Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2756/08.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
COOPERATIVA
DISSOLUÇÃO
NORMA IMPERATIVA
ESTATUTOS
DIREITOS DOS COOPERADORES
DIREITO À INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Doutrina: - Joana Pereira Dias, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, com coordenação de António Menezes Cordeiro, 2009, Almedina, pág. 462.
- Pinheiro Torres, O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, 1998, Almedina, pág. 285.
- Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1987, Almedina, págs. 61, 67/68.
- Ricardo Costa, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, 2011, Vol II, IDET, pág. 567.
Legislação Nacional: CÓDIGO COOPERATIVO (1996): - ARTIGOS 9.º, 50.º, 77.º, N.º 1, ALÍNEAS A), C), F), N.º2.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS: - ARTIGO 58.º, N.º1, ALÍNEA C), N.º4, 141.º, N.º1 ALÍNEA B), 290.º, 377.º, N.º8.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30-11-1994, C.J.,III, PÁG. 162/164;
-DE 6-4-2000, B.M.J. 496-279.
Sumário :

I - As causas legais de dissolução das cooperativas mencionadas no art. 77.º do CCoop de 1996 são de natureza imperativa, não podendo, assim, ser afastadas por disposição estatutária. É o caso da dissolução por deliberação da assembleia geral prevista no art. 77.º, n.º 1, al. f), do CCoop.
II - Assim sendo, o facto de, nos estatutos da cooperativa, constar como causa de dissolução a deliberação em assembleia geral de que a cooperativa “não pode prosseguir os seus objectivos”, tal causa, posto que válida face ao disposto no referido art. 77.º, n.º 1, que, na al. f), admite que conste dos estatutos outra causa extintiva, não obsta a que a dissolução ocorra pela verificação de causa legal de dissolução.
III - Nem todos os pedidos de informação requeridos previamente a uma assembleia geral devem considerar-se susceptíveis de determinar a anulação da deliberação social nos termos conjugados dos arts. 58.º, n.º 1, al. c), e 290.º do CSC, preceito este que tem em vista as informações que “permitem formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”.
IV - Assim, se, com o pedido de informação, visava o interessado saber, previamente à assembleia geral convocada para deliberar sobre a dissolução da cooperativa, quem eram os cooperantes da Cooperativa, a omissão de tal informação não releva como causa de anulação da deliberação dissolutória que foi aprovada pela maioria qualificada de membros cooperantes exigida pelo CCoop presentes na referida assembleia geral extraordinária.
V - E não poderia assumir essa relevância a partir do momento em que o cooperante que propôs a acção de anulação, não pondo em causa a qualidade de cooperantes daqueles que votaram a deliberação, se limita a sustentar que, atentos os fins da cooperativa e os respectivos estatutos, tais cooperantes não deviam ter sido admitidos nem deviam continuar a ser aceites como cooperantes, pois, enquanto o seu estatuto de cooperante não for afastado pelos meios próprios, tal qualidade não lhes pode deixar de ser reconhecida.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

 1. AA propôs no dia 28-7-2008 acção declarativa com processo ordinário  contra BB, C.R.L. pedindo que seja anulada a deliberação de dissolução da ré tomada na assembleia geral da ré de 28.6.2008.

 2. A assembleia foi convocada no dia 12.6.2008 pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral para deliberar sobre  a dissolução voluntária da Cooperativa nos termos da alínea i) do artigo 49.º do Código Cooperativo, sem prejuízo da deliberação de dissolução tomada na […] assembleia geral de 30.6.2007 ( ver fls. 126).

 3. A ordem de trabalhos foi a seguinte:

Ponto Um:  aprovação da dissolução voluntária de BB., nos termos do artigo 49.º, alínea i) do Código Cooperativo

Ponto Dois:  confirmar , nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78.º/1 do Código Cooperativo, a nomeação da Comissão Liquidatária deliberada na assembleia geral de 30.6.2007 constituída pelos seguintes cooperadores: CC, DD, EE e bem assim conferir-lhes os poderes constantes do artigo 152.º do Código das Sociedades Comerciais e que se transcrevem em listagem anexa.

 4. A sociedade tinha sido dissolvida pela referida deliberação de 30.6.2007, objecto de impugnação que, segundo referiu a autora ( ver requerimento de fls. 496) foi entretanto julgada procedente por decisão transitada em julgado.

 5. Na convocatória para a assembleia geral (doravante designada apenas por AG) que aqui está em causa justificou-se a AG “ considerando que a deliberação da AG de 30 de Junho de 2007 pela qual foi aprovada a dissolução da Cooperativa por esgotamento do respectivo objecto foi impugnada judicialmente […] o  que poderá gerar incerteza quanto ao momento em que a mencionada deliberação produzirá efeitos definitivos, face à interpretação segundo a qual  a mesma apenas ocorrerá na data do trânsito em julgado da decisão proferida naquele processo, o que poderia afectar seriamente a efectivação do processo de liquidação”.

 6. A proposta de dissolução foi aprovada com 13 votos a favor e 4 votos contra - da autora AA,  de FF, de GG e de HH - não tendo havido abstenções, ou seja, com maioria de 76,47% dos votos expressos, portanto, com a maioria qualificada exigida pelo artigo 51.º/2 do Código Cooperativo.

 7. A autora considera a referida deliberação anulável pelas seguintes razões:

 - Não foram prestadas as informações solicitadas pelas cartas ( ver fls. 305 e 306) uma das quais chegou à sede da ré no dia 23-6-2008. Por isso, está pendente pedido de inquérito judicial à sociedade para o exercício de direitos sociais nos termos do artigo 1479.º e seguintes do C.P.C.

- Um dos proponentes e votantes da deliberação de dissolução não é cooperador da ré porque nunca foi detentor de qualquer fracção da Cooperativa; não são cooperadores os ditos “ cooperadores de loja”, a saber, II, EE e JJ e tão pouco é cooperante Pluridelta Lda.; KK também não é cooperante pois não subscreveu nenhum título de capital social;  não se vê que os proponentes  e também os votantes da deliberação tenham cumprido  os seus deveres cooperativos, mormente o dos pagamentos devidos “ em dia”, não se mostrando que os proponentes e votantes da deliberação de dissolução em causa sejam cooperadores da ré com legitimidade para decidir, votar ou deliberar o que quer que seja.

