Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
296/16.6T8GRD.C1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: PERDA DE CHANCE
DANO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
CONTRATO DE MANDATO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
EQUIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
MANDATO FORENSE
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
Doutrina:
- Durval Ferreira, Dano da Perda de Chance, Responsabilidade Civil, 2.ª Edição, 2017, Vida Económica, p. 257;
- João Lopes Reis, Representação Forense e Arbitragem, p. 43;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 9.ª Edição, p. 971 e 972;
- Mota PintoPerda de chance processual, RLJ, ano 145.º, Março-Abril de 2016, p. 191, 192, 198 e 200;
- Nuno Santos Rocha, Perda de chance Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, p. 66, 67 e 81;
- Patrícia Leal Cordeiro da Costa, Dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado , p. 75, 101 e 105, em www.verbojurídico.pt.;
- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora 2008, p. 229 e 230;
- Vera Lúcia Raposo, Em busca da chance perdida , O dano da perda de chance, em especial na responsabilidade médica, Revista do Ministério Público n.º138, Abril/Junho-2014, p. 32.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.ºS 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 21-10-1993 , IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ E ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 22-10-2009, PROCESSO N.º 409/09.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 29-04-2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 29-04-2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 28-09-2010, PROCESSO N.º 171/2002.S, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 29-11-2012, PROCESSO N.º 29/04.0TBAFE.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 05-02-2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 298/10.6TBAGN.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 05-11-2013, PROCESSO Nº 1150/10.0TBABT.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 01-07-2014, PROCESSO N.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L2-A.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L2-A.D.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 15/11.3TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 09-12-2014, PROCESSO N.º 1378/11.6TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 338/11.1TBCVL.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 614/06.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 09-07-2015, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 19-05-2016, PROCESSO N.º 6473/03.2TVPRT.P1.S.1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 18-09-2012, RELATORA GRAÇA ARAÚJO;
- DE 09-07-2015, RELATOR TOMÉ GOMES, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A rejeição de um recurso por intempestivo importa para a parte recorrente a perda da oportunidade de ver a sua pretensão apreciada pelo tribunal superior.

II. A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por  suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.

II. Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório


1. AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 36.325,00, acrescida de juros de mora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos e decorrentes da perda de chance motivada pelo facto de o réu, na qualidade de seu advogado, não ter interposto recurso para o Tribunal da Relação da sentença proferida no processo nº 127/10.0TTCV-B do Tribunal de Trabalho.

Alegou, para tanto e em síntese, que o réu, na qualidade de advogado, foi por si mandatado para interpor recurso da sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução, que o autor, na qualidade de exequente, intentara no Tribunal de Trabalho da Covilhã (Proc. n.º 127/10.0TTCV-B), contra CC - COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S.A. (anteriormente designada DD - Automóveis, S.A.).

O réu interpôs recurso desta decisão, mas fê-lo no prazo de 30 dias, quando é certo que não podia ignorar que, versando sobre matéria de direito e não de facto, o prazo para, o efeito, era de apenas 20 dias, o que ditou a rejeição do recurso por parte do Tribunal da Relação.

Mercê da perda de oportunidade de uma segunda decisão, o autor viu frustrada a sua expetativa de receber a quantia de € 6.325,00, sofrendo ainda danos não patrimoniais que contabilizou em € 30.000,00.

Citado, o Réu contestou, sustentando, no essencial, não ter cometido qualquer erro, tanto mais que o tribunal de 1ª instância admitiu o recurso e, no seu entender, a consequência da falta de especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que ditou a rejeição do recurso por parte do Tribunal da Relação, não é a intempestividade do recurso de direito.

De qualquer modo e para que o autor não ficasse prejudicado, participou a situação à Companhia de Seguros EE, S.A..

Requereu, por isso, a intervenção provocada desta seguradora.


3. Admitida a intervenção, a Companhia de Seguros EE, S.A., contestou, invocando a exclusão da apólice, por falta de participação do alegado evento no prazo acordado, bem como a falta de causalidade entre o ilícito e os danos e sustentando a inexistência de perda de chance, por não se poder dizer que, não fora tal atitude do réu, o autor poderia razoavelmente obter uma situação jurídica vantajosa.


4. Realizada audiência final foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente provada e procedente, condenou os réus a pagarem ao autor a quantia global de 1.581,25€, sendo o réu BB responsável pelo pagamento de 10% e a companhia seguradora de 90% desse montante, acrescida de juros legais de mora à taxa legal desde a citação.

5. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 2018.04.12, sem voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


6. De novo, inconformado com este acórdão, o autor interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I - Trata-se neste caso de uma acção proposta pelo cliente contra o Advogado prestigioso, o que determina, neste preciso enquadramento, estarem em causa interesses de particular relevância social, em ordem a ficar segura a imagem pública da equidade no tratamento destes adversários.

II - Assim, tem pelo cabimento a Revista excepcional, perante o art.° 672.°/ 1/ b do CPC.

III - E para além do mais, também a "dupla conforme", neste caso, releva de um manifesto erro de aplicação do direito pertinente ao caso.

IV - Na verdade, a perda de oportunidade em que o recorrente incorreu, por não ter sido interposto, no prazo, o recurso laboral a que tinha direito, vale mais do que 25% de ganho de causa previsional.

V - É prudente e dentro do bom senso das regras da experiência comum, fixar a medida do ganho previsional, em abstracto, no recurso, em 75%, enquanto numa concretização, levada a cabo pelo recorrido, Advogado experiente e de boa fama consolidada no foro, pode ser tida em menos de 10% dessa margem. 

VI - Ou seja, o parâmetro do ressarcimento dos prejuízos inerentes ao quantum não recebido da indemnização laboral, pelo recorrente, remete-nos para um resultado de € 4.269,37 e não para o montante de € 1.581,25, acolhido na “dupla conforme”.

VII - Resultado corrigido este a que tem de acrescer a verba correspondente à remoção do prejuízo por dano não patrimonial, verba que o recorrente estima, tal como na petição inicial, em € 30.000,00.

VIII - Montante este não passível de redução percentual, por ter como supostos a agitação e dor indignada que lhe determinou ter ficado de fora de um debate, de facto e de direito, intenso e autónomo, se relacionado com o ganho indexado à totalidade da indemnização laboral acordada.

IX - A "dupla conforme", na perspectiva da discordância do recorrente para com o acórdão recorrido, do Venerando Tribunal da Relação de …, errou, quando não deu autonomia ao dano moral alegado e comprovado durante o debate da causa.

