Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15465/16.0T8LSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ABERTURA DE CRÉDITO
AÇÃO EXECUTIVA
DOCUMENTO PARTICULAR
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
PROVA COMPLEMENTAR
REQUISITOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. À luz do acórdão do TC n.º 408/2015, de 23.09, mantém-se a exequibilidade de um título emitido antes da entrada em vigor da reforma do CPC de 2013, que, ao tempo da sua emissão, era título executivo por força do art. 46.º, n.º 1, al. c), do antigo CPC; ou seja, desde que esse título, estando assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

II. A tese, seguida no acórdão recorrido, da admissibilidade, para efeitos de formação do título executivo, de documentos complementares ao contrato constante de documento particular corresponde à orientação da jurisprudência dominante do STJ.

III. Quanto à posição segundo a qual a prova complementar apenas pode ser feita através de documentos em que tenha havido intervenção do devedor e não através de extractos de conta bancária, emitidos pelo próprio banco, será aceitável para os casos em que o contrato nada dispõe acerca da forma de efectivar a disponibilização das quantias monetárias, e é certamente correcta para os casos em que o contrato prevê que a utilização do crédito seja concretizada mediante ordens escritas, subscritas pelo devedor; mas já não é de aceitar quando, como ocorre no caso sub judice, o contrato de abertura de crédito, assinado pelos executados embargantes, prevê expressamente que o extracto da conta emergente do empréstimo é documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.

IV. Conclui-se assim que, nos termos e para os efeitos do art. 46.º, n.º 1, al. c) do antigo CPC, aplicável ao caso dos autos, o documento particular dado à execução, complementado pelos extractos bancários juntos, importa o reconhecimento de obrigação pecuniária de montante determinado, quanto ao capital, e determinável, quanto ao mais, por simples cálculo aritmético.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, BB e Briz & Simas - Actividades Hoteleiras, Lda., executados nos autos de execução que lhes move o Banco Comercial Português, S.A., deduziram oposição, mediante embargos de executado, alegando os seguintes fundamentos: (i) insuficiência do título executivo; (ii) prescrição dos juros remuneratórios e moratórios, convencionais ou legais; e (iii) falta de liquidação dos juros.

Termos   em   que   pugnam   pela   procedência   dos   embargos, com a consequente extinção da execução.

Mais requereram a suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução, nos termos do artigo 733.º n.º 1 alínea c), do Código de Processo Civil, por terem impugnado tanto a exigibilidade como a liquidação da quantia exequenda, tendo em conta a nomeação à penhora sobre os bens, levada a cabo pelo agente de execução, a garantia hipotecária do contrato de mútuo, a determinação de que a venda destes bens aguarde a decisão dos presentes embargos, pois tal venda é susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável aos executados, nos termos do artigo 733.º n.º 5, do CPC, uma vez que, o prédio nomeado à penhora constitui habitação efectiva dos executados e de um seu filho, com 65% de incapacidade permanente, inabilitado, cuja curadoria se encontra atribuída ao executado embargante AA.

A exequente embargada apresentou contestação, impugnando na totalidade os termos da oposição e pugnando pela improcedência da oposição à execução, com o prosseguimento da execução.

Mais pugnou pelo indeferimento do pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.

Foi, entretanto, proferido despacho no qual se considerou que a matéria controvertida relevante se reconduzia aos seguintes itens: (i) (in)suficiência do título executivo; (ii) prescrição dos juros; e (iii) liquidação dos juros.

Foi ainda determinado dispensar a audiência prévia e conhecer de imediato do mérito, face à natureza normativa dos itens elencados como matéria controvertida, entendendo-se que os autos comportavam já elementos suficientes para prolatar decisão de mérito, sem necessidade de produção de qualquer outra prova, razão pela qual foi determinada a notificação das partes para, em dez dias, querendo, se pronunciarem.

Após notificação das partes, os executados embargantes vieram apresentar alegações, juntando três documentos; a exequente embargada entendeu nada oferecer aos autos.

 Em 25 de Junho de 2019 foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte dispositivo:

«Julgo improcedente a excepção de insuficiência do título executivo. Julgo improcedente a excepção de prescrição dos juros peticionados. Julgo improcedentes as alegadas indeterminabilidade (por simples cálculo aritmético) dos juros peticionados e incompreensibilidade da respectiva liquidação, tal qual pugnadas pelos executados embargantes.

Ordeno a reformulação da liquidação de juros, em conformidade com o ora decidido, com demonstração expressa e oportuna nos autos, por banda do exequente embargado».

Inconformados, os executados interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 6 de Fevereiro de 2020, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Vieram os executados embargantes interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando a previsão do art. 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil e formulando as seguintes conclusões (as quais, correspondendo quase integralmente ao teor das alegações, se apresentam como excessivas e prolixas; sendo, porém o seu sentido apreensível, entende-se dispensável o convite ao aperfeiçoamento):

«(...)

[excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade do recurso]

II – DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO

F) O artigo 615.º, n.º 1 do CPC (aplicável ex vi artigo 666.º do CPC) dispõe que é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

G) O tribunal da Relação não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado, pelo que o Acórdão padece de algumas nulidades, as quais desde já aqui se arguem para os demais efeitos legais.

H) Designadamente, não se pronunciou relativamente às questões relativas ao erro na apreciação da prova e ao erro na apreciação da matéria de facto que foram suscitadas pelos ora Recorrentes em sede de recurso de apelação.

i) Da falta de pronúncia sobre as questões relativas ao erro na apreciação da prova

I) No recurso de apelação os ora Recorrentes expressamente alegaram e demonstraram uma errada interpretação e apreciação dos elementos de prova, porquanto o tribunal de primeira instância considerou que o documento dado à execução consubstanciava um contrato que importou constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias quando, no entender dos ora Requerentes, tal documento não importa esse reconhecimento, constituindo uma carta em que o Banco se propõe disponibilizar uma facilidade de crédito aos ora Requerentes e, como tal, por ter sido aceite pelos aqui Recorrentes apenas consubstancia um acordo em que se convencionam prestações futuras, designadamente, a entrega, no futuro, de uma importância pecuniária.

J) O Tribunal da Relação não se pronunciou relativamente à questão de fundo suscitada pelos ora Recorrentes, limitando-se a reproduzir o que se encontra escrito no documento dado à execução, sem fazer qualquer análise crítica ao seu teor.

K) Isto é, não apreciou a prova, não justificou por que razão entende que tal documento é um contrato que importa a constituição ou reconhecimento efectivo de obrigações pecuniárias (limita-se a afirmá-lo sem fundamentar), e não, como alegado pelos Recorrentes, que se trata de um acordo em que se convencionam prestações futuras.

L) Também não se pronunciou o Tribunal da Relação sobre a questão suscitada em sede de recurso de o documento referir que o Banco apenas aceitou conceder ao ora Recorrentes uma «facilidade de crédito», o que é diferente de ter já concedido efectivamente esse crédito, e que existiu um erro na apreciação da prova por não ter o Tribunal a quo considerado tal facto: que o documento dado à execução é um documento em que apenas se convencionam prestações futuras.

M) O Tribunal da Relação também não se pronunciou sobre a questão suscitada de, à data em que o documento dado à execução foi assinado, nenhum montante havia ainda sido entregue aos ora Requerentes

N) O Tribunal da Relação não se pronunciou ainda sobre a questão suscitada pelos Recorrentes de o próprio documento dado à execução expressamente referir que este não constitui, por si só, documento bastante para comprovar a utilização dessa facilidade de crédito por parte dos ora Requerentes, carecendo essa utilização de ser comprovada por extracto bancário, tendo existido um erro na apreciação da prova por não ter o Tribunal da Relação considerado tal facto, o qual prova que o documento dado à execução é um documento em que apenas se convencionam prestações futuras.

