Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4986/16.5T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO FISCAL
ASSEMBLEIA DE CREDORES
DELIBERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
INEFICÁCIA
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
INTERESSE PÚBLICO
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA / NÃO HOMOLOGAÇÃO OFICIOSA.
Doutrina:
-António Fonseca Ramos, III Congresso de Direito da Insolvência, Os créditos tributários e a homologação do plano de recuperação, Almedina , 2015, p. 361 a 381;
-Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas, o processo especial de revitalização, Fevereiro 2017, p. 127 a 141;
-Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, p. 615 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 215.º.
LEI GERAL TRIBUTÁRIA, APROVADA PELO DL N.º 398/98, DE 17 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 30.º, N.º 2 E 3 E 125.º.
ORÇAMENTO DO ESTADO 2011, APROVADO PELA LEI N.º 55-A/2010, DE 31-12.

Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 13-01-2009, PROCESSO N.º 08A3763;
-DE 18-02-2014, PROCESSO N.º1786/12.5TBTNV.C2.S1;
-DE 25-03-2014, RELATOR FERNANDES DO VALE;
-DE 24-03-2015, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
-DE 03-11-2105, PROCESSO 12/12.1TYLSB-I-L1-S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


-DE 26-09-2017.
Sumário :
I. Após a alteração legislativa que consagrou a intangibilidade dos créditos fiscais – Lei 55-A/2010, de 31.12 e art. 30º, nº2, que estatuiu – “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, tendo o art. 125º daquela Lei do Orçamento para 2011, aditado um nº3, ao art. 30º, da Lei Geral Tributária consagrando que “O disposto no número antedito prevalece sobre qualquer legislação especial.”, tem sido jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça e 6ª Secção, que tem competência especializada em matéria do foro comercial, que a sanção para a homologação da assembleia de credores, no processo de insolvência que atinja, sem o seu consentimento os créditos por impostos do Estado, é a ineficácia quanto a este credor da decisão que homologue essa deliberação.

II. Admitindo, excepcionalmente, que em caso de flagrante e injustificada afirmação intransigente, pela autoridade tributária, das prerrogativas dos créditos fiscais, podem os Tribunais desconsiderá-las, na salvaguarda de interesses públicos, que num patamar de justificados sacrifícios, imponham ao Estado, [no respeito pelo paradigma insolvencial vigente, sobretudo após a Reforma de 2012, com a introdução do PER, já que a finalidade da lei insolvencial é agora a recuperação da empresa devedora e não a liquidação], o seu contributo para evitar a destruição e a liquidação da empresa.

III. Nesse hipotético quadro de estado de necessidade social, visando evitar a derrocada de empresas, sobretudo, grandes empregadores, em meio social economicamente débil e carenciado, a justiça, a equidade e os fins sociais pelos quais o Estado deve velar, podem conduzir à atenuação daquele direito de intangibilidade, se e quando a posição do credor público for decisiva para a recuperação da sociedade devedora.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, SA.”, requereu Processo Especial de Revitalização (doravante PER).

Nomeado administrador judicial provisório, cumprida a demais tramitação e concluídas as negociações, veio a ser aprovado, por credores representativos das maiorias legalmente exigidas, plano de recuperação conducente à sua revitalização; tendo votado contra, entre outros, a BB, SA.

Remetido o plano de recuperação aprovado ao tribunal, este, conclusos os autos, proferiu decisão a homologar tal plano de recuperação (prevendo a revitalização da devedora através da reestruturação do passivo – moratória, modificação dos prazos de vencimento, perdão e redução dos juros e perdão dos créditos subordinados).

***

Inconformados com a decisão homologatória, vieram o Banco CC, SA., BB, SA., e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, interpor recurso, para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que recuse a homologação do plano de recuperação aprovado.

A Relação, por Acórdão de 19.12.2017, decidiu julgar improcedentes as três apelações interpostas (pelo CC, BB e Ministério Público) e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, que homologou o Plano de Recuperação aprovado.


***

Inconformado, o Ministério Público recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando oposição de Acórdãos e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª. De acordo com a tese que obteve vencimento no douto aresto, ora em recurso, decidiu-se que, não obstante se entender, em face do art.° 30.°/2 e 3 da LGT, que violam as normas tributárias os “planos” (de insolvência ou de recuperação) que, sem a autorização/acordo do Estado, reduzam os juros ou dilatem prazos de pagamento das obrigações tributárias, se considera que, no caso concreto, se está perante um Plano de Recuperação que apenas incorre em violação negligenciável das normas tributárias, o que determinou o insucesso do recurso de Apelação e a confirmação da decisão da 1ª instância que o homologou na sua totalidade e sem restrição dos seus efeitos aos créditos não tributários.


