Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8902/18.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: CONTRATO DE FRANQUIA
CONTA CORRENTE
INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO
CONFISSÃO
ARTICULADOS
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA CONFISSÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA VINCULADA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
RECONVENÇÃO
BOA FÉ
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - As declarações constantes de articulado apresentado em processo judicial diverso, com identidade das partes em litígio e intervenção efectiva nos processos em causa, feitas por mandatário, devem considerar-se como confissão extrajudicial, por exclusão de partes oferecida pelos arts. 355.º, n.os 3 e 4, do CC, e tendo em conta o art. 356.º, n.º 1, do CC (confissão espontânea produzida em articulado), beneficiando de força probatória plena quando são invocadas extraprocessualmente, tendo em conta a interpretação sistemática e racional dos arts. 421.º, n.º 1, do CPC, 355.º, n.º 3, e 358.º, n.º 2, 2.a parte, do CC, em ligação com os arts. 356.º, n.º 1, e 46.º do CPC.
II - O princípio da indivisibilidade da confissão imposta pelo art. 360.º do CC não é de observar (por restrição) no plano da confissão espontânea em articulado, seja judicial, nos termos do art. 355.º, n.os 2 e 3, do CPC, seja extrajudicial, feita em juízo, mas em processo diferente, de acordo com o art. 355.º, n.º 3 (a contrario sensu) e n.º 4, do CC (considerando, em particular, a equiparação probatória feita pelo art. 358.º, n.os 1 e 2, 2.a parte, do CC).
III - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no art. 619.º, contende com a produção de efeitos resultantes de um caso julgado positivo anterior, que se espoletam em nome da segurança e certeza jurídicas e se actuam através da preclusão de novas acções entre os mesmos sujeitos, sempre que o pedido seja o mesmo em ambas e estejam numa relação de concurso de causas de pedir, faltando em consequência ao autor vencedor interesse processual para posteriormente intentar nova acção por outro fundamento, em sede de objetos em relação de prejudicialidade. Logo, não se preenche quando, em relação ao pedido reconvencional deduzido numa outra acção, não houve qualquer decisão sobre a relação material associada a esse pedido reconvencional e que, por isso, fizesse parte do objecto do processo definido e julgado; não o tendo sido, não há objecto prejudicial à decisão no processo ulterior.
IV - No âmbito da liquidação pós-contratual da relação estabelecida por força da celebração de contratos de franquia, com resolução por iniciativa das franquiadas, o direito de crédito correspondente aos saldos lançados em contas correntes, a favor das franquiadas, provenientes dos descontos (de “rappel”) feitos pelos fornecedores dos bens, a serem repercutidos nas compras feitas ao franquiador, não deve ser satisfeito após a extinção do vínculo contratual se for contra o acordo/vontade das partes.
V - Verificando-se lacuna de regulação nos contratos quanto ao destino desses saldos de conta corrente aquando da extinção do contrato de franquia, sendo este um aspecto que, de acordo com o padrão negocial da franquia e as finalidades recíprocas dos contratos celebrados, deveria ter sido disciplinado e não foi, há que recorrer, no contexto da integração da declaração negocial, regida pelos critérios do art. 239.º do CC, que remetem, em primeira linha, para a chamada “vontade hipotética ou conjectural” das partes.
VI - Comprovada a causa desse direito de crédito e a sua operatividade no decurso da vigência dos contratos celebrados, os créditos-saldos estão irremediável e objectivamente conexionados com a vigência e a execução dos contratos de franquia, uma vez que eram atribuídos e reconhecidos para serem ponderados na aquisição de bens próprios à franquiadora, assente em obrigação aquisitiva das franquiadas subsistente enquanto e na medida em que estavam vinculadas à franquiadora por mor dos contratos de franquia de “distribuição”. Daí ser de entender – até mesmo imposto pelos ditames da boa fé, o critério alternativo indicado pelo art. 239.º do CC – que, se tivesse sido prevista e regulada a matéria dos saldos dessas contas-correntes de desconto de “rappel”, os créditos a favor das franquiadas – que só podiam ser utilizados na compra de bens próprios do franquiador –, no contexto do reconhecimento e da satisfação dos direitos de crédito de ambas as partes, estariam submetidos à condição de manutenção dos contratos de franquia. Ou seja, seriam reconhecidos e satisfeitos sob a condição resolutiva de cessação do contrato de franquia (art. 270.º do CC), evento que, acontecendo, implicaria a extinção automática e retroactiva dos direitos de crédito constituídos durante a vigência dos contratos de franquia nessas contas correntes, com o efeito de as partes credoras os não poderem invocar e exigir perante a outra parte após a cessação de efeitos dos contratos de franquia.
Decisão Texto Integral:



Processo n.º 8902/18.1T8LSB.L1.S1

Tribunal recorrido – Relação de Lisboa, 2.ª Secção

Acordam na 6.ª Secção do SupremoTribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. «J. A. Santos, Lda.» e «Centro de correcção visual, Lda.» intentaram acção de condenação sob a forma de processo comum contra «Grandvision Unipessoal, Lda.», pedindo a condenação desta a pagar: (i) à 1.ª Autora, 58.479,45€, acrescida de 24.551,43€ de juros vencidos, no total de 83.030,88€; (ii) à 2.ª Autora, 28.805,20€, acrescida de 12.093,29€ de juros vencidos, no total de 40.898,49€; em ambos os casos sendo os capitais acrescidos ainda dos juros que se vencerem até integral pagamento à taxa legal para operações comerciais.
Alegaram a sentença transitada em julgado e proferida no processo n.º 2022/08… (doravante, 2022/08…) – junta como Doc. 1 –, tendo aí resultado provado que (71) entre a «Grandvision Unipessoal, Lda.» (antes «Multiópticas Unipessoal, Lda.», depois «Pearle Portugal Unipessoal, Lda.») e a «J. A. Santos, Lda.» existia um saldo de contas-correntes, a favor desta, de, pelo menos, 58.402,65€ relativo a rappel e que (72) entre a «Grandvision Unipessoal, Lda.» e a «Centro de correcção visual, Lda.» um saldo a favor desta, de 28.767,37€, também de rappel, valores estes que constam registados nos balanços de cada uma das Autoras; apesar de solicitado o pagamento, a Ré nunca procedeu ao mesmo; esses créditos a favor das Autoras foram apreciados e reconhecidos naquele processo n.º 2022/08...; assim sendo, sobre tal matéria existe autoridade de caso julgado e, por isso, essa sentença deve ser pressuposto indiscutível da existência do crédito das Autoras; o crédito das autoras resulta de transacção comercial.
A Ré apresentou Contestação, invocando a inexistência de caso julgado cuja autoridade pudesse ser invocada, desde logo porque o caso julgado não faz valer, por si só, a matéria de facto provada num processo anterior; excepcionando com a nulidade da atribuição do rappel por força do art. 6º do CSC se essa atribuição não tivesse sido feita nos termos por ela defendidos; o abuso de direito, por força do art. 334º do CC, se fosse reconhecido às autoras o direito de receber o rappel apesar de terem violado o contrato, dando lugar à resolução do mesmo pela ré e por a acção só ter sido intentada seis anos depois da sentença da no processo n.º 2022/08...; e a prescrição dos eventuais juros que se tivessem vencido até 17/04/2013 (cinco anos antes da citação da Ré para esta acção).
Os oito contratos de franquia celebrados entre as Autoras e (originariamente) a «Multiópticas de Gestão, S.A.» e a «Multiópticas Unipessoal, Lda.» foram juntos como Docs. 2 a 9.; tendo em conta que apenas os contratos celebrados com a Segunda Autora em 6/3/1989 e  20/7/1990 diferem dos demais, sem prejuízo da sua referência se pertinente, serão considerados na fundamentação, os contratos celebrados, com a Primeira Autora, em 10/7/2003 e, com a Segunda Autora, em 16/8/2000 (como “contratos considerados”).
As Autoras responderam às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e pedindo a condenação da Ré como litigante de má fé.
Depois de notificadas para suprimento de insuficiências (despacho pré-saneador), as Autoras apresentam peça de aperfeiçoamento da Petição Inicial. A Ré arguiu a excepção dilatória de ineptidão, com a consequente absolvição da Ré da instância, impugnou os factos alegados e reiterou a absolvição do pedido.

2. Foi elaborado despacho saneador, no qual se decidiu não existir a autoridade de caso julgado invocada pelas partes Autoras.

3. Uma vez realizada a audiência de discussão e julgamento, o Juiz … do Juízo Central Cível … proferiu sentença em que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.

4. Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de apelação, visando julgar a acção como procedente, para cuja decisão foram identificadas as seguintes questões: “se, com base na sentença proferida na acção 2022/08….., se podia decidir que os créditos das autoras existiam”; “se a decisão da matéria de facto deve ser alterada, com a consequente alteração da decisão de Direito”.
O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que, depois de alterar os pontos 3., 4., 10. e 13. da matéria de facto provada, julgou a acção parcialmente procedente, “condenando a ré a pagar 58.402,65€ à 1.ª autora e 28.767,37€ à 2.ª autora, quantias essas acrescidas de juros vencidos desde 18/04/2013 (estando prescritos os vencidos até 17/04/2013) e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal dos juros comerciais”.

5. Veio então a Ré interpor recurso de revista para o STJ, pedindo a final:

“a) O acórdão do TRL deve ser revogado no que respeita à alteração da matéria de facto dos artigos 3, 4 e 10 da sentença da 1.ª Instância, na medida em que essa alteração assenta em erro jurídico de violação das normas legais aplicáveis à suposta confissão que foi feita pela RÉ na réplica do processo 2022/08… ou, subsidiariamente, deve ser determinada a baixa do processo para reformulação destes pontos da matériade facto;

b) O acórdão do TRL deve ser revogado no que respeita à alteração da matéria de facto dos artigos 3 e 4 da sentença da 1.ª Instância, na medida em que essa alteração viola o princípio da indivisibilidade da confissão previsto no artigo 360.º do CC ou, subsidiariamente, deve ser determinada a baixa do processo para reformulação destes pontos da matéria de facto;

c) O acórdão do TRL deve ser revogado no que se refere à alteração dos artigos 3, 4 e 10 da matéria de facto provada, mantendo-se a sentença da 1.ª Instância e, em consequência, deve ser confirmada a improcedência da acção;

d) Deve ser reconhecida a violação do princípio de caso julgado por parte do TRL (ou, subsidiariamente, da autoridade de caso julgado) e, em consequência, o acórdão recorrido deve ser revogado ou, subsidiariamente, deve ser ordenada a baixa do processo para a sua reformulação;

e) Deve ser julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido por contrariedade dos fundamentos com a decisão e,em consequência, deve o mesmoser revogadoou, caso assim não se entenda, deve ser ordenada a baixa do processo para correcção do vício;

f) Deve ser julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e, em consequência, deve o mesmo ser revogado ou, caso assim não se entenda, deve ser ordenada a baixa do processo para correcção do vício;

g) Deve ser julgada procedente a violação pelo acórdão recorrido dosartigos 434.º e 801.º, n.º 2, do CC;

h) Em todo o caso, deve ser julgada procedente a presente revista e ser revogado o acórdão recorrido;

i) Subsidiariamente e caso assim não se entenda, procedendo a condenação da RÉ (o que em caso algum se concede), os juros de mora apenas devem ser computados a partir da sua citação nos presentes autos.”