O) Atentando na fundamentação do Acórdão, não é possível perceber qual o itinerário cognoscitivo seguido pelos Venerandos Juízes Desembargadores que levou à conclusão de que que não existiu qualquer erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, uma vez que se limitaram a reproduzir excertos do documento dado à execução, sem fazer qualquer análise crítica ao seu teor e sem contrapor qualquer dos argumentos aduzidos pelo ora Requerentes nas alegações e conclusões do recurso.

P) Ainda no que concerne ao erro na apreciação da prova, não se pronunciou o Tribunal da Relação relativamente aos fundamentos do recurso que aduzem ao facto de o Banco Recorrido não ter junto aos autos o documento exigido na proposta contratual do Banco aceite pelos Recorrentes uma vez que o extracto da conta D.O com o n.º …66 – que foi junto não cumpria com o estipulado na Cláusula 2. do documento dado à execução, o qual expressamente refere que apenas o extracto emergente da conta bancária com o n.º …41 é documento bastante para prova da dívida e da sua movimentação.

Q) Mais uma vez neste caso, o Tribunal da Relação limitou-se a reproduzir excertos do documento dado à execução, sem fazer qualquer análise crítica ao seu teor e sem contrapor os argumentos aduzidos pelos ora Requerentes em sede de recurso.

R) Os ora Recorrentes demonstraram em sede de recurso que a Cláusula 2 do documento dado à execução refere que apenas o extracto da conta emergente do empréstimo com o n.º …41 é documento necessário para a prova da dívida e sua movimentação e que tal extracto não foi junto aos autos, tendo existido um erro na apreciação da prova por ter o tribunal de primeira instância considerado que essa prova complementar exigida pelo documento dado à execução se considerava feita com a junção do extracto da conta D.O. com o n.º …66, o que é obviamente um erro pois não é esse a conta que comprova a realização efectiva do empréstimo.

S) Os ora Recorrentes expressamente mencionaram nas alegações e nas conclusões do Recurso que a conta emergente do empréstimo não era a conta D.O. com o n.º ...66 mas a conta n.º ...41, fazendo expressa menção ao excerto do documento dado à execução que expressamente dispõe nesse sentido.

T) Não é possível perceber qual o itinerário cognoscitivo seguido pelos Venerandos Juízes Desembargadores que os levou a entender que não existiu um erro na apreciação da prova por parte do tribunal a quo, uma vez que não justificaram por que razão entendem que a junção do extracto bancário da conta D.O. n.º ...66 cumpre com o estipulado na Cláusula 2. do documento dado à execução, quando essa Cláusula expressamente refere que apenas o extracto da conta bancária n.º...41 é o documento necessário para a prova da dívida e da sua movimentação.

U) Os Venerandos Juízes Desembargadores não se pronunciaram sobre as questões suscitadas pelos ora Requerentes nos pontos 8 a 22 das alegações e nos pontos H a Q das conclusões do recurso de apelação, o que constitui causa de nulidade do Acórdão, nulidade que desde já se argui para os demais efeitos legais.

ii) Da falta de pronúncia das questões relativas ao erro na apreciação da matéria de direito

V) Os Venerandos Juízes Desembargadores não se pronunciaram relativamente às questões respeitantes ao erro na apreciação da matéria de direito, suscitadas pelos ora Requerentes nos pontos 23 a 39 das alegações e nos pontos R a DD das conclusões do recurso de apelação.

W) Apesar de os ora Requerentes terem exaustivamente explanado a sua discordância relativamente à apreciação da matéria de direito, o Tribunal da Relação ignorou por completo tudo quanto foi dito pelos ora Requerentes em sede de recurso, não dispensando uma linha de texto sequer à problemática da complementaridade dos documentos particulares em que se convencionam prestações futuras em função do estatuído no anterior artigo 50º do CPC (actual artigo 707º do CPC).

X) Em lado algum do Acórdão os Venerandos Juízes Desembargadores se pronunciam acerca da aplicabilidade do anterior artigo 50.º do CPC (actual artigo 707.º) ao presente caso, quando essa foi a principal questão suscitada pelos ora Requerentes – atendendo à antiguidade do documento dado à execução - no que concerne ao erro na apreciação da matéria de facto e sua subsunção ao direito.

Y) Os Venerandos Juízes Desembargadores limitam-se a afirmar que o documento dado à execução constitui um título executivo nos termos e para os efeitos do anterior artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC, sendo meramente conclusivos e não apresentando qualquer argumento contrário ao entendimento vertido nas alegações e nas conclusões do recurso de apelação.

Z) Em lado algum o Tribunal da Relação se pronuncia acerca da questão suscitada da inadmissibilidade da prova complementar de documentos particulares em que se convencionem prestações futuras quando a lei apenas admite essa prova complementar para os documentos autênticos e autenticados.

AA) Pelo que se verifica uma nulidade do Acórdão por falta de pronúncia sobre as questões suscitadas em sede de recurso de apelação acerca do invocado erro na aplicação do direito, nulidade que desde já se invoca para os demais efeitos legais.

III – DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

Da violação e errada aplicação da lei de processo

BB) O presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 06/02/2020, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos ora Recorrentes da sentença do tribunal de primeira instância que julgou parcialmente improcedente os Embargos de Executado deduzidos pelos ora Recorrentes.

CC) O acórdão recorrido considerou que o documento particular que serve de base à execução é dotado de exequibilidade, nos termos do disposto no artigo 46º, n.º 1, alínea c) do CPC.

DD) Como fundamento do recurso de apelação, no que concerne à apreciação da matéria de direito, foi alegado pelos ora Recorrentes que a sentença de primeira instância, ao considerar possível a prova complementar do documento particular que serve de base à presente execução por forma a o dotar de exequibilidade, violou o disposto no artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC).

EE) Foi alegado e evidenciado pelos ora Recorrentes em sede de recurso de apelação que resulta evidente da análise do documento que serve de base à presente execução que tal documento apenas prevê a constituição de obrigações futuras.

FF) O tribunal de primeira instância considerou que o documento particular que serve de base à presente execução prevê a constituição de prestações futuras e a sua exequibilidade carece de ser provada por outros elementos documentais, designadamente, através de um extracto de conta.

GG) Foi alegado e evidenciado pelos ora Recorrentes em sede de recurso de apelação que o documento particular que serve de base à presente execução não pode ser acompanhado de documentos complementares nos termos do artigo 707º do CPC (anterior artigo 50ª), e assim, constituir título executivo, uma vez que este normativo apenas se aplica a documentos autênticos e autenticados.

HH) O documento particular dado à execução não contém, sequer, o reconhecimento presencial das assinaturas apostas, pelo que não é defensável a sua exequibilidade ao abrigo dos arestos que foram citados na sentença de primeira instância a este propósito.

II) Atenta a prova produzida e a fundamentação da sentença da primeira instância, o tribunal da Relação deveria ter decidido no sentido de que não é possível a prova complementar do documento particular que serve de base à execução ao abrigo artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC) e, como tal, o documento particular que serve de base à presente execução não constitui título executivo suficiente para os efeitos do disposto no artigo 46º do anterior CPC (actual artigo 703º do CPC, com alterações), devendo a execução ser extinta com fundamento na inexistência de título executivo.

JJ) De acordo com o mencionado acórdão-fundamento, os documentos particulares apenas poderão servir de base à execução quando esses documentos – assinados pelo devedor – importem (eles mesmos e independentemente de qualquer outra prova) a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação, cujo valor seja determinado ou determinável nos termos ali previstos.

