Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
82/15.0T8ALJ.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
SEGURO FACULTATIVO
LIBERDADE CONTRATUAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE ADESÃO
INTERPRETAÇÃO
NEGÓCIO FORMAL
APÓLICE DE SEGURO
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL – DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª Edição, p. 262;
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Edição, p. 75;
- José Vasques, Contrato de Seguro, p. 355 e 356;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume 2, p. 309 e 310;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Volume, I, p. 585 e ss.;
- Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, p. 37;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado;
- Romano Martinez, Direito dos Seguros, p. 91 e ss.;
- Vaz Serra, Revista Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, p. 287.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º, 238.º, 364.º, N.º 1 E 405.º.
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
DL N.º 466/85, DE 25 DE OUTUBRO, ALTERADO PELOS DL N.º 220/95, DE 31 DE AGOSTO, DL N.º 249/99, DE 7 DE JULHO E DL N.º 323/2001, DE 17 DE DEZEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 01-03-2016, PROCESSO N.º 1/12.6TBALD.CI.S1;
- DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 907/15.0T8PTG.E1.S2;
- DE 10-03-2016, PROCESSO N.º 137/11.0TBALD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2005, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O nosso ordenamento jurídico não reconhece uma noção de contrato de seguro, todavia, a doutrina tem definido este negócio jurídico como “o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto”

II. O contrato de seguro é um negócio formal, que tem de ser reduzido a escrito chamando-se apólice ao documento que o consubstancia e dela devendo constar todas as condições estipuladas entre as partes.

III. No contrato de seguro facultativo, ramo vida, por via do qual a seguradora se obriga a pagar determinado capital, no caso de verificação do risco coberto, qual seja, a morte ou a invalidez total e permanente do segurado, vigora o princípio da liberdade contratual e, assim, desde que se contenham nos limites legais podem ser introduzidas no contrato quaisquer cláusulas, importando reconhecer que este tipo contratual, está abrangido, na sua génese, pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, às se aplica o respectivo regime.

IV. Contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”, sendo que tais contratos contêm, por via de regra, cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados, suprimindo a liberdade de negociação, uma vez que correspondem a necessidades de contratação em massa, estando de um lado, empresas de grande envergadura económica – nomeadamente seguradoras – que assumem riscos, e, do outro lado, consumidores mais ou menos informados.

V. Em razão da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, a interpretação das cláusulas contratuais deve obedecer às regras prevenidas pelos art.os 236º a 238º do Código Civil, ex vi art.º 10º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o 323/2001, de 17 de Dezembro, acentuando-se que, nos termos do art.º 11º do citado Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o 323/2001, de 17 de Dezembro, em caso de dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente. 

VI. Tem-se por excluída, a cobertura do seguro, nos casos em que o segurado pratica a acção causadora do sinistro, encontrando-se com alcoolemia no sangue, nomeadamente, a condução do veículo interveniente no acidente que causa a morte ao segurado, sendo que no momento do acidente, o segurado conduzia o veículo com uma TAS de 1,80g/l), tendo em consideração o contexto do próprio contrato, onde prevalece o sentido de um aderente normal, colocado na posição de aderente real, sendo apodíctico afirmar que a aderente, quer que os seus trabalhadores, assumam comportamentos que não ponham em causa a sua integridade física, que a ingestão de álcool coloca, e, sabendo nós que a presença de álcool no sangue produz, regra geral, lentidão nas reacções, diminuição da capacidade de visão e de memória, temos de reconhecer, que nenhuma entidade patronal, enquanto aderente do contrato de seguro, quer ter ao seu serviço, um trabalhador que coloque a integridade física em perigo, nomeadamente, na condução de veículo automóvel, com inevitáveis repercussões nos níveis da qualidade do trabalho, importando interpretar a cláusula das condições gerais do contrato, no sentido de reconhecer que o aderente admite bastar à seguradora alegar e provar a acção causadora do sinistro praticada pelo segurado e o facto de este se encontrar, no momento, com álcool no sangue, concebendo-se, uma taxa superior à legalmente admitida, não se exigindo que a seguradora prove ainda o nexo causal, entre a alcoolemia e a morte.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I  – RELATÓRIO


AA, intentou a presente acção com processo comum contra, BB - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €37.409,84, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Articulou, com utilidade, que o seu marido faleceu na sequência de um acidente de viação, tendo a sua entidade patronal transferido para a Ré, além do mais, a responsabilidade pelo pagamento de um prémio de seguro, em caso de morte do mesmo, porém, a Ré furta-se ao pagamento do valor convencionado.

Regularmente citada, a Ré contestou defendendo não ser devido qualquer pagamento à Autora, porquanto, no momento do acidente, o sinistrado estava alcoolizado, com uma taxa de álcool no sangue de 1,8 g/l, como se veio a detectar na autópsia o que, nos termos previstos no contrato de seguro celebrado, exclui a cobertura do risco de morte.

Foi suscitada a intervenção principal de CC que foi admitida a intervir nos autos ao lado da Autora, sua mãe.

O processo prosseguiu os seus regulares termos que culminou com a prolação de sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformadas com a decisão proferida, dela recorreram a Autora e a Interveniente principal, de apelação, para o Tribunal da Relação de …, tendo-se aí, por acórdão de 25 de Janeiro de 2018, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


É contra esta decisão que a Autora/AA e a Interveniente principal/CC, se insurgem, formulando as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … nos presentes autos que confirma a sentença proferida pela 1ª Instância, julgando a ação totalmente improcedente, e em consequência absolvendo a Recorrida, do pedido.