X - E do mesmo modo errou, ao fixar em 25% a medida do ressarcimento do dano material, indexado, por consumpção, pelo acórdão recorrido, na sequência da sentença de 1.a Instância, ao dano de sofrimento pela perda de oportunidade de recorrer do recorrente.

XI - Nestes termos, vistos os art.°s 562.° e 564.° do CC, deve o acórdão recorrido ser revogado, para uma substituição em conformidade com o que fica proposto nestas conclusões.

XII - Não tendo valor em contrário o argumento de que o acórdão lançou mão, no sentido de, na minuta do recurso (não recebido), ter sido cometido erro claudicar (sempre acresceria ao motivo da indemnização)».


7. O réu respondeu, pugnando pela inadmissibilidade e improcedência do recurso terminando as suas contra alegações, na parte não prejudicada pela questão prévia da admissibilidade do recurso de revista excecional, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«17. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, como infra melhor deixaremos demonstrado, a sentença proferida em primeira instância e confirmada pelo Acórdão da Relação de … não merecem qualquer reparo.

18. O recorrente peticionou a condenação do recorrido no pagamento de uma indemnização de € 36.325,00 (trinta e seis mil trezentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora, sendo:

18.1. A quantia de € 6.325,00 (seis mil trezentos e vinte e cinco euros) correspondente a danos patrimoniais;

18.2. A quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) referente a danos não patrimoniais;

19.  Ora, a única questão a decidir nos autos era a seguinte: "Se houve, por parte do Réu, incumprimento do contrato de mandato e, a existir, se o mesmo é civilmente responsável pelo pagamento de uma indemnização ao Autor, com que fundamento e por que montante".

20.  O juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor.

21.  O recorrente, no recurso apresentado, não impugna a matéria de facto dada como provada e não provada, pese embora da leitura do mesmo se extraia que se pretende a reapreciação da prova quanto ao quantum indemnizatório, quer relativo à “ perda de chance", quer relativo aos danos não patrimoniais, porquanto apenas com a reapreciação da prova o recorrente poderia, eventualmente, ver a sua pretensão "deferida".

22.  Com efeito, para o tribunal ad quem proceder à reapreciação da prova, não basta a mera alegação de entendimento diverso do fixado na sentença recorrida.

23.  Uma das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, quando impugnada, em sede de recurso, porquanto, afinal, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da acção.

24.   O legislador impôs à parte que pretenda impugnar a decisão de acto o respectivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo Tribunal "a quo".  Trata-se, em resumo, de cumprir, de forma rigorosa, o ónus de impugnação estatuído no artigo 640º do C. P. Civil.

25.   Ou seja, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

26.   Não o tendo feito, o julgamento de facto, tal como ficou assente na primeira instância (factos provados e não provados) terá de se manter inalterado, dado não se verificarem cumpridas as exigências contidas nas disposições do artigo 640º do C. P. Civil, o que obsta, salvo melhor opinião em sentido diverso, ao conhecimento do recurso, porquanto a questão que o recorrente pretende ver analisada, como supra já referimos, implicaria, necessariamente, a reapreciação da prova, nomeadamente dos factos não provados.

27.  O recurso não se destina a julgar de novo a matéria de facto, até porque a segunda instância não tem a seu alcance a atitude das testemunhas, as suas reacções gestuais, os embaraços, a maior ou menor firmeza que sustentam os olhares, etc.

28.  Como resulta dos acórdãos do STJ de 30/04/2002, Processo n° 02A4324, in www.dgsi.pt e como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in "Dos recursos", pág. 258, "A Relação não procede à reconstrução ex novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas pelo decisor do tribunal a quo as regras de avaliação prudencial.

29.  Ora, quer da sentença proferida em primeira instância, quer do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não resulta qualquer violação das regras.

30.  A convicção do Juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo, não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais (Ac. do STJ, de 11/12/2003, Processo n°03B3893. in www.dgsi.pt).

31.  Nesta conformidade (e como em qualquer actividade humana) existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e, até, falibilidade, essencialmente no que concerne à decisão sobre a matéria de facto.

32.  Nesta perspectiva importa referir que, na sequência de vasta jurisprudência, a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1a instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.

33.  É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga, nesta matéria, ex novo. Isto porque tal constituiria uma total desconsideração do julgador de la instância e, ainda "injustificada sobrecarga que adviria para o tribunal de recurso e, até, o indesejável surgimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual (Ac. STJ de 14/01/2009, Processo nº 08S934, in www.dgsi.pt).

34. Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum.

DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO - ("PERDA DE CHANCE")

35.  Neste particular, entende o recorrente, a este respeito, que "(...) não é congruente o critério da Mma. juíza a quo, de ter reduzido a 25% a amplitude do prejuízo causado ao recorrente — perda do montante do pedido: €6.325,00 — pelo comprovado dano da perda de chance, inerente à perda do prazo de recurso da correspondente decisão judicial negativa. Com efeito, resulta até da motivação da sentença recorrida que a prespectiva acerca do vencimento do recorrente no recurso falhado justifica apenas uma compressão de 10%, se na estimativa acabar por ser seguido um ponto de vista de proporcional racionalidade estrita. (...)".

36. Com o devido respeito, não podemos acompanhar tal raciocínio. A convicção do tribunal, com base nas declarações prestadas e no alegado nas peças processuais, é que, de facto, o Réu achou que o recurso poderia ter alguma viabilidade. Na verdade, tratava de interpretar a transacção de acordo com a vontade das partes, sendo que da letra da mesma não era feita referência ao que já havia sido feito antes da acção no tribunal de trabalho. Por outro lado, gozando o Autor de apoio judiciário, não teria custos, pelo que, por ambas as razões, aceitou o patrocínio. Intentou o recurso em 30 dias, pugnando até final que o poderia fazer, não obstante não ter dado cumprimento estrito aos ónus da impugnação da matéria de facto.

37. Como bem refere a sentença recorrida, resultou provado que o Réu, advogado com larga experiência, nunca assegurou um resultado ao A. (e nem o poderia fazer, por dele não depender).

38. A obrigação do Réu, advogado, enquanto mandatário, consiste na prática dos actos compreendidos no mandato de acordo com as instruções do A., mas também em conformidade com as normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados), no essencial, desenvolvendo uma actividade profissional tecnicamente qualificada, escolhendo e utilizando os meios mais idóneos com vista a conseguir o resultado.

