários do seu Advogado;  

29.ª - À litigância de má fé a lei processual faz corresponder a condenação em multa e uma indemnização à parte contrária, destinada a ressarci-la dos danos que a lide lhe causou (n.º 1 do art.º 543.º do NCPC), sendo indemnizáveis todos os danos que tenham como causa direta ou indireta a má fé da parte;

30.ª - A lei pretende inequivocamente que a parte lesada com uma atuação ilícita da parte contrária seja colocada na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o ilícito processual;

31.ª - Conforme decorre das alegações e destas conclusões, o recuso foi interposto de decisão que pôs fim ao processo, não abrange decisões interlocutórias e versa apenas sobre questões de direito;

32.ª – Tanto o valor da causa, de € 409.064,03, como o valor da sucumbência excedem o valor da alçada do Tribunal da Relação;

33.ª - Verificam-se, assim, os pressupostos de que depende o recurso “per saltum” para o STJ, previsto e regulado no art.º 678.º do CPC, pretendendo a Recorrente que o mesmo suba diretamente ao STJ.


6. O “EE, S.A..”, que entretanto sucedeu, por via legal, à exequente “AA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação da sentença impugnada, rematando com o seguinte quadro conclusivo:  

1.ª – O EE, SA, sucedeu, por força da lei e da deliberação do Banco de Portugal, na titularidade do crédito exequendo, podendo os presentes autos com ele prosseguir em substituição do FF, S.A.;

2.ª - Ao declarar que aceitava a cessão do crédito, que reconhecia a sua existência e exigibilidade e que o pagaria na sua integralidade ao cessionário sem quaisquer deduções, a Recorrente assumiu para com este um compromisso firme e autónomo relativamente à obrigação do devedor cedido;

3.ª- A Recorrente sabia, e assim o declarou nos autos, que aquela sua declaração se destinava a ser apresentada ao cessionário para que este, adquirindo o crédito, financiasse o cedente com vista à aquisição por este dos equipamentos que instalaria num hotel da Recorrente;

4.ª - Só após aquelas declarações da Recorrente estarem em poder do Recorrido, veio a Recorrente alterá-las, condicionando-as à execução do contrato por parte do cedente;

5.ª - Tendo-se a declaração inicial da Recorrente tornado eficaz quando chegou ao poder do Recorrido ou foi dele conhecida (art.º 224.º, n.º 1, do CC) não podia ser posteriormente revogada ou alterada ( art.º 235.º, n.º 2, CC).

6.ª - A declaração da Recorrente, para além de constituir um compromisso firme assumido perante o Recorrido, constitui também renúncia à invocação de exceções perante o Recorrido;

7.ª - Aquela declaração não constitui, ao contrário do afirmado pela Recorrente, uma simples declaração de ciência, mas antes um compromisso firme, autónomo ou independente da obrigação do cedente;

8.ª - A data do pagamento do preço da cessão é irrelevante para a decisão dos autos;

9.ª - O Recorrido não atuou com dolo ou malícia ao indicar, por mero lapso, que o pagamento do preço fora efetuado em 28 de outubro, pelo que não litiga de má fé;

10.ª - A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, devendo ser confirmada, ainda que com diferentes fundamentos.

 

         Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


         II – Delimitação do objeto do recurso


    Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC.

   Dentro de tais parâmetros, o objeto da presente revista compreende as seguintes questões de natureza estritamente jurídicas:

(i) – A questão da exigibilidade da obrigação exequenda, dada a sua alegada dependência, como preço que era, da realização do fornecimento e instalação de aparelhos de ar condicionado;  

(ii) – A questão concorrente de saber se assiste à executada, ora recorrente, a faculdade de recusar, perante a cessionária, aqui recorrida, o pagamento da prestação exequenda, com fundamento na exceção de não cumprimento do contrato, nos termos dos artigos 428.º e 585.º do CC;

(iii) A questão da alegada litigância de má fé imputada pela executada à exequente.



III – Fundamentação


1. Factualidade dada por provada em 1.ª Instância


Vem dada como provada pela 1.ª Instância a factualidade que, para melhor compreensão de toda a matéria, aqui se reordena pelo seguinte modo:

1.1. A exequente intentou a execução a que respeitam os presentes autos em 08/10/2008, apresentando o documento constante de fls. 6 dos autos de execução (fls. 358 destes autos), cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

   “Lisboa, 11 de Outubro de 2005

   Exmos. Senhores,

   Cumpre-nos notificar V. Ex.as, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 583.º do Código Civil, que transmitimos a favor da AA - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., o Crédito de que somos titulares, relativo a fornecimento e/ou a prestação de serviços à V/ Empresa, que abaixo discriminamos:


  Fact. N.º
Emissão
Importância/Moeda
Vencimento
….
11/10/2005
322.007,98 €
10/03/2006


Tomámos conhecimento e aceitamos, nas condições acima explicitadas, a cessão a favor da AA, SA., dos créditos supra relacionados, cuja existência e exigibilidade confirmamos.”