Para o efeito, apresentou as seguintes Conclusões:

“1. Os presentes autos têm por objecto a reclamação pelas AUTORAS à RÉ do pagamento de determinados montantes que lhes teriam sido reconhecidos no âmbito de um processo judicial que correu entre as Partes no … Juízo do Tribunal de ..., sob o n.º 2022/08….
2. Nessa acção, a aqui RÉ tinha demandado as AUTORAS pela cessação ilegal dos contratos de franquia que vigoravam entre si e exigido uma compensação pelo incumprimento desses mesmos contratos.
3. A RÉ obteve provimento no processo n.º 2022/08..... mas, na medida em que formulou e calculou o seu pedido indemnizatório com base no interesse contratual positivo, as AUTORAS não foram condenadas a indemnizar a RÉ pelo referido incumprimento.
4. No âmbito desse processo, a RÉ reconheceu que ao longo da relação de franquia que unia as partes, havia creditado determinados montantes na conta-corrente que mantinha com as AUTORAS e que, pese embora a atribuição dessas notas de crédito não fosse exigida contratualmente, fazia-o para que asAUTORAS pudessemdescontar esses valoresnas compras de produto próprio que estavam contratualmente obrigadas a fazer.
5. Uma vez que as AUTORAS incumpriram com as quantidades de compras de produto próprio que estavam contratualmente obrigadas a fazer e cessaram indevidamenteos contratos de franquia antes do que seria o seu termo, as contas-correntes apresentavam um saldo positivo a favor das AUTORAS no momento em que cessou (ilicitamente) a relação comercial.
6. A RÉ reconheceu a existência desses saldos positivos no processo 2022/08....
7. As AUTORAS deduziram um pedido reconvencional subsidiário no processo 2022/08... no sentido de receberem o saldo das contas-corrente caso fossem condenadas na indemnização pelo interesse contratual positivo formulada pela RÉ
8. Na medida em que o Tribunal de ... não concedeu provimento ao pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo formulado pela RÉ, a reconvenção subsidiária de compensação formulada pelas AUTORAS nunca chegou a ser apreciada.
9. Os presentes autos têm como objecto a reclamação por parte das AUTORAS do saldo positivo dessas contas-corrente.
10. A 1.ª Instância julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a RÉ de todos os pedidos.
11. Inconformadas, as AUTORAS recorreram dessa decisão e o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação das AUTORAS parcialmente procedente.
12. Em 18-06-2020, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente a apelação interposta pelas AUTORAS e, em consequência, alterou a matéria de facto provada sob os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância e condenou a RÉ no pagamento dos valores peticionados.
13. A alteração da matéria de facto provada sob os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância implicou a violação de normas de direito por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
14. Ao alterar os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância, o TRL socorreu-se de uma suposta confissão feita pela RÉ no processo 2022/08... e violou os artigos 355.º, n.º 3, do Código Civil e 421.º, n.º 1, do CPC.
15. O STJ tem competência para apreciar esta questão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 – in fine, do CPC.
16. O TRL socorreu-se do disposto no 421.º, n.º 1, do CPC para defender que a suposta confissão vertida na réplica do processo 2022/... teria força probatória plena noutros processos.
17. O TRL ignorou o facto de que o referido preceito se aplica apenas a depoimentos e a perícias e não a articulados.
18. O TRL faz referência a esta norma quando aprecia a força probatória da réplica da RÉ no processo 2022/..., como se a mesma servisse como umplusargumentativo ao que se defende.
19. Esta norma tem um âmbito de aplicação especificamente limitado e, em particular, é inaplicável aos articulados escritos apresentados pelas partes noutros processos.
20. Por ser manifestamente inaplicável ao presente caso, o disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC deve ser totalmente desconsiderado para este efeito.
21. Não é verdade que a suposta confissão realizada pela RÉ no processo 2022/... tenha força probatória plena nos presentes autos.
22. O TRL sustenta esta tese no facto de a confissão poder, em tese, ser extrajudicial.
23. A réplica da RÉ no processo 2022/... seria aqui tomada como um documento particular que foi junto aos presentes autos e que, por ser dirigido à outra parte, teria força probatória plena – cfr. artigo 358.º, n.º 2, do CC e página 15 do acórdão recorrido.
24. A réplica da RÉ no processo 2022/... não pode ser considerada como um documento particular dirigido às AUTORAS para efeitos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do CC.
25. Por um lado, porque estar-se-ia a desconsiderar a sua natureza judicial.
26. Por outro lado, esta solução seria particularmente chocante quando existe na lei uma norma específica que determina que as confissões feitas num determinado processo judicial não aproveitam como confissão judicial noutro processo judicial (cfr. artigo 355.º, n.º 3 do CC).
27. A solução proposta pelo TRL, no sentido de admitir num segundo processo a força probatória plena da suposta confissão feita num articulado do primeiro processo apenas porque se juntou nesse segundo processo uma cópia do articulado do primeiro processo defrauda em absoluto o espírito do artigo 355.º, n.º 3, do CC.
28. As afirmações que o TRL considerou consistirem em declarações confessórias – o reconhecimento dos créditos e dos saldos positivos das contas-corrente a favor das AUTORAS – foram realizadas pela RÉ no contexto do processo 2022/08....
29. O reconhecimento da existência dos créditos e dos saldos positivos justificava-se naquele processo na medida em que, estando em causa a concessão de uma indemnização pelo interesse contratual positivo, fazia sentido compensar esse montante indemnizatório com o valor das contas-corrente.
30. O que não é transponível para os presentes autos.
31. A ressalva que o artigo 421.º, n.º 1, do CPC faz ao remeter para o artigo 355.º, n.º 3, do CC corrobora esta tese.
32. É certo que o artigo 421.º do CPC não é aplicável a este caso.
33. O facto de o artigo 421.º, n.º 1, do CPC ressalvar o disposto no artigo 355.º, n.º 3, do CC demonstra que o legislador teve um cuidado especial no que se refere à força probatória extra-processual das confissões que não tenham sido realizadas por via de depoimentos ou de perícias.
34. A tese de que as alegações tecidas pelas RÉ na réplica do processo 2022/... valeriam aqui como confissão e de que lhes seria reconhecida força probatória plena incorre ainda num erro de aplicação do direito, por motivos históricos.
35. O artigo 526.º – §1.º do CPC de 1939 (que corresponde ao artigo 522.º, n.º 2, do CPC de 1961, antes da aprovação do actual CC em 1966) previa, expressamente, a solução de que «as confissões feitas nos articulados podem ser opostas noutros processos».
36. Aquando da aprovação do CC em 1966 (actualmente em vigor) (i.e., 5 anos após o CPC de 1961), o legislador decidiu, expressamente, mudar esta solução e consagrou a opção inversa no artigo 355.º, n.º 3, do CC.
37. A mudança de posição do legislador é absolutamente clara e não deixa qualquer margem para dúvidas.
38. Foi expressamente decidido que, a partir daquela data, a confissão judicial passaria a valer apenas no processo em que é realizada.
39. Aquando da revisão do CPC logo em 1967, o legislador também alterou o CPC, de forma a harmonizá-lo com o artigo 355.º, n.º 3, do novo CC e introduziu a actual redacção do artigo 421.º, n.º 1.
40. A interpretação que o TRL fez da suposta confissão constante da réplica da RÉ no processo 2022/... implica a violação do princípio da indivisibilidade da confissão previsto no artigo 360.º do CC.
41. No momento de proceder à alteração dos factos provados 3 e 4, o TRL não tomou em consideração os outros factos e circunstâncias narrados pela RÉ naquele articulado.
42. À matéria alegada nos artigos 222.º a 227.º da réplica da RÉ no processo 2022/... interessa não apenas o teor dos artigos 87.º a 112.º daquele articulado, como também e antes de mais o teor dos artigos 228.º, 231.º e 232.º (que, aliás, remetem expressamente pelo menos para o artigo 227.º).
43. A matéria relativa à taxa de fidelização (i.e., às compras de produtos próprios) e à sua relação com os saldos das contas-corrente é relevante para a compreensão e contextualização do que se afirmou nos artigos 222.º a 227.º da réplica.
44. O saldo das contas-corrente de que as AUTORAS se arrogam titulares e cujo pagamento reclamam à RÉ só existe porque as mesmas incumpriram com a taxa de fidelização e com o volume de compras de produtos próprios a que estavam adstritas nos termos dos contratos de franquia.
45. Os factos e circunstâncias constantes dos artigos 228.º, 231.º e 232.º da réplica estão de tal forma intrinsecamente relacionados com a matéria “confessada” (sem conceder), que, a admitir-se a confissão, haveria que a considerar como uma confissão qualificada ou, a limite, uma confissão complexa.
46. Ao alterar a redação da matéria de facto dos artigos 3 e 4 da sentença da 1.ª Instância nos termos em que o fez, o TRL dividiu as alegações supostamente confessórias da RÉ e violou o princípio da indivisibilidade da confissão previsto no artigo 360.º do CC.
47. O acórdão recorrido viola ainda o princípio do dispositivo, na vertente dos limites do pedido (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do CPC) e enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1 – al. e), do CPC, ex vi artigo 666.º, n.º 1, do CPC, em dois momentos distintos.
48. Em primeiro lugar, a propósito dos artigos 3 e 4 da matéria de facto provada.
49. O TRL alterou o teor essencial dos artigos 3 e 4 dos factos provados e aditou ao seu conteúdo a matéria essencial dos descontos que eram atribuídos pelos fornecedores.
50. Esta modificação corresponde a uma verdadeira alteração do teor substantivo destes artigos, na medida em que a razão de ser da atribuição dos descontos está intrinsecamente relacionada com a sua exigibilidade pelas AUTORAS à RÉ.
51. O teor da matéria essencial dos artigos 3 e 4 dos factos provados, tal como fixados pelo TRL e com a extensão resultante do acórdão recorrido, não corresponde a nenhum dos artigos da petição inicial destes autos ou da petição inicial aperfeiçoada apresentada pelas AUTORAS.
52. Em segundo lugar, a propósito do artigo 10 do elenco de factos provados.
53. Também aqui o TRL fixou matéria de facto provada em termos que não foram peticionados pelas AUTORAS nem podiam ser considerados pelo Tribunal.
54. Em sede de recurso para o TRL, as AUTORAS pediram apenas que o artigo 10 da matéria de facto provada da sentença de 1.ª Instância fosse dado como não provado, não tendo sugerido ou peticionado qualquer redacção alternativa (cfr. conclusão 21 do recurso de apelação das AUTORAS).
55. Além disso, o TRL voltou a alterar o verdadeiro teor substantivo daquele artigo da matéria de facto provada.
56. A fixação de um novo teor para o artigo 10 da matéria de facto provada não podia resultar da apreciação do depoimento da testemunha PP, na medida em que a apelação das AUTORAS não cumpriu as regras para impugnação da matéria de facto com base na prova gravada.
57. O artigo 10 da matéria de facto fixada pela 1.ª Instância encontrava-se inteiramente em linha com as alegações feitas nos artigos 221.º a 223.º e 228.º da réplica do processo 2022/08....
58. O acórdão do TRL deve ser revogado no que se refere à alteração dos artigos 3, 4 e 10 da matéria de facto provada, mantendo-se a sentença da 1.ª Instância e, em consequência, deve ser confirmada a improcedência da acção.
59. Resulta da matéria de facto provada que a reconvenção das AUTORAS na acção 2022/08... foi apresentada a título subsidiário.
60. A subsidiariedade ficou também confirmada na sentença da acção 2022/08..., a qua já transitou em julgado.
61. Ao apreciar os sucessivos argumentos aduzidos pela RÉ nas contra-alegações de recurso, o TRL veio referir que a qualificação da subsidiariedade do pedido reconvencional do processo 2022/... foi errada.
62. E socorreu-se desse seu entendimento para julgar improcedente um dos argumentos aduzidos pela RÉ nas suas contra-alegações de recurso.
63. Ao contrariar aquela qualificação, o acórdão recorrido violou a sentença do processo 2022/08..., a qual já transitou em julgado, e violou o princípio do caso julgado ou, a limite, a autoridade de caso julgado que existe sobre a qualificação de subsidiariedade da reconvenção.
64. O acórdão recorrido é ainda nulo, por oposição dos seus fundamentos com a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto 615.º, n.º 1 – al. c), do CPC, ex vi artigo 666.º do CPC.
65. Por um lado, o TRL aceitou como facto provado a subsidiariedade do pedido reconvencional das AUTORAS que foi formulado no processo 2022/08... (cfr. artigos 13 e 14 do elenco de factos provados que consta da página 6 do acórdão recorrido).
66. Por outro lado, nas páginas 7 e 30 do acórdão recorrido, o TRL julgou improcedente um dos pedidos formulados pela RÉ nas suas contra-alegações de recurso com fundamento no facto de o pedido reconvencional que foi formulado pelas AUTORAS no processo 2022/08... não ter sido deduzido a título subsidiário.
67. O acórdão recorrido é ainda nulo, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto 615.º, n.º 1 - al. d), do CPC, ex vi artigo 666.º do CPC.
68. Compulsado o teor do artigo 13 dos factos provados constante da sentença proferida pela 1ª Instância, verifica-se que o TRL procedeu à alteração desse facto provado na página 5 do acórdão recorrido.
69. Pese embora tenha sido requerida pelas AUTORAS a alteração de certos artigos da matéria de facto provada, o teor do artigo 13 não foi impugnado ou, sequer, colocado em causa no recurso de apelação interposto pelas AUTORAS.
70. Os termos em que o pedido reconvencional das AUTORAS foi deduzido no processo 2022/08... constituem matéria central do acórdão recorrido e foramtomados em consideração para efeitos da improcedência de parte dos argumentos aduzidos pela RÉ em sede de contra-alegações.
71. Ainda que a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo TRL procedesse (sem conceder), ainda assim o presente recurso de revista deve ser julgado procedente e o acórdão recorrido deve ser revogado.
72. No processo 2022/08... ficou assente que as AUTORAS incumpriram os contratos de franquia que tinham celebrado com a RÉ e que os mesmos foram cessaram por resolução (cfr. artigo 116.º da contestação da RÉ nestes autos, que se reporta à página 91 da sentença do processo 2022/08... que foi junta como DOC. 1 da petição inicial das AUTORAS).
73. Sendo inegável a relação entre os saldos das contas-corrente e os contratos de franquia, então independentemente do demais que possa ter resultado provado (sem conceder), atenta a resolução contratual dos contratos de franquia, os referidos saldos não podem ser exigidos pelas AUTORAS à RÉ.
74. A consequência da resolução dos contratos por incumprimento das partes faltosas é, por definição, a libertação da parte cumpridora,que suportou o incumprimento da parte faltosa, das suas obrigações, conforme resulta do artigo 434.º do CC.
75. A resolução dos contratos de franquia não pode senão desobrigar a RÉ da obrigação de pagamento dos saldos das contas-corrente às AUTORAS (sem nunca conceder quanto à efectiva existência de uma obrigação nesse sentido).
76. Ao condenar a RÉ a pagar os saldos das contas-corrente às AUTORAS, o TRL violou os artigos 434.º e 801.º, n.º 2, do CC, questão que é de conhecimento oficioso e não pode deixar de ser relevada na apreciação do presente recurso de revista.
77. O acórdão do TRL violou, ainda, o artigo 334.º do CC, porquanto a condenação da RÉ a pagar às AUTORAS os saldos das contas-corrente na sequência do peticionado pelas AUTORAS consubstancia um abuso de direito.
78. Existe abuso de direito na vertente do desequilíbrio no exercício, na vertente da exceptio doli e na vertente da suppressio.
79. Em qualquer caso, a RÉ não pode ser condenada no pagamento de juros contados desde a suposta interpelação para pagamento que terá ocorrido com a notificação da reconvenção da acção 2022/....
80. Resulta da matéria de facto provada dos presentes autos e da sentença do processo 2022/... transitada em julgado que a referida reconvenção foi apresentada a título subsidiário.
81. A reconvenção subsidiária não é idónea a servir como interpelação para pagamento.
82. Resulta do requerimento de 26-06-2018 das AUTORAS que as mesmas nunca interpelaram a RÉ e que apenas «sempre esperaram» que a RÉ procedesse voluntariamente àquele pagamento.
83. Se as AUTORAS se limitaram a esperar, então por maioria de razão não endereçaram nenhuma interpelação à RÉ.
84.Os juros de mora apenas poderiam ser computados a partir de 19-03-2015, na medida em que foi essa a data que as AUTORAS referiram ter sido a data da interpelação na petição inicial aperfeiçoada (cfr. artigo 1.º).
85. Este facto foi impugnado pela RÉ no seu requerimento de 08-10-2018 (cfr. artigos 34.º a 41.º deste requerimento) e não foi produzida prova pelas AUTORAS a este respeito.
86. Procedendo a condenação da RÉ, os juros de mora apenas poderiam ser computados a partir da sua citação nos presentes autos.”