KK) Ficou provado nos autos que o montante em dívida não terá sido disponibilizado aos mutuários sem que tivessem passado, no mínimo, cerca de 18 dias após a assinatura do documento que serve de base à execução.

LL) Isto é, não houve qualquer disponibilização imediata dos fundos que o Banco Exequente se comprometeu a disponibilizar.

MM) Ficou provado que o documento dado à execução carecia ser complementado por um extracto bancário para fazer prova da dívida e sua movimentação.

NN) Nessa medida, de acordo com o entendimento vertido no mencionado acórdão da Relação de Coimbra, não resultando do contrato dado à execução que os fundos tenham sido disponibilizados de imediato, nenhuma obrigação de reembolso se poderá considerar constituída nesse momento por efeito da celebração do contrato.

OO) O acórdão recorrido está em absoluta contradição com o mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, porquanto aceitou a prova complementar de um documento particular, quando tal possibilidade está legalmente limitada aos documentos autênticos e autenticados.

PP) O tribunal da Relação deveria ter revogado a sentença do tribunal de primeira instância e julgado os Embargos procedentes por provados, com fundamento na impossibilidade de realização da prova complementar do documento particular que serve de base à execução ao abrigo artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC) e, como tal, decidido que o documento particular que serve de base à presente execução não constitui título executivo suficiente para os efeitos do disposto no artigo 46º do anterior CPC (actual artigo 703º do CPC, com alterações), o que deixou de fazer.

QQ) O douto acórdão recorrido violou pois o artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC), devendo por isso ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o recurso e, consequentemente, provados os Embargos de Executado deduzidos pelos Embargantes, ora Recorrentes, o que se requer.

Sem conceder quanto ao acima exposto, sempre se dirá o seguinte:

RR) O acórdão recorrido remete expressamente para o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2011 que foi proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1 para fundamentar a admissibilidade da complementaridade de documentos particulares, por forma a justificar a sua suficiência enquanto título executivo ao abrigo do anterior artigo 46º, n.º 1, alínea c) do CPC.

SS) O acórdão-fundamento faz também referência ao mencionado acórdão do STJ mas aplica-o de forma substancialmente diversa daquela que foi feita pelo acórdão recorrido.

TT) O acórdão recorrido considerou que o documento que serve de base à presente execução poderia ser complementado por um extracto de conta bancária.

UU) O acórdão-fundamento refere   que a admitir-se a prova complementar de documentos particulares – o que não aceita – tal prova apenas poderia ser feita através de documento em que tivesse havido intervenção do devedor e nunca através de um mero extracto de conta bancária, que foi produzido e emitido pelo Banco.

VV) Nessa medida, de acordo com o entendimento vertido no acórdão-fundamento, não tendo o documento que serve de base à execução sido complementado com qualquer documento em que tivesse havido intervenção dos ora Recorrentes, mas somente com um extracto de conta bancária – ainda por cima de outra conta bancária que não a que contratualmente estava expressamente indicada para fazer prova da disponibilização efectiva dos fundos - , não se pode considerar que o acervo documental junto constitua, ao abrigo do anterior artigo 46º, n.º 1, alínea c) do CPC, título executivo bastante para fundamentar a presente execução.

WW) O acórdão recorrido está em absoluta contradição com o mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra porque aceitou que um mero extracto de conta possa fazer prova complementar do título dado à execução.

XX) O douto acórdão recorrido violou pois o artigo 707ºdo CPC (anterior artigo 50º do CPC), devendo por isso ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o recurso e, consequentemente, provados os Embargos de Executado deduzidos pelos Embargantes, ora Recorrentes, o que se requer. Sem conceder quanto ao acima exposto, entendendo o Venerando Tribunal que é possível a prova complementar do documento dado à execução mediante através da junção de um mero extracto bancária – o que não se aceita – sempre se dirá o seguinte:

Do erro na apreciação das provas

YY) O acórdão recorrido ofendeu uma disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto.

ZZ) Em concreto, verifica-se que o acórdão recorrido violou o artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC).

AAA) Nos termos do disposto no artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC) o legislador admite que documentos em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

BBB) Tanto a sentença do tribunal de primeira instância como o acórdão recorrido consideraram que o documento que serve de base à execução é um título executivo complexo composto, composto pelo documento dado à execução e por um extracto de conta bancária que comprove a utilização do montante pecuniário disponibilizado pelo Banco Recorrido.

CCC) O próprio documento dado à execução refere no seu ponto 2 o seguinte:

“(…)

2. Forma: Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o N.º ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o N.º ...66.

O extracto de conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.”

DDD) Em sede de recurso de apelação foi alegado que não tinha sido junto aos extractos qualquer extracto bancário da conta emergente do  empréstimo, a saber, a conta com o n.º ...41 e que o extracto da conta n.º ...66 não constitui documento suficiente para fazer prova da dívida e sua movimentação nos termos do documento dado à execução.

EEE) Contudo, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão, o que já foi acima sindicado em sede de invocação da nulidade do acórdão.

FFF) No ponto 5. da apreciação da matéria de facto o acórdão recorrido diz o seguinte:

5. No extracto da conta D.O. n.º ...66 junto como doc. 1 da contestação apresentada colhe-se, na página 5, a entrega do valor de € 4.400.000,00 sob o descritivo «.... ...41», feita a 17 de Julho de 2007, com data valor de 29 de Junho de 2007. (…)”

GGG) Sendo que na apreciação da matéria de direito é referido o seguinte:

E “no extracto da conta D.O. n.º ...66 de Fevereiro de 2009 (mês em que ocorria o vencimento nos termos do n.º 3 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.º ...41”, junto com o requerimento inicial executivo) consta (…)) a informação de que o empréstimo número ...41 tem em dívida o montante de € 4.4.400.000,00”.

HHH) O acórdão recorrido tomou em consideração o extracto bancário da conta n.º ...66 para aceitar a exequibilidade do documento particular que serve de base à execução.

III)Ao ter considerado que o extracto da conta bancária n.º ...66 é documento bastante para fazer prova da dívida e da sua movimentação, o acórdão recorrido violou o artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC), uma vez que aquele extracto não é um documento passado em conformidade com o documento que serve de base à execução e o qual o referido extracto bancário procura complementar.

JJJ) Na verdade, o documento passado em conformidade que poderia servir para fazer prova complementar do documento dado à execução – caso se aceitasse a prova complementar dos documentos particulares mediante a junção de extractos bancários, o que não se aceita – seria o extracto da conta bancária n.º ...41.

KKK) Sucede que o Banco Recorrido não juntou qualquer extracto da conta bancária n.º ...41, pelo que não fez a prova complementar do documento dado à execução.

LLL) Tendo o acórdão recorrido entendido de forma diversa, verifica-se que ofendeu uma disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto, neste caso, ofendeu o artigo 707º do CPC (anterior artigo 50º do CPC) que exigia que a prova complementar do documento dado à execução fosse feita através da junção do extracto da conta n.º ...41 e não através do extracto da conta n.º ...66, devendo por isso ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o recurso e, consequentemente, provados os Embargos de Executado deduzidos pelos Embargantes, ora Recorrentes, o que se requer.»

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido e pugnando pela procedência dos embargos.

A executante embargada contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

«(...)

[excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade do recurso]

11. O acórdão recorrido, que confirma a sentença proferida em primeira instância, apresenta uma relação lógica entre a fundamentação e a decisão, não sendo, portanto, geradora de nulidade, uma vez que para que tal se verificasse sempre teria de se verificar uma contradição óbvia entre o caminho percorrido pelo juiz a quo na fundamentação e a decisão final.