39. Não se lhe exige que obtenha o resultado, já que este não depende exclusivamente de si, sendo por isso, uma obrigação de meios, no empenho, estudo e dedicação da causa.

40. No caso concreto, é certo que o Réu interpôs o recurso em 30 dias e a Relação entendeu que teria de o ser em 20, já que o mesmo, não versava sobre matéria de facto ou, pelo menos, esta não foi impugnada em termos técnicos adequados a poder beneficiar dos 10 dias.

41. O Réu entendeu que poderia beneficiar desses 10 dias e que a consequência não pode ser a de rejeição / não admissão do recurso. No sentido defendido, abordando hipótese paralela e transponível para o caso dos autos — de alargamento do prazo da alegação e contra-alegação, em apelação cível, quando esta tenha por objecto a reapreciação de prova gravada, pronunciou-se, por unanimidade, o acórdão deste STJ de 03.03.2009, no processo 09A0293, em cujo sumário, no que aqui releva, se pode ler no seu sumário, o seguinte:

«I - De acordo com o disposto no art. 80.º, n.º 2, do CPT, o prazo para a interposição do recurso de apelação é de 20 dias, a que acresce, nos termos do subsequente n.º 3, o de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.

- O alargamento do prazo de interposição do recurso quando este tenha por objecto a reapreciação da prova gravada encontra justificação no maior dispêndio de tempo de que o interessado carece, nessa eventualidade, para elaborar e apresentar a alegação, pois que a lei lhe impõe um especial ónus de alegação no que respeita a delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação — art. 690.°-A, do CPC — consistente na indicação dos depoimentos que se consideram relevantes para a alteração das respostas aos quesitos, os locais precisos onde se encontram registados, de modo a que facilmente seja possível apurar a autoria dos depoimentos e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram.

- Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de Jacto, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de Jacto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, daí que o prazo acrescido de 10 dias só seja aplicável quando o recorrente o use efectivamente para impugnar a matéria de facto.

IV  - Assim, se o recorrente, na respectiva alegação, não deduzir impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode beneficiar do acréscimo de 10 dias, previsto no art. 80.°, n.° 3, do CPT, e, em consequência, se o recurso for interposto fora do prazo normal de 20 dias, previsto no n." 2, do mesmo preceito, tem o mesmo de ser considerado intempestivo.

V   - Tendo a Autora, na alegação e conclusões da sua apelação, impugnado a decisão de Jacto da 1.ª instância, tendo observado o ónus alegatório previsto na al. b), do n.º1, do art. 690.º-A, do CPC, mas já não o ónus previsto na al. a), desse n.º 1, ou seja, o de especificar os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, será de rejeitar a apelação no que respeita à impugnação da matéria de facto, conforme expressa previsão do n." 1 desse art. 690.-A, do CPC.

VI  - Todavia, o incumprimento dos ónus impostos pelo art. 690.°-A, do CPC, não tem por consequência a intempestividade do recurso no que ao segmento da matéria de direito diz respeito, nas situações em que o recurso tenha sido interposto após o decurso do prazo de 20 dias a que alude o n.° 2 do art. 80.º do CPT».

42. A interpretação que foi feita pelo Réu não se trata de um erro técnico censurável, mas de uma interpretação possível e com aceitação.

43. Não é possível concluir que foi devido à não interposição do recurso em 20 dias que o Autor deixou de receber a quantia reclamada, porquanto resulta da prova careada para os autos (quer documental, quer testemunhal) que:

43.1 A transacção que foi feita no tribunal, na sequência da acção intentada pelo Autor foi omissa quanto às quantias já pagas ao trabalhador antes da acção a título de compensação pelo despedimento, o que permitiu e permite duas interpretações diferentes, ou seja, a que foi perfilhada pela entidade patronal e pelo tribunal da … e a perfilhada pelo Autor e pelo Réu.

43.2. A questão de saber se a entidade patronal teria ou não de pagar os €6.325,00 (seis mil trezentos e vinte e cinco euros) ou se a mesma se considerava já paga foi objecto de julgamento e prova por um tribunal e que, afinal, por sentença, entendeu já estar paga, julgando improcedente a pretensão do Autor.

43.3. Existindo vários entendimentos, não é possível adivinhar-se qual seria o resultado do recurso.

43.4. Que o Autor viesse a receber o dinheiro em causa (€6.325,00 - seis mil trezentos e vinte e cinco euros)

44. Face ao exposto, de toda a prova produzida, resulta claro que o não recebimento da quantia de (€ 6.325,00 - seis mil trezentos e vinte e cinco euros) não pode ser imputado, de forma certa, segura e concreta, à falta de interposição de recurso no prazo legal, na medida em que não era garantido que se recorresse ganhava e recebia o dinheiro. Quanto muito, ter havido "perda de chance".

45. Em abono da verdade se diga que o recorrente não colocou em causa, nem na motivação de recurso, nem nas conclusões, que foi devido à não interposição do recurso em 20 dias que o Autor deixou de receber a quantia reclamada, colocando apenas em causa a percentagem fixada pela Meritíssima Juiz a quo no tocante à "perda de chance".

46. No tocante à perda de chance (distribuição do risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito) também a sentença recorrida nenhum reparo merece.

47. O dano da "perda de chance" que se indemniza não é o dano final, mas o dano "avançado", constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

48. Importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.

49. E foi exactamente isso que a Meritíssima Juiz de primeira instância fez! O entendimento dos Venerandos Desembargadores vai mais além considerando que "(…) no caso do recurso ter sido recebido e apreciado pelo tribunal, as hipóteses de através dele e da argumentação aí despendida vir a ser dada razão ao autor, aí recorrente, seriam ínfimas. Ou seja, em nosso entender, as probabilidades de vencimento são ainda mais diminutas do que as tidas em consideração pela sentença recorrida".

50. Com interesse neste particular, na sequência da produção de prova, resultaram provados os seguintes factos (os quais terão de manter-se inalterados, face à falta de impugnação da matéria de facto):

(…)

51. A reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava e a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida.