As Recorridas apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

6. Conhecendo e apreciando das nulidades invocadas pela Recorrente, o TRL, em acórdão proferido em conferência, indeferiu a respectiva procedência. 

Consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Objecto do recurso

Vista a delimitação do objecto recursivo imposta pelo teor das Conclusões (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), afiguram-se as seguintes questões a dilucidar e decidir:

(i) nulidade do acórdão recorrido por oposição dos fundamentos com a decisão (art. 615º, 1, c), 1ª parte, CPC);
(ii) nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 615º, 1, e), 1ª parte, CPC);
(iii) alteração da matéria de facto (pontos 3., 4. e 10): (a) violação de normas de direito probatório (arts. 355º, 3, 358º, 2, 360º, CCiv.; 421º, 1, CPC); (b) violação do princípio do dispositivo (art. 609º, 1, CPC);
(iv) ofensa do caso julgado constituído com a sentença proferida no processo n.º 2022/... (relativo à subsidiariedade da reconvenção);
(v) erro na interpretação e aplicação dos arts. 434º e 801º, 2, do CCiv., por força da resolução contratual operada pelas Autoras;
(vi)  abuso de direito na condenação da Ré (art. 334º do CCiv.);
(vii) momento da computação dos juros de mora.


2. Factualidade

Foi estabilizada na 2.ª instância a seguinte factualidade provada:

1. A 1ª A. foi franqueada da R., da marca MULTIOPTICAS, entre 06/12/1999 e 31/12/2007, data em que explorava estabelecimentos de óptica utilizando tal marca.

2. A 2ª A. foi franqueada da R., da marca MULTIOPTICAS, entre 06/03/1989 e 31/12/2007 data em que explorava três estabelecimentos de óptica utilizando tal marca.

3 e 4. Durante a execução de tais contratos de franquia, a Ré lançou nas contas correntes das Autoras notas de crédito a favor das mesmas, correspondentes aos descontos feitos pelos fornecedores de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras, contas correntes aquelas que, na data em que terminou a relação contratual entre as mesmas e a ré, tinham um saldo favorável às autoras de 58.402,65€ (a 1.ª) e de 28.767,37€ (a 2.ª). (Modificados e agregados pela Relação.)

5. Os contratos de franquia da 1ª A. tinham termo previsto para 24/01/2021, 15/04/2021, 02/03/2023 e 15/07/2023.

6. Os contratos de franquia da 2ª A. tinham termo previsto para 19/10/2019 e 15/08/2020.

7. A 1.ª A. pôs fim a tais contratos, com efeitos a 31/12/2007, o que comunicou à R., por escrito datado de 17/09/2007, sem indicar qualquer justificação para tal.

8. A 2.ª A. pôs fim a tais contratos com efeitos a 31/12/2007, o comunicou à R., por escrito datado de 17/09/2007.

9. A R. não pagou às autoras tais quantias.

10. Os créditos referidos em 3 e 4 seriam descontados nos pagamentos seguintes que as Autoras teriam que realizar à Ré, em virtude da compra de produtos próprios, isto é, nas facturas que as Autoras tinham de pagar à Ré respeitantes à aquisição, pelas Autoras, de produto próprio da Ré, mas também brindes, artigos de publicidade, folhetos e outros artigos pontualmente fornecidos pela Ré às Autoras no âmbito da sua relação comercial. Pelo que, caso as Autoras tivessem cumprido com a taxa de fidelização contratualmente estipulada, adquirindo à Ré a quantidade de produtos próprios desta nos termos dos contratos celebrados, o montante de facturas seria superior ao constante dos documentos juntos, inexistindo saldo a favor das Autoras. (Modificado pela Relação.)

11. Correu termos pelo … Juízo do Tribunal ... o processo 2022/08.... em que foi A. a aqui R., então denominada MULTIOPTICAS UNIPESSOAL, LDA., incorporada na sociedade PEARLE PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. por fusão em 29/06/2006 e redenominada em 25/09/2011, e RR. as aqui AA.

12. Em tais autos a R., aí A., peticionou a condenação das AA., aí RR., a pagar-lhe indemnização, fundada em responsabilidade civil contratual, adveniente do incumprimento dos referidos contratos de franquia.