2. Inconformadas com o assim decidido, vem interposto o presente recurso de revista excecional, na medida em que se verifica uma verdadeira oposição de julgados e bem assim está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica se torna necessária para uma melhor aplicação do direito,

Vejamos:

3. Os fundamentos para a revista excecional encontram cobertura legal no art. 672.° do Novo Cód. de Proc. Civ., estabelecendo-se em tal dispositivo fundamentos das mais diversas ordens, desde a oposição de julgado ao tratamento e análise de questões que pela sua singularidade, complexidade ou particular relevância social, sejam necessárias para uma melhor aplicação e compreensão do direito.

4. No que diz respeito ao fundamento da al. c) ele queda-se pela junção de certidão do acórdão-fundamento com a respetiva nota de trânsito em julgado o que, já nas al. a) e b) os fundamentos são das mais diversas ordens, sendo que os primeiros visam garantir uma melhor aplicação do direito e segundos prendem-se com razões de particular relevância social.

5. No que concerne à al. a) dado tratar-se de verdadeira cláusula geral, caberão no eu âmbito nomeadamente situações que surjam e sejam tratada com frequência, e em alguns casos de forma diversa questões de difícil solução e debatidas de forma controversa na doutrina e na jurisprudência ou ainda cuja solução suscita dúvidas e bem assim que sejam suscetíveis de afetar relevantes interesses gerais de uma comunidade, ou seja, se vocacionem a uma melhor aplicação do direito.

6. No caso sub judice, sempre se verificam os requisitos das als. a) e c) do n.º 1 do art. 672.º que legitima a revista excecional e que passaremos a expor.

7. As Recorrentes intentaram ação judicial, pedindo a condenação da Recorrida a pagar-lhes a quantia de €37.409,84, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, por morte de DD cuja vida se encontrava segura pelo contrato de seguro do ramo vida grupo apólice n.º 9220 - 50029126,

8. A Recorrida furta-se ao pagamento do valor convencionado, porquanto o sinistrado aquando da autópsia apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,8 g/l, o que - considera a Recorrida nos termos do contrato de seguro celebrado, exclui a cobertura do risco de morte.

9. Considerou o Tribunal a quo que “da interpretação das cláusulas acordadas pelas partes não resultam dúvidas que caso a morte ocorra por virtude de acidente em que o segurado esteja sob efeito de álcool é suficiente para fazer operar a cláusula de exclusão, sendo irrelevante a perigosidade da curva, ou o cansaço do segurado”.

10. O que veio a ser confirmado na íntegra, em sede de recurso de apelação, pelo Tribunal da Relação de …: «uma cláusula que estabeleça que "a cobertura do risco das Pessoas Seguras não é válida nos casos em que seja provocada por acidente em que a Pessoa Segura esteja em estado de alcoolemia” não considera excluídos do risco morte apenas os acidentes que sejam consequência de embriaguez, mas também aqueles em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolemia, prescindido, assim, do nexo de causalidade entre o acidente e a alcoolemia».

11. A questão essencialmente ali discutida prende-se com a cláusula de exclusão atinente à condução sob influência do álcool e nexo causal.

12. O caso dos autos não é novo, querendo com isto dizer-se que o mesmo já foi objeto de apreciação judicial no acórdão já transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1135/10.7TVLSB.L1.S1, relator Granja da Fonseca de 11-12-2012, bem como no acórdão já transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação de …, processo n.º 288/06.3TBVLN.G1, relator António Sobrinho de 14-05-2009, entre muitos outro, os quais contrariam o acórdão ora recorrido.

13. Na verdade, as mencionadas ações judiciais tiveram por base a mesma questão jurídica e que está em causa nestes autos.

14. Ora, a desconformidade urge quando, na mesma questão de direito - cláusula de exclusão atinente à condução sob influência do álcool e nexo causal - a sentença proferida nestes autos pela primeira instância e o douto acórdão do Tribunal da Relalão de … de que se recorre determinam que o simples facto de a pessoa segura conduzir em estado de alcoolemia é suficiente para afastar a cobertura do seguro, prescindindo do nexo de causalidade entre o acidente e a alcoolemia, contrariamente ao que havia sido decidido no acórdão pretérito.

15. Desta feita, parece-nos evidente, com respeito por opinião diversa que terá de ser a situação submetida a esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça para que de uma vez por todas clarifique a questão jurídica com as implicações legais daí adveniente e por essa via seja também alcançada a segurança e certeza jurídicas que por agora parece não existir.

16. Contudo mesmo que não se entende se - o que não se concede - que tal factualidade se reconduziria à al. c) do n.º 1 do art. 672.º do Cód. de Proc. Civ., sempre a mesma será reconduzível à al. a) do referido normativo, na medida em que a resolução desta questão porá termo às decisões contraditórias sobre a mesma realidade jurídica e por tal ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

17. Como é consabido, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça está limitado à apreciação de questões de Direito, pois que o Supremo não conhece de facto, pelo que, o manancial probatório em que esse Venerando Supremo se moverá, é aquele que provier das instância, seja da 1ª instância, seja da Relação em caso de reapreciação da prova, o qual poderá ser retificado, tendo por base as diversas questões de Direito, quer do ponto de vista subjetivo quer do ponto de vista substantivo, que presidiram à sua apreciação e valoração, quer pelo Tribunal de 1ª Instância quer pelo Tribunal recorrido.

18. Considerou o Tribunal a quo, que depende estreitamente da redação que, em concreto, tiver a cláusula delimitadora do objeto do contrato de seguro, não restando dúvidas que da interpretação das cláusulas acordadas pela partes se mostra suficiente para fazer operar a cláusula de exclusão, o facto de a morte ter ocorrido por virtude de acidente em que o segurado esteja sob efeito de álcool, sendo irrelevante a perigosidade da curva ou o cansaço do segurado.

