Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
68/03.8TVLSB.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: ASSOCIAÇÕES
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
PROVA DA RESISTÊNCIA
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 108
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – Segundo a interpretação dos artigos dos arts 175 e 180 do C.C., sem prejuízo das limitações estabelecidas no art. 176, os associados têm a faculdade de se fazer representar por outro associado nas assembleias gerais das respectivas associações.
II – Do regime da invalidade das deliberações da assembleia geral das associações prevalece, quanto à relevância dos votos ineficazes, a chamada prova da resistência, segundo a qual a deliberação em que eles foram emitidos vale se, descontados tais votos, os restantes forem suficientes para preencher a maioria legal ou estatutariamente necessária para a sua aprovação.
III – A aplicação da chamada prova da resistência tem de ser efectuada atendendo à interpretação que, na formação da maioria exigida pelo art. 175, nº2, do C.C., deve ser feita da expressão “associados presentes “.
IV- Como os associados se podem fazer representar na assembleia geral, tal expressão tem de ser entendida com o significado de “associados presentes ou devidamente representados “.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, engenheira cível, e BB, empresário, instauraram a presente acção ordinária contra a ré Associação CC, com sede em Lisboa, pedindo, na qualidade de seus associados, a anulação das deliberações da assembleia geral da ré realizada em 4 de Julho de 2002.
Fundamenta, tal pedido, em resumo, nos seguintes factos:
As deliberações tomadas na Assembleia Geral da Associação CC realizada em 04-07-2002, são anuláveis, por serem contrárias à lei e aos estatutos:
- porque não existia mesa da Assembleia Geral validamente constituída, por força da demissão, dias antes, de todos os corpos sociais, pelo que devia a assembleia nomear para o acto um presidente da mesa substituto;
- porque foram aceites procurações que não respeitaram o modelo estabelecido;
- porque foram consideradas duas centenas de procurações passadas a favor de um único associado, com a faculdade de substabelecimento, em violação de regra estatutária (art.° 23°) que proíbe que um sócio represente mais de cinco sócios;
- porque a Assembleia decorreu com perturbações, tendo vários associados sido impedidos de intervir;
- porque o Relatório, Balanço e Contas e Parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2001 não foram aprovados, ao contrário do que consta da acta da mesma Assembleia Geral, porquanto não houve conhecimento por parte de todos os associados que a votação estava a decorrer, e por isso não votaram, em ambiente de burburinho e discussão, além de que não houve contagem, numérica, de votos.
A ré contestou, dizendo que a Mesa da Assembleia Geral não se havia ainda demitido, sendo tão somente demissionária, face à renúncia do Presidente da Direcção, sendo por isso a mesma regular e válida.
São igualmente válidos os substabelecimentos emitidos, por não haver proibição estatutária que o impeça e, por isso, não há qualquer violação do art.° 23° dos Estatutos da CC.
Só os sócios que se desviaram da ordem de trabalhos foram impedidos de continuar a falar.
O sistema de votação "por sentados" e "em pé" sempre foi usado na CC.
Durante o processo, foi interposto pela ré um recurso de agravo do despacho que na sessão da audiência de julgamento de 13-4-05 indeferiu a junção e audição de uma cassete reportada à gravação da assembleia geral de 4-7-02.
Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, anulou as deliberações tomadas na Assembleia Geral da ré realizada em 04-07-2002.
Inconformada, apelou a ré.
A fls 871 foi ordenado o desentranhamento, por extemporâneas, das contra-alegações à apelação, apresentadas pelos autores, decisão que motivou um recurso de agravo por parte destes.
Por Acórdão de 12-7-07 (fls 1056 e segs), a Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao agravo da ré, julgar improcedente a apelação e não conhecer do agravo dos autores.
A ré arguiu a nulidade deste aresto, com base na oposição entre os fundamentos e a decisão, e, simultaneamente, requereu a respectiva reforma, nos termos do art. 669, n°2, al. b) do C.P.C.
Por Acórdão de 12-2-08, a Relação de Lisboa desatendeu a nulidade arguida, mas julgou procedente o pedido de reforma do Acórdão de 12-7-07, tendo decidido:
a) - negar provimento ao agravo da ré:
b) - Julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, julgando agora improcedente a acção e absolvendo a ré do pedido;
c) - negar provimento ao agravo dos autores.