12. Concluindo-se que, hipoteticamente, poderiam os Recorrentes ter alegado erro de julgamento, mas não uma contradição entre os fundamentos e a decisão.

13. O acórdão recorrido, tal como já o havia feito a sentença, debruçam-se sobre a problemática da admissibilidade da exequibilidade dos documentos particulares outorgados antes de 2013 e executados após essa data.

14. Para tanto, concluem pela admissibilidade do título dado à execução por via da aplicabilidade do regime imposto pelo art. 46.º, n.º1, alínea c) do antigo CPC, aplicável a estes autos por remissão do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de Setembro, publicado no D.R., I Série, n.º 201, de 14/10/2015.

15. E concluem-no, pois, o contrato dado aos autos é um contrato assinado pelos devedores, que reconhece e constitui uma obrigação pecuniária líquida ou liquidável através de simples cálculo aritmético, nos termos do seu clausulado.

16. É-o, pois, o contrato dado à execução, CLS n.º ...41, se encontra devidamente assinado pelos Recorrentes, com a expressa menção de “(…) Dou o meu acordo (…)”, de onde consta, entre outros, que “O Banco concede a V. Exas. um empréstimo de €4.400.000,00 (Quatro milhões e quatrocentos mil euros) (…) quantia da qual V. Exas. se confessam devedores ao Banco.”.

17. E ainda, conclui o acórdão recorrido, que a forma de funcionamento do empréstimo decorre do contrato, nomeadamente a sua cláusula segunda, onde se clausulou da seguinte forma: “Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o N.º ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o N.º ...66. (…) O empréstimo é utilizado integralmente e de uma só vez, com data valor de 29 de Junho de 2017.”.

18. Verificando-se, após análise do contrato, que se encontra junto aos autos, em conformidade com o clausulado, o extracto de conta, da data de vencimento do empréstimo, o valor em dívida de € 4.400.000,00 a título de capital, por conta do contrato CLS n.º ...41.

19. Tendo decidido a final, quer o acórdão recorrido, quer a sentença, que o extracto de conta complementa o contrato dado à execução, formando título executivo complexo, nos termos do clausulado do contrato, que como se viu, é um contrato constitutivo de obrigações pelo devedor, obrigação essa constituída no momento da assinatura.

20. A estratégia dos Recorrentes, quer na apelação, quer agora na revista excepcional, passa por arguir nulidades a eito, que não passam de manobras dilatórias, por forma a se isentarem de uma obrigação válida e legalmente contraída.

21. É bem diferente o Tribunal da Relação de Lisboa não se ter pronunciado acerca de questões suscitadas pelos Recorrentes, do que, tendo-se pronunciado, não o ter sido a gosto dos Recorrentes.

22. É falso que a Relação não se tenha pronunciado acerca da errada interpretação feita pelo tribunal de primeira instância quanto ao reconhecimento de que o contrato dado à execução comporta o reconhecimento e constituição de obrigação, líquida e liquidável nos termos do seu clausulado.

23. Basta atentar no ponto 2., parágrafos 9 a 12 do acórdão para verificar que essa matéria foi apreciada.

24. A verdade é que a Relação conclui que o contrato é constitutivo das obrigações reconhecidas pelos Recorrentes e não um contrato em que são convencionadas prestações futuras.

25. O facto da decisão não ir ao encontro das pretensões dos Recorrentes não faz com que a decisão seja nula.

26. Computa-se também como falsa a invocação de erro na apreciação da matéria de direito, uma vez que decidido que o contrato dado aos autos preenche os requisitos do art. 46.º, n.º 1, alínea c), é inaplicável o regime do art. 50.º, ambos do CPC.

27. Decorre, entre outros, do acórdão da Relação de Coimbra de 05/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 938/15.0T8VRL-A.G1, que “I-A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente dada a outras”.

28. Não se verifica, portanto, qualquer omissão de pronúncia, tendo todas as questões suscitadas merecido resposta por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.

29. A verdade é que o entendimento do tribunal de primeira instância e da Relação de Lisboa, quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 46.º do CPC em nada impacta a in/aplicabilidade do art. 707.º do CPC.

30. Nem em nada impacta na sua validade o facto de estarmos perante um título executivo complexo.

31. Nem em nada se relaciona com o contrato dado aos autos do acórdão-fundamento, já que são contratos material e substantivamente distintos e, portanto, a solução jurídica não poderia nunca ser a mesma.

32. Neste caso estamos perante um contrato em que a obrigação se constitui na data da celebração do contrato, no outro não se constitui qualquer obrigação da data da outorga.

33. E estamos perante um título executivo do tipo composto ou complexo, já que “(…) a exequente deu à presente execução como título executivo um contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.º ...41, pelo qual emprestou aos executados a quantia de € 4.400.000,00 (quatro milhões e quatrocentos mil euros), vencendo juros à taxa anual efectiva inicial de 5,6648%, não deixando de juntar, outrossim, quer escritura de hipoteca garantística do mesmo (…) quer extracto da conta do mês do vencimento do contrato (Fevereiro de 2009), sendo que, quanto a este em concreto, logo nos termos da cláusula 2.ª do acordo junto como título executivo ficou constante que sempre seria "documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação".”.

34. Contrato esse – e não uma proposta contratual – que demonstra sem qualquer dúvida a assinatura de Recorrentes e Recorrido, a data de celebração, a data de vencimento, as garantias associadas ao seu cumprimento, os juros associados e sua forma de cálculo, a forma de verificação do valor em dívida e, tão ou mais importante, o reconhecimento dos Recorrentes de que, a partir daquela data, se confessam devedores – por conta desse mesmo contrato – da quantia de € 4.400.000,00.

35. O título executivo é complexo ou composto, como bem resulta de ambas as decisões, “(…) porque está corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos assegurarem eficácia a todo o complexo documental como título executivo.”.

36. Essa complementaridade entre contrato e extracto, nos termos do clausulado, mais não é que o escrupuloso cumprimento do contrato outorgado entre Recorrido e Recorrentes.

37. E sempre se diga, que a alegação de que o extracto junto corresponde à conta D.O. ...66 e não à conta ...41 e, portanto, insusceptível de constituir prova, é mais uma falácia dos Recorrentes, pois o contrato expressamente prevê, na sua cláusula segunda, que o empréstimo seria creditado na conta D.O. ...66, por débito na conta ...41.

38. Concluindo: o contrato é válido, está assinado pelos devedores, importa a constituição e reconhecimento de obrigação pecuniária, cujos montantes são determináveis por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, sendo-lhe aplicável o regime do n.º 1, alínea c) do art. 46.º do CPC, não sendo merecedor de qualquer reparo, quer a sentença de primeira instância, quer o acórdão recorrido.»

Termina, no que ora importa, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


3. Por acórdão da conferência de 8 de Outubro de 2020, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação das invocadas nulidades.


4. Por acórdão de 9 de Fevereiro de 2021, proferido pela Formação prevista no n.º 3 do art. 671.º do CPC, o recurso foi admitido.

 Cumpre apreciar e decidir.