13. E as AA., aí RR., deduziram pedido reconvencional sob a forma subsidiária, no caso de a acção ser julgada procedente, peticionando fosse a R., aí A., condenada a pagar-lhes as quantias acima referidas. Ou melhor, o pedido reconvencional foi deduzido nos seguintes termos:
“Nestes termos, ou noutros melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá, a) Ser julgada procedente a excepção dilatória de incompetência do Tribunal, com a consequente remessa do processo para o Tribunal competente; b) Ser julgada procedente a excepção peremptória de resolução dos contratos de franquia, pelas RR. e as mesmas absolvidas do pedido; Caso assim não se entenda, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se pondera, deve: c) A presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a R, absolvida do pedido; d) Deve a A. ser exemplarmente condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, nos exactos termos acima peticionados; e) Deve ainda ser julgado totalmente procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido pela 2.ª e pela 3.ª RR. e, em consequência, ser a A. condenada a pagar-lhes 60.229,81€ e 24.724,74€, respectivamente, quantias a que deverão acrescer juros de mora vencidos contados desde a data de emissão das últimas notas de crédito (respectivamente 5445,85€ + 2007,95€) e vincendos até integral e efectivo pagamento.” [transcreve-se o pedido em causa, com base no documento 1 da contestação, não impugnado pelas autoras; isto ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4, ambos do CPC – os parenteses foram colocados por este acórdão do TRL]. (Modificado pela Relação.)

14. Em 15/06/2012, foi proferida sentença no referido processo decidindo-se absolver as autoras do peticionado pela ré, não se apreciando o pedido reconvencional das autoras por suscitado em termos subsidiários.

Foram ainda considerados não provados os seguintes factos pela 1.ª instância:

a. Até Dezembro de 2005, as AA. receberam directamente dos fornecedores as quantias correspondentes ao desconto acima referido, apelidado de rapel.

b. Tal deixou de ocorrer por determinação da R. e sem o consentimento das AA..


3. Questões e direito aplicável

3.1. Nulidades do acórdão recorrido

A Recorrente aponta ao acórdão recorrido a nulidade consistente na oposição entre os fundamentos e a decisão sobre a matéria de facto, o que se reconduziria à previsão do art. 615º, 1, c), do CPC – Conclusões 64. a 66.
E ainda a nulidade fundada em “excesso de pronúncia”, de acordo com o previsto pelo art. 615º, 1, e), 1ª parte, do CPC – Conclusões 67. a 70.
O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre estas nulidades nos termos que constam do acórdão da conferência referido supra, no ponto 6. do Relatório, concluindo pela sua não verificação.
Acolhemos a sua fundamentação, para a qual remetemos, nos termos dos arts. 663º, 5, 2ª parte, e 679º do CPC.

Em especial, quanto à primeira – com incidência sobre a alteração da matéria de facto relativas aos pontos 13. e 14. –, sustentou-se:
“O ponto 13 dos factos provados, na redacção original, é uma descrição conclusiva do teor de uma peça processual apresentada numa outra acção. O TRL esclareceu logo nesse ponto que o que importava era o conteúdo concreto da peça processual em causa, transcrevendo-a. Portanto, o TRL não aceitou o “facto”, o que fez foi considerar irrelevante a descrição conclusiva e em vez disso concretizou o facto, ou seja, o teor real da peça processual em causa. Quanto ao ponto 14 dos factos provados, é uma descrição correcta dos fundamentos pelos quais naquela decisão se entendeu não ser de apreciar o pedido reconvencional nela deduzido. Mas trata-se apenas de um entendimento, o que não quer dizer que estivesse certo.
Por outro lado, não há pedidos nas contra-alegações de recurso. O que há são argumentos deduzidos pela ré para rebater as pretensões das autoras. O tribunal não estava a decidir um pedido da ré de que a reconvenção deduzida na outra acção fosse declarada que era uma reconvenção deduzida a título subsidiário.”;

quanto à segunda – com incidência nesse mesmo facto provado 13., alterado pela Relação, à luz dos poderes-deveres atribuídos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC:
“Um tribunal de recurso deve elaborar o acórdão em conformidade com o disposto nos arts. 663/2 e 607/4 do CPC. Constatando que um ponto de facto contém uma descrição conclusiva de uma peça processual em desconformidade com o que essa peça processual diz, constatação essa que resulta plenamente provada por força da junção aos autos de tal peça processual pela parte contrária à que a apresentou e obviamente não impugnada por esta, pode/deve concretizar o teor daquele ponto de facto com a transcrição integral da parte que interessa de tal peça processual.
Note-se que o art. 607/4 do CPC, aplicável por força do art. 663/2 do CPC, diz que “na fundamentação da sentença, o juiz […] toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida […].”
Se, para discutir a argumentação de uma das partes, o juiz tem que saber em que é que se traduziu juridicamente uma peça processual apresentada e, para apreciação desta, tem uma descrição conclusiva dela e, ao mesmo tempo, no processo, prova plena do teor de tal peça, é a esta que se deve socorrer, ao abrigo daquelas normas, e, por isso, ao fazê-lo não excede os seus poderes (…)”.

Quanto à nulidade alegadamente fundada na violação do princípio do dispositivo – v. Conclusão 47. –, este fundamento do recurso será apreciado infra, com autonomia em relação às nulidades invocadas (art. 674º, 1, b), CPC).

3.2. Alteração da matéria de facto e violação de normas de direito probatório material  

A Recorrente veio socorrer-se do art. 674º, 3, 2ª parte (e art. 682º, 2, in fine), do CPC, para invocar o desrespeito dos arts. 355º, 3, 358º, 2, e 360º do CCiv., assim como do art. 421º, 1, do CPC, de maneira a submeter à apreciação do STJ a sua alegada violação com repercussão na matéria de facto considerada provada.
Em causa, a modificação dos factos provados 3., 4. e 10., tal como sustentado nas Conclusões 13. a 46.

3.2.1. O acórdão recorrido alterou a matéria de facto provada considerando provados os pontos 3 e 4, com a agregação e modificação operada –
“3 e 4. Durante a execução de tais contratos de franquia, a ré lançou nas contas correntes das autoras notas de crédito a favor das mesmas, correspondentes aos descontos feitos pelos fornecedores de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras, contas correntes aquelas que, na data em que terminou a relação contratual entre as mesmas e a ré, tinham um saldo favorável às autoras de 58.402,65€ (a 1.ª) e de 28.767,37€ (a 2.ª)” –,
tendo em conta que no processo n.º 2022/..., com sentença transitada, a Ré, Autora nesses autos, em sede de Réplica (itens 222º, 223º, 225º, 226º, 227º), veio expressamente confessar-se devedora das Autoras, nesse processo Autoras, dessas quantias.

Fundamentou assim:
“Estes artigos da réplica da então autora, agora ré, não tratam directamente da questão de saber se as notas de crédito correspondiam ao desconto, recebido pela ré, atribuído pelos fornecedores, de acordo com as compras das autoras a esses fornecedores.
O que estes artigos revelam directamente é antes uma coisa muito mais relevante e que também era invocada pelas autoras, a confissão de uma série de factos que estão na origem da constituição de uma dívida e a confissão da própria dívida.
Confissão de factos que pode ser utilizada neste processo, apesar de ter sido feita noutro, como decorre das normas contidas nos artigos 355/1 [A confissão pode ser judicial ou extrajudicial], 355/2 [Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não […] 355/3. [A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo […]; 356/1 [A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual […], 358/2 [A confissão extrajudicial, em documento […] particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena], todos do CC e no art. 46 do CPC [Confissão de factos feita pelo mandatário: As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente]. Ou seja, as confissões de factos feitas nos articulados, pelos mandatários das partes, num processo contra a mesma parte, têm força probatória plena num outro processo (neste sentido, Lebre de Freitas, A acção declarativa, 2017, 4.ª edição, Gestlegal, págs. 258-259), sem ser sequer necessário invocar o disposto no art. 421 do CPC. De qualquer modo, terá sempre de se ter em conta o princípio da indivisibilidade da confissão (art. 360 do CC […]).
Mas, os artigos em causa ainda remetem para outros que, esses sim, tratam directamente da questão agora em análise, qual seja, a de saber a que é que correspondiam os descontos recebidos pela ré e lançados a crédito nas contas correntes das autoras.
Como é sugerido pela parte final do art. 222 daquela réplica, a questão vem tratada nos artigos 87 a 112 da réplica, de que se passam a transcrever os que importam à questão, junto com outros de modo a ter o contexto todo da confissão da ré [tenha-se em conta a advertência já feita: rés = autoras desta acção; 2.ª ré = 1.ª autora desta acção; 3.ª ré = 2.ª autora desta acção; autora = ré desta acção] (…).
Tendo tudo isto em consideração, mesmo que não se pudesse aproveitar esta confissão de factos como prova plena, por força do princípio da indivisibilidade da confissão, ou seja, mesmo que valesse apenas como elemento probatório a apreciar livremente (art. 361 do CC), não haveria qualquer dúvida de que os descontos recebidos pela ré correspondiam aos descontos feitos pelos fornecedores de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras. A percentagem desse desconto podia ser maior devido às condições obtidas pela ré, por esta ter maior poder negocial, mas, obviamente, a ré não ia creditar nas contas das autoras descontos obtidos por ela em consequência das compras por ela feitas. Não há nenhum motivo para que as autoras beneficiassem do valor de descontos feitos pelas compras que a ré fazia aos fornecedores.
Note-se que nos pontos 3 e 4 se está a falar da razão de ser de créditos lançados na conta-corrente das autoras na ré: ora, como é evidente, A não lança na conta corrente de B os descontos atribuídos por C a A em função do volume de encomendas que o próprio A fez. O que pode fazer, como fez no caso, é lançar na conta de B os descontos que foram obtidos em função das compras que B fez. Só em relação a estes é que faz sentido serem creditados na conta de B.
É isto o que decorre da lógica das coisas e é isto que a própria ré conta na réplica da acção 2022/08....”

Desta forma, o acórdão recorrido considerou como confissão extrajudicial as declarações constantes do articulado réplica no âmbito do referido processo n.º 2022/08..., que opôs as partes também aqui confronto, relativamente à factualidade em reapreciação nos factos provados 3. e 4.
Depois, entendeu tratar-se de confissão extrajudicial com força probatória plena, nos termos dos arts. 355º, 1 a 3, 356º, 1, e 358º, 2, do CCiv., uma vez que se corporizou em documento apresentado à parte contrária, no âmbito de processo judicial e através de mandatário.
Na verdade.
Essas declarações constantes de articulado em processo judicial diverso devem considerar-se como confissão extrajudicial (e, portanto, “meio de prova preconstituída”[1]), por exclusão de partes oferecida pelos arts. 355º, 3 e 4, do CCiv.[2] e tendo em conta o art. 356º, 1, do CCiv. (confissão espontânea produzida em articulado, «segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer ato do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado»).
Quanto à sua força probatória, julgamos que, não obstante a natureza controvertida da questão, é de corroborar a natureza de prova vinculada da confissão extrajudicial produzida em articulado processual, desde que haja identidade das partes que litigaram e intervieram efectivamente nos processos em causa.
Com efeito, o âmbito de aplicação do art. 421º, 1, do CPC (em sede normativa do «valor extraprocessual das provas»), na medida em que ressalva («sem prejuízo») o art. 355º, 3, do CCiv. («A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo (…).»), faz incluir a extensão extraprocessual da confissão feita em articulado de processo judicial diverso uma vez salvaguardada a clarificação “a contrario sensu” de que a confissão feita fora do processo em que é feita só pode valer como extrajudicial (confirmada depois em geral pelo art. 355º, 4) – isto é, sem prejuízo (afirma esse art. 421º, 1) de se atender à confissão feita em outro processo como extrajudicial.
Em conformidade sistemática e racional, essa articulação do art. 421º, 1, com o art. 355º, 3, do CCiv. faz, por fim, aplicar o art. 358º, 2, 2ª parte, do CCiv. («A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou quem a represente, tem força probatória plena.»), em ligação com os arts. 356º, 1, do CCiv. e 46º do CPC («As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificamente.») – o que implica, desta feita, a identidade das partes nos processos e a intervenção efectiva da parte contrária ao declarante-confitente.