19. Rejeitando deste modo, a necessidade de provar a existência de nexo de causalidade adequada entre tal condução e a eclosão do acidente,

20. E muito embora o Tribunal da Relação considere que a Recorrida não alegou factos capazes de estabelecer o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, entende que o mesmo não seria necessário, uma vez que as partes definiram o limite de exclusão da cobertura contratual por referência ao volume da alcoolemia legalmente consentido pela lei a quem conduzir veículos automóveis, não se colocando nesta sede a questão do nexo de causalidade entre o efeito do álcool ingerido pelo sinistrado e a eclosão do acidente.

21. No entanto, mais uma vez afirmamos que, a nosso ver, será sempre necessário provar a existência de nexo causalidade adequada entre a taxa de alcoolemia e o acidente ocorrido.

22. Está em causa um contrato de seguro de ramo vida em cuja apólice consta uma cláusula segundo a qual não se considera coberto pelo seguro o risco morte provocado por acontecimentos (doenças ou acidente) sobrevindo à pessoa segura em virtude do consumo de bebida alcoólica-.

 23. A doutrina expendida em matéria de seguros facultativos de danos próprios aplica-se, mutatis mutandis aos seguros de vida como o que está em discussão nos autos.

24. Em obediência ao princípio da liberdade de estipulação contratual consagrada no artigo 405º, n.º 1 do Código Civil, saber se existe ou não exclusão de determinado sinistro da cobertura de um seguro é algo que depende da redação que, em concreto, estiver contida na cláusula delimitadora do objeto do contrato de seguro e da sua interpretação.

25. No caso em concreto, a partes estipularam que a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, caso a morte da pessoa segura “ … seja provocada por: a) Acto criminoso ou actividade dolosa, incluindo qualquer acto intencional que cause prejuízos fisicos, de que o Tomador do Seguro ou beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices. (. . .) b) Doença ou acidente em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolémia, estupefacientes, alucinogénios substâncias psicotrópicas ou semelhantes".

26. O vocábulo "provocar" é sinónimo de "ser a causa de; causar; produzir provocar" in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017.

27. Interpretando a referida cláusula de exclusão à luz das regras aplicáveis em matéria de interpretação de declarações negociais - designadamente, as regras contidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil e artigo 10º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, das quais ressalta que em caso de dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente (nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 446/85) - resulta claro que o que as partes acordaram foi que, para haver exclusão, era necessário que a morte do segurado sobreviesse por consumo de bebidas alcoólicas.

28. Ou seja, no caso sub judice, as partes não definiram o âmbito da exclusão da cobertura contratual por referência ao volume de alcoolémia legalmente consentido na lei portuguesa a quem conduzisse veículos automóveis mas antes por referência aos acidentes sobrevindos à pessoa segura em virtude do consumo de bebidas alcoólicas.

29. Não se pode retirar que o simples facto do segurado estar sob influencia do álcool é logo determinante para que funcione a cláusula de exclusão, atendendo a que o seu estado de maior ou menor sobriedade devido ao álcool tem de ter uma relação efetiva e direta com o evento que deu origem às lesões que foram causa da morte.

30. O Acórdão já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 288/06.3TBVLN.GI, relator António Sobrinho de 14-05-2009, disponível in www.dgsi.pt. teve diferente entendimento do acórdão recorrido, tendo em conta o domínio da mesma legislação e a mesma questão fundamental de direito - cfr. acórdão-fundamento que se junta como documento nº 1.

31. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03.05.2009, disponível in www.dgsi.pt. que versa caso similar.

32. Esta posição é perfilhada maioritariamente pela jurisprudência, podendo ler-se no acórdão já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1135/1 0.7TVLSB.L1.S1, relator Granja da Fonseca de 11-12-2012, disponível em in: www.dgsi.pt – cfr. acórdão-fundamento que se junta como documento n. º 2.

33. Na verdade, permanecem na ordem jurídica vária decisões judiciais (seja proferidas pela 1ª instância, seja pela Relação) sobre a mesma realidade jurídica e com soluções diametralmente opostas que põem a causa a segurança e certeza jurídica que as decisões judiciais assumem na resolução dos problemas concretos da vida quotidiana e constitucionalmente consagrados.

34. No caso dos autos, competia à seguradora ora Recorrida para poder beneficiar da exclusão da cobertura do sinistro, alegar e provar que o acidente de viação do qual resultou a morte do falecido marido da Autora/Recorrente se verificou devido ao facto de o segurado conduzir sob a influência do álcool, não lhe bastando, pois, alegar, como fez, que o acidente ocorreu quando o seu segurado conduzia com excessivo álcool no sangue (artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

35. Neste sentido, vejamos o acórdão do S.T.J. de 23-09-2008, que versa caso similar e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2007, sumariados in www.dgsi.pt.

36. Ora, se se atender à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, terá que se concluir que a Ré, ora Recorrida não logrou fazer qualquer prova do motivo do acidente muito menos conseguiu estabelecer qualquer nexo causal entre o efeito da taxa de álcool verificada no sinistrado e o sinistro automóvel.

37. O Tribunal recorrido não considerou provado quaisquer factos que alicerçassem a verificação do nexo de causalidade entre o álcool e desencadear do evento.

38. Aliás, o próprio acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de … assume que “a Ré Seguradora (que está onerada com a prova. nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C.C) tampouco alegou factos que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a ocorrência do acidente ....”

39. E não podemos presumir, sem mais o nexo causal do simples facto da taxa de álcool ser de 1,8 g/l, sob pena de consubstanciar uma clara violação da ratio do artigo 349º do Código Civil.

40. As presunções assentarn em verdadeiros factos conhecido de verificação e ocorrência certa e não em meras conclusões, hipóteses ou suscetibilidades - admitir o contrário seria violar a ratio do artigo 349º do Código Civil!

41. Assim, também nos parece inadequado concluir que aquele condutor, ou outro na suas condições, sem agir sob a influência do álcool, não se teria despistado, naquele local nas circunstâncias de tempo e lugar.