Então, os autores vieram pedir revista e o Supremo Tribunal de Justiça através do seu Acórdão de 4-11-08 ( fls 1361e segs), anulou o Acórdão recorrido e ordenou que os autos baixassem à Relação para suprimento de nulidade, por omissão de pronúncia, e consequente reforma.
Foram juntos ao processo três doutos pareceres jurídicos, dois da autoria do Prof. Luís Carvalho Fernandes ( fls 991 e segs e 1115 e segs) e um do Mestre Evaristo ferreira Mendes ( fls 1284 e segs).
Depois de várias vicissitudes, a Relação de Lisboa, cumprindo o determinado pelo Supremo, proferiu o novo Acórdão de 7-7-09 ( fls 1452 e segs), onde se decidiu "julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela apelante e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, e julgar agora a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
- declaram inválida a dita deliberação quanto ao ponto I da ordem de trabalhos "apreciar, aprovar ou modificar o Relatório, Balanço e Contas e parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício findo de 31 de Dezembro de 2001", e anulam-na;
- julgam válida a deliberação quanto ao ponto II da ordem de trabalhos "Eleição para os corpos sociais para o período de Julho de 2002 a 30 de Junho de 2005".
Continuando inconformados, os autores pedem revista, onde concluem:
1 - O Acórdão recorrido toma por base de cálculo, no que se refere à deliberação tomada na assembleia geral em causa referente ao ponto dois da ordem de trabalhos, os votos dos associados presentes ou devidamente representados .
2 - Mas, salvo melhor opinião, não tem razão o Acórdão impugnado.
3-Com efeito, a lei exige a maioria do universo dos associados presentes ou devidamente representados.
4 - Está provado que o universo dos associados presentes ou devidamente representados na referida assembleia geral era em número de 158.
5 - No entanto, desses 158, não votaram 78 .
6-0 Acórdão recorrido, ao calcular a maioria exigida, ao invés de fazer o cálculo com base no número de associados presentes ou devidamente representados, fez o cálculo com base no número de votos válidos expressos.
7 - No que respeita às associações, o art. 175 do C.C. é bem claro no referir que é a maioria dos associados presentes ou devidamente representados .
8 - Ao contrário do que sucede no Código das Sociedades Comerciais onde, efectivamente, o cálculo deverá ser feito com base no número de votos expressos.
9 - Assim sendo, no caso dos autos, para obter a maioria necessária, seria preciso obter 80 votos ( 158 : 2) + 1.
10 - Está provado que a lista B obteve 73, 65 e 68 votos para a Direcção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal, respectivamente, pelo que em nenhum caso obteve a maioria necessária.
11 - Consideram violado o art. 175, n°2, do C.C.
12 - Por outro lado, o Acórdão recorrido também não decidiu bem, ao considerar que era aplicável a "prova da resistência".
13 - A prova da resistência é um instituto por definição aplicável aos casos de nulidade do voto em si mesmo, ou seja, vício de voto destacável.
14 - A prova da resistência não é uma regra geral no que respeita à invalidade das deliberações da Assembleia geral de uma associação.
15 - A regra geral sobre anulabilidade consta do art. 177 do C.C.
16 - No caso dos autos, um associado, candidato às eleições por uma lista concorrente às mesmas fez-se munir de mais de 150 procurações.
17 - Dado que, de acordo com o art. 23 dos Estatutos da recorrida, cada associado só podia representar outros cinco associados, esse associado substabeleceu as procurações em lotes de cinco, em outros candidatos da mesma lista ou em pessoas da sua confiança .
18 - O "esquema" assim montado foi validado pela mesa, cujo presidente em exercício afirmou garantir a validade de todas as procurações .
19- A assembleia geral funcionou assim, desde o seu início, com mais de 150 associados irregularmente representados .
20 - Perante todos os associados presentes, a consideração de todas as procurações como válidas, tornava evidente que o resultado da eleição estava feito à partida.
21 - A assembleia decorreu de forma tumultuosa com vários associados a insurgirem-se contra a aceitação das procurações em causa e contra outros actos do Presidente da Mesa.
22 - A validação das procurações, para além de permitir o funcionamento das assembleia de forma irregular desde o início, condicionou de forma irreversível a formação de uma vontade esclarecida por parte dos associados presentes .