52. Atendendo a que se não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da acção, sem afastar, inclusive, a sua improcedência, com base na equidade, o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, será, em regra, de 50%, para cada uma das partes, podendo, no entanto existir outros factores que venham a diminuir essa percentagem (nesse sentido, Ac. do STJ, Processo n° 488/09.4TBESP.P1.SI, de 05/02/2013, disponível in www.dgsi.pt)

53. No caso dos autos, existem factores que fizeram a Meritíssima Juiz a quo fixar uma percentagem inferior a 50%, porquanto, atendendo à factualidade provada, tendo em conta que existiu um tribunal de competência especializada (Tribunal do Trabalho da …) que realizou julgamento e valorou livremente a prova e decidiu contra o aqui recorrente, as possibilidades de ganho (a existir!) sempre seriam inferiores a 50%, encontrando-se ajustada a percentagem de 25% fixada, de acordo com toda a jurisprudência transcrita na sentença proferida em primeira instância.

54. O Acórdão do Tribunal da Relação de …, a que se adere com vénia, a este propósito, depois de ter feito uma ponderada análise da questão, refere que "(…) a avaliação contida na sentença recorrida quanto à avaliação do dano da perda de chance pelo juiz a quo, se peca é por excesso e, não, por defeito.

DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO - DANOS NÃO PATRIMONIAIS

55. No que concerne aos danos não patrimoniais, a Meritíssima Juiz a quo concluiu (e bem, em nosso entender!) que acredita, por ser coerente com as regras da normalidade, "(…) Que o Autor tenha sofrido desgosto, angústia e sentimento de injustiça com todo o processo. Mas tal sucedeu, sobretudo, por contar receber a quantia que depois veio reclamar em execução e que por sentença lhe foi negada. Foi mais por ter ficado privado de tal dinheiro que, na sua ática, tinha expectativa ou direito de receber que ficou desgosto e já não porque a advogado não recorreu em tempo, pois nunca seria garantido o resultado do recurso. Aliás, o próprio admitiu que andou deprimido por diversos factores, relacionados com o seu despedimento, com o fim do casamento, com a falta de dinheiro, com as necessidades especiais da filha (...)"

56. Nem o A., nem nenhuma das testemunhas, conseguiu "convencer" que os problemas psíquicos e desgosto do A. fossem devido à falta de interposição do recurso, em tempo, por parte do Réu.

57. Do mesmo modo, não foi feita prova de que o A. tivesse deixado de falar e ouvir os filhos e a mulher, andasse desleixado e agressivo, etc. No entanto, mesmo que tal tivesse ficado provado, concluiu bem a sentença recorrida ao referir que "(.. .) face à restante prova, incluindo as declarações de parte, que tal não derivou da actuação do Réu mas das demais circunstancias de vida que o Autor passou".

58. Por tal motivo, da sentença constam os seguintes factos não provados (com interesse para a decisão da causa e que terão de manter-se inalterados face á não impugnação da matéria de facto):

"(...)

a) O sofrimento e angústia sentidos pelo Autor foram devido ao facto do Réu ter intentado o recurso fora do prazo.

b) Por via da angústia e do stress sofridos, nas circunstâncias acima ditas, não pôde prestar a assistência e os cuidados devidos à filha, ao filho e à mulher.

c) Por causa da atuação do Réu, o Autor não falava, não conversava, não ouvia, não provia a quase nada da vida dos outros, muito menos dos amigos, conhecidos e restantes familiares.

d) E Teve a tentação do suicídio e tornou-se agressivo, descortês e descuidado de figura e ânimo, por via de toda esta carga de sentimento negativo produzida pela longa espera do desfecho do caso, a partir do não recebimento do recurso.

e) Abandonou a crença na sociedade e na solidariedade, sentindo-se desmerecido e desatendido pelo Advogado, o R., em quem confiara plenamente

(…)

59. Desta forma, não assiste razão ao recorrente ao invocar, nas suas alegações de recurso, a existência de omissão de pronúncia (no que diz respeito à caracterização e ressarcimento dos danos não patrimoniais alegados).

60. Andou bem a sentença proferida em primeira instância e confirmada pelo Acórdão da Relação de …, ao concluir que inexiste causalidade adequada entre o ilícito culposo e tos danos não patrimoniais invocados pelo Autor.

61. O Acórdão da Relação de … conclui da seguinte forma: "(…) no caso do recurso ter sido recebido e apreciado pelo tribunal, as hipóteses de através dele e da argumentação aí despendida vir a ser dada razão ao autor, aí recorrente, seriam ínfimas. Ou seja, em nosso entender, as probabilidades de vencimento são ainda mais diminutas do que as tidas em consideração pela sentença recorrida".

62. Resta-nos, em termos conclusivos, desabafar, citando Cícero, nas célebres catilinárias, dizendo "Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência", à custa do apoio judiciário!!»


Termos em que requer seja negado provimento ao recurso.

8. O Coletivo da formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC admitiu o recurso interposto por verificação do pressuposto a que alude a al. b) do nº1 do mesmo artigo.


9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir respeita à medida do ressarcimento da “perda de chance” processual.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1) O A. constituiu mandatário forense o Advogado R., para que interpusesse recurso da sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução, que, na qualidade de exequente, aquele intentara no Tribunal de Trabalho da … (Proc. n.º 127/10.0TTCV-B), contra CC - COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S.A. (anteriormente designada DD - Automóveis, S.A.).

2) A execução tinha sido proposta pelo A., porque a executada, relativamente à transação homologada em juízo no âmbito do processo principal, teve uma interpretação restritiva, considerando que à quantia de montante do pedido reduzido por acordo das partes – € 16.175,00 – haveria de ser deduzida a quantia de € 6.325,00, entregue ao exequente antes da propositura da ação de trabalho.

3) Na ação principal (Proc. n.º 127/10.0TTCV), o A. pediu a condenação da R. no pagamento de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho de € 34.027,67, recusando a proposta antecedente de “CC”, estimada em € 7.500,00 e a que, aliás, dizia respeito o montante acima referido de € 6.325,00.

4) O R. entendeu haver viabilidade para o recurso, porque da transação não constava qualquer inclusão do montante anteriormente pago pela entidade patronal e porque o Réu, gozando de apoio judiciário, não iria ter custos com o mesmo – confessado pelo Réu (primeira parte) e declarações de parte do mesmo, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade.