42. Demanda admitir-se a presente revista por forma a serem dirimidas as questões solvendas, não só pela flagrante oposição de julgados, mas também para a melhor aplicação do Direito. dadas as interpretações e consequências jurídicas dispares que o caso dos autos comporta. seja por reporte a decisões judicias pretéritas sobre o mesmo objecto, seja por confronto com  decisões judiciais proferidas noutras acões judicias, cuja jurisprudência é completamente contrária à vertida no douto acórdão recorrido.

43. Ocorreu incorreta interpretação e aplicacão dos comandos legais, dos arts. 236º e segs., 342º e 563º do Código Civil e os artigos 10° e 11º do  Decreto-Lei  nº 446/85, de 25 de Outubro, por erro de interpretação e de aplicação da lei aos factos  provados e não provadod.

TERMOS EM QUE DEVE MERECER PROVIMENTO O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL E POR VIA DELE SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE JULGUE A AÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA, E CONDENE A RECORRIDA A PAGAR ÀS RECORRENTES A QUANTIA DE €37.409,84 (TRINTA E SETE MIL QUATROCENTOS E NOVE EUROS E OITENTA E QUATRO CÊNTIMOS), POR MORTE DO SEGURADO DD, ACRESCID DE JUROS VENCIDOS E VINCENDOS DESDE A CITAÇÃO E ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO. SÓ ASSIM SE JULGANDO E APLICANDO O DIREITO SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!!!”


Houve contra-alegações apresentadas pela Recorrida/Ré/BB - Companhia de Seguros, S.A.., concluindo pela improcedência do recurso apresentado, consignando as seguintes conclusões:

“1 - A admissibilidade da Revista Excepcional deve ser limitada aos casos expressamente previstos no artigo 672º do CPC, cumpridos que sejam os respectivos pressupostos.

2 - O requerimento de interposição do recurso de Revista Excepcional deve ser prévio e formalmente distinto da respectiva motivação, nele se devendo cumprir o ónus enunciado no n.º 2 do art. 672.º do CPC, sob pena de rejeição do recurso.

3 - No que respeita ao fundamento previsto na al. a), do nº 1, do artigo 672º do CPC não basta alegar em abstracto, que o recurso ê interposto "para uma melhor aplicação do direito".

4 - Conforme vem sendo jurisprudência unanime, é necessário que se indiquem as razões concretas pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Assim, é por exemplo, necessário que se invoque que se trata de uma questão que surja com frequência, sendo objecto de decisões opostas, de difícil solução, suscitando dúvidas que possam afectar a segurança jurídica ...

5 - Ora, os Recorrentes nada alegam, em concreto, para justificar a interposição do recurso ao abrigo da alínea a). do nº 1, do art, 672º do CPC, pelo que, não poderá o mesmo ser admitido com este fundamento. (Neste sentido, vide, designadamente, Revista excepcional n.º 58/04TBMSF.P1-A.S1 de 22-10-2009, Silva Salazar (Relator) Sebastião Póvoas Santos Bernardino, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/revistaexcecionallrevistaexcepcional2011-02.pdf)

6 - No que respeita à admissibilidade de interposição do recurso de Revista Excepcional ao abrigo da aI. c), do nº 1, do art. 672º do CPC, necessário se torna que exista um e não dois acórdãos-fundamento, bem como que o acórdão- fundamento esteja em contradição com o acórdão recorrido e verse sobre a mesma questão fundamental de direito.

7 - Ora, compulsando o teor dos dois acórdãos juntos pelas Recorrentes como alegadamente estando em contradição com o acórdão recorrido, facilmente se constata que tal contradição não existe.

8 - Na verdade, estando em causa seguros facultativos, como é claramente o caso, em que as partes clausularam expressamente que a seguradora não garanta o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento do segurado seja devido a acidente em que for detectado um determinado grau de alcoolémia, não é aplicável a Jurisprudência constante no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2002 no DR I Série - A, de 18-7-02.

9 - Por isso, no âmbito do seguro facultativo, saber se a exclusão do sinistro da cobertura do seguro depende apenas da circunstância de o segurado conduzir com uma T.A.S. superior à legalmente permitida ou se, pelo contrário, é também indispensável a prova da existência de nexo de causalidade adequada entre tal condução e a eclosão do acidente, é algo que depende estritamente da redacção que, em concreto, tiver a cláusula delimitadora do objecto do contrato de seguro, porquanto estamos no âmbito da interpretação das respectivas cláusulas contratuais. Neste sentido, vide designadamente Ac. R. ... de 07 de Novembro de 2013, Colectânea de jurisprudência. - Coimbra, 1976-, ISSN 0870-7979. - A. 38, tomo 5, n.º 250 (novembro-dezembro 2013) p. 75-78.

10 - Ora, quer o acórdão recorrido, quer os dois acórdãos-fundamento acolhem o entendimento supra exposto, não existindo aqui qualquer contradição.

11 - A questão centra-se unicamente na redacção da cláusula que em concreto determina a exclusão do sinistro dos autos do âmbito das coberturas do contrato.

12 - Ora, a redacção da cláusula de exclusão do concreto contrato de seguro dos  autos é bem diversa da redacção das cláusulas insertas nos contratos a que  aludem os dois acórdãos-fundamento.

13 - Pelo que, para situações diferentes, não pode considerar-se existir a necessária contradição.

14 - Termos em que também com este fundamento, não deverá ser admitido o recurso.

15 - Sem prescindir, sempre se dirá que atenta a jurisprudência citada e a matéria  de facto dada como provada, o que importa, essencialmente, é comparar o teor da  cláusula de exclusão do contrato de seguro objecto dos presentes autos e que fundamentou a absolvição da ora Recorrida, com as cláusulas de exclusão que fundamentaram decisão diversa nos acórdãos-fundamento.

