Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/02.0IDBRG-X.G1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL
LEI APLICÁVEL
CRIME FISCAL
REGIME JURÍDICO DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
REGIME JURÍDICO DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 437.º, N.º1, 446.º
Jurisprudência Nacional:
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2007.
Sumário :

I — Quando o Supremo Tribunal de Justiça profere um acórdão de fixação de jurisprudência terá que, por força do disposto no art. 437.º, do CPP, se verificar não só a existência de soluções opostas sobre a mesma questão jurídica, mas ainda que estas tenham sido proferidas “no domínio da mesma legislação” (art. 437.º, n.º 1, do CPP). Isto porque o que se pretende é, em nome de uma ideia de segurança e certeza jurídicas, obter uma identidade de decisões. E esta identidade só poderá ser plenamente estabelecida quando esteja em causa a mesma legislação. Além disto, uma qualquer solução jurídica deve ter por base não só o específico normativo que esteja em discussão, mas todo o regime em que este esteja enquadrado, sendo relevante não só todo o diploma em que se integra, mas todo o ordenamento jurídico em vigor.
II — No presente caso, estamos perante um recurso de uma decisão em que se invoca a sua não conformidade com um acórdão de fixação de jurisprudência; trata-se de um recurso que tem em vista a defesa de um interesse na unidade do direito. Porém, para que se possa afirmar esta unidade é necessário que as decisões sejam proferidas no âmbito da mesma legislação. Ora, nas duas decisões em confronto, o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.11.2014, foram proferidos no âmbito de legislações distintas.
III — É certo que se constata, a partir do recurso interposto pelo Ministério Público, que não há uniformidade de jurisprudência quanto à questão de saber se é necessário ou não um despacho para que se possa considerar que a impugnação judicial tributária determina a suspensão do processo penal fiscal e a suspensão de prescrição do procedimento criminal penal por crime fiscal. Porém, a ser assim, outro recurso, o de fixação de jurisprudência, terá que ser interposto.
Decisão Texto Integral:

I Relatório

            1. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães, a 05.12.2014 (cf. certidão a fls. 41), veio interpor recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 446.º do Código de Processo Penal, por considerar que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.11.2014, proferido no proc. n.º 20/02.0IDBRG-X.G1 e transitado em julgado a 17.11.2014 (cf. certidão a fls. 41), decidiu contra a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de fevereiro de 2007 (p. 1294 a1298).

            Apresentou as seguintes conclusões:

«- Em causa nos autos um crime de associação criminosa (p. e p. pelos arts. 89.°, n.°1 e 2, do RGIT e 299.°, n.°1 e 2, do Cód. Penal) e um crime de fraude fiscal agravada (p. e p. pelos arts. 103.°, n.°1, alíneas a) , b) e c) e 104.° n.°1, alíneas d) e e) e n.° 2, do RGIT).

- Aos factos dos autos [quer se atenda à data da consumação como ocorrendo em 23/4/2003 (como se considera na motivação de recurso da 1.a instância —fls. 31, 37, 39), quer se defenda (como é o caso do aresto recorrido) que a data da consumação ocorreu em 29/12/2001 (data da emissão da última factura)], é aplicável a redacção inicial do art. 47.0 do RGIT.

- O processo penal esteve suspenso desde 22/8/2003 até 28/2/2011 (data da entrada do processo de impugnação e data do trânsito em julgado; cfr. supra matéria relativa às duas impugnações), isto é 7 anos, 6 meses e 6 dias, por força da causa de suspensão consagrada no cit. art. 47.° do RGIT.

-  Quer o crime de fraude fiscal qualificada (art. 104.º, n.° 1 do RGIT), quer o de associação criminosa (arts. 89.°, n.°1 e 2, do RGIT e 299.°, n.°1 e 2, do Cód. Penal) são punidos com pena de 1 a 5 anos de prisão.

- O prazo de prescrição dos crimes é de 10 anos (art. 118.°, n.° 1, alínea b) do CP, ex um.0 2 do cit. art. 21.° do RGIT

- assim, atenta à data da consumação (seja em 23/4/2003, seja em 29/12/2001), é manifesto que o procedimento penal não se encontra prescrito, atenta a data da acusação e período de suspensão atrás mencionado.