Com efeito,

5) No dia 7/12/2010, no âmbito da ação laboral que correu termos no Tribunal de Trabalho da … e em que foi Autor o aqui também Autor AA, então representado pelo Advogado Dr. FF, com escritório na … e Ré a sua anterior entidade patronal, foi celebrado o seguinte acordo e que ficou consignado em ata – documento de fls 272 - : “ 1ª . O autor reduz o pedido para a quantia de € 16.175,00€ imputados a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, que a ré aceita pagar. 2ª – A ré obriga-se a pagar a quantia referida em dezasseis prestações”. 3ª – A primeira das prestações, no valor de € 1.175€ dá-se como paga pelo crédito que a ré tem sobre o autor e que reclama na presente ação. As restantes prestações de €1.000,00€ cada, serão pagas mensalmente com início no dia 15 de janeiro de 2011, e em igual dia dos meses subsequentes, por transferência bancária para a conta do autor (…).

6) Tal acordo foi homologado por sentença proferida nessa ata.

7) O Autor instaurou execução com base nessa sentença, para pagamento da quantia de 6.325,00€ e em defesa, em sede de oposição, a entidade patronal alegou estar tudo pago uma vez que havia já pago, em sede de despedimento coletivo ao trabalhador, e antes dele intentar a ação, já lhe havia transferido tal quantia, pelo que lhe descontaram essa quantia do montante fixado no acordo e sentença do tribunal e trabalho.

8) O Tribunal da …, designou julgamento, no qual foi produzida prova (depoimentos de parte e inquirição de testemunhas).

9) Por sentença de 18/09/2013 o tribunal julgou procedente a oposição, julgando extinta a execução.

10) Entendeu o tribunal que os pagamentos que haviam sido feitos pela entidade patronal anteriormente, teriam de ser imputados no montante global da compensação fixada na transação da ação judicial intentada pelo Autor, fundamentando-se aí que na p.i. não fora referido já ter recebido esses montantes pela compensação mas que, de acordo com a matéria de facto provada, a entidade patronal apercebeu-se só então de tais pagamentos aquando do pagamento das prestações acordadas na transação e como se destinavam à mesma compensação, teria de considerar pago o montante reclamado.

11) O Autor, já patrocinado pelo aqui Réu, recorreu dessa sentença.

12) Nas alegações de recurso invoca, além do mais, erro de julgamento na matéria de facto, uma vez que a prova produzida não permitia dar como assente o ponto 17.

13) O R. interpôs o recurso nos trinta dias subsequentes à notificação da sentença de procedência da oposição instaurada pela executada “CC” contra o Autor.

14) Não obstante o recurso ter sido recebido em 1.ª Instância, foi recusado pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Relator, no Tribunal da Relação de …, por entender que o mesmo era intempestivo, porque não dizia respeito a uma crítica da matéria de facto, circunstância negativa que impunha o prazo comum de vinte dias, para a interposição.

15) Pugnou o aqui Réu que a circunstância de não ter cumprido os ónus de especificar os pontos da matéria de facto incorretamente julgada não significava que não tivesse recorrido da mesma, pelo que a consequência não é a não admissão do recurso.

16) Por decisão de 13/02/2014 o Senhor Desembargador Relator decidiu que a impugnação de facto não foi deduzida da forma tecnicamente atendível e por isso, não poderia beneficiar da ampliação dos 10 dias de prazo prevista no artº 80º nº 3 do C. P. Trabalho e, por isso, não conheceu do recurso.

17) Houve reclamação para a Conferência, que manteve a decisão.

18) Depois, recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi recebido, por decisão proferida a 8 de julho de 2014.

19) O Autor sofreu nervosismo, angustia e sentimento de injustiça desde o seu despedimento e por não ter tido ganho na causa que intentou no tribunal de trabalho.

20) No ano de 2015 o aqui Autor intentou ação de divórcio contra a cônjuge, invocando, na petição inicial, estarem separados há mais de cinco anos consecutivos e a impossibilidade de reatarem os laços conjugais.

21) O Réu celebrou com a Ré seguradora um contrato de seguro de responsabilidade civil advogado com apólice nº 00000 e que estava em vigor à data do sinistro.

22) O Réu participou o sinistro à Ré Seguradora em 14/11/2014.

23) Por carta datada de março de 2015, a Seguradora declinou a sua responsabilidade por entender que não se verificam os pressupostos legais para a responsabilização do advogado, nomeadamente a perda de oportunidade.

24) Nos termos da cláusula 13 das condições gerais da apólice do contrato celebrado entre os Réus o tomador do seguro deve participar o sinistro num prazo não superior a oito dias a contar da ocorrência ou da data em que dele tiveram conhecimento.

25) Seguradora e segurado acordaram, relativamente à apólice supra referida, uma franquia de 10% do valor do sinistro.


*


E consideraram como não provados os seguintes factos:


« a) O sofrimento e angústia sentidos pelo Autor foram devido ao facto do Réu ter intentado o recurso fora do prazo.


b) Por via da angústia e do stress sofridos, nas circunstâncias acima ditas, não pôde prestar a assistência e os cuidados devidos à filha, ao filho e à mulher.


c) Por causa da atuação do Réu, o Autor não falava, não conversava, não ouvia, não provia a quase nada da vida dos outros, muito menos dos amigos, conhecidos e restantes familiares.


d) E teve a tentação do suicídio e tornou-se agressivo, descortês e descuidado de figura e ânimo, por via de toda esta carga de sentimento negativo produzida pela longa espera do desfecho do caso, a partir do não recebimento do recurso.


e) Abandonou a crença na sociedade e na solidariedade, sentindo-se desmerecido e desatendido pelo Advogado, o R., em quem confiara plenamente».



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito a questão objeto do presente recurso prende-se com a medida do ressarcimento da “perda de chance” processual.



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3.2.1. Enquadramento Preliminar.

Antes, porém, de entrarmos na apreciação desta questão, importa salientar que a pretensão indemnizatória deduzida pelo autor, inscreve-se no âmbito de um contrato de mandato celebrado entre ele e o réu, na qualidade de advogado.

Estamos, pois, perante um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação que, na definição de João Lopes Reis[2], se apresenta como «o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de actos jurídicos próprios da sua profissão».

Trata-se, por isso, de um contrato sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados vigente à data da sua celebração, ( no caso o EAO, aprovado pela Lei nº 12/2010, de 20.11), sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos arts. 1157º a 1184º,  do C. Civil.

Por força do estatuto e da regulamentação próprios da atividade profissional dos mandatários forenses, o advogado, no cumprimento do mandato forense, está sujeito, para além de outras obrigações, ao dever específico constante do art. 95º, nº1, al. b) do referido EAO de «tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade».

E ainda que nesse cumprimento não se inclua, por regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objetivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios[3], e não de resultado, certo é que o incumprimento dos referidos deveres por parte do advogado constituído pode implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante.