-  O  artigo 29.º dos estatutos prescreve que a Cooperativa se dissolve quando” por deliberação da assembleia geral for decidido que não pode prosseguir os seus objectivos”, constituindo esse o único fundamento estatutário de dissolução; ora, dissolvendo-se a sociedade por fundamento não consentido estatutariamente, a deliberação em causa viola “ disposições do contrato de sociedade” sendo anulável ( artigo 58.º/1, alínea a) do C.S.C.ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo)

-  Os membros dos órgãos da ré deliberadamente não admitiram cooperadores que há muito vêm pedindo a sua admissão, deliberada e ilicitamente desquitaram um cooperador -  LL - não constando do Plano de Actividades de 2008 a aceitação do pedido de demissão de cooperador, não estando inscrita qualquer verba para fazer face aos encargos decorrentes da aceitação pela Cooperativa do pedido de demissão de cooperadores e admitiram a votar pessoas que não são cooperadores.

- Deliberaram a dissolução da Cooperativa sem terem permitido sequer àqueles cooperadores que querem prosseguir o objecto da Cooperativa a moratória prevista na alínea d) do artigo 77.º do Código Cooperativo apesar de tal moratória ( de 90 dias) ter sido expressamente solicitada.

 A acção foi julgada improcedente no despacho saneador com base nas seguintes razões:

 - O fundamento da deliberação não é o que consta do artigo 29.º dos estatutos - impossibilidade de prossecução dos objectivos - mas o que consta do artigo 77.º/1, alínea f) do Código Cooperativo de 1996. Ao contrário do que sucede com as sociedades comerciais (cf. artigo 141.ª/1 do C.S.C.) o Código Cooperativo não prevê a dissolução nos casos previstos no contrato/estatutos, não se incluindo as causas de dissolução entre as menções obrigatórias ou facultativas a constar dos estatutos, o que significa que os estatutos não podem regular de forma diferente da lei e, por isso, é admissível o invocado fundamento, dissolução pura e simples por deliberação da assembleia geral sem necessidade de qualquer fundamentação

- No que respeita ao quorum deliberativo constata-se que a deliberação  de admissão por parte da Direcção é susceptível de recurso para a primeira assembleia geral subsequente (artigo 31.º do Código Cooperativo); os estatutos permitem que pessoas singulares e colectivas sejam membros da Cooperativa, definem as condições de admissão ( por proposta apresentada à Direcção assinada por cooperador no pleno exercício dos seus direitos e pelo candidato) e de pagamento, simultaneamente com a realização dos seus títulos de capital, de uma jóia no valor de 10% do capital social realizado no momento da escritura de constituição da cooperativa, não cabendo aqui avaliar quem é que pode ou não ser membro da Cooperativa, cumprindo apenas verificar se quem votou na AG de dissolução tem ou não essa qualidade. E isto porque da admissão, pela Direcção da Cooperativa, de alguém como cooperador que não reúna os requisitos legais, cabe em primeiro lugar recurso para a assembleia-geral subsequente sendo certo  que nos termos do n.º3 do artigo 31.º do Código Cooperativo qualquer cooperador tem legitimidade para tal recurso. Não se mostra que tal impugnação tenha tido lugar, o que significa que a eventual ilicitude da admissão de um sócio que não seja impugnada pelas vias legais - recurso para a assembleia geral - não é invocável e a qualidade de sócio consolida-se, ficando o admitido a ser titular da plenitude dos respectivos direitos e deveres.

- Quanto aos elementos informativos solicitados, não está provada a relevância e carência dos referidos elementos para participar na assembleia em causa que tinha em vista deliberar sobre a dissolução da cooperativa e a confirmação da comissão liquidatária nem a autora alegou em que medida ou de que forma tais elementos eram imprescindíveis à sua participação na AG.

 - No que respeita à violação do artigo 378.º do C.S.C., não se vislumbra que esse normativo seja aplicável às cooperativas face ao disposto no artigo 50.º do Código Cooperativo que dispõe que são nulas todas as deliberações tomadas sobre matérias  que não constem da ordem de trabalhos fixada  na convocatória, salvo se, estando presentes  ou representados devidamente todos os membros da Cooperativa no pleno gozo dos seus direitos, concordarem, por unanimidade, com a respectiva inclusão  ou se incidir sobre a matéria constante do n.º 1 do artigo 68.º de acordo com o estabelecido no n.º3 do mesmo artigo, ou seja, só será possível incluir na ordem de trabalhos da assembleia outros assuntos  se, estando presentes ou representados devidamente todos os membros da cooperativa no pleno gozo dos seus direitos, concordarem , por unanimidade, com a respectiva inclusão  ou se incidir sobre a matéria constante do n.º1 do artigo 68.º de acordo com  o estabelecido no n.º3 do mesmo artigo, nenhum dos casos se verificando.

Sem embargo, a carta apresentada pelos cooperadores foi objecto de  apreciação pela AG só que não chegou a produzir efeitos pois mostrava-se assinada por  4 cooperadores, quando a lei exige um mínimo de 5, não tendo sido alegados factos que, uma vez provados, permitissem concluir que os demais apresentantes da proposta eram efectivamente cooperadores, admitidos nos termos salientados.

- Por outro lado, e no que respeita às motivações indicadas, não estão alegados factos que permitam concluir que houve abuso do direito com a deliberação assumida.

 8. Interposto recurso pela autora, o Tribunal da Relação deu-lhe provimento considerando que

 o direito à informação para votar a dissolução do ente social não pode ser de menor grau que aquele é considerado indispensável para o voto quando o tema é a aprovação de um relatório de gestão, ou outra das situações referidas pelo Sr. Juiz na sentença.

No caso, a Ré não disponibilizou por iniciativa própria aos seus cooperadores os elementos necessários à formação por estes de uma vontade esclarecida; nem respondeu às cartas da Autora de 19 e 25 de Junho de 2008, endereçadas ao seu Presidente da Direcção, que, aliás, não recebeu, onde solicitava as informações algumas delas manifestamente pertinentes, como é o caso das referidas nas alíneas a) e d) do 9 supra.

 Mas também considerou anulável a deliberação porque

 é livre a criação de uma pessoa colectiva e há a liberdade de modelar os respectivos estatutos, com respeito embora pelos preceitos injuntivos da lei.

Os estatutos  contêm a regulamentação detalhada da corporação, são o seu ordenamento constitucional, ou seja o complexo das normas que regulam de modo abstracto para o futuro a estrutura interna do ente corporativo, o seu modo de funcionamento (cf. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, pag. 533).