23 - Tanto assim que quase metade dos presentes ou devidamente representados não votou.
24 - Não votar foi uma decisão consciente, pois estavam presentes e até subscreveram um protesto.
25 - E assim mais do que evidente que o vício que invalida a deliberação não se reconduz a um vício de voto, antes é um vício que condicionou o processo de formação de vontade dos associados .
26 - Para além disso, tais vícios, autonomamente considerados, são em si mesmo causa de anulabilidade da deliberação, nos termos do art. 177 do C.C.
27 - E assim mais do que evidente que não pode ser aplicável ao caso a prova da resistência, mantendo-se a invalidade da deliberação tomada na assembleia geral da recorrida de 4 de Julho de 2002, quanto à matéria do ponto II da Ordem de Trabalhos.
28- O Acórdão recorrido deve ser revogado e deve ser reposta em vigor a decisão da 1ª instância que considerou ambas as deliberações inválidas.
A ré contra-alegou em defesa do julgado .
Corridos os vistos, cumpre decidir.
A Relação considerou provados os factos seguintes:
1. A ré é uma pessoa colectiva de utilidade pública composta por indivíduos nacionais, ou estrangeiros e pessoas colectivas sem fins lucrativos.
2. Tendo por objecto a prestação aos associados de serviços inerentes à posse da propriedade imobiliária, construída ou não, e a defesa desta e dos interesses relacionados com os fins a atingir.
3. Os autores são associados da ré, tendo-lhe sido atribuídos os n.°s 33 626 e 34 489.
4. Na revista Propriedade Urbana, órgão oficioso da ré, n.° 394, foi publicada convocatória da Assembleia Geral para se reunir no dia 4 de Julho, pelas 16 horas na sua sede social sita na Rua .., … em Lisboa.
5. Sendo a seguinte a Ordem de Trabalhos:
I - Apreciar, aprovar ou modificar o Relatório, Balanço e Contas e Parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício findo de 31 de Dezembro de 2001;
II - Eleição para os órgãos sociais para o período de Julho de 2002 a 30 de Junho de 2005;
III - Entrega de um projecto de estatutos.

6. Anexo à convocatória foi publicado um modelo de procuração para ser usado, através do seu preenchimento pelos associados que pretendessem fazer-se representar na Assembleia Geral.
7. No dia e hora marcada reuniu a Assembleia Geral tendo sido lavrada a acta n° 169.
8. O art.° 23° dos Estatutos da APL estabelece que "os sócios podem fazer-se representar por outro sócio, mediante preenchimento de documento adequado fornecido pela Associação e entregue, preenchido na secretaria da APL até 24 horas antes da Assembleia Geral. Cada sócio não pode representar mais de cinco sócios".
9. Para cumprimento desta norma, a CC fez publicar, no seu órgão oficioso, um impresso tipo para ser utilizado pelos associados que pretendessem fazer-se representar na Assembleia Geral.
10. Lê-se no texto desse documento: "(—) confiro ao Sócio da mesma Senhor os mais amplos poderes para nela me representar, podendo em meu nome pedir esclarecimentos, votar e ser votado.
11. A Convocatória da Assembleia Geral de 4 de Julho de 2002 resultou da intenção dos corpos sociais da CC em acompanhar o pedido de demissão do Dr. DD, e pôr à disposição da Assembleia os seus cargos.
12. O que implicou que se procedesse à eleição de novos corpos sociais.
13. Inclusive da própria mesa da Assembleia Geral.
14. O associado EE, perguntou por escrito ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal, se a Direcção, a Mesa da Assembleia Geral e conselho Fiscal se haviam demitido em bloco.
15. Ou se estava apenas demissionário o Presidente da Direcção.
16. O anterior Presidente da Mesa da Assembleia Geral respondeu por carta de 26 de Junho de 2002 do seguinte modo: "Em resposta à sua carta de 20 do corrente, ontem recebida, apresso-me a esclarecer que efectivamente o pedido de demissão apresentado pelo Snr Dr. DD foi acompanhado tanto pelos restantes membros da Direcção como pelos membros dos demais órgãos sociais, como aliás V. Exa muito bem deduz dos termos da convocatória".