De resto, foi precisamente neste contexto que o autor enquadrou a sua pretensão indemnizatória, fundando-a no facto do réu, advogado, ter interposto o recurso da sentença, que julgou procedente a oposição à execução e determinou a extinção da execução, que o autor, na qualidade de exequente, intentara no Tribunal de Trabalho da Covilhã (Proc. n.º 127/10.0TTCV-B), contra CC – COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S.A, depois de ultrapassado o prazo legal de 20 dias e, desse modo, ter dado causa à rejeição do recurso por parte do Tribunal da Relação, frustrando a expetativa do autor ver a sua pretensão apreciada por aquele tribunal superior e de conseguir obter da  executada o pagamento da quantia de € 6.325,00.

Foi também nesta mesma linha de entendimento que, quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal da Relação, consideraram que se tratava de uma questão de perda de oportunidade ou “perda de chance” processual, traduzida num dano aferível pela probabilidade séria e real de a pretensão do recorrente vir a ter vencimento em sede de recurso.

E a verdade é que não vemos razão para dissentirmos deste entendimento, que, entre nós, já encontra suporte doutrinário[4] e jurisprudencial, mormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, após a prolação do Acórdão do STJ, de 22.10.2009 (processo nº 409/09.4YFLSB)[5],  fortaleceu-se e sedimentou-se no sentido de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se, tal como se afirma no  Acórdão do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) [6], se puder concluir « com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança» que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida[7].

Com efeito e procurando tomar posição sobre esta questão, diremos, desde logo, perfilharmos a orientação seguida nos Acórdãos do STJ, de 09.07.2015 (processo nº 5105/12.2TBSXL.L1.S1) [8], e de 30.11.2017 ( processo nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1) )[9], no sentido de que   a perda de oportunidade  ou de “chance” de obter uma vantagem  ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, pode-se traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e, portanto, qualificável  como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.

Assim, transpondo esta qualificação da “perda de chance” como dano autónomo para o campo da responsabilidade civil contratual por perda de chance processual e adotando a metodologia seguida nestes mesmos acórdãos, diremos que, para se fazer operar tal responsabilidade, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida[10], importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” , atentando no que poderia ser considerado  como altamente provável pelo tribunal  da causa[11].

E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada[12]), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.  


*

3.2.2. Aceite o dano da perda de oportunidade ou de chance e assente pelas instâncias que o réu BB, praticou um ato ilícito e o nexo causal entre este ato e aquele dano, é altura de enfrentemos a problemática da determinação do respetivo quantum indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, única questão que está em discussão no presente recurso. 

3.2.2.1. Assim e no que respeita aos danos patrimoniais, importa reter que a sentença recorrida, calculou a probabilidade de ganho da causa por parte do autor na ordem dos 25%, determinando o montante da indemnização ( € 1.581,25) por aplicação de tal percentagem ao ganho final (€ 6.325,00) que o autor esperava obter com a interposição do recurso rejeitado, valor mantido pelo Tribunal da Relação, não obstante entender que, no caso dos autos, as probabilidades de  sucesso no recurso  ainda seriam mais diminutas do que as tidas em consideração na sentença da 1ª instância.

Persiste, porém, o autor em defender que a probabilidade de sucesso do recurso deve ser avaliada em 90%, devendo o montante da indemnização ser fixado em € 4.269,37.

Vejamos, então, se existe fundamento para uma avaliação superior da perda de chance, tendo, para tanto, em atenção que o Tribunal da Relação, apreciando criticamente a decisão da 1ª instância, na parte relativa à reparabilidade do dano de perda de chance  e à fixação da indemnização correspondente, considerou o seguinte:


«Se bem compreendemos o raciocínio desenvolvido na sentença recorrida, o juiz a quo considerou que, não sendo possível afirmar, em termos de causalidade adequada, que foi devido à não interposição de recurso no prazo de 20 dias que o autor deixou de receber a quantia reclamada na execução, então, o dano da perda de chance indemnizável não corresponderá ao dano final, mas ao dano avançado constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior ou igual à quantia que seria atribuída aos autores, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

Segundo a sentença recorrida “a teoria da perda de chance distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas na proporção e na medida em que foi autor do ilícito”.

Assim sendo, e considerando o juiz a quo que as possibilidades de ganho são inferiores a 50%, a referida ideia de distribuição do risco da incerteza pelas partes envolvidas, leva à lógica e adequada consequente fixação de uma percentagem de ganho na ordem dos 25%, tal como foi decidido pelo juiz a quo.

Ou seja, ao contrário do sustentado pelo apelante, a avaliação que do caso faz o juiz a quo não levaria, de modo algum, a uma percentagem de ganho na ordem dos 90%, correspondendo a percentagem a que chegou, na ordem dos 50% (que de seguida repartiu por dois, distribuído o risco por ambas as partes), à consequência logica e natural das premissas por si anteriormente expostas.

E, em nosso entender, a avaliação contida na sentença recorrida quanto à avaliação do dano da perda de chance pelo juiz a quo, se peca é por excesso e, não, por defeito.

(…)

No caso em apreço, o ato que lhe é apontado nos autos como sendo passível de um juízo de censura reside na circunstância de ter interposto o recurso, contando com o prazo suplementar de 10 dias previsto no nº 2 do art. 80º do Código de Processo de Trabalho, recurso que veio a ser rejeitado por extemporâneo, pela circunstancia de o tribunal superior ter entendido que, não se tendo socorrido de prova gravada, não podia invocar a ser favor esse prazo suplementar.

A rejeição do recurso fez perder ao aqui autor/apelante a oportunidade de ver a sua posição reapreciada por uma instância superior.

Para saber se existe um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de oportunidades, haverá que apurar se estas se iriam ou não traduzir numa diversa situação patrimonial – isto é se a violação do dever de realizar uma certa atividade para conseguir um efeito causou danos ao lesado[13].

À probabilidade de sucesso no processo judicial, desempenhando, em primeiro lugar, uma função fundamentadora da indemnização – sem ela não consegue afirmar-se a existência de um dano –, é-lhe igualmente atribuída uma função quantificadora da indemnização[14].

Por se reportar à vantagem esperada, a quantificação do dano da perda de chance ficará dependente do grau de probabilidade que havia de aquela poder realmente acontecer[15].