5. Factualidade provada (de acordo com as instâncias):

1. No âmbito da acção executiva instaurada pelo exequente, ora embargado, contra os executados, ora embargantes, de que os presentes autos constituem apenso, oferecendo sob a epígrafe título executivo “Outro título com força executiva”, encontra-se alegada a seguinte factualidade:

«1. No exercício da sua actividade creditícia, o exequente celebrou com os executados AA e BB, em 29-07-2007, um contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41, pelo qual a exequente emprestou aos executados a quantia de € 4.400.000,00 (quatro milhões e quatrocentos mil euros), vencendo juros à taxa anual efectiva inicial de 5,6648%, conforme contrato que se junta como Título Executivo e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2. Para efeito de garantia das obrigações emergentes desse contrato, capital, respectivos juros e demais encargos, o executado AA, enquanto proprietário e a executada Briz & Simas - Actividades Hoteleiras, Limitada, enquanto superficiário, por escritura pública de 29-06-2007, constituíram hipoteca a favor do exequente sobre o prédio misto denominado ..., sito em ..., freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o número … da referida freguesia e inscrito na respectiva matriz sob os artigos …, …, …, …, … e … da mesma freguesia, hipoteca que se destina a garantir as obrigações assumidas ou a assumir pelos executados AA e BB, com o montante máximo assegurado de € € 7.411.096,00 (sete milhões e quatrocentos e onze mil e noventa e seis euros), conforme doe. n. ° 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3. No referido contrato, junto como Título Executivo (cláusula 3), estipulou-se que o empréstimo se vencia a 13 de Fevereiro de 2009, data em que o capital mutuado deveria ser integralmente amortizado.

4. Sucede que os executados não cumpriram as obrigações pecuniárias emergentes do contrato supra referido, sendo que, à data do vencimento do empréstimo, estava em dívida, relativamente ao contrato ora em execução, o capital de € 4.400.000,00 (quatro milhões e quatrocentos mil euros), conforme extracto da conta do mês do vencimento do contrato (Fevereiro de 2009), que ora se junta como doc. n.° 2 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5. O extracto referido no número anterior é, conforme cláusula 2.ª do contrato junto como título executivo, "documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação".

6. Não tendo os executados procedido ao pagamento do montante em dívida até à presente data, vem o exequente executar o valor em dívida, sendo os executados solidariamente responsáveis pelo seu pagamento.

7. Ao valor em dívida acrescem juros previstos na cláusula 4, por remissão da cláusula 11, do contrato junto como título executivo, contabilizados desde o vencimento da dívida até integral pagamento, bem como os juros de mora à taxa legal e imposto de selo à taxa de 4% sobre a totalidade dos juros efectivamente cobrados (17.2.1 da Tabela anexa ao Imposto de Selo) a que se somam, ainda, as despesas decorrentes da presente execução e demais acréscimos legalmente previstos.

8. À presente, data, os juros em dívida cifram-se em € 3,149,450,73 (três milhões e cento e quarenta e nove mil e quatrocentos e cinquenta euros e setenta e três cêntimos) e o Imposto de quarenta e nove mil e quatrocentos e cinquenta euros e setenta e três cêntimos) e o Imposto de Selo em € 125.978,03 (cento e vinte e cinco mil e novecentos e setenta e oito euros e três cêntimos).

9. A dívida é exigível e vencida com o incumprimento das prestações.

10. O documento particular dado à execução, subscrito em 29-06-2007, (contrato de mútuo bancário), consubstancia o reconhecimento de uma dívida nos termos do artigo 458. ° do Código Civil que era, como tal, considerado como título executivo ao abrigo do artigo 46.°, n.° 1, al. c) do CPC, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.° 41/2013. de 26 de Junho, em vigor desde 01-09-2013.

11. Com a nova redacção do CPC, deixaram de ser aceites como título executivo "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes".

12. Porém, no seu acórdão n.° 408/2015, o Tribunal Constitucional declarou, "com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703. ° do Código de Processo Civil aprovado em anexo à Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46. °, n. ° 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigo 703.° do Código de Processo Civil, e 6. °, n. ° 3, da Lei n. ° 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.° da Constituição)."

13. Face ao exposto, o contrato junto ao presente Requerimento Executivo, constitui Título Executivo.

14. O presente requerimento executivo é apresentado nos juízos de execução de Lisboa por ter sido convencionado, na cláusula 12 do contrato que se junta como Título Executivo, que "para resolução de eventuais litígios emergentes deste contrato é estipulado o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro."

15. Requer-se o pagamento da quantia de € 7.675.428,76 (sete milhões e seiscentos e setenta e cinco mil e quatrocentos e vinte e oito euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros até integral pagamento, bem como as despesas decorrentes da presente execução e demais acréscimos legalmente previstos.»

2. O “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo, encontra-se assinado pelos executados embargantes AA, BB com a expressa menção de «Dou o meu acordo» e do mesmo consta, entre o mais, que «O Banco concede a V. Exas. um empréstimo de € 4.400.000,00 (Quatro milhões e quatrocentos mil Euros)», quantia da qual V. Exas. se confessam devedores ao Banco.»

3. No número 2 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo, acordaram o exequente embargado e os executados embargantes AA, BB «Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o n.° ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o n.° ...66.» e que «O extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.»

4. No extracto da conta D.O n.° ...66 de Fevereiro de 2009 (mês em que ocorria o vencimento nos termos do n.° 3 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo) consta:

i) a informação de que, àquela data, a conta apresentava um saldo devedor de € 5.601.159,14, dos quais € 5.999.947,15 eram relativos a empréstimos. ii) a informação de que o empréstimo número ...41 tem em dívida o montante de € 4.400.000,00.

5. No extracto da conta D.O n.° ...66 junto como doc. n.° 1 da contestação apresentada colhe-se, na página 5, a entrega do valor de € 4.400.000,00 sob o descritivo «.... ...41», feita a 17 de Julho de 2007, com data valor de 29 de Junho de 2007.


6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem por objecto as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre o invocado “erro na apreciação da prova” (conclusões I) a U));

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre o invocado “erro na apreciação da matéria de direito” (conclusões V) a AA));

- Erro de julgamento quanto ao reconhecimento da exequibilidade do título apresentado (conclusões BB) a LLL)).


7. Esclareça-se que, ao suscitarem a questão que qualificam como sendo de nulidade por omissão de pronúncia sobre o “erro na apreciação da prova”, não alegam os Recorrentes existir omissão de pronúncia em sede de decisão de facto, mas antes existir omissão de pronúncia acerca da relevância da factualidade provada para efeitos do reconhecimento da exequibilidade do título, o que corresponde afinal a invocar omissão de pronúncia sobre questão de direito.

Vejamos.

Em sede de apelação, concluíram os apelantes, ora Recorrentes, nos seguintes termos:

«DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

H. O tribunal a quo lavrou em erro ao considerar que o documento que serve de base à execução importou constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias por parte dos ora Apelantes.

I. O documento dado à execução constitui somente um acordo em que se convencionam prestações futuras, designadamente, a entrega de uma importância pecuniária.

J. Conforme referido na sentença aqui em crise, da análise da página 5 do extracto bancário datado de 31/07/2007, junto como doc. n.° 1 da contestação resulta que aquela importância pecuniária apenas terá sido creditada na conta de depósitos à ordem no dia 17/07/2007, isto é, 18 dias depois da data aposta no documento particular que serve de base à presente execução.

K. Dos elementos de prova que constam dos autos resulta evidente que o documento particular que serve de base à presente execução, por si só, não importa constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias por parte dos ora Apelantes.

L. Por outro lado, o próprio documento particular que serve de base à presente execução refere no ponto 2 que apenas o «extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação».

M. No que a esse ponto concerne, importa referir que a conta emergente do empréstimo é a conta n.° ...41, conforme Cláusula 2. do documento particular que serviu de base à presente execução - cfr. RI da execução, cuja certidão electrónica ora se junta e dá, para todos os efeitos, por integralmente reproduzida.

N. Ora, o Banco Recorrido não juntou aos autos qualquer extracto da conta bancária do empréstimo com n.° ...41, mas apenas uma simples cópia de um extracto da conta DO com o n.° ...66.