Convicção forte neste sentido é fornecida seguindo JOSÉ LEBRE DE FREITAS:

“(…) ao determinar que a ‘confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo’, a lei civil [art. 355º, 3, CCiv.] veio terminar com o velho problema de saber se a confissão judicial se mantinha como tal quando invocada fora do processo em que era produzida (…); para que a confissão conserve, no segundo processo, a eficácia de força probatória plena, é exigido o requisito da confissão extrajudicial consistente em ter sido dirigida à parte contrária (art. 358-2 CC), o que postula a identidade de partes nos dois processos (dum lado como autor ou réu, como confitente e, dou outro lado da relação jurídica processual, a sua contraparte na relação jurídica material a que a confissão se reporte) e a efetiva intervenção da contraparte do confitente no primeiro processo; sendo a mesma a força probatória da confissão judicial feita em articulado, em prestação de informações e esclarecimentos ou em depoimento de parte, desde que escrita ou reduzida a escrito (arts. 358-1 e 463-1), o art. 355-3 CC condiciona a produção da eficácia de força probatória plena da confissão judicial aos requisitos da confissão extrajudicial, que, uma vez verificados, lhe asseguram, sem mais, essa força (art. 358-2 CC), sem sujeição, por a prova por confissão se fazer contra o próprio autor da declaração que constitui o ato de produção da prova, ao requisito da produção de contraditoriedade exigido pelo art. 421 (…).”[3].

Assim sendo, também a alteração do facto provado 10. não merece censura quando o acórdão recorrido faz prevalecer a confissão retirada da réplica apresentada em processo judicial diverso com identidade de partes sobre a prova testemunhal produzida sobre a matéria – art. 393º, 2, CCiv..

Nem merece reversão essa alteração à luz da indivisibilidade da confissão imposta pelo art. 360º do CCiv., uma vez que este princípio legal não é de observar (por restrição) no plano da confissão espontânea em articulado, seja ela judicial, nos termos do art. 355º, 2 e 3, do CPC, ou extrajudicial, feita em juízo mas em processo diferente, de acordo com o art. 355º, 3 (a contrario sensu) e 4, do CPC – não vemos como distinguir para este efeito, tendo em conta ambas as confissões serem produzidas em juízo e a respectiva equiparação probatória feita nos termos dos arts. 358º, 1 e 2, 2ª parte, do CCiv.[4].
Na verdade, o regime processual pertinente aponta para que “o tratamento individualizado que tem cada facto” constante do articulado não se coaduna com a regra geral aplicável a uma declaração complexa que contém a afirmação de factos desfavoráveis ao declarante e também de factos que lhe são favoráveis e, como tal, devesse ser aproveitada e aceite no seu todo na medida em que estejam entre si em relação: com efeito, seguindo uma vez mais JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “a exposição dos factos é feita em artigos separados (147-2); têm-se por admitidos os factos não impugnados (arts. 574-2 e 587-1); há que fazer separadamente a defesa por exceção (art. 572-c)”[5]; v. ainda os arts. 552º, 1, d), 583º, 1, e 590º, 4, do CPC.
Seja como for, não se vislumbra que as declarações constantes dos itens da Réplica apresentada no outro processo concluído entre as partes, vistas na sua globalidade de factos e circunstâncias, ou mais em particular vistas tendo em atenção os itens 228º, 231º e 232º (v. Conclusões 42. a 45.), possam infirmar o âmago probatório unitário sobre a declaração confessória relativa à natureza, origem e aplicação dos “descontos recebidos pela ré” (simpliciter, “razão de ser de créditos lançados na conta-corrente das autoras na ré”, como resume o acórdão recorrido, e forma de utilização do crédito atribuído em conta-corrente).

Sobre o ponto, mesmo aplicando o art. 360º do CCiv. à confissão extrajudicial em articulado, o ac. recorrido foi claro e sempre seria de sufragar (sublinhado nosso):

“(…) da transcrição feita acima dos artigos da réplica da ré na acção 2022/08..., resulta que a ré dizia que os créditos eram lançados na conta corrente das autoras e seriam descontados nos pagamentos seguintes que estas teriam que realizar à ré, em virtude da compra de produtos próprios, isto é, nas facturas que as autoras tinham de pagar à ré respeitantes à aquisição, pelas autoras, de produto próprio da ré, e também brindes, artigos de publicidade, folhetos e outros artigos pontualmente fornecidos pela ré às autoras no âmbito da sua relação comercial; pelo que, caso as autoras tivessem cumprido com a taxa de fidelização contratualmente estipulada, adquirindo à ré a quantidade de produtos próprios desta que deveriam ter adquirido nos termos dos contratos celebrados, o montante de facturas seria superior ao constante dos documentos juntos, inexistindo saldo a favor das autoras.
Tudo isto que é narrado ao mesmo tempo que o resto pelos mandatários da ré, são factos e circunstâncias que acompanham uma declaração confessória, pelo que se tiver sido aceite pelas autoras, deve fazer com a confissão um conjunto de factos que está provado com força probatória plena, por força do princípio da indivisibilidade da confissão (art. 360 do CC).
Ora, as autoras ao proporem esta acção com base na confissão da ré na acção 2022/08..., sem dizerem nada contra os outros factos e circunstâncias que acompanhavam aquela declaração confessória, naturalmente que estavam a aceitar tudo isso e não só a declaração confessória. O que aliás é notório quando, ao serem convidadas a aperfeiçoar a petição, alegaram, no essencial, também o que consta daquela narração, queixando-se, na lógica dela, de que tal representava uma estratégia da ré com o propósito específico de as pressionar para que comprassem mais produto próprio (…).
Assim há, de facto, uma narração completa da ré sobre os créditos em causa, que abrange, com mais desenvolvimento, a matéria que está decidida no ponto 10 dos factos provados, pelo que o que agora importa é saber se essas versões são diferentes e, sendo-o, qual delas deve prevalecer.
Ora, a concessão de um crédito é uma coisa muito diferente do lançamento de notas de crédito numa conta corrente. Um crédito calculado em função do valor das compras feitas pelas autoras não é uma concessão de créditos. Lançar notas de crédito por compras já feitas, não é conceder crédito para compras futuras. E nada tem de ilógico lançar notas de crédito por compras já efectuadas, com base em descontos calculados em função dessas compras. Se B compra 100 a C e essa compra tem um desconto de 10% que é dirigido a A, nada tem de ilógico – pelo contrário - que A lance o valor corresponde a esse desconto de 10% como crédito de B. É que B, por aquela compra, só devia ter pago 90. Se pagou 100, tem direito a que lhe sejam entregues os 10 correspondentes ao desconto de 10%. E nada disto tem a ver com pagar “a quem tem de lhe pagar” ou pagar “a quem consigo já não tem vínculo contratual de franquia.”
A extensa narração dos factos, feita na réplica da ré na acção 2022/08..., não deixa dúvidas de que ela falava de lançamento de notas de crédito por conta de descontos calculados em função do valor das compras já feitas pelas autoras e não de uma concessão de crédito (e quando se fala numa concessão de crédito está-se a imaginar um mútuo ou um contrato de abertura de crédito), que é do que fala – mal – o ponto 10 dos factos provados. É certo que o facto sob 10 teria de ser interpretado no contexto dos restantes factos, pelo que o crédito em causa só poderia ser o que constava dos pontos 3 e 4 dos factos provados e aí já era notório que se tratava de créditos lançados a favor das autoras, calculados em função de compras já efectuada, e não de uma concessão de crédito. Mas isso não é razão suficiente para se manter o facto tal como foi dado como provado na sentença recorrida.
Quanto ao facto de o crédito “concedido” apenas poder ser utilizado na compra de produto próprio da ré e ter por pressuposto a manutenção dos contratos de franquia, o que era do conhecimento das autoras, embora não seja contraditório com o que a ré dizia na réplica, é também muito diferente.”;

concluindo-se:

“Ora, tendo em conta o disposto no art. 393/2 do CC [: (…) não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena], a prova produzida por uma testemunha não deve prevalecer sobre a prova resultante da confissão com força probatória plena.
Pelo que, o que deve constar do facto 10 não é o que foi decidido, mas sim o que resulta da réplica já invocada.”

Nestes termos, improcedem as Conclusões aludidas que respeitam a esta questão.

3.3. Alteração da matéria de facto e violação do princípio do dispositivo

Dissecadas as Conclusões 47. a 58., vem a Ré e Recorrente invocar que o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo, na vertente do limite do pedido, considerando o art. 609º, 1, do CPC («A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.»), uma vez que: (i) aditou aos arts. 3. e 4. dos factos provados matéria essencial dos descontos que eram atribuídos pelos fornecedores – o que não corresponde a nenhum dos artigos da petição inicial ou da petição inicial aperfeiçoada; (ii) no que toca ao art. 10. dos factos provados, as Autoras pediram apenas que fosse dado como não provado (conclusão 21. do recurso de apelação), mas o acórdão recorrido fixou um novo teor para este artigo com base no depoimento da testemunha PP em vez de manter o teor resultante da sentença de 1.ª instância.