2.ª O douto acórdão recorrido perfilha, assim, no domínio da mesma legislação, entendimento contrário ao expresso nos acórdãos dos Tribunais das Relações de Coimbra, de 13.9.2016, no Proc. n°499/15.0T8SEI-A.C1, de 13.1.2015, no Proc. N°1395/13.1TBCVL.C1; de Lisboa, de 28.5.2015, no Proc. N°26026/13.6SNT.L1-8 e de Guimarães, de 15.12.2016, no Proc. N°1051/16.9T8GMR.G1, todos publicados em www.dgsi.pt., cujos sumários são, na parte que ora releva, e respectivamente, do seguinte teor:

i) Encontrando-se em causa o desrespeito de normas imperativas, a homologação de um plano de revitalização que e preveja o pagamento em prestações de créditos tributários sem o acordo da Fazenda Nacional constituiu, em princípio, uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis caindo na previsão do artigo 215º CIRE.
A opção pela ineficácia relativa do plano, na parte em que prevê regras especiais para o pagamento dos créditos da administração tributária sem a autorização desta, não afectando as restantes disposições relativas aos demais créditos ao mesmo tempo que preserva os créditos tributários, permite salvaguardar o plano de recuperação.
ii) A homologação de plano de revitalização que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do art 215° do CIRE e, por tal motivo, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte em que viola regras legais imperativas.
Não obstante o plano de revitalização aprovado conter cláusula que viola o disposto nos arts. 30º, n°2 e 3, e 36º, nºs 2 e 3, da LGT, e 190º, nºs 1, 2, a) e 6, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.
iii) Verificando-se que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores comporta um regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais e de perdão de 80% dos respectivos juros de mora vencidos, que não respeitou disposições legais tributárias, nomeadamente os arts 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº3 da LGT e art. 196º do CPPT, que têm carácter público e imperativo, e não obteve concordância do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, terá de se concluir que tal situação importa a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que nos termos do disposto no art. 215º “ex vi” do art. 17º-F, nº5 ambos do CIRE, o mesmo não deve ser homologado em toda a sua extensão.
O Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.
iv) Sendo os créditos tributários de natureza indisponível, inexistindo qualquer derrogação do regime geral (LGT) pelo regime especial consagrado no processo de insolvência e recuperação de empresa (CIRE), a homologação do plano sem a concordância da Fazenda Nacional ou Instituto de Segurança Social, LP., constitui violação não negligenciável de normas imperativas, sendo insuficiente a vontade dos credores, ainda que qualificada, para reduzir, extinguir ou fraccionar no tempo o seu pagamento.


3.ª Encontram-se, assim, verificados os pressupostos admissibilidade do presente recurso, não se mostrando, por outro lado, fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.

4.ª O Estado – Fazenda Nacional/AT -, representado pelo Ministério Público, neste Tribunal da Relação, com o respeito devido por opinião diversa, não concorda com os doutos e proficientes fundamentos em que se alicerçou a tese que fez vencimento no douto aresto recorrido, acima mencionada na conclusão 1.ª.

5.ª Propendendo, antes, para considerar que se está, como afirmado no douto voto de vencido, perante uma violação não negligenciável, uma vez que diz respeito a normas imperativas de interesse e ordem públicos.

6.ª Como dos autos resulta, a fls. 1088 e 1239, o Plano de Recuperação aprovado e homologado por sentença de 7.8.2017, no que concerne à regularização dos créditos fiscais no valor de € 315. 073, 31, prevê, sem o acordo da Fazenda Nacional/AT, nomeadamente:

- o pagamento em 150 prestações mensais;
- uma moratória ilegal no pagamento prestacional, com o início deste apenas até ao final do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, quando a primeira prestação terá de se vencer até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do art. 17°-D do CIRE;
- o não pagamento dos juros vincendos (defende o pagamento, apenas, do “valor reclamado”.

7.ª Da conjugação dos artigos 30°, n°s 2 e 3 e 36°, n°s 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT) com o teor do artigo 196° do CPPT, temos por assente que:

- o princípio da indisponibilidade e da irrenunciabilidade das dívidas fiscais é imperativo, vinculando a própria administração tributária que não pode dispor livremente dos seus créditos, encontrando-se impedida de anuir na aprovação de um plano que preveja o perdão total ou parcial das dívidas fiscais;

A concessão de moratórias encontra-se vedada, a não ser nos casos expressamente previstos na lei (arts. 36°, n°3 e 85°, CPPT permitindo-se, em determinadas circunstâncias, que o sujeito passivo requeira o pagamento em prestações das dívidas tributárias (art.°s 86° e 196° CPPT]

- a proposta de pagamento em prestações encontra-se sujeita ao consentimento ou anuência da administração fiscal, nos termos dos artigos 196° e 199° do CPPT.

8.ª A jurisprudência dominante vai no sentido de que, encontrando-se em causa o desrespeito de normas imperativas, a homologação de um plano de revitalização que preveja o pagamento em prestações de créditos tributários e o não pagamento de juros, sem o acordo da Fazenda Nacional, constituiu uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis caindo na previsão do artigo 215° CIRE.

9.ª E o Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Fazenda Nacional/AT por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Fazenda Nacional/AT, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.

10.ª No entanto, tal não significa que o Plano de Recuperação não possa valer perante os demais credores que lhe deram o seu acordo, porquanto a sua ineficácia em relação aos créditos da Fazenda Nacional/AT não impede que o mesmo seja homologado mas tão só em relação aos demais credores.

11.ª Ao decidir nos termos em que o fez, o douto acórdão recorrido violou as normas constantes dos arts. 30°, n°s 2 e 3 e 36°, n°3 da Lei Geral Tributária; do art.° 85°, n°s 1 e 3 e 196° a 198°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos art.° 192°, n° 2 e 215°, do CIRE.