A escritura pública de constituição de uma cooperativa deve conter os estatutos - art. 13º, alínea e) do Código Cooperativo.

No caso em apreço, sem a obrigação de o fazer, (vide o art. 15º, nº1 daquele diploma), os cooperadores tiveram a preocupação de deixar estabelecido nos Estatutos que a assembleia geral podia deliberar a dissolução, no caso de ser decidido que “a Cooperativa não pode prosseguir os seus objectivos”. Afigura-se-nos que quiseram limitar àquela situação a possibilidade de dissolução da cooperativa, e não se vê aqui qualquer afronta da lei. Pretendeu-se apenas regular de forma mais exigente os pressupostos da dissolução.

Ora, regendo-se a Ré, em primeira linha, pelo que prevêem os seus Estatutos, e só supletivamente pelas disposições do Cód. Cooperativo, a deliberação da dissolução da Cooperativa por voto maioritário dos cooperadores, sem qualquer decisão sobre a (im)possibilidade da Ré prosseguir os seus objectivos, viola os Estatutos e, como tal, é anulável nos termos da alínea a), do nº1 do art. 58º.

 9. Do presente acórdão, que revogou a sentença anulando a deliberação da assembleia geral da ré de 28-6-2008, recorre a ré que conclui assim a sua minuta nestes termos:

 - O acórdão da Relação , ora recorrido, violou a lei substantiva aplicável ao caso vertente, com manifesto erro de interpretação e aplicação à matéria discutida nos presentes autos

- A cooperativa sempre disponibilizou a todos os cooperadores todas as informações relativas à vida social, como se pode, aliás, confirmar, a título de exemplo, através do doc. n.º4 (4A a 4K) junto com a contestação destes autos.

- Os elementos pedidos pela autora não integram o conceito legal de elementos mínimos de informação tendo em vista a deliberação em causa.

- Não está provada a relevância e carência dos referidos elementos para participar na assembleia em causa que tinha em vista deliberar sobre a dissolução da cooperativa e a confirmação da comissão liquidatária.

- Nem, aliás, a autora alega em que medida ou de que forma os referidos elementos eram imprescindíveis à sua participação na assembleia geral em causa.

- O artigo 58.º/1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais estabelece o dever de fornecer ao sócio apenas os elementos mínimos de informação

- A lei expressamente considera, para efeitos do artigo 58.º/1, alínea c) do C.S.C., elementos mínimos de informação a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.

- Nem o Código Cooperativo nem os estatutos da ré aludem a este aspecto.

- E nenhum dos normativos previstos no Código das Sociedades Comerciais que aludem ao fornecimento de elementos mínimos de informação se aplica ao assunto que foi objecto da assembleia geral em causa nos presentes autos.

- Como consta do ponto 17 da matéria considerada provada pelo acórdão recorrido, o Presidente da Mesa pronunciou-se sobre as questões suscitadas na carta datada de 25-6-2008 que, conforme consta do ponto 11 daquela matéria, solicitava os mesmos elementos da carta datada de 19-6-2008; e decidiu anexar aquela à documentação respeitante à reunião da AG.

- A documentação solicitada pela autora na alínea a) da sua carta de 19-6-2008 esteve sempre e desde o início à disposição dos cooperadores na contabilidade

- As entradas em dinheiro pelos cooperadores na cooperativa constam da escrita social.

- As convocatórias para as Assembleia Gerais de aprovação das contas continham, em anexo, o balancete onde estavam discriminadas as entradas em dinheiro na cooperativa, por parte de todos os cooperadores, sem excepção.

- A acta de aprovação do Plano de Actividades para 2008, solicitada no ponto b) da referida carta, onde se ache planeado nesse ano deliberar sobre a dissolução voluntária da cooperativa, seria, se existisse, absolutamente irrelevante para se decidir do objecto do dia da assembleia que deliberou a dissolução

- Nada obriga, nem se impõe por natureza, que a deliberação em causa tivesse de constar de um “Plano de Actividades” referido no início de cada ano civil, nomeadamente porquanto, como é óbvio, a necessidade de tal deliberação pode ter ocorrido após o início do ano

- Quanto aos elementos solicitados no ponto c) da carta constante do n.º9 da matéria de facto provada, trata-se de elementos que também não tinham a menor relevância, nem se relacionavam com a discussão da ordem do dia da AG.

- Relativamente à lista de cooperadores inscritos e reconhecidos como cooperadores pelos órgãos sociais, solicitada no ponto d) da mencionada carta, sobre tal assunto também se pronunciou o Presidente da Mesa na AG em apreço, como consta do n.º 19 da matéria de facto dada como provada.

- Consta da própria matéria considerada provada no acórdão recorrido, que foram prestados aos cooperadores todos os elementos de informação  que estes pretendiam e necessários à formação de uma vontade esclarecida pelos cooperadores que deliberaram sobre a dissolução da Cooperativa.

- Quanto ao elemento solicitado e referido na alínea e) do ponto 9 da matéria dada como provada, a mesma não tem qualquer relevância para a deliberação a tomar na AG pelo que não constituía um elemento mínimo útil para a decisão a tomar

- Não houve qualquer violação do disposto no artigo 58.º/1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais por alegada falta de fornecimento aos cooperadores de elementos mínimos de informação

- O acórdão recorrido  errou de forma flagrante ao decidir que teria havido violação do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 58.º do C.S.C. porquanto não houve qualquer violação da lei nem do contrato de sociedade.

- O artigo 29.º dos estatutos dispõe apenas que no caso de a assembleia decidir que a cooperativa não pode prosseguir o seu objectivo, a dissolução é obrigatória.

- O artigo 77.º do Código Cooperativo prevê nas alíneas a) a h) oito possibilidades, autónomas, de se proceder à dissolução das cooperativas.

- Uma das possibilidades ali referidas consiste em dissolução por “ deliberação da assembleia geral” - artigo 77.º, alínea f).

- Outra das possibilidades de dissolução é a prevista na alínea c) ,” verificação de qualquer outra causa extintiva prevista nos estatutos”.

- Apenas por aqui se vê que os estatutos da cooperativa podem prever outras causas de extinção , para além das previstas no artigo 77.º do Código Cooperativo, sem afastar a aplicação destas.

- A interpretação feita pelo Tribunal da Relação relativamente ao artigo 29.º dos estatutos de que os cooperadores “ quiseram limitar àquela situação a possibilidade de dissolução da cooperativa” contraria frontalmente a possibilidade prevista no artigo 77.º/1, alínea c) do Código Cooperativo.