A propósito da nulidade que a Ré Recorrente imputou a esta violação, a Relação teve oportunidade de responder a estes alegados vícios:

(Quanto aos factos provados 3. e 4.)
“No relatório do acórdão, este TRL sintetizou assim a petição inicial: a]egaram para tanto, em síntese, que correu termos no Tribunal de ... o processo 2022/08...., onde foi proferida sentença transitada em julgado; nesse processo resultou provado entre o mais que (71) entre a Grandvision (antes MultiOpticas Unipessoal, Lda, depois Pearle Portugal Unipessoal, Lda) e a J.A. Santos existia um saldo de contas correntes, a favor desta, de pelo menos, 58.402,65€ relativo a rappel e (72) entre a Grandvision e a Centro um saldo a favor desta, de 28.767,37€, também de rappel, valores estes que constam registados nos balanços de cada uma das autoras (docs. 2 a 4). […]
E mais à frente, sintetiza-se assim a nova petição inicial, na parte que importa: as autoras e a ré no âmbito da sua actividade comercial estabeleceram entre si relações comerciais, que se consubstanciaram em contratos de franquia, nos termos dos quais as autoras eram franquiadas e a ré a franqueadora; no âmbito dos referidos contratos, era devido às autoras o rappel, o que resultou de acordo entre autoras e ré, e bem assim da pratica reiterada – pese embora não estivesse especificamente regulado pelos contratos de franquia, era essa a prática contratual que vigorava entre as partes - e da ré que sempre aceitou e concordou pagar às autoras o referido rappel; até Dez2005, o rappel – desconto atribuído pelos fornecedores em função das encomendas feitas pelos franquiados – era pago directamente e em partes iguais aos franquiados e à ré; a partir de Dez2005 [mais à frente dizem que foi em 2006], passou, por exclusiva decisão da ré, a ser pago à ré; decidiu, assim, a ré, que seria ela própria quem, posteriormente, e sob nota de crédito — independentemente de as autoras terem ou não dívidas para consigo - lhes entregava a parte de rappel que lhes pertencia [mais à frente dizem que o rappel, se não houvesse nenhuma quantia por liquidar/dívida era pago sob a forma de cheque]; tal representava uma estratégia da ré com o propósito específico de pressionar as autoras para que comprassem mais produto próprio; as autoras tiveram sempre um crédito a seu favor, cuja correlativa divida respeita, exactamente, às notas de crédito emitidas e enviadas pela ré e está provada e reconhecida na sentença já junta aos autos; o rappel, pertencente às autoras, foi apropriado pela ré em proveito próprio, existindo um enriquecimento sem causa por parte da ré.
A ré discutiu amplamente esta questão na contestação e no articulado de resposta à nova petição inicial, sendo que com a contestação a própria ré juntou, como doc.22, a réplica por ela deduzida numa outra acção, em que discutia toda essa matéria, e para a qual vai, na contestação, fazendo constantes remissões, para além de a ir reproduzindo.
Sendo que as autoras na resposta de 25/06/2018 às excepções deduzidas pela ré, também fazem referências à matéria dos artigos daquela réplica, reproduzindo-os.
E basta ler as transcrições, feitas no acórdão, dos artigos da réplica da ré (entre muitos outros e apenas por exemplo os artigos 99 e 101), para se concluir que não tem qualquer razão de ser a distinção que a ré pretendeu fazer entre rappel e os descontos em causa. E descontos feitos de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras.
Assim, vê-se que a acção versa o direito das autoras ao saldo de contas correntes onde eram lançados, pela ré, créditos das autoras sobre a ré (que diziam respeito a descontos atribuídos pelos fornecedores em função das encomendas feitas pelos franquiados).
A expressão utilizada pelo acórdão do TRL, nos pontos 3 e 4 dos factos provados, é retirada expressamente da posição assumida pela própria ré quanto a tais descontos, na réplica junta por ela própria (doc.22) à contestação, mas vê-se que não representa nada de substancialmente novo face ao já alegado pelas autoras.
Do que antecede resulta que a origem de tais créditos era um facto simplesmente instrumental que interessava à prova dos factos essenciais do lançamento dos créditos nas contas correntes e do reconhecimento da dívida que essas contas correntes representam.
Como facto instrumental, resultante da prova produzida, tinha que ser considerado pelo juiz, mesmo que as autoras não o tivessem alegado (art. 5/2-a do CPC). Mesmo que fosse considerado essencial (complementar ou concretizador) e não tivesse sido alegado, ainda assim, tendo resultado da prova produzida e tendo-se as partes amplamente pronunciado sobre ele, teria de ser tido em conta pelo juiz (art. 5/2-b do CPC).
Mas a verdade é que as autoras o alegaram, pelo que, mesmo que fosse considerado essencial (principal) poderia ser considerado (art. 5/1 do CPC).”;

(Quanto ao facto provado 10.)
“i/ O tribunal de recurso não está limitado à alternativa de manter o ponto de facto impugnado ou dá-lo como não provado. O que o tribunal de recurso tem de fazer, face à impugnação de um ponto provado, é decidir se a alegação de facto está totalmente provada, parcialmente provada ou provada de forma diferente ou não está provada.
ii/ E ao fazê-lo obviamente que poderá alterar substancialmente o que foi decidido pelo tribunal da primeira instância.
iii/ O ponto 10 não resultou, como a ré reconhece logo a seguir, do depoimento da testemunha PP. O acórdão diz expressamente que o que deve constar do facto 10 não é o que foi decidido (com base no depoimento da testemunha PP), mas sim o que resulta da réplica (da própria ré) já invocada.
iv/ Não tem sentido criticar o acórdão (…) por não manter o decidido na 1.ª instância, que, segundo a ré “está inteiramente em linha com as alegações feitas nos artigos 221 a 223 e 228 da réplica do processo 2022/08... (sem nunca conceder)”, quando, afinal, o acórdão dá como provado, por força do princípio da indivisibilidade da confissão, o que a ré dizia na réplica (artigos 221 a 223 e 228), que é precisamente o que a ré diz, noutra parte do recurso, que devia ter sido dado como provado com base no princípio da indivisibilidade da confissão.”.

Assim, uma vez mais, não vemos como deixar de corroborar e remeter para estes fundamentos, nos termos dos arts. 663º, 5, 2ª parte, e 679º do CPC, fazendo improceder as Conclusões sob escrutínio, em especial tendo em conta a articulação dos arts. 5º, 1 e 2, com o art. 607º, 4 («compatibilizando toda a matéria de facto adquirida»), do CPC.

3.4. Ofensa de caso julgado

Nas Conclusões 59. a 63., a Recorrente alega que o acórdão recorrido violou a sentença proferida no proc. n.º 2022/08... ao considerar errada a qualificação da subsidiariedade do pedido reconvencional, violando assim o princípio do caso julgado ou, no limite, a autoridade do caso julgado que existe sobre a qualificação da subsidiariedade da reconvenção.

A questão do caso julgado foi já anteriormente decidida pelas instâncias:

— na primeira instância, em sede de despacho saneador, foi decidido não existir qualquer autoridade de caso julgado do decidido nesse processo n.º 2200/08…, na medida em que:

“A causa de pedir e o pedido de tal acção são diferentes relativamente aos que sustentam a presente acção. Em tal acção a aqui Ré, ali Autora, pediu a condenação das Rés, aqui Autoras, ao pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes devido ao incumprimento dos contratos de franquia por terem cessado a exploração dos estabelecimentos da marca ‘MultiOpticas’. Em tal ação as aqui Autoras, ali Rés, deduziram, subsidiariamente, pedidos reconvencionais, os quais não chegaram a ser objecto de apreciação e decisão”;
porque se desconhece concretamente qual a relação comercial, ou outra, que esteve na origem do peticionado pela autora naquela acção e, por conseguinte, se é coincidente com o peticionado na presente acção”;
 
— na segunda instância, decidiu-se no mesmo sentido, ainda que a apelação fosse das Autoras, vencidas, agora e aqui Recorridas, e visando nessa parcela a prevalência, como autoridade de caso julgado, dos factos provados 71. e 72., uma vez que:

Grosso modo, a autoridade do caso julgado é a invocação de uma decisão judicial proferida numa acção, já transitada em julgado, para decidir uma parte de uma outra acção.
Pressuposto lógico indispensável da autoridade do caso julgado é que o caso julgado exista. Isto é, que tenha havido uma decisão sobre a relação material controvertida (art. 619/1 do CPC) cuja autoridade possa ser invocada.
Ora, na acção 2022/08..., como resulta dos factos 11 a 14, nada se decidiu sobre a relação material controvertida, isto é, sobre os invocados créditos das autoras sobre a ré, porque aí se entendeu (…) que as então rés apenas tinham formulado um pedido reconvencional subsidiário, isto é, para o caso da procedência da acção e, como esta improcedeu, entendeu-se que a reconvenção não tinha de ser apreciada.
Assim sendo, não há qualquer caso julgado sobre os alegados créditos das autoras sobre a ré, cuja autoridade possa ser invocada nestes autos.
As autoras dizem o contrário porque implicitamente considera[m] que a decisão da matéria de facto – isto é, a decisão sobre se as alegações de facto feitas pelas partes nos articulados estão provadas ou não –, é uma decisão que pode transitar em julgado, mas sem razão, porque ela não é uma decisão sobre a relação material controvertida. Pondo as coisas noutros termos, mas com o mesmo resultado, a ré invoca uma série de acórdãos que esclarecem que o caso julgado nunca se estende aos factos dados como provados (…).
Questão diferente é a de saber qual o valor, numa acção, daquilo que, numa outra acção, levou a considerar aí como provados certos factos. Mas esta questão – que em parte é a do valor extra processual das provas (art. 421 do CPC) – será apreciada na impugnação da decisão da matéria de facto que se passa a fazer.”

A Recorrente veio agora perspectivar a violação da autoridade de caso julgado (em sede recursiva: art. 629º, 2, a), CPC) na consideração pelo acórdão recorrido sobre a qualificação como subsidiária do pedido reconvencional feito pela Autora nessa acção – aqui Ré e Recorrente – em sentido contrário ao apreciado nessa acção anterior, com a pretensão de tal argumentação ser impeditiva ao julgamento do que já teria sido decidido quanto a esse pedido reconvencional nesse processo anterior em que as mesmas partes litigaram.

Em particular, está em causa o excerto pertinente do acórdão recorrido:

“Ainda um outro argumento da ré é que as autoras teriam reconhecido que os créditos em causa só seriam devidos nos termos indicados pela ré, isto é, no caso de as autoras serem condenadas a pagar uma indemnização à ré pelo interesse contratual positivo, pois que as autoras teriam formulado o pedido da condenação da ré a pagar-lhes os mesmos apenas para o caso da procedência da acção.
Ora, como resulta do teor da contestação deduzida, designadamente dos artigos 437 e seguintes, e da transcrição do pedido formulado pelas então rés naquela acção 2022/08..., o pedido em causa não foi formulado subsidiariamente, sendo manifestamente errada a conclusão contrária que é, no entanto, extensa e repetidamente invocada pela ré.
O que as autoras diziam, na parte final da contestação daquela acção, é que “deveria ser julgada procedente a excepção peremptória de resolução dos contratos de franquia, pelas autoras e as mesmas absolvidas do pedido, ou “caso assim não se entendesse, […] devia “a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, serem absolvidas do pedido” […] e ainda ser julgado totalmente procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido […]”. Ou seja, a subsidiariedade era em relação à improcedência da acção pela excepção de resolução: se a acção não fosse julgada improcedente por excepção de resolução então devia sê-lo pela falta de prova dos fundamentos da mesma e a ré condenada no pedido reconvencional formulado pelas autoras. Isto é, a acção devia ser julgada improcedente, por uma ou por outra razão, e a ré condenada no pedido reconvencional. Não há aqui a mais pequena sombra de subsidiariedade do pedido reconvencional. Nem, por isso, qualquer reconhecimento implícito, das autoras, em que só teriam direito ao pagamento dos créditos caso viessem a ser condenadas no pagamento da indemnização.
E não interessa que na acção 2022/08... se tenha tido outro entendimento, porque como o pedido reconvencional não foi objecto de decisão, não se formou nenhum caso julgado que possa ser invocado contra novo pedido idêntico.” (Sublinhado nosso.)”

Pois bem.