17. Tais demissões, embora anunciadas num processo de intenção, não tinham sido formalizadas.
18. Apenas o Presidente da Direcção efectuou um pedido formal de demissão.
19. O que foi aceite pelo Dr. FF.
20. O Dr. DD, até poucos dias antes da Assembleia, assinou cheques e dirigiu o expediente.
21. E, na própria Assembleia, ainda na qualidade de Presidente da Direcção submeteu à Assembleia o Relatório e as contas relativas a 2001.
22. Pedindo ao Dr. GG que prestasse aos sócios todos os esclarecimentos que lhe fossem solicitados.
23. O Vice-Presidente da Direcção, Eng.° HH, entendeu preferir continuar na sua posição.
24. O que foi informado ao associado EE, na carta/resposta de 26 de Junho de 2002.
25. Na referida Assembleia Geral, o Dr. FF, anterior presidente da mesa da Assembleia Geral e candidato à Direcção pela lista B, no início da sessão usou da palavra, para informar os presentes que pretendia intervir nos debates e que os trabalhos iriam ser dirigidos pelo vice-presidente Dr. II.
26. Contra esta situação opuseram-se alguns associados presentes.
27. Apesar dos protestos e da oposição de tais associados, os trabalhos continuaram a ser dirigidos pelo Dr. II.
28. O Secretário da Mesa, JJ, declarou na Assembleia, quando o 2o autor invocou a ilegitimidade da mesa, "ser certo e pacifico que os Corpos Gerentes demissionários continuam em funções até ao preenchimento das suas vagas".
29. O associado da CC KK, com o n.° 30.000, candidato à Direcção pela Lista B, escreveu a muitos associados a solicitar-lhes apoio para a votação na sua lista.
30. Enviando aos mesmos minuta de procuração.
31. E sugerindo a possibilidade de substabelecimento.
32. Foram passadas a favor do associado KK, mais de centena e meia de procurações com a faculdade de substabelecimento.
33. O mesmo KK, como não podia representar mais de cinco associados, foi substabelecendo lotes de 5 procurações noutros da sua lista ou da sua inteira confiança.
34. O Presidente da Mesa da Assembleia Geral aceitou tal situação.
35. Nessa Assembleia pelo Dr. II foi tirada a palavra a dois associados e desligado o microfone.
36. O que aconteceu nomeadamente na discussão do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, na altura em que alguns associados questionavam a Direcção pela utilização de cartões de crédito e pelos montantes envolvidos.
37. Foi tirada a palavra e desligados os microfones ao associado Coronel LL.
38. O que originou grande burburinho e discussões e com muitos associados em pé e outros sentados.
39. Foi no meio deste ambiente de burburinho e discussão, que a Mesa da Assembleia colocou à votação o Relatório, Balanço e contas e Parecer do Conselho Fiscal, o que não foi audível para alguns associados.
40. Ordenando aos presentes que quem aprovasse as contas ficasse sentado e quem votasse contra se levantasse.
41. Dado o ambiente, alguns associados não puderam apreender o que a mesa estava a propor.
42. Nem esta pode apreender o sentido de voto destes últimos.
43. Não houve contagem numérica de votos relativamente à votação do Relatório, Balanço e Contas e Parecer do Conselho Fiscal.
44. A mesa deu como aprovado por maioria o ponto 1 da ordem de trabalhos.
45. O Presidente da Mesa entendeu que o sócio, Almirante MM, apenas pretendia usar da palavra com fins dilatórios e para entravar os trabalhos da Assembleia.
46. Ao autor foi retirada a palavra com fundamento em que usara de linguagem desrespeitosa.
47. E à insistência deste em usar da palavra o Presidente da Mesa pediu a técnico de som que desligasse o microfone.
48. Quando o Coronel LL sugeriu uma intervenção conciliatória já o Presidente anunciara que se iria proceder à votação.
49. Provado que "Os sócios que na Assembleia se levantaram, aquando da aprovação do Relatório, Balanço e Contas e Parecer do Conselho Fiscal, foram em menor número que os sócios que permaneceram sentados".
50 - Da acta da assembleia geral em questão de 4 de Julho de 2002, consta que, dos 309 sócios inscritos, votaram 231, havendo 78 abstenções ou ausências devido ao adiantado da hora, e que para a Direcção a lista A obteve 7 votos a favor e a lista B 224 votos; e que para a Mesa da Assembleia Geral a lista A obteve 15 votos a favor e a lista B 216 votos, e que para o Conselho Fiscal a lista A obteve 11 votos a favor e a lista B 219 votos.