12.ª Nestes termos, e nos mais que V.ªs Ex.ªs muito doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, no sentido de que a violação de normas tributárias imperativas, designadamente as mencionadas na conclusão 11.ª, no Plano de Recuperação não é negligenciável e que a homologação deve ter-se como ineficaz quanto aos créditos da Fazenda Nacional/AT.

V.ªs Ex.ªs, porém, melhor decidirão, assim se fazendo a costumada Justiça.

Não houve contra-alegações.

A Recorrida devedora e requerente do Processo Especial e Revitalização (PER) “AA, SA.”, a fls. 1442 a 1444 – nas suas contra-alegações, requereu a fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 686º e 687- do Código de Processo Civil, limitando o recurso: “…à questão, amplamente discutida, de saber se deve ser homologado – e em que termos – Plano que modifique os créditos tributários.”
E se tal modificação implica a violação negligenciável ou não das normas legais aplicáveis, caindo na previsão do artigo 215º do CIRE.
E se é necessário o respectivo acordo do Estado/fazenda nacional.”

Refere que o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.12.2017, (que contém um voto de vencido) – fls. 1336 a 1356 – remete para outros “proferidos pelo mesmo Relator” que entendeu que tais créditos podem ser modificados.

Alude a dois Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que, no seu entender, adoptaram tal entendimento, tirados nos Processos nº3525/12.1TBPTM-A.El-S1, in www.dgsi.pt de que foi Relator Fernandes do Vale, e no Proc.4913/l.TBVFR.Pl.S1, de que foi Relatora Ana Paula Boularot.

O Processo foi presente ao Ex.mo Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do art. 686º, nº1, do Código de Processo Civil, acompanhado do despacho de fls. 1457 a 1464.

Por douto despacho de fls. 1466 a 1469, foi indeferido o requerimento para julgamento ampliado da revista.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

A) A AA, SA, foi constituída em 1989, tendo como objecto social a Avicultura e comércio por grosso de animais vivos.

B) Ascendendo – segundo a proposta do plano de recuperação apresentado pela devedora/requerente – o valor líquido do activo fixo tangível e intangível, em 31/12/2015, a € 9.101.411,87; e o activo circulante, na mesma data, a € 20.037.211,52 (a que haverá que “descontar” cerca de € 4.000.000,00 de imparidades de dois clientes em graves dificuldades financeiras).

C) O plano de recuperação proposto pela devedora/requerente foi o seguinte:
“ (…)

IV. 2 – Proposta

O plano contempla a liquidação da totalidade dos créditos, nas seguintes condições:

Fornecedores e outros credores

1 – Créditos Comuns

Plano de Regularização:
- Perdão de Juros vencidos e vincendos:
- Carência – 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Maturidade para a liquidação do capital – pagamento da totalidade da dívida existente à data do trânsito, sendo que 80% da dívida será amortizada em cento de vinte (10 anos) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do término do período de carência supra propostos;
- Prestação Final (Bullet) – 20 % do valor da dívida, que serão pagos no último dia do mês seguinte ao término do pagamento da última das 120 prestações;
- Periocidade de pagamento após carência – Mensal;
- Possibilidade de liquidação antecipada sem encargos.

2 – Créditos Garantidos

Plano de Regularização:
- Perdão de Juros vencidos e vincendos:
- Carência – 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Maturidade para a liquidação do capital – pagamento da totalidade da dívida existente à data do trânsito, sendo que 80% da dívida será amortizada em cento de vinte (10 anos) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do término do período de carência supra propostos;
- Prestação Final (Bullet) – 20 % do valor da dívida, que serão pagos no último dia do mês seguinte ao término do pagamento da última das 120 prestações;
- Periocidade de pagamento após carência – Mensal;
- Possibilidade de liquidação antecipada sem encargos.
- Manutenção das garantias existentes – as garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida mantendo-se as garantias nos exactos termos inicialmente prestados.

3 – Créditos sob condição

Plano de regularização:
- Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar-se, a administração devedora propõe proceder ao seu pagamento nos exactos termos em que fica estabelecida para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.

Instituições Financeiras e Agrogarante:

1 – Créditos Garantidos
Plano de Regularização:
O plano contempla a liquidação da totalidade dos créditos, nas seguintes condições:
- Os juros vencidos, comissões e despesas vencidas e imposto de selo desde a reclamação de créditos até à data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa contratualmente estabelecida com cada instituição bancária, serão capitalizados naquela data;
- Juros vincendos a partir da data de trânsito em julgado da sentença do plano de recuperação serão pagos mensalmente à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um spread de 3%, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
- Valor de 0% para o indexante quando a Euribor 12 meses for negativa.
- Carência – 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Maturidade para a liquidação do capital – pagamento da totalidade da dívida existente à data do trânsito, sendo que 80% da dívida será amortizada em cento de vinte (10 anos) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do término do período de carência supra propostos;
- Prestação Final (Bullet) – 20 % do valor da dívida, que serão pagos no último dia do mês seguinte ao término do pagamento da última das 120 prestações;
- Periocidade de pagamento após carência – Mensal;
- Possibilidade de liquidação antecipada sem encargos.
- Manutenção das garantias existentes – as garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida mantendo-se as garantias nos exactos termos inicialmente prestados.