- A circunstância de o artigo 29.º dos Estatutos da Cooperativa  determinar que esta se dissolve aquando, por deliberação da AG, for decidido que não pode prosseguir os seus objectivos, não impede, como é óbvio, que possa haver outras causas para a dissolução.

- A interpretação feita no acórdão recorrido de que apenas a causa referida no artigo 29.º dos estatutos da Cooperativa constitui fundamento de dissolução viola de forma frontal e inadmissível o disposto no artigo 77.º do Código Cooperativo.

- Como é óbvio, da redacção desse artigo 29.º não pode concluir-se que os cooperadores quiseram limitar à situação nele prevista os fundamentos de dissolução - o que constitui flagrante violação do artigo 77.º

- São outras causas de dissolução todas as constantes do artigo 77.º do Código Cooperativo que excedem em muito o âmbito do mencionado artigo 29.º.

- Não é assim exacto que a impossibilidade de prosseguir os objectivos da cooperativas seja, legal e estatutariamente, o único fundamento para que a AG possa deliberar a dissolução da Cooperativa.

- A deliberação em causa não viola em nada os estatutos da Cooperativa os quais não impedem - nem podiam impedir - a aplicabilidade das disposições conjugadas do artigo 77.º , alínea f) e 49.º, alínea i) do Código Cooperativo.

- Interpretação diversa, como aquela que defendeu o Tribunal da Relação no acórdão recorrido, levaria ao absurdo de não ser possível dissolver uma cooperativa com qualquer um dos outros fundamentos previstos no artigo 77.º do Código Cooperativo

- Deste modo foi perfeitamente legítima e legal a deliberação de dissolução voluntária da Cooperativa

- Não houve violação do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais por não ter existido qualquer violação de disposições quer da lei, quer do contrato de sociedade.

- Deve, assim, ser julgada válida e legal a deliberação de dissolução em causa nos presentes autos

- Decidindo, como decidiu, o acórdão violou o disposto nos artigos 58.º do Código das Sociedades Comerciais e 77.º do Código Cooperativo.

 Factos provados:

 1. Por escritura pública de 13-03-1998, exarada a fls. 12v a 15 do livro de notas e escrituras diversas nº 169-L, do 17º Cartório Notarial de Lisboa, CC, II, DD, EE, FF,MM, JJ, NN , constituíram entre si  uma cooperativa de responsabilidade limitada denominada “BB,

2. A constituição da “BB” foi matriculada na 1ª secção da CRC de Lisboa, sob o nº 000000000

3. A constituição da “BB…CRL” e respectivos estatutos foram publicados no Diário da República, III, de 25-06-1998.

4. Nos Estatutos da “BB…CRL”, consta nomeadamente o seguinte:

Art.. 3º. Objecto:
1. A cooperativa tem por objecto principal a construção, promoção e aquisição de fogos de habitação dos seus membros, bem como a reparação, remodelação, gestão e manutenção desses fogos;

(…);

Artigo 4º. Realização e subscrição do capital social.

1.  O capital social, variável e ilimitado, encontra-se representado por títulos de capital de 1.000$00 cada, e acha-se realizado em dinheiro, no valor de 2.400.00400.

2- (…).

3.  Cada membro obriga-se a subscrever e realizar, pelo menos, 300 títulos de capital.

Art. 5º.

Os títulos de capital são transmissíveis, mediante autorização da direcção e nos termos e condições previstos no art. 23º do Cód. Cooperativo.

Art. 29º. Dissolução.

A Cooperativa dissolve-se quando, por deliberação da assembleia geral, for decidido que não pode prosseguir os seus objectivos, devendo ser eleita uma comissão liquidatária nos termos e para os efeitos designados na lei.

5. A Autora foi admitida como sócia da Ré, tendo subscrito e pago 300 títulos de capital social, 240.000$00 de jóia e 320.000$00 de quotas.

6. Com data de 04-06-2008, CC, DD, NN e JJ, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 128, com o seguinte teor:

“Exmº Sr. Presidente da Assembleia Geral da Cooperativa BB CRL.

Considerando que a deliberação da assembleia geral de 30-06-2007, pela qual foi aprovada a dissolução da cooperativa, por esgotamento do respectivo objecto, foi impugnada judicialmente em processo que corre termos na Comarca de Lisboa (…), o que poderá gerar incertezas quanto ao momento em que a mencionada deliberação produzirá efeitos definitivos face à interpretação segundo a qual a mesma apenas ocorrerá na data do trânsito em julgado da decisão daquele processo, o que poderia afectar seriamente a efectivação do processo de liquidação, solicita-se a convocação de uma assembleia geral extraordinária, com a ordem de trabalhos infra descrita, para deliberar sobre a dissolução voluntária da Cooperativa nos termos da alínea i) do art. 49º do Cód. Cooperativo, sem prejuízo da deliberação tomada na referida assembleia geral de 30 de Junho de 2007.

Ponto Um: Aprovação da dissolução voluntária da BB CRL, nos termos do art. 49º, alínea i) do Código Cooperativo. “

7. Com data de 12-06-2008, II, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, subscreveu uma Convocatória, dizendo que o fazia a solicitação de um grupo de sócios, nos termos da qual convocou uma Assembleia Geral Extraordinária, “a ter lugar nas instalações do Hotel Íbis, sito na Avenida Casal Ribeiro, 23, Lisboa, no dia 28 de Junho de 2008, pelas 10,30h, para deliberar sobre a dissolução voluntária da Cooperativa, nos termos da al. i) do art. 40º do Cód. Cooperativo, sem prejuízo da deliberação de dissolução tomada na assembleia geral de 30 de Junho de 2007, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: Aprovação da dissolução voluntária da BB CRL, nos termos do art. 49º, alínea i) do Cód. Cooperativo.”

8. A Autora recebeu a carta da convocatória.

9. Com data de 19-06-2008, PP, por si e em representação de AA, endereçou ao Presidente da Direcção da Ré, a carta junta por cópia a fls. 305, em que solicita sejam colocados à sua disposição:

a) documentação sobre as entradas em dinheiro na nossa Cooperativa respeitantes a todos os cooperadores, em especial as respeitantes aos membros dos corpos sociais (fluxos de caixa);

b) acta de aprovação do plano de actividades para 2008, onde se ache planeado neste ano “deliberar sobre a dissolução da cooperativa, como se diz na convocatória;

c) os requerimentos de demissão que tenha havido na Cooperativa, e as respectivas deliberações, bem como a documentação necessária a poder concluir-se pela lisura e transparência de tais requerimentos e respectivas deliberações e sua execução;

d) lista de cooperadores inscritos e reconhecidos como cooperadores pelos órgãos sociais;

e) cópia da petição inicial da acção entrada em tribunal (e logo enviada a Vossa Excelência) de condenação da cooperativa a admitir vários cooperadores cuja admissão tem vindo a ser recusada há ano, pelos membros dos corpos sociais, convocadores da assembleia agora em causa.