16 - Ora, o contraente normal perante as três cláusulas constantes dos três acórdãos, facilmente consegue perceber que a cláusula constante do contrato de seguro objecto dos presentes autos define o seu âmbito de exclusão por referência ao estado de alcoolemia, ao passo que as cláusulas constantes dos dois acórdãos-fundamento definem os respectivos âmbitos de exclusão por referência aos acidentes “originados” por alcoolismo ou “sobrevindos” por consumo de bebidas alcoólicas.

17 - Ou seja, no contrato de seguro dos autos, a redacção da cláusula de exclusão prescinde claramente do nexo de causalidade entre o acidente e a alcoolemia, ao passo que nos contratos de seguro dos acórdãos-fundamento tal nexo de causalidade impõe-se, atentas as expressões utilizadas.

18 - Assim, não há qualquer contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos-fundamento, existindo antes factualidade diversa que impõe enquadramento jurídico diverso.

19 - Acresce que, o aderente real do contrato de seguro dos autos, foi a entidade empregadora da Pessoa Segura, tratando-se de um seguro de grupo celebrado em benefício dos trabalhadores e no âmbito da relação laboral.

20 - Considerando esta particularidade, aderimos em absoluto à fundamentação constante do acórdão recorrido, que aqui damos por integralmente reproduzida.

21 - Ou seja, não se afasta a possibilidade de considerar, admitindo uma interpretação no sentido mais favorável ao aderente, que a cláusula de exclusão do contrato de seguro dos autos respeite apenas a situações de sinistros com taxas de alcoolemia superiores ao mínimo legal.

22 - Mas jamais se pode retirar da redacção adoptada a necessidade de verificação de um nexo de causalidade entre a presença de álcool e o acidente.

23 - Termos em que deve improceder o recurso de revista excepcional Interposto.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelas Recorrentes em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre Justiça.”


Foi lavrado Acórdão na Formação, admitindo a revista excepcional.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Autora/AA e pela Interveniente principal/CC, consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, porquanto, considerando a facticidade adquirida processualmente, impor-se-ia reconhecer que, estando em causa um contrato de seguro de ramo vida, em cuja apólice consta uma cláusula segundo a qual não se considera coberto pelo seguro, o risco morte provocado por acontecimentos, doenças ou acidente, sobrevindo à pessoa segura em virtude do consumo de bebida alcoólica, resulta claro que não se pode retirar que o simples facto do segurado estar sob influencia do álcool é logo determinante para que funcione a cláusula de exclusão, atendendo a que o seu estado de maior ou menor sobriedade devido ao álcool, antes tem de ter uma relação efectiva e directa com o evento que deu origem às lesões que foram causa da morte?


II. 2. Da Matéria de Facto


São os seguintes, os factos considerados provados:

“A) A Autora, AA foi casada com DD. 

B) Contraiu casamento católico no dia 10 de Abril de 2010, na Igreja Paroquial de …, sob o regime de comunhão de adquiridos (cfr. doc. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

C) Esse casamento foi dissolvido por óbito do cônjuge marido, ocorrido no dia 01 de Março de 2012, na freguesia de …, no concelho de Alijó (cfr. doc. n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

D) O falecido DD deixou a suceder-lhe como únicas herdeiras a sua mulher, aqui Autora, e a filha de ambos, CC, nascida em 19 de Setembro de 2010.

E) A morte do malogrado DD foi consequência de um acidente de viação ocorrido pelas 20:00 horas, do dia 01 de Março de 2012 (cfr. doc. n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

F) Tal acidente de viação teve lugar na CM1284, no sentido Santa Eugénia-Murça, a cerca de 3 quilómetros de Santa Eugénia.

G) Altura em que já não havia luz natural.

H) Nesse local inexiste iluminação pública, tendo aí já ocorrido outros acidentes.

I) O local do acidente que vitimou o sinistrado apresenta uma curva à esquerda.

J) Em consequência do acidente de viação e da carbonização do respetivo corpo, o sinistrado sofreu as lesões descritas no Relatório de Autópsia Médico-Legal (cfr. doc. n.º 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

K) As quais foram causa direta e adequada da sua morte.

L) No momento do acidente, o sinistrado conduzia o veículo com uma TAS de 1,80g/l.

M) A EE, Lda., entidade empregadora do sinistrado à data da sua morte, celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo vida grupo (cfr. doc. n.º 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

N) O contrato ficou titulado pela Apólice n.º 9…0 – 50...6 (cfr. doc. n.º 7). 

O) Esse contrato de seguro foi celebrado no interesse do falecido DD, como pessoa segura, cuja vida e invalidez total e permanente, por doença ou acidente, se segurou (cfr. doc. n.º 7).

P) Mais ficou acordado que a prestação da Ré assumida nos termos do contrato de seguro reverte a favor da Autora, como beneficiária/cônjuge, em caso de morte da pessoa segura (doc. n.º 7).

Q) Tendo sido convencionado, pela cobertura em caso de morte, o capital de € 37.409,84 (trinta e sete mil quatrocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) - (cfr. doc. n.º 7).

R) No âmbito do referido acordo, consta do ponto 5.1 das condições gerais, que a cobertura do risco de morte das pessoas seguras é válida seja qual for a causa e o lugar onde a morte ocorra, excepto nos casos em que esta seja provocada por:

a) Acto criminoso ou actividade dolosa, incluindo qualquer acto intencional que cause prejuízos físicos, de que o Tomador do Seguro ou beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices. (…)

b) Doença ou acidente em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolémia, estupefacientes, alucinogénios, substâncias psicotrópicas ou semelhantes.”

Não se provou que:

“1) À hora do acidente, o céu estava totalmente coberto de nuvens e o sinistrado estava muito fatigado.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.