2 – Créditos Comuns
Plano de Regularização:
O plano contempla a liquidação da totalidade dos créditos, nas seguintes condições:
- Os juros vencidos, comissões e despesas vencidas e imposto de selo desde a reclamação de créditos até à data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa contratualmente estabelecida com cada instituição bancária, serão capitalizados naquela data;
- Juros vincendos a partir da data de trânsito em julgado da sentença do plano de recuperação serão pagos mensalmente à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um spread de 3%, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
- Valor de 0% para o indexante quando a Euribor 12 meses for negativa.
- Carência – 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Maturidade para a liquidação do capital – pagamento da totalidade da dívida existente à data do trânsito, sendo que 80% da dívida será amortizada em cento de vinte (10 anos) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do término do período de carência supra propostos;
- Prestação Final (Bullet) – 20 % do valor da dívida, que serão pagos no último dia do mês seguinte ao término do pagamento da última das 120 prestações;
- Periocidade de pagamento após carência – Mensal;
- Possibilidade de liquidação antecipada sem encargos.

3 – Créditos sob condição

Plano de regularização:
- Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar-se, a administração devedora propõe proceder ao seu pagamento nos exactos termos em que fica estabelecida para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.

Locações
Plano de Regularização
A empresa manifesta expressamente a sua pretensão de optar pela manutenção e cumprimento integral dos contratos em vigor e propõe o seguinte:
- Inclusão das prestações vencidas no contrato em vigor;
- Maturidade para liquidação – 48 meses;
- Início – 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Recuperação.
Nas locações já resolvidas, a administração devedora propõe proceder ao seu pagamento nos exactos termos em que fica estabelecida para os créditos do mesmo tipo e natureza.

Autoridade Tributária

Plano de Regularização:
- Reembolso do valor reclamado num prazo de 150 prestações mensais iguais e sucessivas, de montante igual, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao do trânsito do plano de recuperação;
- Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
- Não haverá lugar a qualquer moratória;
- Manutenção das garantias prestadas e constituição de novas garantias idóneas e suficientes nos termos do disposto no art. 199.º do CPPT, no prazo de 15 dias a contar do términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.

Segurança Social
Plano de Regularização:

- Reembolso do valor reclamado, nos termos do art. 196.º/6 do CPPT, num prazo máximo de 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, de montante igual, ou número de prestações que venham a ser aprovadas mediante plano, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao do trânsito do plano de recuperação;
- As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas e (não) ficam suspensas após a aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado;
- Manutenção das garantias prestadas e constituição de novas garantias idóneas e suficientes nos termos do disposto no art. 199.º CPPT, no prazo de 15 dias a contar do términus do prazo previsto no n.º 5 do art. 17.º-D do CIRE;
- Taxa anual de juros vincendos associada à garantia que vier a ser constituída.

Pessoal

Plano de Regularização:
- Reembolso num prazo de 36 prestações (término em 2020) para trabalhadores de 60 prestações (término 2022) para ex-trabalhadores, em prestações trimestrais postecipadas com vencimento da primeira prestação no primeiro dia útil do mês seguinte ao do trânsito do plano de recuperação.

Créditos Subordinados
Plano de regularização:
- O pagamento dos créditos subordinados só tem lugar depois de terem sido pagos todos os seus créditos.

Outras Condições

- Manutenção das garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida mantendo-se as garantias nos exactos termos inicialmente previstos.
- Cláusula salvo regresso de melhor fortuna: o Plano de Recuperação fica subordinado a cláusula salvo regresso de melhor fortuna à devedora, que produz efeitos durante o período de vigência, nos termos em que, se e quando a situação económico-financeira melhorar permitindo a libertação de meios, que, para além das prestações do Plano, lhe possibilite efectuar pagamentos aos credores sem comprometer o seu regular funcionamento, a devedora compromete-se a, de forma rateada, efectuar reembolsos, totais ou parciais, da dívida.
Para tal prevê-se uma reavaliação do Plano de Recuperação aprovado, a cada 2 (dois) anos, no sentido de permitir uma melhoria das condições de reembolso.
No caso de se verificar uma evolução favorável do desempenho da empresa, nomeadamente sempre que o EBITDA exceda o valor previsional em 5%, este montante será afecto à amortização dos créditos.
- Nos termos do art. 209.º/3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma a que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.
- Fica expressamente consignado que em caso de incumprimento do presente plano de recuperação, as moratórias ou perdões nele previstos ficam sem efeito, sendo os créditos repristinados de harmonia com os títulos em que se fundam e as reclamações de créditos apresentadas no processo.
(…)”

D) A lista definitiva de créditos ascende a € 28.387.316,01, não havendo, nela, créditos qualificados como subordinados.

E) Consta da acta da “diligência para contagem de votos”:

“ (…) Constam da lista de credores um valor correspondente a possíveis votos de € 28.387.316,01
Foram recebidos votos do valor global de € 26.195.903,07, a que correspondem a 92,28% da totalidade dos votos.