Impõe o art. 628º do CPC que «a decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».
A imutabilidade da decisão por tal força de caso julgado (consolidada depois da insusceptibilidade de impugnação recursiva ou revisão processual) tem como consequência a estabilidade da decisão: “uma continuidade na emissão dos respetivos efeitos jurídicos”, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art. 620º CPC) ou fora dele, em face de outros tribunais (art. 619º CPC). Por outro lado, a decisão transitada passa a dispor de «força obrigatória dentro do processo» (art. 620.º, 1, sem prejuízo dos despachos do artigo 630.º salvaguardados no n.º 2) – caso julgado formal – e dentro e fora dele, quando se julge o mérito ou fundo da causa – caso julgado material (art. 619º, 1, CPC).[6]
A força obrigatória do caso julgado traduz-se em efeito negativo e efeito positivo.
O primeiro reflecte-se na proibição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão naquele objecto processual (excepção dilatória de caso julgado: arts. 577º, i), 2.ª parte, 580º, 581.º) O segundo (a que corresponde latamente o efeito de “autoridade de caso julgado”) privilegia a prevalência do sentido exposto na primeira decisão em face de decisões sobre objectos processuais conexos entre si sob o ponto de vista material. Nas decisões que têm por objecto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material.
Na verdade, a figura do caso julgado impede que uma decisão posterior contrarie uma decisão já transitada em julgado, quando exista sobreposição do objecto decisório e as duas decisões apreciem o mesmo problema essencial, mesmo quando algum dos três requisitos do art. 581º do CPC não seja integralmente coincidente ou não se verifiquem em cumulação. Aqui, a autoridade de caso julgado, enquanto efeito e incidência do caso julgado material, visa garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão judicial transitada, na circunstância de se verificar diversidade entre objectos processuais e funcionar o objecto processual anterior como condição prejudicial dependente para a apreciação do objecto processual posterior (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto).
Por outro lado, postula ainda esta perspectiva – como agora se enfatiza – o efeito positivo (e normativo) do caso julgado: a decisão revestida de autoridade, associada à sua imposição externa, é, em função da “consumpção prejudicial” ou de “concurso material” entre os objectos processuais, um pressuposto ou uma premissa da causa subsequente, de tal forma que é um antecedente na apreciação da nova causa no sentido da prevalência do sentido decisório da primeira decisão, conduzindo, por isso, à inadmissibilidade da acção subsequente, actuando na sindicação da decisão de mérito da causa (respeitando, em particular, à causa de pedir ou a uma excepção peremptória).[7] Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º, 2, CPC: identidade dos sujeitos abrangidos)[8].
Assim, esta autoridade contende, em rigor, com a produção de efeitos resultantes de um caso julgado positivo anterior, que se espoletam em nome da segurança e certeza jurídicas e se actuam através da preclusão de novas acções entre os mesmos sujeitos, sempre que o pedido seja o mesmo em ambas e estejam numa relação de concurso de causas de pedir, faltando em consequência ao autor vencedor interesse processual para posteriormente intentar nova acção por outro fundamento: a tal se opõe a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade[9].
Assim sendo, não procede o interesse da Recorrente em invocar algo relativo ao pedido reconvencional naquela outra acção em que foi Autora, uma vez que, independente do percurso então seguido entre pedidos principais e pedido reconvencional, não houve qualquer decisão sobre a relação material associada a esse pedido reconvencional (brevitatis causa, os invocados créditos das Reconvintes, aqui Autoras, sobre a Autora, aqui Ré – v. factos provados 11. a 14.[10]) e que, por isso, fizesse parte do objecto do processo definido e julgado; não o tendo sido, não há objecto prejudicial à decisão sobre tal questão nestes autos.

Razão, sumária e linear, pela qual não podem merecer acolhimento as referidas Conclusões 59. a 63.

3.5. Resolução contratual e liquidação pós-contratual da relação entre as partes

3.5.1. Prosseguindo no seu intento recursivo, a Ré e Recorrente veio contestar a decisão de mérito sobre o fundo da causa a que chegou a Relação:
“(…) conclui-se então que as autoras têm o direito a receberem, da ré, o saldo das contas correntes existente a seu favor no fim da relação.”

Alega, agora e por fim, que é indissociável a relação entre os saldos/créditos das contas-correntes e os contratos de franquia celebrados, de modo que a resolução desses contratos – por iniciativa das Autoras – implica a libertação da parte cumpridora de uma obrigação de pagamento desses saldos, que não reconhece, por violação dos arts. 434º e 801º, 2, do CCiv.

Ponto prévio é entender que, independentemente da falta de fundamento para a resolução (v. factos provados 5. e 6. e aplicação analógica do art. 30º do DL 178/86, de 3 de Julho (regime jurídico do contrato de agência)), o contrato sempre se extingue, sem prejuízo da obrigação de indemnização (por conversão em denúncia sem observância do pré-aviso exigível ou, para os contratos de duração determinada, por incumprimento definitivo em face da declaração resolutiva sem “justa causa”)[11] – fundamento esse e indemnização essa que foram discutidos e apreciados no já abundantemente citado processo n.º 2020/08… (cfr. uma vez mais os factos provados 11. a 14.).
Depois, atender a que os contratos de franquia celebrados eram de duração determinada e sujeitos a um termo final de caducidade – v. factos provados 7. e 8.  
Ainda ter em conta que, mesmo que seja de duração definida mas com prazo dilatado para a integral execução e satisfação do interesse dos contratantes, os contratos de distribuição são, por regra determinada pela relação de estabilidade entre as partes, negócios de execução continuada e periódica, inerente à natureza duradoura e cooperativa  das obrigações recíprocas das partes[12].           
             
Assim sendo.

A resolução nos contratos de execução continuada ou periódica não goza, em princípio, de eficácia retroactiva, produzindo apenas efeitos ex tunc (art. 434º, 1, in fine, e 2, CCiv.): “é o que usualmente corresponde à vontade do declarante – que, nesse tipo de negócio, não se dirige propriamente à destruição do vínculo contratual com o intuito de repor a situação anterior à sua celebração, como se ele nunca tivesse existido, visando antes dissolvê-lo a partir do momento em que a resolução é proferida e deixando incólume o passado – e à particular estrutura temporal das obrigações duradouras – na medida em que, nelas, ao decurso do tempo corresponde a satisfação efectiva dos interesses (maxime, económicos) das partes, pelo que a destruição retroactiva dos efeitos já produzidos, ou se revela impraticável (quod factum est, infectum fieri nequit), ou constitui uma operação totalmente inútil e sem qualquer vantagem para os envolvidos”; o n.º 2 do art. 434º salvaguarda justamente para esses contratos a manutenção (apenas) das prestações já efectuadas no momento da resolução – de modo que a parte da relação contratual já executada ficará consolidada e insusceptível de ser removida ou restituída (correspondente a um efeito liberatório dos deveres primários de prestação para futuro)[13].
Em geral, no entanto, essa retroactividade – como efeito-regra decorrente da 1ª parte do art. 434º, 1, do CCiv. – não se pode invocar quando contraria a vontade das partes ou a finalidade da resolução.
À luz deste quadro legal, em rigor, não estamos perante a restituição pela Ré – como franquiadora – às Autoras – como franquiadas –, em sede de efeitos oriundos da resolução contratual, dos montantes correspondentes às notas de crédito lançadas nas contas-correntes a seu favor, “correspondentes aos descontos feitos pelos fornecedores de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras”, nos valores correspondentes ao saldo favorável às Autoras no momento da extinção da relação contratual (cfr. factos provados 3. e 4). Na verdade, esses montantes não correspondiam a prestações efectuadas, à data, que pudessem ser de manter ou de devolver em função da resolução contratual e da excepção à retroactividade-regra (ainda que limitada) da resolução.
Antes, julgamos que se deve discutir o dever de pagamento pós-contratual desses montantes como contrapartida de um direito de crédito de que eram titulares as Autoras durante a vigência do contrato de franquia, direito esse que se iria concretizar sob a forma de desconto nos pagamentos seguintes à Ré franquiadora pela compra de produtos próprios e outros (facto provado 10.), se os contratos de franquia se mantivessem a produzir efeitos.

Aqui chegados.

3.5.2. No âmbito das pretensões pecuniárias derivadas de um contrato de distribuição extinto, incluem-se legitimamente, de acordo com a doutrina, “os «bónus», «prémios» e «descontos» relacionados com os volumes e objectivos de vendas anteriormente alcançados, ou mesmo com operações comerciais que só venham a esgotar os seus efeitos em momento posterior à cessação dos vínculos de distribuição”[14].
Aqui devemos encontrar a sede da pretensão das Autoras – direito de crédito correspondente a “descontos feitos pelos fornecedores de acordo com o valor das compras feitas pelas autoras” (factos provados 3. e 4.), a aferir no âmbito de direitos e deveres das partes subsistentes após a extinção do vínculo contratual (“liquidação da relação”) em contrato de distribuição[15].
Será possível negá-lo, como pretende a Ré?
Apenas se – usando, aliás e em parte, um mesmo critério que nos é oferecido pelo art. 434º, 1, do CCiv. para excepcionar a retroactividade resolutiva – a satisfação dessa pretensão creditícia for contra o acordo/vontade das partes – como é sustentado por FERNANDO FERREIRA PINTO[16].

3.5.3. Ora, quanto a essa vontade das partes, não se demonstrou nos autos que houvesse acordo sobre o destino desse saldo de conta-corrente aquando da extinção do contrato de franquia – como salienta o ac. recorrido: (i) seja no clausulado dos contratos de franquia celebrados, como decorre da análise da cláusula 24.ª dos contratos considerados[17], reguladora das “obrigações pós contratuais” e sobre tal matéria omissa, bem como da análise das cláusulas 20.ª e 19.ª dos dois contratos primeiramente celebrados com a 2.ª Autora (“Dos efeitos da extinção dos contratos”); (ii) seja em acordo firmado na vigência do contrato, antes ou depois da resolução.
Estamos, destarte, perante uma lacuna de regulação das partes nos contratos – julgamos que este ponto, visto à luz daquelas cláusulas de obrigações impostas no período ulterior à extinção dos contratos e da prática que as partes iriam traduzir nos saldos provenientes dos descontos de “rappel”, corresponde a um aspecto que, de acordo com o padrão negocial da franquia e as finalidades recíprocas dos contratos celebrados, deveria ter sido disciplinado e não foi.
Como fazer?
             
A aplicação analógica do regime do contrato de agência não consegue suprir a lacuna, pois não dispomos de norma supletiva que sirva para o efeito num contrato atípico de distribuição como é o contrato de franquia.
Encontramo-nos, por isso, reservados para a necessidade de integração da declaração negocial, regida pelos critérios do art. 239º do CCiv.[18]: «Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.
Remete-se, assim, em primeira linha, para a chamada vontade hipotética ou conjectural das partes: o sentido do ponto omisso deve ser encontrado de acordo com “o  modo como elas o teriam regulado se o ponto não tivesse ficado estranho às suas previsões”, seguindo o juiz “as indicações concretas de que disponha acerca do que provavelmente as partes teriam querido” ou, “quando por aí seja conduzido a um resultado pouco equitativo (…), decidir antes pelo que as partes deveriam ter querido[19], considerando “as circunstâncias que dão ao contrato concretamente celebrado a sua individualidade”[20].
O que mais importa é delimitar a integração no círculo da regulamentação concretamente estipulada, em função do que “um contraente honesto e razoável há-de admitir como exigido pelo contrato”[21].