II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, porquanto, considerando a facticidade adquirida processualmente, impor-se-ia reconhecer que, estando em causa um contrato de seguro de ramo vida, em cuja apólice consta uma cláusula segundo a qual não se considera coberto pelo seguro, o risco morte provocado por acontecimentos, doenças ou acidente, sobrevindo à pessoa segura em virtude do consumo de bebida alcoólica, resulta claro que não se pode retirar que o simples facto do segurado estar sob influencia do álcool é logo determinante para que funcione a cláusula de exclusão, atendendo a que o seu estado de maior ou menor sobriedade devido ao álcool, antes tem de ter uma relação efectiva e directa com o evento que deu origem às lesões que foram causa da morte? (1)

Considerando a facticidade demonstrada nos autos, o Tribunal recorrido, concluiu no segmento decisório: “Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada” sendo que do dispositivo da sentença, proferida em 1ª Instância consta: “Face ao exposto, julgo a presente totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo a ré BB – Companhia de Seguros, S.A, do pedido.”

A questão que neste recurso se coloca, confunde-se com aqueloutra colocada ao Tribunal recorrido, que veio a julgar improcedentes os presentes autos declarativos, confirmando a sentença proferida em 1.ª Instância.

Apreciemos, pois, o contrato outorgado entre a Ré/BB - Companhia de Seguros, S.A., e EE, Lda., entidade empregadora de DD, titulado pela apólice n.º 9…0 – 50…6, sendo o contrato celebrado no interesse do DD, cuja vida e invalidez total e permanente, por doença ou acidente, se segurou, acordando, ademais que a prestação da Ré, assumida nos termos do articulado contrato, reverte a favor da Autora/AA e pela Interveniente principal/CC, ora Recorrentes, enquanto beneficiárias, em caso de morte da pessoa segurada, DD, tendo sido convencionado, pela cobertura em caso de morte, o capital de €37.409,84.

Ademais, porque ao caso interessa, consta do ponto 5.1 das condições gerais do ajuizado contrato que “a cobertura do risco de morte das pessoas seguras é válida seja qual for a causa e o lugar onde a morte ocorra, excepto nos casos em que esta seja provocada por: a) Acto criminoso ou actividade dolosa, incluindo qualquer acto intencional que cause prejuízos físicos, de que o Tomador do Seguro ou beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices; b) Doença ou acidente em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolémia, estupefacientes, alucinogénios, substâncias psicotrópicas ou semelhantes”, encerrando a questão atinente à interpretação da estipulada exclusão de responsabilidade, constante da aludida cláusula 5.1, das Condições Gerais da Apólice, o dissídio das partes e que cumpre conhecer a este Tribunal ad quem.

Importa, pois, a qualificação jurídica do ajuizado contrato na medida em que, conforme veremos infra, contribuirá para a interpretação da estipulada cláusula 5.1, das Condições Gerais da Apólice.

O nosso ordenamento jurídico não reconhece uma noção de contrato de seguro, todavia, a doutrina tem definido este negócio jurídico como “o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto”, neste sentido, José Vasques, apud, Contrato de Seguro, página 94.

Na Jurisprudência, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 2005, in, www.ITIJ/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça “o contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outrem de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos causados decorrentes da verificação de certo evento de risco”.

O contrato de seguro é um negócio formal, que tem de ser reduzido a escrito chamando-se apólice ao documento que o consubstancia e dela devendo constar todas as condições estipuladas entre as partes.

Nos termos do direito substantivo civil - Regime Jurídico do Contrato de Seguro - a apólice deverá conter os riscos contra que se faz o seguro, outrossim, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, a par de todas as condições estipuladas entre as partes.

A apólice é, pois, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.

Como sabemos, na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo art.º 405º do Código Civil, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respectiva apólice, posto que, esta exigência legal de documento, sublinhamos, constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam (art.º 364º n.º 1 do Código Civil), neste sentido, e sobre a questão, Moitinho de Almeida, apud, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, página 37, bem como, Menezes Cordeiro, apud, Manual de Direito Comercial, volume, I, páginas 585 e seguintes.

Assim, da apólice deverão constar o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, donde, como defende, Romano Martinez, apud, Direito dos Seguros, páginas 91 e seguintes, e José Vasques, apud, Contrato de Seguro, páginas 355 e 356, o âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos.

A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes, pelo que, impõe-se desde já adiantar, que o contrato de seguro está abrangido, na sua génese, pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.

Revertendo ao caso sub iudice, o ajuizado contrato outorgado entre a Ré/BB - Companhia de Seguros, S.A.., enquanto seguradora, sendo tomador, a EE, Lda., entidade empregadora do segurado DD, contra os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva, deste segurado, tendo como beneficiárias, em caso de morte, as Recorrentes, AA, enquanto cônjuge do segurado, e a sua filha CC, com o capital garantido de €37.409,84, consubstancia um contrato de seguro, em razão do qual a Ré/BB Companhia de Seguros, S.A., se obriga à cobertura de risco sobre a vida ou a saúde do segurado, pelo pagamento do valor pré-fixado, o capital seguro, recebendo, em troca, o pagamento de prémio a cargo do tomador do seguro.

O contrato de seguro em causa é um contrato de seguro facultativo, ramo vida, por via do qual a seguradora se obriga a pagar determinado capital, no caso de verificação do risco coberto, qual seja, a morte ou a invalidez total e permanente do segurado.

Por força da proposta de adesão, a Ré/BB Companhia de Seguros, S.A., obrigou-se a garantir o risco de morte ou invalidez total e permanente ao proponente, tendo como beneficiárias as Recorrentes AA, cônjuge do segurado, DD, e a filha destes, CC, sendo o montante equivalente à cobertura do risco por si assumida, no caso de verificação do evento futuro e incerto - a pessoa segura vir a falecer ou a padecer de invalidez total e permanente - .

É na transferência do risco que se encontra o elemento unificador do contrato de seguro.

É um contrato a favor de terceiro, pois, o tomador não contrata em nome próprio, mas no interesse de terceiro, que adquire um imediato direito de crédito em relação à seguradora por mero efeito do contrato.