- alínea A) dos factos assentes;

1.2. A fls. 8 a 23 dos autos de execução (fls. 360-365 destes autos) consta o documento denominado “contrato de factoring n.º …/… - Condições Particulares e Condições Gerais”, datado de 15 de setembro de 2005, cujo teor se dá por reproduzido, em que constam como intervenientes o exequente e “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª” - alínea B) dos factos assentes;

1.3. A sociedade “BB - Sociedade de Empreendimentos Turísticos, S.A.”, ora executada/opoente, adjudicou à sociedade “CC – Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, o fornecimento e instalação de aparelhos de ar condicionado nos quartos e zonas públicas do Hotel Apartamento DD, na Rua do …, lote …, em Albufeira - alínea C) dos factos assentes;

1.4. A entrega dos aparelhos de ar condicionado e respetiva instalação devia iniciar-se em 6 de novembro de 2005 e estar concluída em 5 de janeiro de 2006 - alínea D) dos factos assentes;

1.5. A sociedade “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, tinha conhecimento das condições referidas em 1.4 e que os aparelhos de ar condicionado tinham de estar instalados e em pleno funcionamento em 6 de janeiro de 2006 – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

1.6. Em 13 de outubro de 2005, a “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, enviou à opoente a fatura n.º …, datada de 11 de outubro de 2005, no montante de € 266.122,30, acrescido de IVA no montante de € 55.885,68, com vencimento em 10 de março de 2006, correspondente ao documento de fls. 15 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido - alínea E) dos factos assentes;

1.7. O documento referido em 1.6 respeita ao fornecimento de 134 aparelhos de ar condicionado no montante de € 128.350,00 e à respetiva instalação no valor de € 137.772,30 - alínea F) dos factos assentes;

1.8. A sociedade “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, solicitou à opoente que assinasse a declaração por si aposta no documento referido em 1.1, a fim de obter da exequente o montante com que ia adquirir os equipamentos para fornecer à opoente – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;

1.9. Em 13 de outubro de 2005, a “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, enviou à opoente o documento referido em 1.1 - alínea G) dos factos assentes;

1.10. Do documento referido em 1.1, enviado à opoente, constava já:  

“Tomámos conhecimento e aceitamos, nas condições acima explicitadas, a cessão a favor da AA, S.A., dos créditos supra relacionados, cuja existência e exigibilidade confirmamos.”

- alínea H) dos factos assentes;

1.11. A opoente assinou e entregou à “CC – Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, o documento referido em 1.1. - alínea I) dos factos assentes;

1.12. A opoente contatou em várias ocasiões o Departamento de Operações da exequente, dando-lhe conhecimento que os aparelhos de ar condicionado não tinham sido entregues nem instalados – alínea K) dos factos assentes;

1.13. Os contactos referidos em 1.12 tiveram lugar após a assinatura do documento referido em 1.1 – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.14. Em 28 de outubro de 2005, a opoente solicitou à exequente o envio de cópia do documento que assinara, o que a exequente fez – resposta ao art.º 11.º da base instrutória;

1.15. Em 28 de outubro de 2005, a exequente remeteu à opoente o documento de fls. 16, em que consta:

   “Lisboa, 28 de Outubro de 2005

   N/Ref.ª 1295/2005

   ASSUNTO: TERMO DE NOTIFICAÇÃO/ RECONHECIMENTO DE DÍVIDA

   Exmos Senhores:

   Junto enviamos nosso Termo de Notificação/vosso reconhecimento de Dívida, cuja desnotificação só será válida mediante nossa comunicação, a qual deverá obrigatoriamente conter o selo branco da AA aposto nesta carta.

   Sem outro assunto de momento, gratos pela atenção dispensada.”

- alínea L) dos factos assentes;

1.16. No documento referido em 1.15, antes da assinatura dos seus administradores, a executada acrescentou o seguinte texto:

“O nosso reconhecimento de dívida para o valor e condições acima discriminados e, consequentemente, a nossa aceitação a este Termos de Notificação ficam exclusiva e expressamente condicionados ao integral cumprimento de entrega e instalação dos equipamentos constantes na supra mencionada factura”.

- alínea M) dos factos assentes;

1.17. Após o que a exequente recebeu de volta a carta que capeara o envio da cópia da declaração da opoente, em que fora acrescentado, para além do texto constante do ponto 1.16, a data “31 de Outubro de 2005” e, após “ASSUNTO: TERMO DE NOTIFICA-ÇÃO/RECONHECI-MENTO DE DÍVIDA”, o texto:  

“Fact. n.º …, emitida pela CC, Soluções de Climatização e Tratamento de Ar, Ld.ª, no valor de EUR. 322.007,98, com vencimento em 10 de Março de 2006.”

resposta ao art.º 12º da base instrutória;

1.18. A opoente remeteu o documento referido em 1.15 e 1.16 à exequente em 2 de novembro de 2005, mediante fax, que esta recebeu (fls. 17 dos autos) - alínea N) dos factos assentes;

1.19. A exequente procedeu ao pagamento do preço da cessão à “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, em 17 de novembro de 2005 - aditado por despacho de 25 de Março de 2014;

1.20. Em 13 de outubro de 2005, ainda não tinham sido fornecidos nem instalados os aparelhos de ar condicionado pela “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª” - alínea J) dos factos assentes;

1.21. O Hotel referido em 1.3 estava encerrado para obras de remodelação, estando a reabertura fixada para 6 de janeiro de 2006 – resposta ao art.º 1.º da base instrutória;

1.22. A “CC - Soluções de Climatização e Tratamento do Ar, Ld.ª”, não procedeu ao fornecimento ou instalação dos aparelhos de ar condicionado, apesar dos vários contatos da opoente nesse sentido – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.23. A opoente teve de recorrer a outro fornecedor para fornecer e instalar os aparelhos de ar condicionado – resposta ao art.º 9.º da base instrutória.