- Embora exarado no domínio do RJIFNA, mantém-se plenamente vigente o exarado no Ac. 3/2007, DR I S. de 21-2-2007, do seguinte teor:

«Na vigência do artigo 50°, n°1, do Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n° 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.».

- O regime legal sobre que recaiu o Ac. 3/2007 (RJIFNA) é, substancialmente, idêntico ao que rege o caso em análise (versão originária do art. 47.° do RGIT).

- Não foi proferido despacho a pronunciar-se sobre o efeito das impugnações no presente processo, nem tinha, forçosamente, que o ser.

- Além de ser automática a suspensão do processo penal fiscal, tal suspensão estende-se a todos os arguidos, contrariamente ao defendido no aresto em crise.

- O aresto em crise violou a jurisprudência fixada pelo STJ no seu Ac. 3/2007.

Deve, pelo exposto, ser julgado procedente o presente recurso extraordinário, de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ (art. 446.° do CPP), considerando-se não prescrito o procedimento criminal por força da suspensão do processo durante o período acima assinalado, suspensão extensiva a todos os arguidos, com a consequente revogação do aresto recorrido.»

2. Responderam ao recurso interposto os arguidos AA e BB.

AA na sua resposta considerou que “o douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura e decidiu em conformidade com a actual jurisprudência uniforme, encontrando-se ultrapassados os ensinamentos constantes do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007 face à entrada em vigor do RGIT”, pelo que “deve ser julgado improcedente o recurso e em consequência mantida a declaração de prescrição do procedimento criminal”.

BB respondeu alegando, no que ao objecto do recurso diz respeito,

«o Douto Recorrente aponta no seu Recurso as "razões do aresto recorrido".

De facto, o Douto Acórdão recorrido debruça-se sobre as questões da "consumação do crime de fraude fiscal", da "automaticidade (ou não) da suspensão do processo penal tributário" e da "extensão (ou não) - da suspensão aos arguidos não impugnantes".

Só que, o Acórdão 3/2007 do S.T.J. não se pronuncia sobre todas estas questões, ao contrário do que nos parece fazer crer o recorrente. (...)

Desta forma, facilmente se alcança da leitura atenta do Acórdão 3/2007 S.T.J., que este não se pronuncia em parte alguma sobre a questão "da extensão (ou não) da suspensão aos arguidos não impugnantes". Até porque, no caso aí tratado só há um arguido no processo!

É que, apesar de o Douto Acórdão recorrido abordar esta questão, tal não implica que o recorrente a possa invocar no presente Recurso, pois em nada esta parte contraria a Jurisprudência fixada no Acórdão 3/2007 do S.T.J.. A questão é outra.

Assim, mesmo que considerássemos a Jurisprudência fixada no Acórdão 3/2007 do S.T.J., tal não implicaria a alteração do Douto Acórdão recorrido quanto à questão "da extensão (ou não) da suspensão aos arguidos não impugnantes", como é o caso do aqui respondente, até porque em nossa opinião nesta parte a decisão recorrida já transitou em julgado.

Ou seja, mesmo que V. Exas., se limitem a aplicar a Jurisprudência fixada, não deve a decisão alterar-se no que ao aqui respondente concerne, e em consequência manter-se a decisão de arquivamento, por prescrição.

CONCLUSÃO: TERMOS EM QUE, negando provimento ao Recurso e mantendo a Douta decisão recorrida, no que ao arguido, aqui respondente, diz respeito, farão V. Exas., como sempre JUSTIÇA.»

3. No Supremo Tribunal de Justiça, o processo foi concluso à Senhora Procuradora-Geral Ajunta, que apôs “Visto”.

4. No exame preliminar a que se refere o art. 440.º, n.º 1, ex vi art. 446.º, n.º 2, ambos do CPP, considerou-se que o recurso fora tempestivamente interposto e por quem tinha legitimidade.

5. Colhidos os “vistos” e vindo o processo a conferência, nos termos do art. 440.º, n.º 4, do CPP, cabe agora decidir.

II Fundamentação

            1. Nos autos de instrução do processo n.º 20/02.0IDBRG, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, foram os arguidos (AA e outros) acusados, a 24.01.2013, pela prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de associação criminosa, previsto e punido pelos arts. 89.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, e pelo art. 299.º, n.ºs 1 e 2, CP, e pela prática de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, als. a), b) e c), e 104.º, n.º1, als. d) e e), e n.º 2, do RGIT.