Vejamos agora o mérito do recurso.
Encontra-se definitivamente decidida a questão da invalidade da deliberação quanto ao ponto I da Ordem de Trabalhos "Apreciar, aprovar ou modificar o Relatório, Balanço e Contas e Parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício findo de 31 de Dezembro de 2001", deliberação essa que foi anulada.
Agora, está apenas em questão a apreciação da validade da deliberação quanto ao ponto II da Ordem de Trabalhos "Eleição para os Órgãos Sociais para período de Julho de 2002 a 30 de Junho de 2005 ".
O Acórdão recorrido decidiu que não podem ser admitidos, pelo menos, 151 votos obtidos pela lista B, em face do estratagema utilizado pelo candidato à Presidência da Direcção desta lista, KK ( ponto 32 do elenco da matéria de facto provada).
Acrescentou que os vícios desses 151 votos, pelo menos, não determinam necessariamente a invalidade da deliberação que elegeu os órgãos sociais da ré para o período de Julho de 2002 a 30 de Junho de 2005.
Tal deliberação não deve considerar-se viciada, na hipótese em que, submetida à chamada prova de resistência (ou seja, descontados os votos que foram atribuídos à Lista B indevidamente), não venha a faltar a maioria legal necessária para a sua aprovação.
A validade desta deliberação só será afectada se a nulidade dos votos tiver como consequência a falta de quórum deliberativo, segundo a chamada prova de resistência .
À luz do exposto, considerou ser de 41 a maioria absoluta dos votos presentes ou devidamente representados (art. 175, n°2, do C.C.), visto que metade é de 40 ( 231-151:2 = 40).
E isto porque os 151 votos viciados não podem ser considerados como "associados presentes".
Os 151 votos viciados obtidos pela lista B, através do estratagema do candidato à Direcção desta lista, KK, não podem ser considerados devidamente representados e, por conseguinte, não podem entrar no cômputo do quórum deliberativo.
Descontados os tais 151 votos viciados, a Lista B ainda obteve para a Direcção 73 votos ( 224-151=73), para a Assembleia Geral 65 votos ( 216-51= 65) e para o Conselho Fiscal 68 votos ( 219-251= 68), o que significa que a referida lista B conseguiu a maioria dos votos, submetida à prova de resistência.
Daí a Relação ter decidido pela validade desta deliberação.
Os autores discordam dessa solução, por considerarem que para o cálculo da maioria há que partir do universo dos associados presentes ou devidamente representados e não dos votos válidos expressos dos associados presentes ou devidamente representados.
O universo dos associados presentes ou devidamente representados era de 158 (309-151), não tendo votado 78.
Assim sendo, para obter a maioria necessária seria preciso obter 80 votos (158 : 2 = 79+1).
Por outro lado, entendem não ser aplicável ao caso aprova de resistência.
Que dizer?
Dispõe o art. 175, n°2, do C.C. relativamente às deliberações nas assembleias gerais das associações, que "salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes ".
Também nos termos do art. 22 dos estatutos da recorrida, Associação CC, " as decisões são tomadas por maioria de votos, tendo cada sócio direito a um voto, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte ".
Segundo a interpretação dos arts. 175 e 180 do C.C., sem prejuízo das limitações estabelecidas no art. 176, os associados têm a faculdade de se fazer representar por outro associado nas assembleias gerais das respectivas associações.
No caso concreto, tal faculdade vem consagrada nos Estatutos da ré, embora com limitações.
Com efeito, cada associado não pode representar mais de cinco sócios, nos termos do art. 23 dos Estatutos.
Por outro lado, tal disposição estatutária estipula que a representação deve ser feita mediante preenchimento de documento adequado fornecido pela associação e entregue na secretaria até 24 horas antes da assembleia geral.
Esta disposição é válida, ao abrigo do princípio da autonomia da vontade dos associados na constituição, organização e funcionamento das associações, em tudo quanto não esteja imperativamente fixado na lei.
Do regime da invalidade das deliberações da assembleia geral das associações, importa aqui salientar que prevalece, nesta matéria, quanto à relevância dos votos ineficazes, a chamada prova de resistência, segundo a qual a deliberação em que eles foram emitidos vale se, descontados tais votos, os restantes forem suficientes para preencher a maioria legal ou estatutariamente necessária para a sua aprovação .