Como explicitação do facto constante do ponto 1.1, ao abrigo do disposto na 1.ª parte do n.º 4 do art.º 607.º, aplicável por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, consigna-se que:

1.24. Do documento reproduzido a fls. 358, correspondente fls. 6 dos autos de execução, consta o seguinte:

«O documento acima relacionado é do V/ conhecimento e corresponde a dívida dessa Empresa, comprometendo-se V.ª Exas. a pagar à AA o supra relacionado crédito, na sua integralidade e na data do respectivo vencimento, salvo se outra data for acordada entre V. Exas e a AA, pelo que em relação a tal crédito V. Exas não invocarão compensações, nem sobre o respectivo valor efectuarão quaisquer deduções”.     



   2. Do mérito do recurso


2.1. Enquadramento preliminar


Estamos no âmbito de um procedimento declarativo de oposição a uma execução comum instaurada, em 07/10/2008 (fls. 371), pela sociedade “AA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, a que entretanto sucedeu, por via legal, o “EE, S.A..”, contra a sociedade “BB - Sociedade de Empreendimentos Turísticos, S.A.”, para pagamento da quantia de € 322.007,98, acrescida de juros de mora, computados até à proporsitura da ação em € 87.056,05, perfazendo a importância de € 409.064,03, correspondente ao crédito constante da fatura n.º …, de 11/10/2005, emitida pela sociedade “CC – Soluções de Climatizações e Tratamentos de Ar, Ld.ª, crédito esse que foi cedido à exequente mediante um contrato de factoring celebrado em 15/09/2005.

A execução funda-se no documento reproduzido a fls. 358, datado de 11/10/2005, através do qual, a pedido da sociedade “CC, Ld.ª”, a executada, ora opoente, “BB, S.A.”, declarou tomar conhecimento e aceitar a cessão, a favor da “AA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, do crédito relacionado com a factura n.º …, emitida pela “CC, Ld.ª”, em 11/10/2005, no valor de € 322.007,98, com vencimento em 10/03/2006, confirmando a existência e exigibilidade daquele crédito (pontos 1.1 e 1.10 da factualidade provada).

Por sua vez, a ali referida cessão de crédito fora realizada mediante o contrato de factoring n.º …/…, datado de 15/09/2005, constante do documento reproduzido a fls. 360-365, celebrado entre a “AA, S.A.”, como cessionária, e a sociedade “CC, Ld.ª”, na qualidade de cedente (ponto 1.2 da factualidade provada).

Em 17/11/2005, a ora exequente “AA, S.A.”, procedeu ao pagamento do preço da cessão à “CC, Ld.ª” (ponto 1.19 da factualidade provada).

Apesar de a exequente ter fundado a execução naquele documento recognitivo da obrigação exequenda, por parte da executada, limitando-se a referir os dados constantes da indicada fatura sem especificar então a respetiva relação causal, o certo é que se provou, documentalmente e por acordo das partes, que aquela fatura respeitava ao fornecimento de 134 aparelhos de ar condicionado no montante de € 128.350,00 e à respetiva instalação no valor de € 137.772,30, no total de € 266.122,30, acrescido de IVA na cifra de € 55.885,68, perfazendo o total € 322.007,98, que a “CC, Ld.ª”, assumira realizar a favor da executada “BB, S.A.”, com início em 06/11/2005 e conclusão em 05/01/2006, de forma a estarem em pleno funcionamento no dia 06/01/2006 (pontos 1.3 a 1.7 da factualidade provada).

Sucede que a “CC, Ld.ª”, não procedeu ao fornecimento nem instalação dos aparelhos de ar condicionado, apesar dos vários contactos da opoente nesse sentido (ponto 1.22 da factualidade provada), face ao que esta recorreu, para o efeito, a outro fornecedor (pontos 1.23 da factualidade provada).

Não obstante isso, a “AA, S.A.”, embora conhecendo as condições do sobredito contrato, acabou por instaurar a presente execução contra a sociedade “BB, S.A.”, com vista a obter desta o pagamento do crédito que lhe fora cedido,  

Aqui chegados, a questão que agora se coloca é a de saber se assiste à executada/opoente a faculdade de recusar esse pagamento com fundamento seja na inexigibilidade daquele crédito, seja na exceção de não cumprimento do contrato por parte da credora originária, a sociedade CC, Ld.ª. 

 

Como é sabido o contrato de factoring, como tal designado e regulado no Dec.-Lei n.º 171/95, de 18 de julho, traduz-se num contrato de cessão financeira, o qual se caracteriza como um contrato de natureza duradoura, celebrado entre uma instituição financeira (factor) e o titular de uma empresa fornecedora de bens ou prestadora de serviços (o aderente), tendo por objeto a aquisição de créditos comerciais a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a terceiro (devedor).