            Foi requerida a abertura de instrução por diversos arguidos e, por despacho de não pronúncia do juiz de instrução criminal, 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, de 09.01.2014, foi declarado extinto o procedimento criminal por prescrição.

Deste despacho de não pronúncia recorreu o Ministério Público, para o Tribunal da Relação de Guimarães, considerando que aquele prazo prescricional ainda não tinha decorrido: quer porque considerou que o crime de fraude fiscal se consuma com a liquidação do imposto em causa e aquele prazo ainda não tinha sido ultrapassado, quer porque considerou que aquele prazo esteve suspenso durante a pendência da impugnação judicial tributária.

             O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 03.11.2014, julgou improcedente o recurso interposto pelo MP, considerando que:

                «No caso sub judice, estão em causa um crime de associação criminosa e outro de fraude fiscal qualificada respectivamente ps. e ps. pelos art.ºs 89° n.ºs 1 e 2 e 104° n.ºs 1 alínea d) e e) e 2, ambos do RGIT (L. 15/2001, de 05/06), praticados por todos os co-arguidos não pronunciados (e outros) em co-autoria material e concurso real, crime esse, e quanto ao segundo, consistente na emissão das habitualmente designadas facturas falsas, actividade delituosa que terá terminado em 29/12/2001, com a emissão da última factura.

Àqueles crimes corresponde o prazo prescricional de 10 anos de prisão (art.ºs 21.º n.º 1 e 89° n.ºs 1 e 2 do mesmo RGIT e 118.º n.° 1 alínea b) do Código Penal), sendo o RGIT a lei aplicável, por o último acto criminoso ter sido praticado depois da sua entrada em vigor em 5/07/2001 (...).

O nosso entendimento vai no sentido de que o crime se consuma com a emissão da factura falsa, por ser praticado em co-autoria material, implicando, pois, um acordo prévio para o fim de defraudar o Estado com aquela emissão (...).

Esse prazo é relevante para o início da contagem do prazo prescricional (art.° 119.º n.º 1 do Código Penal, a partir de agora apenas designado por CP), e ocorreu, no nosso entendimento, em 29/12/2001, data da emissão da última factura (...).

Tendo começado a correr o prazo prescricional naquela data, foi o mesmo prazo -interrompido com a constituição de arguidos (art.ºs 21° n.°4 do RGIT e 118° n.° 1 alínea b) do CP), que ocorreu respectivamente, em relação, aos 19 arguidos supra numerados,      respectivamente, em 24/07/2002, 16/08/2002,16/08/2002, 30/07/2002, 31/07/2002, 24/07/2002, 26/09/2002, 4/04/2003, 24/07/2002, 30/07/2002, 25/07/2002, 10/12/2002, 10/12/2002, 24/07/2002, 24/07/2002, 29/07/2002, 18/09/2002, 8/05/2003, e 29/05/2003.

Naquelas datas começaram a correr novos prazos prescricionais, que só voltaram a ser interrompidas com a notificação da acusação deduzida pelo M.P. contra aqueles arguidos, que ocorreu sempre depois de 24/01/2013, data em que a acusação pública foi deduzida, sendo certo que os 8°, 18 e 19° recorridos ainda não estavam notificados dela, aquando da prolação, em 9/01/2014, da decisão recorrida.

Quer isto dizer, que se não tiver qualquer prazo de suspensão da prescrição, o procedimento criminal já estava prescrito relativamente a todos os arguidos que foram constituídos arguidos em 2002, à data da dedução da acusação (24/01/2013), sendo, pois, irrelevante a data em que dela foram notificados (...).

Ora, o prazo prescricional relativamente aos arguidos constituídos arguidos em 2003, e sempre partindo do princípio que não houve suspensão da prescrição, também já terminara à data da prolação da decisão que os considerou prescritos, porque em 2013 (nas respectivas datas em que tinham sido constituídos arguidos) não tinham ainda sido notificados da acusação, único facto apto a interromper, de novo, o prazo prescricional.