10. A referida carta não foi recebida.

11. Com data de 25-06-2008, GG, por si e em representação de AA, QQ, PP e FF (…) endereçou ao Presidente da Direcção da Ré, a carta junta por cópia da fls. 306, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual solicita os elementos referidos na carta referida no número anterior.

12. A referida carta não foi recebida.

13. No dia 18-06-2008 reuniu a Assembleia Geral Extraordinária da Ré, com a ordem de trabalhos referida supra em 7.

14. Na referida AG estavam presentes os cooperadores II, CC, DD e OO.

15. Na referida assembleia foi constatada a existência dos seguintes votos por representação: a cooperadora AA fez-se representar por seu marido PP; o cooperador RR fez-se representar pelo cooperador DD; o cooperador SS fez-se representar pelo cooperador CC.

16. Os cooperadores TT, UU, VV, MM,XX, JJ, NN, ZZ, HH e GG, votaram por correspondência.

17. Da acta da assembleia consta:

“O Senhor Presidente da Mesa deu início à secção, começando por informar ter-lhe sido entregue em mão, aquando do início dos trabalhos, pelo Sr. PP, uma carta datada de 25 de Junho antecedente, que lhe era endereçada, mas que não havia ainda recebido.

O presidente da mesa facultou a leitura dessa carta aos presentes, que a ela procederam, tendo decidido anexar a mesma à documentação respeitante a esta reunião da Assembleia Geral Extraordinária.

Posto isto, o Presidente da Mesa pronunciou-se sobre as questões suscitadas na mesma carta.”

18. A carta a que alude a acta está junta por cópia a fls. 137-139, e foi subscrita a 25-06-2008, por FF, por si em representação de AAA e BBB, CCC, AA, QQ, HH e GG.

19. A referida carta tem o seguinte teor:

1. Considerando que a assembleia geral aprovou a dissolução  voluntária da cooperativa por deliberação de 30-6-2007

2. Considerando que os subscritores do requerimento convocatório ( membros dos corpos sociais da cooperativa) não provam a sua legitimidade para promover a assembleia (pois não nos têm possibilitado saber se estão, ou não, em condições de usufruir todos os direitos cooperativos)

3. Considerando que não goza de seriedade nem tem qualquer validade, sobretudo em face do artigo 150.º do Código das Sociedades Comerciais, a ‘justificação’ da presente assembleia, de que o ‘processo que corre termos pela 1ª secção da 1ª vara da comarca de Lisboa com o n.º 0000000 [instaurado pelo cooperador ZZ poderia afectar seriamente a efectivação do processo de liquidação’ ( não se diz como nem porquê, mas certamente que o tribunal naquele processo não vai permitir a dissolução da Cooperativa).

4. Considerando que os membros dos corpos sociais  promotores da presente assembleia entraram em ‘ acordos de demissão’ da Cooperativa, já depois da dissolução desta.

5. Considerando que alguns dos subscritores do presente documento não são reconhecidos como cooperadores - os quais, no entanto, instauraram e têm pendente acção judicial de condenação da Cooperativa a reconhecê-los como tal ( o que tudo muito bem sabem os membros dos corpos sociais).

Considerando tudo isto e o muito que se tem dito no mesmo sentido, sempre em defesa dos nossos direitos cooperativos

a) os subscritores não admitidos como cooperadores mais uma vez interpõem recurso para a assembleia da recusa da Direcção em admiti-los como tal.

b) Requer-se aos membros da Direcção presentes nesta Assembleia-Geral a admissão à Cooperativa de BBB, de 30 anos de idade, actriz e modelo, a residir temporariamente Los Angeles, representada, em regime de gestão de negócios, pelo cooperador ZZ, devendo ser fixado um prazo nunca inferior a 90 dias para a formalização do presente pedido e para a ratificação da gestão de negócios agora exercida.

c) Para a hipótese de indeferimento do pedido, interpõe-se recurso para a presente assembleia.

d) Para a hipótese de indeferimento do pedido dito em b), interpõe-se recurso para a presente assembleia.

d) Na hipótese de não provimento dos recursos ditos em a) e c) os subscritores deste requerem seja dada sem efeito ou sustada a assembleia convocada até que o tribunal decida a acção dita em 5 sobre a admissão dos cooperadores não reconhecidos.

e) Em caso de resposta negativa à matéria das anteriores alíneas e da submissão a votação dos pontos da ordem do dia todos os subscritores do presente documento votam contra, com fundamento em várias ilegalidades que apontarão nas acções judiciais próprias.

f) E, por este meio, estamos a apresentar, pela quarta vez, declaração da nossa disposição para ‘assegurar a permanência da cooperativa’ para os devidos efeitos, nomeadamente os do n.º3 do artigo 51.º do Código Cooperativo.

g) No caso de aprovação da proposta de deliberação em causa fica anulada a deliberação de 30.06.07.

h) Solicitamos certidão da acta da presente assembleia, acta que nos deverá ser entregue no fim da mesma assembleia.

Solicitamos Senhor Presidente da Mesa que a presente carta, para que dela fique a fazer parte integrante, seja anexada à acta da assembleia geral extraordinária a que diz respeito. 

20. Da acta ficou a constar:

“No referente a uma segunda questão, relativa às assinaturas apostas na carta supra referida, o Presidente do Mesa da Assembleia Geral informou que não recebeu qualquer informação da ex-direcção sobre a decisão de autorizar a entrada de novos cooperadores, tendo solicitado aos membros da ex-direcção presentes e actuais membros da Comissão Liquidatária se todos os subscritores da supra referida carta eram cooperadores.

Seguidamente, os ex-membros da Direcção e actuais membros da Comissão presentes, CC e DD, usaram da palavra para informar que relativamente aos subscritores da carta, só eram cooperadores o Dr. FF a, a Srª AA, o Sr. HH e o Sr. GG; esta informação não mereceu reparo ou discordância dos presentes ou representados.