Dos votos recebidos:

a) 15.060.967 são favoráveis à aprovação do Plano, o que corresponde a 53,06 % do total dos votos possíveis;
b) 10.722.624 são desfavoráveis à aprovação do plano, o que corresponde a 37,77% do total de votos possíveis; e
c) 412.310 correspondem a votos em branco, o que corresponde a 1,45% do total de votos possíveis.
Foi atribuído 1 voto por cada 1,00 € de crédito, independentemente de impugnação ou qualificação.
Assim nos termos do n.º 1 do art. 212.º do CIRE, aplicável por força do n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE, a AJP informou os representantes da devedora que o Plano de Recuperação se encontra aprovado (…) ”

F) Da lista definitiva de créditos, entre muitos outros, constam:

Do Instituto de Segurança Social (após ser julgada procedente a impugnação por ela intentada): o crédito global de € 294.165,95
Da Fazenda Nacional: o crédito global de € 315.073,31
Das BB, SA: o crédito de € 4.637.731,02

G) A Fazenda Nacional não participou nas negociações e não votou.

H) Em 07 de Março de 2017, o Banco CC impugnou a lista provisória dos créditos, por não ter sido considerado, reconhecido e verificado, como crédito comum, o seu crédito reclamado, no montante de € 277.908,22 e os juros de mora vincendos, às taxas indicadas na sua reclamação de créditos.

I) Tal impugnação não foi apreciada pelo tribunal.

J) Em 18/07/2017, foi nos autos proferido despacho com o seguinte teor:

“(…) Quanto às demais impugnações deduzidas e ainda não decididas, a saber, as deduzidas pela devedora, as demais deduzidas pelo credor Abanca e as deduzidas pelos credores Grupo BB SGPS, CDD e EE, cumpre considerar quem decorrido que foi o prazo das negociações, deu entrada tempestiva nos autos o pano de recuperação da devedora, votado por 92,28% dos direitos de voto constantes da lista provisória de credores, o qual obteve 52,55% de votos favoráveis.
Ora, dentre os créditos impugnados, somente os credores 92, 98, 168 e 189, cujo valor total é de € 2.656.210,97, votaram favoravelmente o plano, tendo-se abstido ou votado contra os demais impugnados.
“Sucede que, quanto a estes quatro credores, nenhum dos impugnantes, a saber, Abanca, CDD e EE, pede a exclusão dos respectivos créditos, mas tão só a sua qualificação como subordinados.
Ora, os ditos créditos representam, no seu total, apenas 17,5% dos votos favoráveis emitidos, pelo que, mesmo que as impugnações procedessem, nunca obstariam à formação da maioria a que aludia, à data da votação, a al. b) do n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, actualmente prevista na al. b) do n.º 5 do mesmo artigo.
Logo, afigura-se-nos inútil conhecer estas ou as demais impugnações deduzidas, pois a sua decisão destinar-se-ia, unicamente, a apreciar do quórum e maioria deliberativos, pelo que, considerando-se que o plano, em qualquer dos casos, se encontra aprovado, cumpre apenas passar à verificação da sua conformidade legal.”
Pelo exposto, na medida em que o plano de recuperação apresentado pela devedora foi votado por 92,28% dos direitos de voto constantes da lista provisória de credores, obteve 52,55% de votos favoráveis, sendo que mais de 50% destes são não subordinados, considero que o mesmo foi aprovado, nos termos do disposto na al. b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE, na sua actual redacção. (…) ”

K) E, em 07/08/2017, foi nos autos proferida a seguinte decisão:

“ (…) Nos termos e pelos fundamentos vertidos no despacho que antecede foi considerado aprovado o plano de recuperação apresentado.
Ainda na sequência desse despacho veio o credor ISS informar que não se opõe à homologação do plano de recuperação apresentado, tal como consta do requerimento electrónico datado de 20/07/2017.
Importa agora verificar da conformidade legal de tal plano.
Analisado tal plano constata-se que não se mostra violada qualquer regra procedimental ou relativa ao conteúdo do plano, assim como também não se vislumbra qualquer situação de prejuízo ou desigualdade injustificada para os credores advinda do mesmo (arts. 215º e 216º ex vi do 17º-F n.º 5 do CIRE).
Assim, nos termos do art. 17º-F n.ºs 5 e 6 do CIRE, deve homologar-se por sentença o plano de recuperação apresentado.
Pelo exposto, o tribunal homologa por sentença o plano de recuperação apresentado, que vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (…) ”

L) Por acórdão de 26/09/2017, deste Tribunal da Relação de Coimbra foi julgado improcedente o recurso (que havia subido em separado) referido na conclusão 34.ª da apelante BB, tendo-se no mesmo decidido que “não obstante o envio do Plano pelo AJP 2 ou 3 dias depois do prazo, com pagamento de multa nos termos do art 139.º/3 CPC, sem se provar incúria censurável ou má-fé por parte da devedora e dos credores, tendo o PER sido aprovado dentro do prazo, e tratando-se de devedora com relevância económica e social, inexiste violação processual grave e, assim, deve prevalecer a substância sobre a forma, e o PER aceite.”

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber, no contexto de PER, quais as consequências da homologação judicial do plano de revitalização da devedora, tendo sido aprovado, sem o consentimento da Fazenda Nacional, o pagamento de créditos por impostos: se a homologação constitui ou não violação não negligenciável, ou se se deve considerar que, no que respeita a tais créditos, a deliberação dos credores e a homologação não é oponível, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional.