*

Sendo esse o critério legal para a tarefa hermenêutica (em sentido amplo), julgamos que é decisivo apreender a causa desse direito de crédito e a sua operatividade no decurso da vigência dos contratos celebrados pelas Autoras com a Ré, de acordo com os factos considerados como provados pela Relação, sob 3-4. e 10.:
(i) os montantes em crédito correspondiam à contabilização dos descontos feitos pelos “fornecedores homologados” (indicados pela franquiadora) – cláusula 8.º, 2., e 16.º, g), dos contratos considerados; nos dois contratos primeiramente celebrados com a 2.ª Autora aparece a distinção entre fornecedores “preferentes” e “não preferentes” – de acordo com o valor das encomendas e compras feitas pelas Autoras enquanto franquiadas da Ré franquiadora;
(ii) esses montantes eram lançados pela Ré franquiadora em conta-corrente através de “notas de crédito” a favor das Autoras franquiadas, tendo em conta a informação prévia sobre a quantidade dessas compras e a identidade dos fornecedores – para este dever de informação (mensal), v. cláusula 17.ª, s), dos contratos considerados, assim como a cláusula 13.ª , 4., dos dois primeiros contratos celebrados com a 2.ª Autora;
(iii) os montantes em crédito eram “descontados” sempre que houvesse que fazer pagamentos pelas Autoras à Ré pelas compras dos seus produtos próprios e por outras aquisições, subtraindo aos valores em dívida resultantes dessas aquisições seguintes que as Autoras teriam que realizar à Ré por força dos contratos e da respectiva “taxa de fidelização”.

Nesta óptica, estes créditos estão irremediável e objectivamente conexionados com a vigência e a execução dos contratos de franquia, uma vez que eram atribuídos e reconhecidos para serem ponderados na aquisição de bens próprios à Ré franquiadora, assente em obrigação aquisitiva das franquiadas subsistente enquanto e na medida em que estavam vinculadas à Ré franquiadora por mor dos contratos de franquia de “distribuição” – em que, por assim ser, ressalta a venda pelo franquiado dos produtos comercializados pelo franquiador sob os sinais distintivos e controlo e fiscalização deste último em consequência da execução da referida obrigação, no âmbito do “contrato-quadro”, de se concluírem contratos futuros de compra e venda, entre si e com fornecedores terceiros[22] – v., no essencial, a cláusula 8.ª, 1. a 3., dos contratos considerados, em referência especial aos “produtos rotulados com as marcas propriedade da primeira contraente [franquiadora] e que se encontrem incluídos no surtido mínimo de produto a incluir na oferta daquela”. Daí ser lógico e razoável – até mesmo imposto pelos ditames da boa fé, o critério alternativo indicado pelo art. 239º do CCiv.[23] – entender que, se tivesse sido prevista e regulada a matéria dos saldos dessas contas-correntes de desconto de “rappel”, os créditos a favor das franquiadas – que só podiam ser utilizados na compra de bens próprios do franquiador –, no contexto do reconhecimento e da satisfação dos direitos de crédito de ambas as partes, estariam submetidos à condição de manutenção dos contratos de franquia.
Ou seja:
Seriam reconhecidos e satisfeitos sob a condição resolutiva de cessação do contrato de franquia (art. 270º do CCiv.), evento que, acontecendo, implicaria a extinção automática e retroactiva dos direitos de crédito constituídos durante a vigência dos contratos de franquia nessas contas-correntes, com o efeito de as partes credoras os não poderem invocar e exigir perante a outra parte após a cessação de efeitos dos contratos de franquia[24].
Ademais, não entram manifestamente esses direitos de crédito – e sua obrigação correspectiva de “desconto” nas compras – na previsão contratual da cláusula 24.ª, 3., dos contratos considerados (“Toda e qualquer obrigação das contraentes que vigore, independentemente do termo do presente contrato, continuará a produzir os seus efeitos para além do mesmo.”): (i) esta obrigação não está prevista contratualmente (cfr. em esp. cláusula 16.ª dos contratos considerados); (ii) esta obrigação – advirta-se, de subtracção de um crédito de compras nas aquisições feitas à Ré franquiadora – implica inexoravelmente a vigência dos contratos de franquia celebrados.
Por fim, note-se que são os próprios contratos de franquia que ofereciam às Autoras franquiadas a possibilidade de evitar um resultado diverso da vontade que será de imputar às partes nesta matéria, uma vez que no ponto 4. da cláusula 24.ª (dos contratos considerados) se dispõe que, “na previsão atempada da ocorrência de algum facto susceptível de produzir resolução ou termo do presente contrato, os contraentes poderão finalizar as operações em curso, exigindo a liquidação imediata de todas as quantias devidas por qualquer deles, bem como anular os pedidos em curso ou reduzir os fornecimentos”. Ora, parece que a iniciativa resolutiva das Autoras veio comprometer – quando não teria que ser assim – toda e qualquer possibilidade de activação desta cláusula, ainda durante a vigência dos contratos, no que respeita aos saldos das contas-correntes referidas.
 
Sendo essa a vontade imputada às partes por integração das declarações negociais, oposta à pretensão das Autoras, falece a sua pretensão, accionada após e sem ligação com os contratos de franquia extintos por vontade das Autoras.

Em conformidade, procedem as Conclusões 71. a 76. da Ré Recorrente, ainda que com fundamentação diversa (art. 5º, 3, CPC).

*

Fica, em consequência, prejudicado o conhecimento das restantes questões integradas pela Recorrente (Conclusões 78. a 86.) no âmbito da sua impugnação recursiva (art. 608º, 2, 1.ª parte, CPC).


III) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista da Ré, repristinando-se a sentença de 1.ª instância na decisão de absolver a Ré do peticionado pelas Autoras.

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Custas da revista a cargo das Recorridas Autoras, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 60%.



 
STJ/Lisboa, 3 de Novembro de 2021


Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo






Sumário do Relator (arts. 663º, 7, 679º, CPC).



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[1] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Artigo 355º”, Código Civil anotado, coord.: Ana Prata, volume I, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 441.
[2] V. VAZ SERRA, “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ, n.º 110, 1961, pág. 252: “(…) a confissão judicial deve ser feita durante a instância no curso da qual é invocada, pelo que a confissão feita durante uma instância precedente, embora entre as mesmas partes, é só uma confissão extrajudicial”; RITA BARBOSA DA CRUZ, “Artigo 355º”, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 833.
[3] A ação declarativa comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, nt. 56 – págs. 258-259.
[4] V., neste sentido, ainda que incisivamente para a confissão judicial, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A confissão no direito probatório, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 252-253, A ação declarativa comum… cit., pág. 317, “Artigo 360º”, Código Civil anotado cit., pág. 360 (sem distinguir entre judicial e extrajudicial).
[5] Cfr. A ação declarativa comum… cit., pág. 317.
[6] V. por todos RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar, Novembro 2018, págs. 2 e ss.
[7] V. fundamentalmente (que seguimos na terminologia dogmática) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O objecto da sentença e o caso julgado material (Estudo sobre a funcionalidade processual)”, BMJ n.º 325, 1983, págs. 159-160, 171 e ss, em esp. 171-172, 175, 178-179, ID., “Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado”, RDES, 1977, págs. 305-308, ID., “Preclusão e ‘contrário contraditório’ – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012”, CDP n.º 41, 2013, págs. 24-25, 28-29; LEBRE DE FREITAS, “Providência cautelar: desistência do pedido, repetição e caso julgado”, Estudos sobre direito civil e processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 494-496, ID., “Um polvo chamado autoridade de caso julgado”, ROA, 2019, págs.691-693, 700-702; RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 4-7, 17-19, 25 e ss (“efeito positivo externo”); FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 719 e ss. 
[8] V., com jurisprudência relevante, RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 25 e ss (em conjugação com as págs. 10-12 [“estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença (…), como, ainda, os seus transmissários ou sucessores posteriores ao trânsito em julgado.”], 20-21); LEBRE DE FREITAS, “Um polvo…”, loc. cit., pág. 700.
[9] V. RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 40 e ss.
[10] Sendo este último decisivo: “Em 15/06/2012, foi proferida sentença no referido processo decidindo-se absolver as autoras do peticionado pela ré, não se apreciando o pedido reconvencional das autoras por suscitado em termos subsidiários”.
[11] V. por todos ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contratos de distribuição comercial. Relatório, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 147 -148 e nt. 282.
[12] V. FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de distribuição. Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, págs. 103 e ss, em esp. 110-111 (o dever de promoção negocial desenvolve-se “continuadamente nos períodos de tempo dedicados ao cumprimento” e o dever de pagamento do distribuidor é periódica, “devendo ser satisfeita com a cadência predeterminada: para a agência, sendo adequada para o contrato de concessão ou de franquia, atento o relacionamento prolongado e o programa de cooperação entre os sujeitos).
[13] V. FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de distribuição… cit., págs. 421 e ss, onde se encontra a transcrição, 428.
[14] FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de distribuição… cit., págs. 465-466, sublinhado nosso.
[15] FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de distribuição… cit., págs. 425 e ss.
[16] Contratos de distribuição… cit., pág. 465.
[17] Cfr. supra, ponto 1. do Relatório.
[18] No domínio de aplicação do art. 434º, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 434º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 379.º a 873.º), Almedina, Coimbra, 2021, assinala que “a retroatividade não opera se contrariar a vontade das partes, seja ela expressa no próprio contrato, em acordo subsequente ou resultante, simplesmente, da interpretação ou da integração” (com ênfase da nossa responsabilidade).
[19] MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral da relação jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 1992 (reimp.), pág. 325.
[20] CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 455.
Sendo consensual a convocação do DL 446/85, de 25 de Outubro (regime dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais), para a regulação jurídica dos contratos de distribuição comercial, uma vez que a redacção desses contratos obedece comummente a convenções genéricas e padronizadas utilizadas pelo franquiador com os seus franquiados, veja-se o disposto pelo respectivo art. 10º: «As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.» 
[21] CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral… cit., pág. 457.
[22] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, págs. 686-687, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 452, 453-454.
[23] Por todos, acentuando as “exigências da boa fé, dada a entrega confiante que as partes podem ser levadas a realizar mutuamente” na execução do contrato de franquia (“dever de agir de boa fé – artigos 334.º e 762.º/2 do Código Civil”), v. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Do contrato de franquia («franchising»): autonomia privada versus tipicidade negocial”, ROA, 1988, Vol. I, págs. 81-82.
[24] Para solução com fundamento coincidente na questão pós-contratual da “retoma dos bens em stock” por parte do concedente ou do franquiador, v. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contratos de distribuição comercial… cit., págs. 169-170.