O referido contrato envolve como sujeitos: o factor ou cessionário - bancos e as sociedades de factoring; o aderente ou cedente - o titular dos créditos “factorizados”; os devedores – os terceiros devedores dos créditos cedidos à factor.

Segundo Menezes Cordeiro[1], o referido contrato pode assumir, consoante o que for convencionado pelas partes, uma de duas configurações:

a) - uma estrutura dual, integrada por um contrato-quadro e pelas subsequentes cessões de crédito;

b) - uma estrutura unitária, consubstanciada num único contrato de cessão de créditos futuros.  

   Por sua vez, o artigo 7.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 171/95, de 18-07, ao estabelecer que “a transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring, deverá ser acompanhado pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário”, parece apontar para o modelo dualista[2].  

Em suma, segundo esse modelo, o contrato desdobra-se em duas vertentes:

a) - um contrato-quadro que regula o conjunto das relações do factor com o aderente, no qual se estipula a venda dos créditos futuros e, nomeadamente, a assunção do risco pela sociedade factor e a prestação de diversos serviços;

b) – a posterior cessão dos créditos.

Trata-se, pois, de um contrato de tipicidade reduzida[3], tido como de execução duradoura e de eficácia sucessiva, reclamando a aplicação subsidiária dos regimes próprios dos contratos que lhe servem de ingrediente, em particular da compra e venda, do mandato, da agência e da cessão de créditos.

Em termos gerais, celebrado o contrato de cessão do crédito, e notificado o devedor, fica este obrigado a efetuar o pagamento dos créditos cedidos ao factor.

Porém, como se trata de um contrato-quadro, importa ainda que o devedor tenha conhecimento de quais os créditos cedidos, o que, em relação aos créditos futuros será, na prática, veiculado por via do tipo de cláusulas subrogativas, de natureza acessória[4]. Neste sentido, nas palavras de Menezes Cordeiro, “estão nessas condições os deveres instrumentais relativos ao modo de apresentar faturas e outras regras de procedimento”[5].

Acresce que à cessão singular de cada um dos créditos cedidos é aplicável, subsidiariamente, o disposto nos artigos 577.º a 587.º do CC.   

No caso presente, perante a factualidade provada, não sofre dúvida que a cessão do crédito respeitante à fatura n.º …, emitida pela “CC, Ld.ª”, em 11/10/2005, no valor de € 322.007,98, com vencimento em 10/03/2006, sobre a ali devedora “BB, S.A.”, se operou no quadro do contrato de factoring n.º …/…, datado de 15/09/2005, constante do documento reproduzido a fls. 360-365, celebrado entre a “AA, S.A.”, enquanto cessionária, e a sociedade “CC, Ld.ª”, na qualidade de cedente. Como também não sofre dúvida que a devedora “BB, S.A.”, foi notificada dessa cessão, tendo reconhecido a existência e exigibilidade desse crédito nos termos constantes da carta reproduzida a fls. 358 dos presentes autos, datada de 11/10/ 2005, o que tornou aquela cessão eficaz em relação à devedora, nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do CC.

Resta saber se dessa aceitação resulta para a devedora a preclusão de invocar mais tarde contra a cessionária a inexigibilidade da obrigação ou a eventual exceção do não cumprimento do contrato subjacente ao crédito cedido.


Ora, a executada/opoente sustenta a tese de que assumiu o reconhecimento da existência e da exigibilidade da obrigação em causa com vista a viabilizar a cessão de crédito, mas condicionada à prévia realização integral da contraprestação por parte da credora originária, como, aliás, fez saber à exequente, nomeadamente através da declaração inserta no documento reproduzido a fls. 16, intitulado “termo de notificação/reconhecimento de dívida”, datado de 31/10/2005. 

Porém, a exequente considera que esta declaração ulterior não afeta a eficácia da declaração do reconhecimento e da exigibilidade da obrigação assumida pela executada no documento reproduzido a fls. 358, datada de 11/10/2005, entretanto já em poder da exequente. E, ancorando-se na ressalva final do 585.º do CC, defende que os fundamentos invocados pela executada/opoente, sendo posteriores ao conhecimento da cessão, não lhe aproveitam.

Na mesma linha, em síntese, a 1.ª instância, considerando que a cessão de crédito era válida e eficaz, que a executada teve conhecimento dela em 13/10/2005 e que a realização da prestação, por parte da “CC, Ld.ª”, estava prevista com início em 06/11/2005 e termo em 05/01/2006, concluiu que a exceção de não cumprimento do contrato invocada era posterior ao conhecimento da cessão por parte da mesma executada, não lhe aproveitando nos termos da parte final do citado art.º 585.º. Daí julgou improcedente a oposição.


Apreciemos agora cada um dos fundamentos da oposição, começando pela exceção do não cumprimento, por ser aquele em que mais se centrou a sentença recorrida.