(…)

Seguidamente, o cooperador DD pediu a palavra e no uso dela solicitou ao representante da cooperadora AA, Sr. PP, que esclarecesse se tinha algum documento de delegação do poderes dos não cooperadores subscritores da referida carta. O Sr. PP respondeu que não dispunha de tais documentos,  com excepção da carta com poderes de representação da sua esposa, AA.

Seguidamente, o cooperador DD pediu a palavra e no uso dela solicitou ao representante da cooperadora AA para que esclarecesse se tinha recebido qualquer documento da ex-direcção sobre o seu pedido de adesão à Cooperativa tendo o mesmo referido não ter recebido qualquer correspondência sobre tal decisão.

Esclarecidas estas questões e ninguém mais tendo querido usar da palavra, o Presidente da Mesa prosseguiu com os trabalhos.

O Presidente da Mesa da AG procedeu à verificação dos documentos e da representação e dos votos por correspondência, tendo o Sr. PP solicitado a sua conferência, o que foi feito.

Não havendo mais assuntos antes da ordem do dia, o Presidente da Mesa colocou à discussão o ponto Um da ordem de trabalhos.

Não tendo havido qualquer pedido de uso da palavra, o Presidente da Mesa colocou à disposição o ponto Um da ordem de trabalhos, tendo-se verificado os seguintes resultados:

Quatro votos contra: AA, GG,ZZ e HH;

Zero abstenções;

Treze votos a favor: quatro cooperadores presentes, dois por representação e sete por correspondência.

Aprovados como foram os pontos Um e Dois da ordem de trabalhos, não havendo quem quisesse usar da palavra e não havendo qualquer declaração de voto, esgotada a ordem de trabalhos e nada mais havendo a tratar, o Presidente da mesa deu a Assembleia Geral Extraordinária por terminada…”.

 Apreciando.

 10. Uma das questões suscitadas é de saber se, no caso vertente, não é admissível a dissolução por deliberação da assembleia geral (artigo 77.º/1, alínea f) do Código Cooperativo de 1996) porque os estatutos da ré prevêem, no artigo 29.º, a dissolução por deliberação da assembleia geral “ quando for decidido que não pode prosseguir os seus objectivos”, impondo-se, assim, atender aos estatutos que prevalecem sobre o regime geral e que devem ser interpretados no sentido de que a dissolução pela assembleia geral está condicionada à decisão que constate a impossibilidade de prossecução dos objectivos da Cooperativa.

 11. Prescreve o artigo 77.º/1, alínea f) do Código Cooperativo que as cooperativas dissolvem-se por deliberação da assembleia geral que é imediata ( ver n.º2), não sendo já imediata a dissolução, prevista na alínea a) do mesmo preceito, por “ esgotamento do objecto, impossibilidade insuperável da sua prossecução ou falta de coincidência entre o objecto real e o objecto expresso nos estatutos”.

 12. As causas de dissolução concretizadas nesse preceito não são taxativas pois a alínea c) do referido artigo 77.º admite que a dissolução ocorra pela “verificação de qualquer outra causa extintiva prevista nos estatutos” e, por isso, não está aqui em causa a questão da validade da causa extintiva estatutariamente contemplada, mas antes a de saber se ela constitui uma causa de dissolução que acresce às que estão contempladas na lei ou se as exclui por serem as causas legais de dissolução de natureza meramente supletiva.

 13. Adiante-se, desde já, que, se este último entendimento merecesse acolhimento, no caso a referida cláusula não pode ser vista como uma cláusula que afasta ou exclui as demais pois, para isso, muito claramente se imporia que a referida norma estatutária prescrevesse que “ a Cooperativa apenas se dissolve quando, por deliberação da assembleia geral, for decidido que não pode prosseguir os seus objectivos devendo ser eleita uma comissão liquidatária nos termos e para os efeitos designados na lei”; ora o vocábulo” apenas” não consta da dita cláusula e, por isso, essa causa de dissolução não poderia ser considerada senão como uma causa que acresce às que estão contempladas na lei, aliás em conformidade com a previsão constante da referida alínea c) do artigo 77.º

14. A natureza imperativa das causas de dissolução da cooperativa compagina-se com o disposto no artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais, diploma subsidiário do Código Cooperativo por força do artigo 9.º deste último, pois não há razão nenhuma para, no ramo do sector cooperativo, afastar a natureza imperativa das causas de dissolução que nele estão previstas. Assim, como refere Ricardo Costa, “ de acordo com a fonte criadora temos causas legais - quando a lei determina que certo facto, por si só ou acompanhado por certos factos, conduz à dissolução, através de norma imperativa e inderrogável (seja nos estatutos, seja por deliberação) - e causas contratuais ou estatutárias - quando é a vontade dos sócios que, plasmada no pacto estatutário da sociedade, determina uma causa dissolutiva diferente da própria vontade dos sócios em dissolver a sociedade” (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, 2011, Vol II, IDET, pág. 567). Aliás, a deliberação dos sócios como “ causa de dissolução é uma manifestação de vontade de dissolver a sociedade, sendo normalmente apontada  como a mais natural das causas de dissolução já que consiste no mútuo dissenso ou contrário consenso, que se funda no princípio geral da não vinculação perpétua” (Joana Pereira Dias in Código das Sociedades Comerciais Anotado com coordenação de António Menezes Cordeiro, 2009, Almedina, pág. 462).

15. Assim, atenta a natureza imperativa das causas legais de dissolução, a norma que, de forma directa ou indirecta, afaste a natureza imperativa de alguma ou de todas essas causas, deve considerar-se nula. Refere a este propósito Raúl Ventura que “ aparecem casos em que a própria sociedade se compromete para com terceiros a não se dissolver (por deliberação dos sócios) e casos em que os contratos de sociedade estipulam que ela não se dissolverá por deliberação dos sócios ( ou por estas palavras, ou por estipulação de uma lista taxativa de causas de dissolução onde aquela não está incluída). Quanto à primeira hipótese, apenas haverá que separar o efeito obrigacional desse acordo, conducente eventualmente a responsabilidade da sociedade, e o efeito dissolutivo da deliberação que, apesar daquele compromisso, venha a ser tomada, efeito esse válido. Quanto à segunda hipótese, a cláusula deverá ser considerada nula, pois são imperativos os preceitos legais que estabelecem causas de dissolução, acrescendo que o efeito prático daquela cláusula seria nenhum, pois se os sócios quisessem, apesar daquela cláusula contratual, dissolver a sociedade, poderiam começar por revogar a dita cláusula” (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1987, Almedina, pág. 67/68).