Porque se trata de um seguro facultativo vigora o princípio da liberdade contratual e, assim, desde que se contenham nos limites legais podem ser introduzidas no contrato quaisquer cláusulas.

Todavia há que observar e sublinhar, que à questão em causa, como já adiantamos, importa reconhecer que este tipo contratual ajuizado, pacificamente aceite tratar-se de contrato de seguro facultativo, ramo vida, está abrangido, na sua génese, pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, integrando, pois, cláusulas às quais se aplica o aludido regime das cláusulas contratuais gerais.

Esta questão está, inegavelmente relacionada com os apelidados contratos de adesão.

Contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”, neste sentido, Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, página 262.

Tais contratos contêm, por via de regra, “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão”, neste sentido, Galvão Telles, apud, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 75.

Os contratos de adesão suprimem a liberdade de negociação, correspondem a necessidades de contratação em massa, estando de um lado, empresas de grande envergadura económica – no caso seguradoras – que assumem riscos, e, do outro lado - consumidores mais ou menos informados - .

Haverá, pois, que reconhecer, ser desta natureza, o ajuizado contrato de seguro facultativo, ramo vida, que contem cláusulas uniformes e também específicas, de harmonia com os interesses dos outorgantes em presença.

Consabidamente, é por vezes difícil, perante um determinado contrato, reconhecer quais as normas que concretamente resultaram de um acordo específico ou têm a natureza de predeterminadas e de pura adesão.

Porém, sabemos que é a própria lei - art.º 1.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o323/2001, de 17 de Dezembro - que resolve o impasse ao estatuir que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.

Conforme resulta da decisão sobre a matéria de facto, está adquirido processualmente que a consagrada exclusão da responsabilidade, consta das condições gerais do contrato, e, como tal, não foi negociada pelos outorgantes, sendo considerada no âmbito de cláusulas pré-determinadas ou de pura adesão, enquanto cláusulas que se repetem, sistematicamente, em contratos da mesma índole, assumidas e não negociadas, reconhecidamente excluídas de qualquer discussão e acordo entre as partes.

Assim, concebendo e concedendo a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, importa saber, se a seguradora pode valer-se da alegada exclusão de responsabilidade, inserta no ajuizado contrato de seguro, concretamente o item 5.1, das Condições Gerais, e, na sua demonstração, eximir-se à prestação a que estava obrigada na decorrência do contrato.

Tendo por fundamento o princípio da substanciação que enforma o nosso ordenamento jurídico, entendemos, seguindo a posição dominante da nossa Doutrina e Jurisprudência, que cabe ao destinatário da cláusula que pretende afastá-la, ou a quem beneficia desse afastamento, esse ónus de alegação.

Revertendo ao caso sub iudice, divisamos que verificado o sinistro, com o falecimento no dia 1 de Março de 2012, do segurado, DD, a Ré/BB Companhia de Seguros, S.A., invocando as condições gerais do ajuizado contrato, concretamente o ponto 5.1, procura eximir-se ao cumprimento da sua prestação, sustentando ser suficiente a demonstração de que a morte do segurado, DD, foi consequência de um acidente de viação, em que o segurado era o condutor do veiculo interveniente, sendo que no momento do acidente, o segurado conduzia o veículo com uma TAS de 1,80g/l.

Vejamos.

Em razão da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, temos de convir que a interpretação das cláusulas contratuais deve obedecer às regras prevenidas pelos art.os 236º a 238º do Código Civil, ex vi art.º 10º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o323/2001, de 17 de Dezembro, acentuando-se que, nos termos do art.º 11º do citado Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o323/2001, de 17 de Dezembro, em caso de dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente, e compreende-se que assim seja, pois, o aderente não pode ser concebido, nestes casos, como um mero terceiro totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro, como resulta, aliás, de várias considerações.

Em primeiro lugar, e ainda que esta não seja a mais importante, porque das próprias declarações do aderente é que resultará também o complexo de riscos assumidos pelo segurador; em segundo lugar, porquanto a própria actuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo com o aderente; finalmente, e sobretudo, do facto de que no seguro de grupo contributivo é o “terceiro” aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio.

De acordo com o prevenido no artº. 236º, nº. 1, do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”.

O Professor Vaz Serra ensina que esta teoria deve ser entendida do seguinte modo: “(…) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no nº.2 do artigo 236º do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração.” apud, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 103º, página 287.

Por sua vez, o Professor Manuel de Andrade refere: “trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Por outras palavras: parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável”, apud, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 2, páginas 309 e 310.

Os Professores, Pires de Lima e Antunes Varela defendem, igualmente, que “a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante” apud, Código Civil Anotado, volume I, 3ª edição, página 223.

Cumpre interpretar a enunciada cláusula contratual que consagra situações em que a responsabilidade da seguradora é excluída - 5.1 das Condições Gerais – ao cabo e ao resto, saber qual o valor jurídico que esta declaração contém, sendo que a 1ª. Instância e o Tribunal da Relação, deram-lhe o sentido de que “para haver exclusão, basta a morte ocorrer por força de acidente em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolémia”, donde “a simples prova de que o segurado, no momento em que ocorreu o acidente de que lhe advieram as lesões que haveriam de causar-lhe a morte, conduzia com uma T.A.S. de 1,8gr/l, é suficiente para actuar a cláusula de exclusão”, sustentando as Recorrentes/Autora/AA e a Interveniente principal/CC, por seu turno, a necessidade da demonstração do nexo de causalidade adequada, entre a taxa de alcoolemia e o acidente do qual resultou a morte do segurado.