Esta questão suscitou intenso debate jurisprudencial e doutrinal. No início da controvérsia duas posições inconciliáveis e diríamos radicais: uma corrente considerava a absoluta intangibilidade dos créditos tributários e também previdenciais, assinalando como sanção para a não consentida tangibilidade a nulidade do plano – nulidade total.

Outra corrente, admitia que os credores pudessem deliberar sobre tais créditos, podendo atingi-los, não sendo necessário daqueles credores públicos. Acentuava-se o princípio par conditio creditorum – art. 194º do CIRE - e o fito económico-social da recuperação das empresas para o que deveriam contribuir todos os credores.

Relevante para o surgimento de uma terceira corrente foi a alteração legislativa ocorrida na lei do orçamento para 2011. Com ela foi alterada a lei tributária e afirmado, de modo inequívoco, que a lei tributária, que consagra a intangibilidade dos créditos da Fazenda Nacional, prevalece sobre a lei geral - o CIRE - e, consequentemente, foram “blindados” os créditos da Fazenda Nacional o que, numa perspectiva literal, implicaria a inexorável impossibilidade dos credores aprovarem planos de revitalização que comtemplassem a modificação dos créditos fiscais da Fazenda Nacional.

Foi no quadro daquela enérgica intervenção do legislador, afectando o entendimento jurisprudencial até 2011, que tem sido desde a blindagem dos créditos tributários, claramente prevalecente neste Tribunal a doutrina que considera, no caso de homologação de plano de revitalização que atinja os créditos da autoridade tributária, ser a sanção a ineficácia, ou seja, o plano deverá ser homologado mas a decisão não se impõe à Fazenda Nacional e aos créditos da Segurança Social que ficam incólumes.

O ora Relator interveio, nessa veste, em Acórdãos, antes e depois daquela alteração legislativa.

Antes, sustentando que os créditos de Fazenda Nacional eram passíveis de alteração pela assembleia de credores, nada obstando à homologação do plano de recuperação; depois da “blindagem”, perfilhando o entendimento que, após a intervenção legislativa de 2011, a consequência da tangibilidade era não a nulidade de todo o plano, que não podia ser homologado, como se passou a defender, sobretudo, entre os fiscalistas, mas a ineficácia.

Permitimo-nos citar o essencial da argumentação do antes e do depois:

Assim, sustentando que os credores podiam atingir os créditos da Fazenda Nacional, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.1.2009 – Proc. 08A3763 – in www.dgsi.pt, onde se ponderou:

“O art. 194.º do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência.
A expressão ínsita no art. 197.º do CIRE, na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, atribui cariz supletivo ao preceito, o que implicita que pode haver regulação diversa, contendendo com os créditos previstos nas als. a) e b) o que deve ser entendido como afloração do princípio da igualdade e reconhecimento que, dentro da legalidade exigível, o plano pode regular a forma como os credores estruturam o plano de insolvência. Só assim não será se não houver expressa adopção de um regime diferente.
Ora, no caso em apreço, a assembleia de credores aprovou, maioritariamente, com o quorum legalmente exigível – art. 212.º do CIRE – um plano de insolvência por si moldado, pelo que não se aplica a regra supletiva do artigo 197º.
Decorrendo do art. 197.º do CIRE, não ser necessária a unanimidade do voto dos credores, incluindo os afectados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos e inerentes garantias, sendo privilegiados, não se antevê que a homologação do plano de insolvência esteja ferida de ilegalidade.
Os arts. 30.º, n.º2, e 36.º, n.º 3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto-regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características.
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da insolvência.
Assim, porque cabe na competência da assembleia de credores ao abrigo do art. 196.º, n.º1, als. a) e c) do CIRE, o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou as taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quorum estabelecido no artigo 212°, e não tendo sido pedida a não homologação pela Fazenda Nacional, com fundamento no art. 216º, nº1, a) daquele diploma, homologado o plano de insolvência este vincula todos os credores, sejam comuns, sejam privilegiados.
Esta interpretação da lei não viola o art. 103.º, nº 2, da Constituição da República.”

Entretanto, o legislador alterou o quadro legal, como dissemos, modificando a Lei Gral Tributária o que levou a que no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18.2.2014 – Proc. 1786/12.5TBTNV.C2.S1 – in www.dgsi.pt – se tivesse decidido que:

“O legislador alterou a Lei Geral Tributária blindando os seus créditos fiscais.
O art. 30º, nº2, estatui – “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, tendo o art. 125º da Lei nº55-A/2010, de 31.12, (Lei do Orçamento para 2011), aditado um nº3, ao art. 30º para que não restassem dúvidas: “O disposto no número antedito prevalece sobre qualquer legislação especial.
Reafirmando com indiscutível clareza a indisponibilidade dos créditos tributários, proibindo a sua redução ou extinção e tendo em conta amplitude do conceito de “relação tributária” e o que a constitui – cfr. art. 30º, nº1, als. a) a e) - o direito insolvencial, após a reforma de 2012, quando conjugado com aqueles preceitos da LGT é dificilmente harmonizável.
[…] No quadro legal em vigor, no que concerne ao tratamento dos créditos fiscais e parafiscais no processo de insolvência e no processo de revitalização, o intérprete/julgador tem que operar com o CIRE, alterado com a introdução do PER, e pelo Compromisso assumido com a Troika, nem como não desconsiderar a Lei Geral Tributária, fortemente tuteladora dos créditos da Fazenda Nacional, considerados indisponíveis, mesmo processo de insolvência
Pensamos ter demonstrado que os regimes legais em causa são de muito complexa harmonização, desde logo, porquanto as alterações introduzidas no CIRE pelo PER, contrariam de modo claro a filosofia do diploma, agora, contraditoriamente, tendo por objectivo primeiro a liquidação da empresa (versão inicial) do CIRE e, após as alterações do PER, visando a revitalização da empresa e já não a sua liquidação.
Se a isto juntarmos que a LGT com as alterações introduzidas pela Lei nº55-A/2010, de 31.12, que aniquilou o entendimento jurisprudencial antes referido, contraria agora de modo inquestionável o Compromisso assumido pelo Estado Português, em relação à proclamada intenção de flexibilizar a sua actuação quanto aos créditos fiscais e seu tratamento no contexto da insolvência, temos que concluir que da conjugada interpretação do regime que encerram, difícil é concluir que a presunção do art. 9º, nº2, do Código Civil sai ilesa.
Segundo as regras de hermenêutica jurídica constantes daquele art. 9º do Código Civil e segundo a mais autorizada doutrina o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, ao seu elemento literal ou gramatical, mas a partir dele perscrutar a real intenção do legislador, a mens legislatoris tendo em conta a teleologia da norma atento os interesses que o legislador quis contemplar no tempo histórico em que foi chamado a intervir.
[…] Hoje, também na conjugação dos preceitos legais do PER, integrados no CIRE, e no Memorandum da troika e das suas “imposições” a que o Estado Português se comprometeu a adoptar no que respeita a actuação mais conforme à recuperação das empresas, a introdução a alteração da LGT pela Lei orçamental de 2010, interpretada literalmente, não é compatível com a perspectiva do direito insolvencial actual que coloca a tónica na recuperação da empresa e não na sua liquidação.
O papel de auto-regulação dos credores do insolvente, no quadro do princípio da legalidade, impõe que se adopte uma interpretação restritiva das normas dos arts. 30.º, n.º 2, e 36.º, n.º3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, restringindo o seu campo de aplicação à relação tributária, em sentido estrito, valendo primordialmente na relação Estado-contribuinte, normas que devem ceder no confronto com a legislação especial do direito falimentar.
Depois, atentas as funções sociais do Estado seja na perspectiva social – o direito ao trabalho – seja na perspectiva económica – a interpretação conforme à Constituição, implica que entre uma interpretação que salvaguarde os princípios constitucionais e outra que com eles colida, deve prevalecer aquela.
Não se ignora que os créditos do Estado por impostos e as contribuições para o sistema de Segurança Social são essenciais ao Estado de Direito, na medida em que o Estado, lato sensu, cumpre funções de ordem pública ligadas ao assegurar da Dignidade das pessoas, postulada pela igualdade e tratamento proporcional, politica que executa através da arrecadação de impostos observados os princípio da legalidade e equidade tributárias.
O legislador pretendeu erguer uma barreira à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos créditos tributários no processo de insolvência, acrescentando ao art. 30º da LGT o nº3, pretendendo reforçar o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários; todavia, tal normativo mas não contende com nº2 que permaneceu imodificado. Não faria sentido mantê-lo do ponto em que se a lei geral pode fixar condições para a sua redução ou extinção, por maioria de razão a legislação especial o poderá fazer.
Só haveria desrespeito pelo princípio da legalidade e da igualdade tributárias se o CIRE de maneira discriminatória e desproporcionada reduzisse créditos do Estado ou contribuições da Segurança Social estabelecendo desigualdade entre os credores do insolvente. Se o CIRE, sobretudo após a introdução do processo especial de recuperação visa a salvaguarda da empresa com os olhos postos na sua recuperação, sobretudo em relação às suas obrigações pecuniárias nestas assumem particular relevo as obrigações de natureza fiscal e parafiscal.
[…] O plano de insolvência assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente constitui um negócio atípico, sendo aplicável o regime da ineficácia a quem não anuiu na redução dos seus créditos.
Como ensina Mota Pinto –“Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição – (615 e segs.) – “A ineficácia relativa surge em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou vinculação em causa.”

Concluiu-se que a decisão que homologara o Plano de Revitalização da recorrente era ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social.

No entanto não se deixou de ponderar:

“Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, viola o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos sem atender à particular condição dos demais credores e da insolvência, que contribuem para a recuperação da empresa abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que no contexto do PER o legislador fez introduzir no CIRE.
O CIRE, no seu art. 97º, nº1, als. a) e b), estabeleceu a extinção, com a declaração de insolvência, dos privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência e dos privilégios creditórios especiais, que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Assim, o Estado e o Instituto de Segurança Social, I. P., relativamente a tais créditos, deixaram de integrar o núcleo dos credores privilegiados e passaram a ser considerados simples credores comuns.
Nesta perspectiva, entende-se que no plano da insolvência, abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quorum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam visando a recuperação da empresa pré-insolvente.”