2.2. Quanto à invocada exceção do não cumprimento do contrato


Antes de mais, importa esclarecer o alcance normativo a dar à declaração da executada constante do documento de fls. 358, de 11/10/2005, na parte em que confirma a existência e exigibilidade do crédito exequendo.

Do contexto dessa declaração no documento em que a mesma foi inserta resulta que tal “reconhecimento e exigibilidade”, respeita ao crédito constante da fatura n.º …, emitida pela CC, Ld.ª, em 11/10/2005, no valor de € 322.007,98, com vencimento em 10/03/2006, sobre a ali devedora “BB, S.A.”.

Convém também reter que das condições do crédito cedido consta a de que a devedora se comprometia a pagar à “AA, S.A.”, o mencionado crédito, na sua integralidade e na data do respetivo vencimento, salvo se outra data fosse acordada entre ambas, pelo que, em relação a tal crédito, a devedora não invocaria compensações, nem sobre o respetivo valor se efectuariam quaisquer deduções (ponto 1.24 da factualidade provada).    

Torna-se assim evidente que esse reconhecimento versa o crédito em foco, naquelas precisas condições de pagamento, nomeadamente com vencimento em 10/03/2006.

A este propósito, convém referir que o artigo 587.º, n.º 1, do CC, prescreve que:

O cedente garante ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

E quanto o alcance do conceito de exigibilidade do crédito, para tais efeitos, Antunes Varela[6] observa que:

“A exigibilidade do crédito, abrangida nessa garantia, não envolve a ideia da exigibilidade imediata do crédito já vencido, visto ser ponto assente a credibilidade de créditos futuros, convencionais e a prazo. A exigibilidade é a qualidade do crédito que pode (logo após a cessão, ou vencido certo termo ou verificado determinado evento) ser exigido judicialmente - ficando assim excluídos do conceito os créditos correspondentes a obrigações naturais, os créditos que o devedor declare extintos por compensação, os créditos fundadamente impugnados por ele, os créditos (embora existentes) de que o cedente não podia dispor”.

No mesmo sentido, Vaz Serra[7] escreve que:

«O cedente garante, pois, que o crédito não só existe, mas não está prejudicado por excepção nem sujeito a impugnação ou compensação – factos que comprometeriam a sua existência ou valor jurídico. A garantia do cedente refere-se apenas ao tempo da cessão: ele garante que o crédito existe juridicamente na data da cessão, mas não que existirá também no futuro.»

Nessa linha de entendimento, o conceito de exigibilidade em referência é ali adotado em sentido latitudinário e não no sentido restrito ou forte com que é assumido, por exemplo, no artigo 802.º correspondente ao atual art.º 713.º do CPC. 

Ora, apesar da garantia de exigibilidade do crédito exequendo ser dada pelo próprio devedor, em conformidade com o clausulado no contrato de factoring (cláusula 4.ª das respetivas condições gerais), o seu alcance não pode deixar de ser idêntico.

Significa isto que a devedora “BB, S.A.”, reconheceu o crédito e a sua exigibilidade por via judicial nos precisos termos em que o mesmo emergia da correspetiva relação causal e com vencimento a 10/03/2006.

De resto, as únicas exclusões de invocabilidade assumidas pela devedora, ora opoente, no documento de fls. 358 dado à execução respeitam a compensações e a deduções sobre o valor faturado, conforme consta do ponto 1.24 da factualidade provada, não alcançando, nem expressa nem implícitamente, de forma inequívoca, as demais exceções que lhe fosse lícito invocar contra o credor originário, nomeadamente a exceção do não cumprimento do contrato.  


Posto isto, há que apurar agora se, em tais circunstâncias, assiste ainda assim à devedora a faculdade de invocar a exceção do não cumprimento do contrato subjacente, por parte da credora originária, ao abrigo dos artigos 428.º e seguintes e 585.º do CC, sabido que tal incumprimento ocorreu já depois do conhecimento da cessão do crédito.

O artigo 428.º, n.º 1, do CC dispõe que:

Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento espontâneo.

Consagra-se assim a chamada exceptio non adimpleti contractus, para valer no domínio dos contratos sinalagmáticos como são aqueles de que resultem prestações correspetivas, interdependentes, em que uma seja a causa da outra, sendo para tanto necessário que não se encontrem fixados prazos diferentes para cada uma das obrigações recíprocas, em termos de uma dever ser cumprida antes da outra.

Todavia, tem-se entendido que, mesmo nos casos em que haja prazos diferentes, a exceção pode ser invocada pelo contraente cuja prestação devesse ser efetuada depois da do outro contraente[8].

Trata-se, portanto, de um exceção perentória própria, cujo ónus de alegação e prova recai sobre aquele contra quem o direito é invocado, nos termos do n.º 2 do artigo 342.ºdo CC e dos artigos 264.º, n.º 1, 496.º, parte final, aplicáveis ao caso dos autos por força do preceituado no artigo 816.º, respetivamente correspondentes aos atuais artigos 5.º, n.º 1, 579.º e 731.º do CPC. E consiste no que a doutrina tem qualificado como exceção dilatória de direito material.