Assim, a questão essencial nestes autos, é saber se a impugnação judicial em processo tributário de qualquer das liquidações relativas às facturas falsas em causa nos autos, e concretamente a apresentada pela arguida AA – Comércio de Automóveis, Ldª ou pela sociedade CC - Acessórios Auto, Ldª suspenderam o prazo prescricional de 22/08/2003 a 28/02/2011 (...)  se tal suspensão ocorre ope legis, e se se estende aos co-arguidos não impugnantes. (...)

No caso vertente, as supra referidas impugnações judiciais apresentadas no Tribunal Administrativo e Fiscal foram julgadas improcedentes, a 1.ª pelo TAF de Braga por decisão transitada em julgado em 7/03/2006, e a 2.ª pelo TCA Norte em 28/02/2011 (data do trânsito em julgado).

Essas decisões tinham a ver com viaturas compradas aos co-arguidos DD e EE, pelo que, a verificar-se a suspensão do prazo prescricional, em função daquela impugnação judicial, a mesma aproveitaria apenas à impugnante, àqueles arguidos e ao recorrido AA, por ser o legal representante e a pessoa que agiu no interesse daquela AA - Comércio de Automóveis, Ld.ª.

Na verdade, e não obstante o defendido pelo digno recorrente, entendemos que os efeitos da suspensão do prazo prescricional nos termos do n.° 1 do art.° 47.º do RGIT, sendo de natureza pessoal não pode beneficiar ou prejudicar terceiros para os quais a impugnação judicial apresentada não constitua uma verdadeira questão prejudicial(...).

Acresce que, defendemos que a suspensão do prazo prescricional nos termos do n.° 1 do art.° 47° do RGIT não ocorre ipso facto, mas apenas ope judicis, ou seja, através de declaração judicial, na qual seja feito um juízo de adequação formal da efectiva prejudicialidade das questões a decidir nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que imponha de facto a suspensão do processo penal tributário (neste sentido, que é actualmente jurisprudência uniforme, entre outros, ver Acórdãos, do TRP de 28/03/2012 e 23/01/2013, respectivamente dos Relatores Desembargadores Joaquim Gomes e Alves Duarte, e deste Tribunal de 9/01/2012 em que foi relatora a Ex.ma desembargadora Ana Teixeira e Silva, conhecendo-se como divergentes apenas, além daquele acórdão do STJ, o do TRP de 22/09/2010, relatado pela Senhora Desembargadora Maria Leonor Esteves).

No processo principal nunca foi proferido qualquer despacho nesse sentido (...).

Não tendo sido proferido tal despacho, nunca o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes imputados no processo principal se suspendeu, em função das impugnações judiciais em causa, pelo que, se encontrava já prescrito tal procedimento, à data da decisão recorrida.

Improcede, pois, na totalidade o recurso interposto.» (negritos no original)

            Entende agora o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães que o acórdão supra referido foi proferido contra o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007. E assim o entende apesar de expressamente afirmar que o regime legal vigente ao tempo em que um e outro acórdão foram proferidos é distinto.

O Senhor Procurador-Geral Adjunto começa por considerar, expressamente, que “na data da consumação dos factos  [“quer se atenda à data da consumação como ocorrendo em  23/4/2003 (...) , quer se defenda (...) que a data da consumação ocorreu em 29/12/2001” — fls. 7]  já vigorava o actual RGIT (L 15/2001), que sucedeu ao RJIFNA (DL 20-A/90)” (fls 9), pelo que “tem aplicação, no caso presente, a redacção inicial do art. 47.º do RGIT, dado que a consumação dos crimes ocorreu antes de 2006” (fls. 8, sublinhado e negrito no original). E continua afirmando “É sabido que o presente recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ pressupõe o mesmo enquadramento fáctico e legal (art. 437.º, n.º 1 e 3, ex vi art. 446.º, n.º 1, do CPP). 

Embora formalmente se possa afirmar que é diferente o regime legal sobre que recaiu o Ac. 3/2007 (RJIFNA), do regime vigente (RGIT), parece não haver dúvidas que, substancialmente, estamos em face do mesmo enquadramento” (fls. 9, sublinhados, negritos e itálicos no original).