O. Assim, mesmo que se admitisse a prova complementar do documento particular dado à execução - que não se admite - sempre se diria que o Banco Recorrido não juntou aos autos qualquer documento emitido em conformidade com aquele documento particular, que fosse demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição da obrigação.

P. Verifica-se, assim, que o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos elementos de prova, o que determina a ilegalidade da sentença recorrida.

Q. Pelo que devem os presentes embargos ser julgados procedentes, por provados, em face da insuficiência de título executivo, e, em consequência, ser a execução extinta, o que, muito respeitosamente, se requer».

O tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma:

«Ora, analisando a factualidade dada por assente verifica-se que foi apresentado à execução um “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41, junto com o requerimento inicial executivo, encontra-se assinado pelos executados embargantes AA, BB com a expressa menção de «Dou o meu acordo» e do mesmo consta, entre o mais, que «O Banco concede a V. Exas. um empréstimo de €4.400.000,00 (Quatro milhões e quatrocentos mil Euros)», quantia da qual V. Exas. se confessam devedores ao Banco.))

Nesse “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo, acordaram o exequente embargado e os executados embargantes AA, BB «Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o n.° ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o n.° ...66.)) e que «O extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.))

E “no extracto da conta D.O n.° ...66 de Fevereiro de 2009 (mês em que ocorria o vencimento nos termos do n.° 3 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo) consta (...)) a informação de que o empréstimo número ...41 tem em dívida o montante de €4.400.000,00”.

“Podemos, assim, afirmar que o extrato de conta corrente complementa o contrato de mútuo dado à execução, que é um título executivo constitutivo das obrigações reconhecidas pelos devedores. Trata-se de prova complementar do título, na qual se integra o extrato de conta corrente, que liquida a obrigação pecuniária dos executados.

Nesses casos diz-se que o título executivo é complexo ou compósito, porque está corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos assegurarem eficácia a todo o complexo documental como título executivo. Essa complementaridade resulta, por norma, do cotejo dos documentos apresentados, deles resultando a força executiva suscetível de assegurar que o devedor assumiu aquela sua obrigação pecuniária. In casu, o instrumento particular constitutivo de um contrato de mútuo, com as assinaturas dos devedores, e a prova complementar resultante do extrato de conta corrente, certificativa das quantias pecuniárias que lhes foram disponibilizadas e dos pagamentos das prestações que efetuaram, constituem o título executivo de natureza compósita ou complexa, que viabiliza ao creditante a instauração imediata da ação executiva (artigo 46°, n° 1, alínea c), do Código de Processo Civil)” [3: Tal como foi decidido, além de outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2011, processo 5652 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Processo 4309/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt]

Não restam dúvidas quanto à existência de título executivo corporizado nos documentos juntos aos autos, tal como bem decidiu o Tribunal a quo».

Deste modo, constata-se que o acórdão recorrido apreciou a relevância da factualidade provada para efeitos do reconhecimento da exequibilidade do título apresentado, não podendo, tal como afirma o acórdão da conferência do tribunal a quo, confundir-se o conhecimento de questões com a pronúncia, não exigível, sobre argumentos deduzidos pelos recorrentes.

Não se verifica assim a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Quando muito poderá existir erro de julgamento, o que foi invocado e será apreciado no momento próprio.


8. Passemos a apreciar a questão da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre o invocado “erro na apreciação da matéria de direito”.

Em sede de apelação, encontram-se formuladas as seguintes conclusões:

«DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

R. O documento que serve de base à presente execução prevê a constituição de obrigações futuras, designadamente, a concessão de uma facilidade de crédito, tal como - e, neste aspecto, bem, é reconhecido na douta sentença recorrida - cfr. último parágrafo da página 10 da douta sentença recorrida que diz: "A exequibilidade do título é o resultado da conjugação de elementos documentais (título executivo complexo)(...).".

S. Resulta do extracto bancário junto como doc. 1 da contestação do Banco Recorrido que a importância convencionada apenas terá sido disponibilizada 18 dias após a data aposta no documento particular que serve de base à presente execução.

T. O tribunal a quo considerou que o documento particular que serve de base à presente execução prevê a constituição de prestações futuras e a sua exequibilidade carece de ser provada por outros elementos documentais, designadamente, através de um extracto de conta.

U. Nessa medida, não sendo possível lançar mão do disposto no artigo 707° do CPC (ou do artigo 50° do anterior CPC), uma vez que o documento dado à execução não consubstancia um documento autêntico ou autenticado, atento os elementos de prova constantes dos autos e das conclusões a que chegou o tribunal a quo, é forçoso concluir que o documento dado à execução não constitui título executivo suficiente para servir de base à presente execução.

V. A citada disposição legal aplica-se às situações em que nos documentos se convencionam "prestações futuras" ou "obrigações futuras", prevendo a possibilidade de o documento inicial ser complementado por outro(s) e, assim, passar a constituir título executivo.

W. Contudo, tal dispositivo não se aplica às situações em que o documento inicial apresentado é particular, como é o caso dos autos, mas apenas aos documentos autênticos (exarados por notário) ou autenticados (lavrado por particulares e autenticado pelo notário).

X. Resulta, portanto, que o documento particular que serve de base à presente execução não pode ser acompanhado de documentos complementares nos termos do artigo 707°do CPC (anterior artigo 50º), e assim, constituir título executivo.

Y. Aqui chegados, é importante referir que o documento particular dado à execução não contém, sequer, o reconhecimento presencial das assinaturas apostas, pelo que não é defensável a sua exequibilidade ao abrigo dos arestos que foram citados na sentença recorrida a este propósito.

Z. Por outro lado, a própria sentença recorrida faz referência a diversos acórdãos que decidiram que o artigo 707° do CPC (anterior artigo 50°) não é aplicável a documentos particulares e tem o seu âmbito de aplicação restringidos aos documentos autênticos e autenticados, designadamente, os acórdãos do STJ de 21/02/2002, da Relação de Guimarães n.° 214/02-2a, da Relação de Lisboa de 26/01/2010, 03/10/2013 e de Relação de Coimbra de 21/03/2013 e de 2/2/2016, processos n° 195/11.8TBGVA-A.C1 e 18/14.6TBMDA-A.C1, respetivamente, e da Relação do Porto de 02/02/2015, proferido no processo n° 5901/13.3YYPRT-B.P1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

AA. Verifica-se, assim, que a sentença recorrida, ao considerar possível a prova complementar do documento particular que serve de base à presente execução por forma a o dotar de exequibilidade, violou o disposto no artigo 707° do CPC (anterior artigo 50°).

BB. Não sendo possível a prova complementar do documento particular que serve de base à execução ao abrigo artigo 707° do CPC (anterior artigo 50°) é forçoso concluir que a sentença recorrida, ao considerar aquele documento particular título executivo suficiente, violou o disposto no artigo 46° do anterior CPC (actual artigo 703°, com alterações).

CC. Para além do mais — e como acima se referiu - nenhum dos extractos juntos pelo Banco diz respeito à conta empréstimo com o n.° ...41 - como previa o ponto 2 da proposta contratual (denominado de título executivo), junto com o RI - mas sim à conta DO com o n.° ...66.

DD. O tribunal a quo deveria ter decidido no sentido de que não é possível a prova complementar do documento particular que serve de base à execução ao abrigo artigo 707° do CPC (anterior artigo 50°) e, como tal, o documento particular que serve de base à presente execução não constitui título executivo suficiente para os efeitos do disposto no artigo 46° do anterior CPC (actual artigo 703°, com alterações), consequentemente, procedendo totalmente os Embargos de Executado apresentados pelos ora Recorrentes».