Ora, no caso vertente, da factualidade provada decorre que a obrigação exequenda, com vencimento em 10/03/2006, tem por objeto o preço que a sociedade “BB, S.A.”, ora executada/ opoente, assumiu contratualmente pagar à CC, Ld.ª, pelo fornecimento e instalação, por parte desta, de 134 aparelhos de ar condicionado, com início em 06/11/2005 e conclusão em 05/01/ 2006. Neste contexto, à luz das regras da experiência, tal só pode significar que o pagamento desse preço pressupunha a prévia realização desta contraprestação.

Sucede que, como já foi referido, a “CC, Ld.ª”, não procedeu ao fornecimento nem instalação daqueles equipamentos, apesar dos vários contactos da opoente nesse sentido (ponto 1.22 da factualidade provada), face ao que esta recorreu, para o efeito, a outro fornecedor (ponto 1.23).


Nessas circunstâncias, face ao disposto no n.º 1 do art.º 428.º do CC, no entendimento acima considerado, perante a falta de cumprimento da prestação assumida pela “CC, Ld.ª, assistiria à sociedade “BB, S.A.”, a faculdade se recusar, perante o credor originário, o pagamento daquele preço. 

Tudo está agora em saber se, tendo o crédito sido cedido à exequente e conhecida a cessão, por parte da devedora executada, ainda antes da ocorrência dessa falta de cumprimento da credora originária, será ainda lícito à mesma devedora invocar aquela exceção de não cumprimento do contrato perante a cessionária exequente. 

Prescreve o artigo 585.º do CC que:

O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este o ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.

    Nas palavras de Vaz Serra[9]:

   «Desde que o crédito passa ao cessionário no estado em que se encontrava na data da cessão (ou naquela em que o devedor tem conhecimento da cessão: o cessionário adquire-o com os defeitos que então tinha.

   Esta regra baseia-se na consideração de que o devedor não pode ver piorada a sua situação em consequência da cessão realizada entre o cedente e cessionário; donde resulta que o devedor deve opor ao cessionário as excepções que teria podido opor ao cedente.

   Dado o fundamento desta doutrina, que pode considerar-se uma aplicação da regra nemo plus iuris, etc., ela não depende da boa fé do cessionário.

   […]  

   As excepções que o devedor pode opor ao cessionário não são só aquelas que obstam ao nascimento do crédito ou produzam a sua extinção …, por exemplo, a de que o crédito é simulado, ou nulo por outra causa, ou de que está pago ou extinto por outro motivo, como também as excepções propriamente ditas, v.g., a exceptio non adimpleti con-tractus.

   […]

   Se o devedor tiver o direito de resolução, redução ou impugnação, estes direitos mantêm-se, apesar da cessão, e, se puderem ser exercidos e forem contra o cedente, resulta daí que o cessionário perde o seu crédito no todo ou, tratando-se apenas de redução, em parte.» 

Todavia, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[10]:

   «No caso, porém, de exceptio non adimpleti contractus, como ao cessionário se transmite apenas o crédito do cedente e não as obrigações em que este esteja eventualmente constituído, o devedor não poderá exigir dele o cumprimento da prestação; poderá apenas recusar o cumprimento da prestação, enquanto o decente não efectuar a contraprestação ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.»

Também não se ignora que, nos limites da autonomia da vontade negocial, como refere Vaz Serra[11], “o devedor pode renunciar às disposições destinadas a protegê-lo: assim, pode, mesmo quando o crédito se constitui, obrigar-se a não opor ao novo credor excepções algumas ou certas excepções; donde resulta que podem emitir-se documentos, com as qualidades essenciais dos títulos à ordem”.    

Coloca-se então a questão de saber até que momento devem nascer essas exceções.

Por exemplo, no direito alemão “é suficiente que a constituição das excepções remonte ao tempo anterior à cessão, ainda que a condição da sua eficácia só se tenha verificado posteriormente. Assim, o devedor tem a exceptio non rite adimpleti contractus também no caso de cumprimento defeituoso (por parte do cedente) não ter tido lugar senão depois da cessão, visto que esta excepção não tem o seu fundamento no acto de cumprimento, mas no próprio contrato bilateral …”[12].

Afigura-se, pois, que esta doutrina deve ser acolhida em sede de interpretação do acima transcrito art.º 585.º do CC, como observa Jorge Ribeiro de Faria[13], quando escreve que:

«Pode suceder que o facto seja posterior ao conhecimento da cessão porque não tem qualquer ligação com a relação contratual – porque, v.g., o devedor posteriormente a esse conhecimento se torna credor do cedente – ou porque o facto, embora posterior ao conhecimento da cessão, tem o seu fundamento no contrato bilateral donde emerge o crédito. Por isso é que o devedor poderá opor ao cessionário a excepção de contrato não cumprido se, por exemplo, o cumprimento defeituoso da prestação a que o cedente se encontra adstrito já foi realizado depois do conhecimento da cessão.»     

Nesta linha de entendimento, parece não haver dúvida de que a exceção do não cumprimento, na vertente de recusa da contraprestação do devedor, ante a falta de cumprimento do credor originário pode ser invocada como meio de defesa perante o cessionário do crédito deste, nos termos da 1.ª parte do art.º 585.º do CC, não caindo na ressalva final deste normativo, porquanto se trata de exceção já emergente do contrato firmado entre o devedor e o cedente, à data do conhecimento da cessão por parte daquele, em outubro de 2005, embora dependente da condição de eventual não realização da contraprestação, a ter lugar posteriormente, entre 6 de novembro de 2005 e 5 de janeiro de 2006.