 16. Podia, portanto, a assembleia geral dissolver a cooperativa. Saliente-se também que a deliberação dos sócios a que alude o artigo 141.º/1, alínea b) do C.S.C. - e por identidade de razão a deliberação dissolutória da assembleia geral da cooperativa - é “ uma deliberação não vinculada […]. Certamente algum motivo agirá no espírito e na vontade dos sócios para estes dissolverem a sociedade, mas esse motivo só é relevante nos termos gerais de direito e não como necessário condicionamento da deliberação; pode, pois, dizer-se que esta deliberação é discricionária. Daí se segue que a deliberação dos sócios, como causa imediata de dissolução, não necessita de ser fundamentada […]. Por definição , esta causa de dissolução só pode operar desde que a sociedade ainda não esteja dissolvida. Teria objecto legalmente impossível a deliberação dos sócios que dissolvesse a sociedade depois de esta ser dissolvida por outra causa, devendo obviamente verificar-se quando a sociedade se dissolveu por essa outra causa” (Raúl Ventura, loc.cit, pág. 61).

 17. A segunda questão reside em saber se a deliberação impugnada pela autora é anulável por não ter sido precedida do fornecimento ao sócio  de elementos mínimos de informação (artigo 58.º/1, alínea c) do C.S.C.).

 18. A este respeito observe-se que os elementos mínimos de informação que são considerados, no n.º4 do referido artigo 58.º - a saber as menções exigidas pelo artigo 377.º/8 e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato -, não estão aqui em causa. No entanto, não sendo esta disposição taxativa, devem ser consideradas, para além daquele mínimo, as informações a prestar requeridas em assembleia geral a que alude o artigo 290.º do C.S.C. , ou seja, aquelas que, como refere o n.º1 do mencionado preceito, permitam ao accionista (in casu ao cooperador) “ formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”. No sentido de que o artigo 58.º/1, alínea c) do C.S.C. deve ser interpretado no sentido de que ao sócio devem ser fornecidas, previamente à assembleia geral  não só as informações constantes do n.º4 do artigo 58.º do C.S.C. , mas também as que tiverem sido requeridas “ desde que necessárias para a formação da sua vontade” , veja-se o Ac. do S.T.J. de 6-4-2000 (Miranda Gusmão) B.M.J. 496-279 e doutrina nele indicada, designadamente Pinheiro Torres, O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, 1998, Almedina, pág. 285 que formula o princípio de que constitui causa de anulabilidade de uma deliberação social “ toda a não prestação (abrangendo a prestação de informação falsa, incompleta ou não elucidativa) ao sócio , pelo órgão social habilitado, de informação respeitante ao assunto sobre o qual a deliberação verse, desde que tal informação se revele necessária para lhe permitir formar opinião fundamentada sobre esse assunto e desde que a sua não prestação, por recusa ou omissão, não integre um caso de recusa lícita de informação”.

 19. Na AG, à autora, então representada por PP, foi prestada informação sobre as questões suscitadas na carta de 25-6-2008, informação que não mereceu “ reparo ou discordância dos presentes ou representados” ( ver 19 supra da matéria de facto). Aliás, sublinhe-se, a autora deu conta nesse pedido de esclarecimento da pendência de acção visando o pedido de reconhecimento como cooperadores de alguns dos subscritores dessa carta dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral. ( ver ponto 5 supra de 19 da matéria de facto)

 20.  Vale isto por dizer que não se vê que tenha sido na assembleia solicitada informação sobre coisa diversa daquela que se visava com o requerimento referenciado em 19, isto é, saber se os demais presentes, admitidos a votar, eram efectivamente cooperantes; o requerimento que foi apreciado na AG tinha em vista a admissão de cooperantes e não a comprovação da qualidade de cooperante dos presentes como tal reconhecidos.

 21. Ora não se vê  que uma deliberação possa ser anulada com o fundamento de que não votaram não cooperantes ainda que, no entender dos próprios e no entender de alguns outros cooperantes, já devessem ter sido admitidos como cooperantes ou ainda com o fundamento de que não votaram aqueles cooperantes que foram excluídos da cooperativa anteriormente à assembleia geral por se considerar que foram indevidamente excluídos, pois tais questões não podem ter incidência nesta deliberação pelo menos enquanto não for reconhecido o acerto de tais pretensões. Com efeito, se está pendente em juízo a impugnação de deliberação que não admitiu certos candidatos como cooperantes - pendência que por eles foi referida - importa aguardar decisão a proferir sendo certo que a mera pendência não é razão suficiente para que tais candidatos tivessem sido admitidos a votar na assembleia ora impugnada.

 22. Quanto aos candidatos que requereram a sua admissão pela carta dirigida ao Presidente da Mesa da AG ( ver facto 19) sobre este ponto não houve pronúncia da AG pois o Presidente da Mesa logo fez salientar que, de acordo com o artigo 50.º do Código Cooperativo, e salvo unanimidade de todos os membros da cooperativa não existente no caso, são “ nulas todas as deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos”. Assim, já no Ac. do S.T.J. de 30-11-1994 (Araújo Ribeiro) C.J.,III, pág. 162/164 se diz que “ não é invocável, como fundamento de anulação de eleição em cooperativa, “ a ilicitude da admissão de determinados cooperantes que intervieram na assembleia, desde que tal admissão não tenha sido impugnada pelo modo e tempo legalmente previstos.

23. Não houve, por conseguinte, deliberação da AG sobre as questões suscitadas na carta referida em 19 da matéria de facto; a direcção não se pronunciou nesse momento sobre a candidatura apresentada e, ainda que o fizesse, não seria nessa assembleia que o recurso deveria ser conhecido mas na assembleia subsequente (artigo 31.º/2 do Código Cooperativo).

24. Por isso, se numa assembleia destinada a deliberar sobre a dissolução da sociedade forem admitidos a votar aqueles que eram os cooperantes como tal reconhecidos, não se pode considerar que tal deliberação é ilegal com o fundamento de que não foram admitidos a votar aqueles que deviam ter sido admitidos e aqueles outros que não deviam ter sido excluídos.

25. Coisa diferente é o pedido de informação que consta de fls. 305 e 306 ( ver factos 9 e 11 da matéria de facto) que tinha em vista designadamente informação sobre os cooperadores inscritos e reconhecidos como cooperadores pelos órgãos sociais. A ausência de informação sobre tais pedidos levou o Tribunal da Relação a anular a deliberação com fundamento no disposto no artigo 58.º/1, alínea c) do C.S.C.