Ora, quando o Supremo Tribunal de Justiça profere um acórdão de fixação de jurisprudência terá que, por força do disposto no art. 437.º, do CPP, se verificar não só a existência de soluções opostas sobre a mesma questão jurídica, mas ainda que estas tenham sido proferidas “no domínio da mesma legislação” (art. 437.º, n.º 1, do CPP). Isto porque o que se pretende é, em nome de uma ideia de segurança e certeza jurídicas, obter uma identidade de decisões. E esta identidade só poderá ser plenamente estabelecida quando esteja em causa a mesma legislação. Além disto, uma qualquer solução jurídica deve ter por base não só o específico normativo que esteja em discussão, mas todo o regime em que este esteja enquadrado, sendo relevante não só todo o diploma em que se integra, mas todo o ordenamento jurídico em vigor.

Ora, no presente caso, estamos perante um recurso de uma decisão em que se invoca a sua não conformidade com um acórdão de fixação de jurisprudência; trata-se de um recurso que tem em vista a defesa de um interesse na unidade do direito. Porém, para que se possa afirmar esta unidade é necessário que as decisões sejam proferidas no âmbito da mesma legislação.    Ora, nas duas decisões em confronto, o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.11.2014, foram proferidos no âmbito de legislações distintas. No primeiro caso, a legislação em vigor era o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro) e, no segundo caso, a legislação em vigor é o Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (e com as alterações introduzidas até à data da consumação dos factos — quer se entenda que esta ocorreu a 23.04.2003, quer se entenda que ocorreu a 29.12.2001 — ou seja, com as alterações introduzidas apenas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, ou também com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31 de outubro e Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro). Fácil é constatar que a legislação subjacente a cada uma das decisões é diversa. Ainda que se pretenda dizer que os dispositivos em questão — art. 50.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15.01, na redação dada pelo decreto-lei n.º 394/93, de 24.11 (RJIFNA) e art. 47.º da Lei n.º 15/2001, de 05.06 (RGIT)[1] — são idênticos, o certo é que estão integrados no âmbito de diplomas distintos, pelo que caberia analisar a redação do art. 47.º da Lei n.º 15/2001 e verificar se se poderia dar a mesma solução que foi defendida no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007. E não se diga que pelo facto de ao tempo em que o acórdão de fixação de jurisprudência foi proferido, e porque expressamente já se referiu a este novo diploma (RGIT), que aquela decisão pode ser aplicada a este — como se disse é necessário analisar todo o regime para que depois se possa (ou não) chegar à mesma conclusão que foi anteriormente alcançada. E só assim se pode entender tendo em conta que, se, por absurdo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não fosse de uniformização de jurisprudência, ainda que com solução distinta do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, não haveria fundamento para que se interpusesse recurso de uniformização de jurisprudência, uma vez que ambas as decisões não tinham sido proferidas no domínio da mesma legislação, ou seja, ambas não tinham aplicado as mesmas normas jurídicas. E como se sabe, é jurisprudência uniforme deste Tribunal este entendimento.

É certo que se constata, a partir do recurso interposto pelo Ministério Público, que não há uniformidade de jurisprudência quanto à questão de saber se é necessário ou não um despacho para que se possa considerar que a impugnação judicial tributária determina a suspensão do processo penal fiscal e a suspensão de prescrição do procedimento criminal penal por crime fiscal. Porém, a ser assim, outro recurso, o de fixação de jurisprudência, terá que ser interposto. E não se pode agora aqui suprir esta deficiência aproveitando o agora interposto, porque, como vimos, desde logo, um dos pressupostos substanciais não está verificado — o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.11.2014, os acórdãos em conflito, não foram proferidos no âmbito da mesma legislação.

Assim sendo, entende-se que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não foi proferido contra jurisprudência fixada por este Tribunal, pelo que, não estando cumpridos os pressupostos do art. 446.º, do CPP, é rejeitado o recurso. 

III Conclusão

            Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de interposto pelo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da relação de Guimarães.

            Não há lugar ao pagamento de custas por força do disposto no art. 522.º, n.º 1, do CPP.

                                               Supremo Tribunal de Justiça, 29 de abril de 2015        

Os juízes Conselheiros,

(Helena Moniz)

(Nuno Gomes da Silva)

---------
[1] Este dispositivo apenas sofreu nova alteração com a Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, ou seja, em data posterior à consumação dos factos dos presentes autos.