Nem se divisa que a devedora, ora opoente, tenha renunciado a tal invocação no contexto do documento de fls. 358 que serve de título à execução, na referência genérica, ali inserta, a compensações ou quaisquer deduções, que não alcança, como foi dito, a exceção do não cumprimento do contrato.   

Em suma, conclui-se, neste ponto, que assistira à opoente a faculdade de recusar a obrigação exequenda com fundamento na não realização da contraprestação por parte do cedente, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 428.º do CC.

Não obstante isso, sucede que a referida exceção de não cumprimento do contrato, traduzindo-se numa exceção dilatória de direito material, só pode operar em situações de falta de cumprimento não definitivo, supondo, pois, a manutenção do vínculo contratual.

   Nas palavras de José João Abrantes[14]:

  «Para que a “exceptio” possa actuar, necessário é que esse incumprimento não seja definitivo, isto é, de molde a impossibilitar a posterior execução da obrigação …, mas que seja apenas um incumprimento que, atento o interesse do credor, não impeça a futura realização da prestação prometida, porque esta é ainda possível e o credor continua a ter interesse nela.

  A excepção apenas pode ser invocada perante uma situação de incumprimento não definitivo, Se, ao contrário, se tratar de uma inexecução definitiva, não faz sentido opor a excepção de inexecução, que supõe a manutenção do vínculo contratual, antes devendo ser invocada a resolução, cujo efeito é a extinção do referido vínculo.

   A exceptio tem efeitos meramente transitórios, pressupondo uma prestação ainda por cumprir e a sua suspensão até que a respectiva contraprestação seja por sua vez executada.

   (…]

     […] visa-se com ela proteger a manutenção do equilíbrio entre obrigações reciprocamente assumidas por ambos os contraentes.»   

          

    Porém, no caso vertente dos factos constantes dos pontos 1.22 e 1.23 consta que:

- A “CC, Ld.ª”, não procedeu ao fornecimento ou instalação dos aparelhos de ar condicionado, apesar dos vários contactos da opoente nesse sentido – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

   - A opoente teve de recorrer a outro fornecedor para fornecer e instalar os aparelhos de ar condicionado – resposta ao art.º 9.º da base instrutória.

Daí resulta que a opoente, considerando a reiterada recusa de cumprir, por parte da cedente CC, Ld.ª, optou por satisfazer o interesse em causa por via de outra fornecedora, o que terá por efeito a extinção da relação contratual firmada com a cedente. 

Nestas circunstâncias, não nos encontramos agora ante uma falta de cumprimento não definitivo, o que basta para considerar precludida, no caso, a exceção do não cumprimento deduzida pela executada/opoente.

Termos em que improcede o fundamento da oposição nela estribado.  

                 

2.3. Quanto à alegada inexigibilidade da obrigação exequenda


Não obstante o exposto no ponto precedente, importa, todavia, ajuizar sobre a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, tal como emerge do título executivo e da respetiva relação causal.

Do factualismo acima descrito, como já foi dito, decorre que a obrigação exequenda constituía o preço da prestação a realizar pela sociedade CC, Ld.ª, a qual se inscrevia numa conexão sinalagmática, em que aquela obrigação se venceria após a realização desta contraprestação.

Se a exequente tivesse, logo no requerimento executivo, observado o ónus de identificar a relação causal de que emerge o crédito exequendo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 810.º do CPC, na versão em vigor à data da instauração da execução, dado que a mesma não consta com nitidez do título executivo - que apenas alude à fatura n.º … -, ter-se-ia então constatado a necessidade de suprir o requisito de exigibilidade, em conformidade com o disposto nos artigos 802.º e 804.º do mesmo Código.

Aliás, essa alegação mostrava-se necessária, porquanto, constituindo o título executivo um documento meramente recognitivo da obrigação exequenda, tal alegação é uma garantia para o exercício esclarecido do contraditório, por parte do executado, e até para se possa mais tarde saber a que título foi satisfeita, por via executiva, aquela obrigação. Daí que não bastassem, para tanto, os dados constantes da fatura n.º … nem o teor do contrato de factoring celebrado.

Seja como for, acabou por ser apurada, em sede de oposição à execução, aquela relação causal, donde se extrai o nexo sinalagmático entre a obrigação exequenda e a contraprestação devida pelo credor originário.

Daí também se retira que a exigibilidade obrigação exequenda tal como consta do título executivo agora em conexão com a referida relação causal, dependia da alegação e prova, por parte do exequente, de que a correspetiva contraprestação fora realizada ou oferecida por quem a ela estava obrigado.

Com efeito, segundo o n.º 1 do citado artigo 804.º, correspondente ao atual art.º 715.º do CPC:

Quando a obrigação esteja dependente … de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que ... se efectuou ou ofereceu a prestação.