O juiz a quo, seguindo a posição defendida por Patrícia Costa, procedeu a uma análise de quais as probabilidades de ganho do recurso interposto pelo autor, concluindo que, seguindo a argumentação defendida pelo réu nas alegações do recurso que veio a ser rejeitado, a transação celebrada entre as partes possibilitava uma interpretação distinta da que foi seguida na sentença recorrida, pelo que o autor perdeu oportunidade de ver em discurso, discutidas as questões levantadas nas alegações de recurso e de obter decisão diversa. O tribunal recorrido avaliando as possibilidades de ganho, considerou serem inferiores a 50%, acabando por fixar a percentagem de ganho em 25%.

A doutrina e a jurisprudência[16] distinguem aqui três operações a efetuar: avaliar primeiro qual o valor económico da expectativa e, de seguida, a probabilidade que existira de o alcançar, não fora a ocorrência do ato antijurídico; este segundo valor, calculado numa percentagem – traduzindo a consistência e a seriedade das “chances” – terá que ser, por fim, aplicado ao primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário do dano da “perda de chance”. Não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal julgará com recurso à equidade em conformidade com o disposto no art. 566º, nº 3 do CC.

Como sustenta Mota Pinto[17], a atribuição de uma indemnização pela perda de chance, nunca se bastará com a mera “chance” abstrata ou especulativa de sucesso processual, sendo necessária a determinação da probabilidade de que as prestações frustradas tivessem obtido acolhimento no processo. O tribunal da indemnização terá de realizar uma apreciação hipotética a partir da perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, tentando determinar qual teria sido a sua decisão, e com que probabilidade.

Ou seja, o cálculo da probabilidade de vitória na ação falhada será determinado através daquilo a que a doutrina vem denominando de “julgamento dentro do julgamento”, critério que vem igualmente sendo seguido pela jurisprudência[18].

O juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de vitória nesse processo[19].

Resultando a responsabilidade civil da violação de uma obrigação de meios contratualmente assumida pelo mandatário forense, e não existindo neste tipo de obrigações nenhuma vinculação a um determinado resultado, o que está em causa é saber se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de oportunidades, havendo que apurar se estas se iriam ou não traduzir numa sua diversa situação patrimonial.

Analisemos, assim, o ilícito imputado ao réu – consistente numa violação dos deveres contratualmente impostos ao réu no âmbito do contrato de mandato forense que lhe foi concedido: o réu interpôs recurso nos 30 dias subsequentes à notificação da sentença que foi desfavorável ao aqui autor, recurso que, tendo sido recebido na 1ª instância, veio a ser rejeitado pelo Juiz relator na 2ª instância por não dizer respeito a uma crítica da matéria de facto, decisão mantida em Conferência e da qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que não foi recebido.

Segundo o autor/Apelante, tal recurso só não foi recebido por erro forense do réu, “que não preveniu tratar-se de uma impugnação de direito e não da matéria de facto pertinente à melhor e mais justa decisão para o caso”, sendo que os argumentos do recorrente iriam com fortíssima probabilidade fazer vencimento na primeira instância, situando o dano na “perda de oportunidade de ser reapreciada a decisão da 1ª instância pelo Tribunal da Relação de …”.

Não cabe aqui discutir se houve, ou não, erro censurável do mandatário na interposição do recurso no referido prazo de 30 dias, uma vez que, não tendo o réu interposto recurso da sentença proferida nos presentes autos, nesta parte a decisão da 1ª instância transitou em julgado.

Damos assim por assente que o réu, na qualidade de mandatário terá errado ao intentar o recurso no referido prazo de 30 dias, quando, não envolvendo o mesmo a apreciação da prova gravada, o prazo para a sua interposição seria, tão só de 20 dias (foi este o motivo da rejeição do recurso).

Para aquilatar se aquele ilícito causou danos ao autor – ao fazê-lo perder a oportunidade de ver a sua questão ser reapreciada por um tribunal superior –, teremos de avaliar quais as probabilidades de, no caso de o mesmo ter sido recebido, vir a proceder.

Ora, no caso em apreço, ainda que o réu/mandatário tivesse deduzido o recurso dentro do prazo de 20 dias previsto no nº 1 do artigo 80º do Código do Processo do Trabalho –, da leitura do decisão do relator que veio a ser confirmada em Conferência, logo sobressai que ainda que o recurso não tivesse sido rejeitado por intempestivo na sua globalidade, nunca o tribunal de recurso iria conhecer da impugnação deduzida ao ponto 17 da matéria de facto dada como provada – “quando já havia pago diversas prestações respeitantes à transação formalizada nos autos principais, os serviços administrativos e financeiros da Oponente deram conta de que havia sido paga ao exequente a quantia de €6.325,00 €, na sequência do referido e, nos termos do qual a indemnização no montante global de 7.500,00 €, a pagar em seis prestações mensais iguais e sucessivas de 1.250,00 € cada, deduzindo na primeira o montante de 1.175,00 €, correspondente ao montante em dívida pelo trabalhador à empresa.”

Com efeito, quer na decisão do relator, quer na Conferência que a confirmou, se considera que na impugnação que é deduzida à decisão proferida sobre a matéria de facto não é dado cumprimento aos requisitos impostos pelas als. a) e b) do nº 1 do art. 640º do CPC, aí se afirmando: “no recurso é dito que houve erro de julgamento na parte em que se considerou provado o ponto 17 dos factos provados. Não vem indicada a decisão que, no entender do autor deveria ser proferida sobre a questão de facto em causa. Refere-se apenas que (…). Não se identificam as testemunhas cujos depoimentos gravados devam ser apreciados, nem as passagens da gravação desses depoimentos”.

Ou seja, ainda que o tribunal de 2ª instância não tivesse rejeitado o recurso por intempestivo (por interposto depois do prazo de 20 dias previsto no nº1 do CPT, e atentar-se-á em que este o único ilícito, que é apontado ao réu), e o tivesse apreciado, não iria conhecer da impugnação ao ponto 17º da matéria de facto, matéria esta que se manteria inalterada. Ora, a eliminação de tal matéria dos factos dados como provados constituía o pilar de toda a argumentação expendida nas alegações do recurso – a manter-se como provado o teor do ponto 17 – só depois da celebração da transação pela qual o autor reduziu a quantia exequenda, acordando as partes num plano escalonado de pagamentos, a entidade patronal se apercebeu de que já teria pago anteriormente ao autor a quantia de 6.325,00 € –, não se vê qualquer hipótese de o tribunal interpretar tal transação no sentido de que a quantia acordada entre as partes deveria acrescer ao valor já anteriormente lhe havia sido pago pela entidade patronal. Como é óbvio, a interpretação que o autor defende, no sentido de que quando celebraram a transação, a vontade das partes era que o montante de 16.175,00 € devia acrescer ao montante de 6.325,00 € já anteriormente recebido pelo embargante, aqui autor, é incompatível com o facto dado como provado no ponto 17º, de que só mais tarde a entidade patronal se apercebeu que teria havido um pagamento anterior de 6.325,00 €.