Só em casos em que fossem violados os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade é que o Tribunal poderia considerar válida a decisão dos credores no que respeita à tangibilidade dos créditos do Estado, em derrogação do carácter absoluto e indisponível dos créditos fiscais que importa proteger, dada a função social dos impostos como meios com que o Estado provê à satisfação das necessidades da comunidade em termos de coesão económica e social.

Salvo o devido respeito, este entendimento jurisprudencial, que tem sido o prevalente neste Supremo Tribunal de Justiça e 6ª Secção que tem competência especializada em matéria do foro comercial, excepção feita ao entendimento acolhido no Acórdão de 3.11.2105 – Proc. 12/12.1TYLSB-I-L1-S1 – in www.dgsi.pt – de que foi Relator Salreta Pereira onde se sustentou que a sanção poderia ser a da redução do plano:

A violação do art. 30.º da LGT – quer se traduza na ineficácia, relativamente à Fazenda Nacional, da cláusula do plano referido que prevê o pagamento faseado do crédito, quer se reconduza à nulidade da mesma estipulação – apenas afecta o segmento de um plano de insolvência que consagra a redução, o pagamento parcelado ou um período de carência dos créditos indisponíveis e não impede a sua homologação judicial, conquanto os demais credores pretendam manter o seu voto de aprovação, apesar de aquele não produzir efeitos em relação àqueles créditos.
Não tendo os demais credores tido a oportunidade de se pronunciarem a esse respeito, deve ser ordenada baixa dos autos à 1.ª instância para que tal aí seja promovido.”

O Professor Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, in Recuperação de Empresas: o processo especial de revitalização – Fevereiro 2017 – págs. 127 a 141 – acerca da “moratória ou redução de créditos tributários num plano de recuperação”, aludindo aos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2014 (Fonseca Ramos); de 25.03.2014 (Fernandes do Vale), de 24.03.2015 (Ana Paula Boularot), in www.dgsi.pt, que decidiram ser a sanção adequada a da ineficácia do plano, em relação aos créditos fiscais, entende que a questão da não afectação dos créditos tributários merece ser reponderada à luz de oito argumentos que, doutamente, enuncia.

Alude, ainda, a um argumento de direito comparado: “O nosso plano de insolvência inspira-se (rectius, é decalcado) do plano de insolvência da Insohenzordnung alemã. Ora, é entendimento pacífico da doutrina alemã que os créditos da administração tributária podem ser atingidos por efeito de um plano de insolvência” (nota 335, pág. 141).

A Lei 100/2017, de 28.8, Código de Procedimento e de Processo Tributário, trouxe ligeiras alterações ao art. 196.º, nº13: “Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais”; e ao 199.º, nº6, passando a dizer neste: “Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.”

Estas alterações não trazem relevante novidade aos termos da questão, porque continuam a fazer depender da administração tributária o “consentimento” para alterar os créditos indisponíveis.

A questão que o Acórdão recorrido pondera, no contexto do princípio da igualdade dos credores, do princípio da proporcionalidade e da justa repartição de sacrifícios para a recuperação do devedor, para considerar que a afectação dos créditos do Estado e nos termos em que o foram, constitui violação negligenciável – art. 215º “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano, 10 ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.” do CIRE – foi ponderada nos citados Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.1.2109 e 18.2.2014 e foi na lógica do mal menor que se adoptou a tese da ineficácia.

Continuamos a admitir que, em caso de flagrante e injustificada afirmação intransigente, pela autoridade tributária, das prerrogativas dos créditos fiscais, podem os Tribunais desconsiderá-las, na salvaguarda de interesses públicos, que num patamar de justificados sacrifícios, imponham ao Estado, [no respeito pelo paradigma insolvencial vigente, sobretudo após a Reforma de 2012, com a introdução do PER, já que a finalidade da lei insolvencial é agora a recuperação da empresa devedora e não a liquidação], o seu contributo para evitar a destruição e a liquidação da empresa.

Nesse hipotético quadro de estado de necessidade social e visando evitar a derrocada de empresas, sobretudo, grandes empregadores, num meio social economicamente débil e carenciado, a justiça, a equidade e os fins sociais pelos quais o Estado deve velar, podem conduzir à atenuação daqueles direitos “III Congresso de Direito da Insolvência” – Almedina – 2015 - “Os créditos tributários e a homologação do plano de recuperação” - António Fonseca Ramos, págs. 361 a 81.
, se e quando a posição dos credores públicos for decisiva para a recuperação da sociedade devedora.

Não sendo esse o caso, uma vez que a votação da AT não era sequer decisiva para a aprovação do plano, não se antevê fundamento para alterar a Jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça, e como tal, a decisão recorrida deve ser alterada no sentido que o plano de revitalização, que se mantém homologado, não é oponível ao recorrente Estado.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil


Decisão:

Nestes termos concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, na parte em que considerou válido o conteúdo do plano de revitalização da recorrida, no concernente aos créditos do Estado, que permanecem incólumes, sendo ineficaz, quanto a si, a decisão dos credores, homologada por sentença.

Custas pelos recorridos.


Supremo Tribunal de Justiça, 10 Maio de 2018

Fonseca Ramos (Relator)
Ana Paula Boularot
Pinto de Almeida