Constando da fundamentação do acórdão recorrido o seguinte:

«2- Importa agora averiguar se existe a invocada insuficiência de título.

 Não há dúvida de que toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos.

As partes não podem constituir títulos executivos, além dos legalmente previstos.

Ora, o art.° 46.° n.° 1 do CPC de 1961 enumerava os títulos executivos que podiam servir de base à execução, mencionando na sua alínea c) “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético [de acordo com as cláusulas dele constantes], ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

Actualmente, tal matéria encontra-se no n.° 1 do art.° 703° do CPC de 2013 (com a epígrafe “Espécies de títulos executivos”): “A execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”

Porém, o Código de Processo Civil vigente, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de junho, que entrou em vigor a 1 de setembro de 2013, estabelece no n.° 3 do art.° 6º que “o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor”.

Assim, com a entrada em vigor da versão actualmente vigente do Código de Processo Civil e que se aplicaria à presente execução, pois que foi instaurada após 1 de Setembro de 2013, os documentos particulares, assinados pelo devedor, previstos no art.° 46.° n.° 1 c) do CPC de 1961, deixaram de ser qualificados como títulos executivos

Porém, face às dificuldades surgidas por esta alteração legislativa, através do acórdão n.° 408/2015, de 23 de Setembro, publicado no D.R., I Série, n.° 201, de 14/10/2015, o Tribunal Constitucional veio a declarar, com força obrigatória geral “a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703° do CPC, aprovado em anexo à Lei n.° 41/2013, de 26.6, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46°, n.° 1, alínea c), do CPC de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2° da Constituição).”

Segue-se que, nos casos como é o dos presentes autos, um título que emitido antes da vigência da Lei n.° 41/2013, fosse considerado título executivo à luz do art.° 46 n.° 1 c) do CPC de 1961, terá de ser admitido como tal, ainda que a execução seja instaurada já depois de se encontrar em vigor o disposto no art.° 703.° do novo CPC. Ora, para que os referidos documentos particulares fossem considerados títulos executivos teriam de reunir dois requisitos essenciais: estarem assinados pelo devedor e referirem-se a obrigações pecuniárias líquidas ou liquidáveis através de simples cálculo aritmético».

Vale aqui o que se afirmou supra, no ponto 7 do presente acórdão, ou seja, constata-se ter o acórdão recorrido apreciado a questão do invocado “erro na apreciação da matéria de direito”, não podendo confundir-se o conhecimento de questões com a pronúncia, não exigível, sobre argumentos deduzidos pelos recorrentes.

Também a este respeito se conclui pela inexistência da invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Quando muito poderá existir erro de julgamento, o qual, tendo sido invocado, será apreciado no ponto seguinte do presente acórdão.


9. Sob diversos qualificativos (cfr. conclusões BB) a LLL)), alegam os executados embargantes padecer o acórdão recorrido de erro de julgamento ao ter declarado que o título apresentado pela exequente embargada está dotado de exequibilidade.

De forma algo repetitiva alegam essencialmente que:

- As instâncias, ao entenderem que o documento que serve de base à execução é um título executivo complexo, composto por um documento contratual e por um extracto de conta bancária, comprovativo da utilização do montante pecuniário disponibilizado pela entidade bancária exequente, violaram o art. 707.º do CPC, na medida em que, prevendo tal documento a constituição de obrigações futuras, carece de ser acompanhado de documentos complementares, os quais, nos termos do dito preceito legal terão necessariamente de ser documentos autênticos ou autenticados;

- Ainda que porventura se admitisse a tese da complementaridade de documentos particulares para, assim, se justificar a suficiência do título executivo ao abrigo do regime do art. 46.º, n.º 1, alínea c) do anterior CPC, tal prova apenas poderia ser feita através de documento em que tivesse havido intervenção do devedor e nunca através de um mero extracto de conta bancária emitido pelo Banco;

- De qualquer forma, e independentemente do mais, nunca «o extracto da conta bancária n.º ...66» seria suficiente para o efeito, uma vez que «o documento passado em conformidade que poderia servir para fazer prova complementar do documento dado à execução – caso se aceitasse a prova complementar dos documentos particulares mediante a junção de extractos bancários, o que não se aceita – seria o extracto da conta bancária n.º ...41».

Quid iuris?

Releva a seguinte factualidade dada como provada nos autos principais:

2. O “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo, encontra-se assinado pelos executados embargantes AA, BB com a expressa menção de «Dou o meu acordo» e do mesmo consta, entre o mais, que «O Banco concede a V. Exas. um empréstimo de €4.400.000,00 (Quatro milhões e quatrocentos mil Euros)», quantia da qual V. Exas. se confessam devedores ao Banco.»

3. No número 2 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo, acordaram o exequente embargado e os executados embargantes AA, BB «Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o n.° ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o n.° ...66.» e que «O extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.»

4. No extracto da conta D.O n.° ...66 de Fevereiro de 2009 (mês em que ocorria o vencimento nos termos do n.° 3 do “contrato sob a forma de empréstimo, CLS n.° ...41”, junto com o requerimento inicial executivo) consta:

i) a informação de que, àquela data, a conta apresentava um saldo devedor de € 5.601.159,14, dos quais € 5.999.947,15 eram relativos a empréstimos. ii) a informação de que o empréstimo número ...41 tem em dívida o montante de € 4.400.000,00.

5. No extracto da conta D.O n.° ...66 junto como doc. n.° 1 da contestação apresentada colhe-se, na página 5, a entrega do valor de € 4.400.000,00 sob o descritivo «.... ...41», feita a 17 de Julho de 2007, com data valor de 29 de Junho de 2007.


Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 10.04.2018 (proc. n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2), consultável em www.dgsi.pt, o título executivo apresentado, um contrato de abertura de crédito em conta corrente:

«[P]ode definir-se como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte (creditado) uma quantia pecuniária; que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado. Decorre desta noção que se trata de um contrato consensual por oposição a contrato real quoad constitutionem: “fica perfeito com o acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que sucede com o mútuo clássico”. Por outro lado, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente - naquele caso, o beneficiário pode utilizar o crédito de uma só vez ou recorrer a utilizações parciais até atingir o limite fixado, mas sem poder repor o valor inicial; no segundo caso, as restituições das quantias utilizadas permitem repor - no todo ou em parte, de acordo com o valor restituído - a disponibilidade (abertura de crédito revolving). De referir ainda que a abertura de crédito pode ser garantida (se o banco beneficia de garantia que assegure a restituição das quantias utilizadas) ou a descoberto. Está sujeita à forma escrita, como o mútuo bancário, exigindo, porém, escritura pública se for prestada garantia que requeira esta formalidade, como a hipoteca (cfr. art. 714.º do CC)». [negrito nosso]

Como entendeu o acórdão recorrido, com a reforma de 2013 do Código de Processo Civil, a previsão do art. 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC antigo (segundo a qual eram títulos executivos «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto») foi excluída da enunciação das espécies de títulos executivos no preceito equivalente, o art. 703.º do CPC.

Ora, sendo o contrato de abertura de crédito apresentado à execução um documento particular, e sendo o novo regime aplicável às acções executivas instauradas após 1 de Setembro de 2013 (cfr. art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), tal contrato estaria desprovido de força executiva, não fosse a decisão do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de Setembro (publicado no Diário da República, I.ª série, de 14.10.2015) – que declarou, com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do CPC, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26.6, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2º da Constituição)».