Na doutrina anterior à vigência do Código das Sociedades Comerciais, é esta a posição de Cunha Gonçalves (Comentário ao Código Comercial Português, Vol. I, pág. 466); Vasco da Gama Lobo Xavier (Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, pág. 47, nota 20 e pág. 56, nota 21); Marcello Caetano ( Assembleias Gerais de Sociedades, O Direito, Ano 97, pág. 92) ; Dias Marques ( A Simulação nas Assembleias Gerais, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 11, n°s 3 e 4, pág. 342 ).
Tal doutrina não mudou após a publicação do Código das Sociedades Comerciais.
Assim, Pinto Furtado, salientando que o voto não é eficaz em si mesmo, isto é, isolado da deliberação que integra, sustenta que ele não ganha "relevância se não for numericamente bastante para o afectar". Se, retirados os votos que sejam ineficazes, ainda houver votos suficientes para existir maioria, a deliberação subsiste.
Para este Autor, esta prova de resistência constitui um princípio geral de sobrevivência da deliberação, que aflora do art. 58, n°l, ai. b) do Código das Sociedades Comerciais (Deliberações dos Sócios - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, pág. 150-151).
Como se defende no Parecer do Prof. Luís de Carvalho Fernandes, junto aos autos, (pág. 999), esta solução deve prevalecer no direito civil, em particular quanto às deliberações de assembleias gerais das associações, ou seja, também aí o regime previsto no art. 176, n°2, do C.C. deve ser visto como afloramento de um princípio comum favorável à validação das deliberações dos associados.
Ora, a aplicação ao caso concreto da chamada prova de resistência tem de ser efectuada atendendo à interpretação que, na formação da maioria exigida pelo art. 175, n°2, do C.C., deve ser feita da expressão "associados presentes".
Como os associados se podem fazer representar na assembleia geral, tal expressão tem de ser entendida com o significado de "associados presentes ou devidamente representados".
Sendo este o sentido correcto do preceito e dado que o vício em causa respeita às procurações (e aos substabelecimentos), há, pelo menos, 151 associados que as subscreveram que não podem ser considerados como "associados presentes", na terminologia do citado art. 175, n°2.
Assim, a maioria absoluta nele prevista tem de ser calculada sobre o número dos restantes associados e não sobre 231.
Daqui decorre que a maioria é de 41, como se decidiu no Acórdão recorrido (231-151) : 2 = 40.
Sendo esta a maioria exigida, é de concluir que lista B obteve na eleição para qualquer dos órgãos sociais mais do que esses votos, uma vez descontados os dos associados subscritores das procurações e substabelecimentos viciados, pois conseguiu 73 (224-151) votos para a Direcção, 65 (216-151) votos para a Mesa da Assembleia Geral e 68 (219-151) votos para o Conselho Fiscal.
A maioria absoluta requerida calcula-se com base no número de votos dos associados presentes ou devidamente representados e não, como pretendem os recorrentes, com base no universo dos associados presentes ou devidamente representados.
Para a determinação do quórum deliberativo, nos termos do disposto no art. 175, n°2, do C.C., não tinham que ser considerados os alegados 78 associados que se abstiveram ou tinham abandonado os trabalhos devido ao adiantado da hora, simplesmente porque estes não votaram.
Por outro lado, não resultou provado que a discussão e votação do segundo ponto da Ordem de Trabalhos (ao contrário do que aconteceu com o primeiro ponto), também tivesse decorrido em ambiente de tumulto que tivesse impedido a formação esclarecida da vontade dos associados quanto à matéria desse ponto segundo (único aqui em apreciação).
O vício que se provou, no domínio desta deliberação, reconduz-se a um vício de voto e não a um vício que condicionasse o processo de formação da vontade dos associados, pelo que, neste âmbito, não podem os recorrentes beneficiar da causa de invalidade prevista no art. 177 do C.C.,
Em face do exposto, é de concluir pela validade da deliberação relativamente ao ponto II da Ordem de Trabalhos : "Eleição para os órgãos sociais para o período de Julho de 2002 a Junho de 2005".
Termos em que negam a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Março de 2010

Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Sousa Leite