26. Dir-se-á que estamos face a uma informação relevante porque tem em vista obter elementos para saber quais as pessoas que numa cooperativa são os seus membros, pois quem vai votar - e logo numa deliberação que visa a dissolução de uma cooperativa para a qual a lei exige uma maioria qualificada de votos expressos - tem o direito de ser informado sobre a “ lista de cooperadores inscritos e reconhecidos como cooperadores pelos órgãos sociais” e tem igualmente o direito a ser informado sobre se aqueles que foram reconhecidos prestaram as contribuições exigidas, importando o acesso à “ documentação sobre as entradas em dinheiro na […]Cooperativa respeitantes a todos os cooperadores, em especial as respeitantes aos membros dos corpos sociais” ( ver 9 a 12 da matéria de facto).

27. Pode todavia argumentar-se em contrário considerando que esta questão tem a ver com o controlo do quorum deliberativo e não com a necessidade de formação de “ opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação” (artigo 290.º/1 do C.S.C) até porque, tratando-se de dissolução por deliberação da assembleia geral que não carece, como se disse, de motivação, não se descortina com facilidade nexo de causalidade justificativo da relevância. Haja ou não informação , a deliberação será sempre anulável se a maioria qualificada não foi obtida com os votos de cooperantes como tal reconhecidos e não parece que, se a maioria qualificada proveio de votos de cooperantes, seja anulável a deliberação apenas com base na falta objectiva da referida informação.

28. A ideia que nos ocorre de que a informação pode ter relevância porque, embora não careça de ser fundamentada a deliberação, a discussão em assembleia deve efectuar-se apenas entre cooperadores, não se compreendendo que “a opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação” ( ver artigo 290.º/1 do C.S.C.) possa ter a contribuição, porventura decisiva, de presentes na AG que afinal não são cooperadores, tal ideia parece um pouco forçada e formal. A admitir-se, então a relevância deveria talvez ser perspectivada no âmbito de uma justificada causalidade tendo em vista a influência dos presentes não cooperantes na formação da vontade da maioria qualificada que a informação prévia visava obstar. Ainda que assim fosse, continua a parecer- -nos que a deliberação da assembleia geral com base em voto dos cooperantes, exercido no pleno exercício da sua vontade, não poderia, por tal motivo, ser anulada, caindo pela base este argumento.

29. Sucede, porém, no caso vertente, que os referidos pedidos de informação prévios à assembleia geral dirigidos ao Presidente da Direcção da ré não foram recebidos e, por isso, não se pode falar em omissão de informação relevante, provando-se que não houve recepção do pedido de informação. Com efeito, a carta referida em 19 da matéria de facto, que foi objecto de esclarecimento na assembleia, não é nenhuma daquelas que constam de fls. 305 e 306 (ver 9 e 11 da matéria de facto), estas não recebidas ( ver 10 e 12 da matéria de facto), como se disse. Perde, por este motivo, interesse prático a questão de saber se constituem pedidos de informação relevantes aqueles que figuram na aludida correspondência.

30. Seja como for, a autora indicou as razões por que considerou que determinados membros votantes não deviam ser considerados membros da cooperativa, matéria tratada na decisão de 1º instância, não se vendo que, por falta dessa informação, não dispusesse de elementos suficientes para indicar essas razões. Saliente-se, a terminar, que a autora não alegou que os votantes e os presentes na AG não fossem cooperadores; a posição da autora é diversa, pois considera que, atenta a finalidade da cooperativa - de habitação - apenas podem ser admitidos como cooperadores as pessoas que “ objectivem satisfazer as suas necessidades de habitação”, não podendo sê-lo as pessoas colectivas ( ver, porém, o artigo 8.º/1 dos estatutos da cooperativa que diz: “ podem ser membros da Cooperativa as pessoas singulares ou colectivas que satisfaçam os requisitos legais”). No entanto, como já se disse, saber se os cooperadores que foram admitidos não deviam ter sido admitidos ou se entretanto ocorreram razões de exclusão, acaba por não relevar para o caso em apreço, pois não estamos face a uma deliberação que tenha por objecto apreciar tais questões.

Concluindo:

I- As causas legais de dissolução das cooperativas mencionadas no artigo 77º do Código Cooperativo de 1996 são de natureza imperativa, não podendo, assim, ser afastadas por disposição estatutária. É o caso da dissolução por deliberação da assembleia geral prevista no artigo 77.º/1, alínea f) do Código Cooperativo.

III- Assim sendo, o facto de, nos estatutos da cooperativa, constar como causa de dissolução a deliberação em assembleia geral de que a cooperativa “não pode prosseguir os seus objectivos”, tal causa, posto que válida face ao disposto no referido artigo 77.º/1 que na alínea f) admite que conste dos estatutos outra causa extintiva, não obsta a que a dissolução ocorra pela verificação de causa legal de dissolução.

III- Nem todos os pedidos de informação requeridos previamente a uma assembleia geral devem considerar-se susceptíveis de determinar a anulação da deliberação social nos termos conjugados dos artigos 58.º/1,alínea c) e 290.º do C.S.C., preceito este que tem em vista as informações que “ permitem formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”

IV- Assim, se, com o pedido de informação, visava o interessado saber, previamente à assembleia geral convocada para deliberar sobre a dissolução da cooperativa, quem eram os cooperantes da Cooperativa, a omissão de tal informação não releva como causa de anulação da deliberação dissolutória que foi aprovada pela maioria qualificada de membros cooperantes exigida pelo Código Cooperativo presentes na referida assembleia geral extraordinária.

V- E não poderia assumir essa relevância a partir do momento em que o cooperante que propôs a acção de anulação, não pondo em causa a qualidade de cooperantes daqueles que votaram a deliberação, se limita a sustentar que, atentos os fins da cooperativa e os respectivos estatutos, tais cooperantes não deviam ter sido admitidos nem deviam continuar a ser aceites como cooperantes, pois , enquanto o seu estatuto de cooperante não for afastado pelos meios próprios, tal qualidade não lhes pode deixar de ser reconhecida.

Decisão: concede-se a revista e, consequentemente, revoga-se a decisão proferida, subsistindo a sentença de 1º instância

Custas pela A incluídas as devidas na Relação.

 
Lisboa, 28 de Junho 2011

Salazar Casanova (Relator)
Fernandes do Vale
Marques Pereira