Assim, à luz da decisão do Tribunal Constitucional, mantém-se a exequibilidade de um título emitido antes da entrada em vigor da reforma de 2013, que, ao tempo da sua emissão, era título executivo por força do sobredito art. 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC; ou seja, desde que esse título, estando assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. É o que importa averiguar.

De acordo com a exequente embargada, o documento dado à execução reúne tais requisitos, uma vez que, conforme provado (facto 2), se encontra assinado pelos executados embargantes, com a expressa menção de «Dou o meu acordo» e do mesmo consta, entre o mais, que «O Banco concede a V. Exas. um empréstimo de € 4.400.000,00 (Quatro milhões e quatrocentos mil Euros), quantia da qual V. Exas. se confessam devedores ao Banco».

Alegam os executados embargados que o documento em causa apenas prevê a constituição de obrigações futuras pelo que a efectiva disponibilização de quantias monetárias pela entidade bancária teria de ser comprovada mediante documentos que, em razão do disposto no art. 50.º do antigo CPC (correspondente ao art. 707.º do actual CPC), apenas relevariam se fossem documentos autênticos ou autenticados.

Do confronto entre a data em que foi celebrado o contrato de abertura de crédito (29.06.2007) e a data (17.07.2007) em que, de acordo com o teor do facto 5, a quantia monetária terá sido transferida, constata-se que tal transferência não foi concomitante com o momento da celebração do contrato. Em rigor, afigura-se estar em causa não a constituição de uma obrigação futura (em relação ao contrato) mas antes uma prestação futura para conclusão de negócio (sobre a distinção, cfr. Manuel Tomé Gomes, Apontamentos sobre Ação Executiva, policopiado, 2018, pág. 52).

De todo o modo, e para o que importa para a apreciação do objecto do presente recurso, a existência da dita dissociação temporal torna necessário que se equacione o problema da admissibilidade, para efeitos de formação do título executivo, de documentos complementares ao contrato constante de documento particular.

A posição defendida pelos apelantes, retomada em sede de revista, segundo a qual os documentos previstos no art. 46.º, n.º 1, alínea c) do antigo CPC apenas poderiam ser completados (por aplicação do regime do art. 50.º do mesmo Código) por documentos autênticos ou autenticados, não foi acolhida no acórdão recorrido, o qual, convocando a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.04.2019 (proc. n.º 4309/12.2TBMAI-B.P1), disponível em www.dgsi.pt, entendeu antes o seguinte:

«Podemos, assim, afirmar que o extrato de conta corrente complementa o contrato de mútuo dado à execução, que é um título executivo constitutivo das obrigações reconhecidas pelos devedores [4: Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 183.]. Trata-se de prova complementar do título, na qual se integra o extrato de conta corrente, que liquida a obrigação pecuniária dos executados.

Nesses casos diz-se que o título executivo é complexo ou compósito, porque está corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos assegurarem eficácia a todo o complexo documental como título executivo [5: In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 05/05/2011, processo 5652/9.3TBBRG.P1.S1.]. Essa complementaridade resulta, por norma, do cotejo dos documentos apresentados, deles resultando a força executiva suscetível de assegurar que o devedor assumiu aquela sua obrigação pecuniária.

In casu, o instrumento particular constitutivo de um contrato de mútuo, com as assinaturas dos devedores, e a prova complementar resultante do extrato de conta corrente, certificativa das quantias pecuniárias que lhes foram disponibilizadas e dos pagamentos das prestações que efetuaram, constituem o título executivo de natureza compósita ou complexa, que viabiliza ao creditante a instauração imediata da ação executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil)[6: Rui Pinto, ibidem, pág. 192; in www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 15/05/2001, processo 01A1113; 05/05/2011, processo 5652/9.3TBBRG.P1.S1; RP de 18/11/2008, processo 0825818; RC de 12/11/2013, processo 725/11.5TBVNO-A.C1; 04/04/2017, processo 8478/16.4T8CBR.C1; 10/11/2015, processo 5705/14.6T8CBR.C1; RL de 22/11/2012, processo 9108/10.3TBCSC.L1-2; 16/11/2016, processo 4199/13.8T2SNT.L1.2.].» [negritos nossos]

Afigura-se que esta posição corresponde à orientação da jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal. Ver, além dos acórdãos de 15.05.2001 e de 05.05.2011 referidos na fundamentação do acórdão recorrido, o acórdão de 10.04.2018 (proc. n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2), supra citado, e o recente acórdão deste mesmo colectivo de 25.03.2021 (proc. n.º 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt, no qual se afirma o seguinte:

«[O] título executivo apresentado corresponde a um documento particular de formação composta por dois momentos distintos: por um lado, a celebração do contrato de abertura de crédito, por documento particular; e, por outro lado, a efectiva movimentação das quantias disponibilizadas pelo credor. Para que se mostre perfeito enquanto título executivo, para além do contrato, o título terá de integrar também os extractos de conta e os documentos de suporte ou saque. (...)» [negrito nosso]

Aqui chegados, há que enfrentar aquela outra objecção dos Recorrentes, segundo a qual, ainda que porventura se admitisse a tese da complementaridade de documentos particulares para, assim, justificar a suficiência do título executivo ao abrigo do anterior art. 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC, a prova complementar apenas poderia ser feita através de documento em que tivesse havido intervenção do devedor e não através de simples extractos de conta bancária, emitidos pelo próprio banco.

Quid iuris?

Se a posição invocada pelos Recorrentes será aceitável nos casos em que o contrato nada dispõe acerca da forma de efectivar a disponibilização das quantias monetárias, e é certamente a posição correcta nos casos em que (como o apreciado pelo referido acórdão de 25.03.2021, proferido por este colectivo no processo n.º 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1) o contrato prevê que a utilização do crédito seja concretizada mediante ordens de transferência ou de pagamento escritas, subscritas pelo devedor, já não é de aceitar quando, como ocorre no caso sub judice (cfr. facto 3), o contrato de abertura de crédito assinado pelos executados embargantes prevê expressamente o seguinte:

«O extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação

Temos assim que a complementaridade, para efeitos da formação do título executivo, entre o documento particular dado à execução e os extractos bancários descritos dos factos 4 e 5, juntos pela exequente embargada, corresponde a uma convenção de prova da dívida válida (cfr. art. 345.º do Código Civil), não podendo os embargantes, aqui Recorrentes, opor-se à execução por os ditos documentos complementares não conterem as suas assinaturas.

Pela mesma ordem de razões, também não assiste razão aos executados embargantes ao invocarem que «o extracto da conta bancária n.º ...66» não pode valer como documento complementar, uma vez que, segundo alegam, «o documento passado em conformidade que poderia servir para fazer prova complementar do documento dado à execução (...) seria o extracto da conta bancária n.º ...41», na medida em que ficou provado (facto 3) que o contrato de abertura de crédito continha esta cláusula:

«Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V. Exas., com o n.° ...41, sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. de V. Exas. com o n.° ...66.»

Deste modo, ao apresentar como documentos complementares extractos da conta bancária n.º ...66, a exequente embargada limitou-se a actuar em conformidade com o convencionado no contrato de abertura de crédito.

Aqui chegados, resta concluir que, nos termos e para os efeitos do art. 46.º, n.º 1, alínea c) do antigo CPC, aplicável ao caso dos autos, o documento particular dado à execução, complementado pelos extractos bancários juntos, importa o reconhecimento de obrigação pecuniária de “montante determinado”, quanto ao capital, e “determinável”, quanto ao mais, “por simples cálculo aritmético”. Posto o que não se verifica o invocado erro de julgamento ao terem as instâncias reconhecido a exequibilidade do título.


10. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 13 de Maio de 2021


Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.


Maria da Graça Trigo (relatora)