Assim sendo, no caso de o recurso ter sido recebido e apreciado pelo tribunal, as hipóteses de através dele e da argumentação ai despendida vir a ser dada razão ao autor, aí recorrente, seriam ínfimas.

Ou seja, em nosso entender, as probabilidades de vencimento são ainda mais diminutas do que as tidas em consideração pela sentença recorrida.

 A Apelação do autor é assim de improceder».

Ora, resultando desta fundamentação, ter o acórdão recorrido seguido uma metodologia semelhante àquela que propugnamos no ponto 3.2.1, formulando, no caso concreto, um juízo de probabilidade consistente e séria do sucesso do recurso de apelação se este tivesse sido tempestivamente interposto e de um desfecho da execução favorável ao exequente e ora autor, e não havendo razões para discordar quer dessa avaliação de gravidade, alicerçada nos factos dados como provados e supra descritos nos números 7) a 18) do ponto 3.1, quer do quantum indemnizatório arbitrado, nenhuma censura merece este segmento da decisão recorrida, que, por isso, será de manter.


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3.2.2.2. O mesmo vale dizer no que respeita à indemnização no montante de € 30.000,00, que o autor peticiona a título de danos não patrimoniais e que, no caso dos autos, decorreria da alegada lesão de interesses ou valores de ordem espiritual, ideal ou moral, derivada da rejeição do recurso rejeitado, uma vez que, conforme se vê dos factos dados como não provados e supra descritos nas alíneas a) a e) do ponto 3.1, o autor não logrou fazer a prova dessa lesão, tal como lhe competia, nos termos do artigo 342º, nº 1 do C. Civil.

E se é certo ter ficado provado que o autor sofreu nervosismo, angústia e sentimento de injustiça desde o seu despedimento e por não ter tido ganho na causa que intentou no tribunal de trabalho (cfr. ponto 19 dos factos dados como provados), não menos certo é que, tal como afirmou a sentença do Tribunal de 1ª instância, que o acórdão recorrido confirmou, «não resulta, no caso, que os mesmos tenham sido provocados pela atuação do Réu, ou seja, pela não interposição do recurso em tempo».

Termos em que improcedem todas as conclusões das alegações de recurso.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.



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Supremo Tribunal de Justiça, 15 de novembro de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relator)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In,  “Representação Forense e Arbitragem”, pág. 43
[3] Neste sentido, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa, in, “ Direito das Obrigações”, Almedina, 9ª ed., págs 971 e 972 e cfr., também entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 29.04.2010 ( processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) e de 28.09.2010 ( processo nº 171/2002.S1), ambos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[4] Cfr. Paulo Mota Pinto, in artigo doutrinário intitulado “Perda de chance processual”, RLJ, ano 145º, Março-Abril de 2016; Nuno Santos Rocha, in “ Perda de chance Como Uma Nova Espécie de Dano”, Almedina, pág. 81; Durval Ferreira, in, “Dano da Perda de Chance, Responsabilidade Civil”, 2ª edição, 2017, Vida Económica, pág. 257; Patrícia Costa, in, “ O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português”, Dissertação de Mestrado, pág. 101, in, www.verbojurídico.com/doutrina/2011/patriciacosta danoperdachance».  
[5] Acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj
[6] Acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj
[7] Neste sentido, cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 29.11.2012 (processo nº 29/04.0TBAFE.P1.S1); de 14.03.2013 ( processo nº 78/09.1TVLSB.L1.S1); de 04.07.2013 (processo nº 298/10.6TBAGN.C1.S1); de 05.11.2013 ( processo nº 1150/10.0TBABT.E1.S1); de 06.03.2014 (processo nº 23/05.3TBGRD.C1.S1); 01.07.2014 (processo nº 824/06.5TVLSB.L2.S1); de 30.09.2014 (processo nº 15/11.3TCGMR.G1.S1); de 30.09.2014 (processo nº 739/09.5TVLSB.L2-A.S1); de 09.12.2014 (processo nº 1378/11.6TVLSB.L1.S1); de 30.04.2015 (processo nº 338/11.1TBCVL.C1.S1); de 05.05.2015 (processo nº 614/06.5TVLSB.L1.S1); de 09.07.2015 (processo nº 5105/12.2TBSXL.L1.S1); de 19.05.2016 (processo nº 6473/03.2TVPRT.P1.S.1), todos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[8] Relatado pelo Conselheiro Tome Gomes e acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[9] Relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta e também acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[10] O ónus de prova de tal probabilidade, nos termos do disposto do art 342º, nº1 do C. Civil, impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar.
[11] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 05.02.2013 (processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1); de 14.03.2013 (processo nº 78/09.5TVLSB.L1.S1) e de 30.09.2014 (processo nº 739/09.5TVLSB.L2-A.D.S1), todos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[12] Sendo que, no dizer dos referidos acórdãos, o estabelecimento deste nexo de causalidade revela-se, desde logo, facilitado pelo próprio juízo de probabilidade a fazer na aferição da consistência necessária à identificação do dano. 
[13] Paulo Mota Pinto, artigo e local citados, p. 200.
[14] Paulo Mota Pinto, artigo e local citados, p. 191.
[15] Nuno Santos Rocha, “A «Perda de Chance» Como Um Nova Espécie de Dano”, p.66.
[16] Neste sentido, Acórdão do TRL de 18-09-2012, relatado por Graça Araújo, Rute Teixeira Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico”, Coimbra Editora 2008, pp.229-230, Nuno Santos Rocha, obra citada, pp.66-67, Vera Lúcia Raposo, “Em busca da chance perdida – O dano da perda de chance, em especial na responsabilidade médica”, in Revista do Ministério Público nº138, Abril/Junho-2014, p.32, e Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, “Dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português”, p.75, in www.verbojurídico.pt.
[17] Artigo e local citado, pp. 192 e 198.
[18] Neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 09-07-2015, relatado por Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt.
[19] Patrícia Leal Cordeiro da Costa, “Dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português”, p. 105.