A situação aqui prevista contempla precisamente o tipo de obrigações sinalagmáticas em que a prestação exequenda depende da realização de uma prestação correspetiva, como sucede no presente caso.

A alegação e prova de que a contraprestação foi efetuada ou oferecida traduz-se na concretização do requisito de exigibilidade da obrigação exequenda, como decorre do disposto no artigo 802.º correspondente ao atual art.º 713.º do CPC, requisito este que se reconduz a um pressuposto processual específico da ação executiva relacionado com a chamada exequibilidade intrínseca.

Em suma, independentemente da questão de fundo da natureza definitiva ou não do incumprimento do contrato, por parte da cedente, o certo é que, tratando-se de uma obrigação dependente daquela contraprestação, recaía sobre a exequente o ónus de alegar e provar que esta contraprestação tivesse já sido efetuada ou oferecida, para efeitos de comprovação do sobredito pressuposto processual.

Porém, a exequente não só não alegou tal requisito da obrigação exequenda, como nem tão pouco o supriu em sede de oposição à execução, provando-se antes que tal prestação não fora efetuada.

Nem se diga que a falta desse requisito de exigibilidade colide com a solução a que se chegou no ponto precedente sobre a preclusão da exceção do não cumprimento.

Com efeito, uma coisa é a demonstração da exigibilidade da obrigação exequenda tal como decorre do título executivo e da respetiva relação causal, condição formal de acesso à via executiva; outra bem diferente é a de saber, já em termos de mérito, se tal obrigação porventura subsiste ou se tornou exigível por razões diversas das relativas ao contexto de exequibilidade do título.

Ora, no caso presente, constata-se que a exequente não demonstrou a exigibilidade da obrigação exequenda tal como emergia do título executivo e da respetiva relação causal.

Assim, o facto de se ter precludido a exceção do não cumprimento não significa, por si só, no contexto superveniente da extinção da relação causal provocada pela executada ante o incumprimento definitivo da credora originária, que a obrigação exequenda se tenha tornado exigível ou mesmo que seja ainda assim devida à cessionária. Só que esta é já uma questão que transcende o âmbito de exequibilidade do título dado à execução e de que, por isso, não cumpre aqui apreciar.    

Nestas circunstâncias, não resta senão considerar verificada a inexigibilidade da obrigação exequenda, ao abrigo do disposto nos artigos 802.º, 804.º, n.º 1, e 814.º, n.º 1, alínea e), este aplicável por via do artigo 816.º do CPC na redação então em vigor.

Termos em que procede a oposição à execução com base neste fundamento, importando a extinção da execução.


2.4. Quanto à litigância de má fé


Relativamente à litigância de má fé, embora se considere procedente a oposição à execução com base num dos seus fundamentos, por tudo o que acima se deixou exposto, não se mostra que a tese da exequente se inscreva fora dos limites de uma normal litigância, nem que tenha feito uso reprovável da via executiva, nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e 2, do CPC.  

Assim, não se vislumbram razões para a condenar como litigante de má fé.


IV - Decisão


Pelo exposto, concede-se a revista, parcialmente, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, decide-se julgar:

a) – improcedente a oposição à execução quanto ao fundamento da exceção de não cumprimento, ainda que por razões diversas das contidas na sentença recorrida;

b) – mas procedente quanto ao fundamento da inexigibilidade da obrigação exequenda;

c) – e, em virtude da procedência do fundamento indicado em b), extinta a execução. 

Não se condena a exequente como litigante de má fé.

As custas da execução e do recurso ficam a cargo da exequente aqui recorrida.  

  

Lisboa, 9 de Julho de 2015

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria

João Luís Marques Bernardo

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[1] Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª Edição, 2006, p. 584.
[2] Vide Menezes Cordeiro, ob. cit. p. 585.
[3] Vide José Maria Pires, Elucidário do Direito Bancário, Coimbra Editora, 2002, p. 668.
[4] Sobre a natureza desta cláusula vide o ac. do STJ, de 8-11-2007, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro João Bernardo, no processo n.º 07B3071, divulgado na pag. de dgsi.
[5] Ob. cit. p. 595.
[6] In Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina Vol. II, 7.ª Edição, 1997, nota 1, pp 330 e 331.
[7] Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, Estudos, in BMJ, Número especial, 1955, p. 290.
[8] Vide, por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 405.
[9] Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, Estudos, in BMJ, Número especial, 1955, p. 121- 122.

[10] Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 601. Sobre este ponto vide ainda Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, p. 328, nota 2.. 
[11] In Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, Estudos, in BMJ, Número especial, 1955, p. 138- 139.

[12] Vide Vaz Serra, Cessão de Créditos ou de Outros Direitos, Estudos, in BMJ, Número especial, 1955, p. 124.
[13] In Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, p. 537.
[14] In A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português – Conceito e Fundamento, Almedina, 1986, pp. 86 e 87.


    Pede a Recorrente que seja revogada a sentença recorrida e julgada procedente a oposição com a consequente extinção da execução, condenando-se ainda a Recorrida, como litigante de má fé, a pagar à Recorrente uma indemnização que, para além dos honorários do advogado, inclua os custos da garantia bancária prestada como caução para suspender os termos do processo executivo, a fixar nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do CPC.