Relembremos o ponto 5.1 das Condições Gerais:

“ a cobertura do risco de morte das pessoas seguras é válida seja qual for a causa e o lugar onde a morte ocorra, excepto nos casos em que esta seja provocada por:

a) Acto criminoso ou actividade dolosa, incluindo qualquer acto intencional que cause prejuízos físicos, de que o Tomador do Seguro ou beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices;

b) Doença ou acidente em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolémia, estupefacientes, alucinogénios, substâncias psicotrópicas ou semelhantes”.

Concebendo a ambiguidade da redacção da enunciada cláusula das condições gerais do contrato, temos de rememorar, não só o enquadramento jurídico que levamos a cabo acerca da interpretação da declaração negocial, consagrando-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”, outrossim, o estatuído no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro alterado pelo Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o323/2001, de 17 de Dezembro, que desperta para a circunstância de que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante normal colocado na posição do aderente real.

O aderente, EE, Lda., que no caso sub iudice importa cuidar, é a própria entidade empregadora do segurado, DD, que ao aderir ao contrato de seguro facultativo, ramo vida, quis, inequivocamente, abranger todo e qualquer acidente, donde como se defende no aresto em escrutínio, “o recurso às taxas de alcoolemia de valores proibidos pela lei para excluir da previsibilidade da norma contratual as taxas não punidas, só fará sentido numa interpretação favorável ao aderente (…)” sendo que “Nenhuma entidade patronal concebe que um seu trabalhador coloque a integridade física em perigo porque as lesões, sejam físicas ou psicológicas, reflectem-se inelutavelmente nos níveis de produção e na qualidade do trabalho (…)”

Sufragamos o entendimento vertido no aresto em escrutínio, sublinhando que as cláusulas gerais inseridas num contrato de adesão, são passíveis de interpretação tendo em consideração o direito substantivo civil – artºs 236º e seguintes do Código Civil – com o enquadramento jurídico já consignado, importando, porque estamos perante um contrato de adesão, atender às particularidades plasmadas nos art.ºs 7º, 10º e 11º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, sobressaindo, pois, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, valendo com um sentido que tem o mínimo de correspondência no texto da respectiva apólice de seguro, donde reconhecemos que no caso dos autos, convirá acentuar que, tratando-se de uma cláusula geral, inseridas no contrato de adesão, dever-se-á ter em conta o contexto do próprio contrato em que se inclui, tomando como orientação um aderente normal, colocado na posição de aderente real, prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido mais favorável ao aderente.

A cláusula de exclusão em causa, no que ao caso interessa, estabelece um nexo entre a acção praticada pelo segurado e o facto de este ser portador de um grau de alcoolemia no sangue, acarretando ter-se por excluída, a cobertura do seguro, nos casos em que o segurado pratica a acção causadora do sinistro, encontrando-se com alcoolemia no sangue, como demonstrado nos autos (condução do veiculo interveniente no acidente que causa a morte ao segurado, sendo que no momento do acidente, o segurado conduzia o veículo com uma TAS de 1,80g/l.), e no contexto do próprio contrato ajuizado, onde prevalece o sentido de um aderente normal, colocado na posição de aderente real, é apodíctico afirmar que temos de razoavelmente contar que a aderente, EE, Lda., quer que os seus trabalhadores, assumam comportamentos que não ponham em causa a sua integridade física, que a ingestão de álcool necessariamente acarreta.

Sabendo nós que a presença de álcool no sangue produz, mormente acima da legalmente admitida, e em regra geral, lentidão nas reacções, diminuição da capacidade de visão e de memória, reconhecemos, sem qualquer reserva, que nenhuma entidade patronal, no caso a EE, Lda., quer ter ao seu serviço um trabalhador que coloque a própria integridade física em perigo, nomeadamente, na condução de veículo automóvel, com inevitáveis repercussões nos níveis da qualidade do trabalho, pelo que, sendo o aderente, a própria entidade empregadora do segurado, importando interpretar a aludida cláusula das condições gerais do contrato, com o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, temos de admitir que o aderente não outorgou o contrato de seguro querendo salvaguardar o risco de morte quando o segurado, seu trabalhador, apresente níveis de alcoolemia, mesmo em caso de morte, superiores ao permitido por lei, acolhendo, nestas circunstâncias, bastar à seguradora alegar e provar a acção causadora do sinistro praticada pelo segurado e o facto de este se encontrar, no momento, com álcool no sangue, concebendo-se, uma taxa superior à legalmente admitida.


Nestas concretas circunstâncias, atendendo o contexto do próprio contrato, tomando como orientação, um aderente normal, colocado na posição de aderente real, prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido mais favorável ao aderente, entendemos não ser de exigir que a seguradora/ Ré/BB Companhia de Seguros, S.A. prove ainda o nexo causal, entre a alcoolemia e a morte, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2018 (Processo n.º 907/15.0T8PTG.E1.S2), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2016 (Processo n.º 1/12.6TBALD.CI.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2016 (Processo n.º 137/11.0TBALD.C1.S1), in, www.dgsi.pt.

Tudo visto, embora a Ré/BB Companhia de Seguros, S.A., esteja onerada com a prova (art.º 342º n.º 2 do Código Civil), conquanto não estejam demonstrados factos que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a ocorrência do acidente que vitimou o segurado, sufragamos o entendimento de que a cláusula de exclusão de responsabilidade, cuja exegese acabamos de enunciar, não considera excluído do risco morte apenas os acidentes que sejam consequência de embriaguez, mas também aqueloutros em que a pessoa segura esteja em estado de alcoolemia, prescindindo, do nexo de causalidade entre o acidente e a alcoolemia, como no caso sub iudice.

Ao não reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pelas Recorrentes/AA e CC, quaisquer virtualidades no sentido de alterarem o destino da presente demanda, uma vez subsumida juridicamente a facticidade apurada, concluímos pela manutenção do julgado no Tribunal recorrido.


IV. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o dispositivo do acórdão recorrido.

Custas pelas Recorrentes/AA e CC.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2018


Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Maria dos Prazeres Beleza