Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
561/11.9T2SNS-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
LEGALIDADE
RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 07/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O habeas corpus, previsto no artigo 31.º, n.º 1, da Constituição como direito fundamental contra o abuso de poder, por detenção ou prisão ilegal, constitui uma providência expedita e urgente de garantia privilegiada do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição. A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no artigo 27.º da Constituição, sem lei ou contra a lei.
II. O direito à liberdade consagrado e garantido no artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), é o direito à liberdade física, de “ir e vir”, à liberdade ambulatória ou de locomoção, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço; este direito visa proteger a liberdade física da pessoa contra a detenção e contra a prisão arbitrária ou abusiva, conferindo o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos expressa e excecionalmente previstos na lei, que deve reunir os necessários requisitos de certeza e previsibilidade, e de acordo com os procedimentos legalmente previstos, nomeadamente quanto à garantia de apreciação e controlo judicial e aos prazos de duração, como tem sido repetidamente afirmado em jurisprudência firme do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).
III. O habeas corpus constitui um meio de tutela que abrange qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º da Constituição e pelo artigo 5.º da CEDH, aqui se incluindo a privação da liberdade de uma criança, fora das condições legais, por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [na formulação do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição] ou a detenção de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância [na formulação do artigo 5.º, n.º 1, al. d), da CEDH], no seu interesse, compreendendo muitos aspetos dos direitos e responsabilidades parentais para benefício e proteção da criança, independentemente de esta ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma criança em risco.
IV. Neste caso, a medida de “detenção” ou privação da liberdade de uma criança, admitida pela Constituição e pela CEDH, só é legal se for aplicada por um tribunal e estiver expressamente prevista em lei acessível e suficientemente precisa quanto aos seus pressupostos, condições e finalidade, que devem respeitar os princípios da necessidade e proporcionalidade em função do superior interesse da criança e do fim visado, e quanto ao processo de aplicação, prazos e controlo judicial.
V. O âmbito de proteção abrange a privação total e a privação parcial da liberdade, que não se confunde com as restrições ao direito de deslocação, garantido pelo artigo 44.º da Constituição e pelo artigo 2.º do Protocolo n.º 4 à CEDH (como tem sublinhado a jurisprudência do TEDH).
VI. Embora o regime do habeas corpus se encontre estabelecido nos artigos 220.º a 224.º do CPP, no capítulo referente aos «modos de impugnação» das medidas de coação, uma interpretação conforme à Constituição obriga a conferir-lhe um âmbito de proteção mais alargado, de modo a abranger todos os casos previstos no n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, incluindo a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado.
VII. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão de uma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.
VIII. A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, não se destina a apreciar o mérito de decisões judiciais, nem a sua execução, nem alegados factos ilícitos que lhes possam dizer respeito; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios processuais próprios de intervenção e reação ou de matérias a averiguar em processo próprio, no caso de alegados ilícitos criminais.
IX. As medidas de promoção e proteção, em que se inclui o acolhimento residencial, previstas no  artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), que podem ser aplicadas pelo tribunal a título cautelar, como sucedeu neste caso, fundam-se nos artigos 67.º, 68.º e 69.º da Constituição e visam, nomeadamente, afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º da LPCJP).
X. A violação ou omissão do cumprimento das responsabilidades parentais pode constituir motivo que legitima a intervenção para promoção e proteção, nos termos do artigo 3.º da LPCJP, mediante o exercício, por outrem, dos poderes e deveres que integram essas responsabilidades, devendo as questões que lhes digam respeito, em caso de conflito, ser objeto de apreciação e decisão no âmbito do correspondente processo, nos termos legalmente previstos.
XI. A privação da liberdade por efeito da aplicação da medida de acolhimento residencial [artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP], decidida por um tribunal, fundamenta-se em lei expressa, quer no que respeita à sua justificação e necessidade, quer no se refere ao procedimento, e visa a realização de propósitos fixados na lei, estando afastada qualquer arbitrariedade na decisão, o que permite concluir que a privação da liberdade respeita as exigências do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição.
XII. A aplicação da medida não ocorreu para realização de finalidade diversa, destinada a manter as crianças confinadas num espaço, sem possibilidade de saírem desse espaço, numa situação de privação da liberdade de se movimentarem; as restrições da liberdade das crianças que o cumprimento da medida possa implicar não se confundem com a privação total ou parcial da liberdade por virtude da detenção ou prisão a que se referem as demais alíneas do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição.
XIII. Os fundamentos da petição de habeas corpus reconduzem-se a uma discordância quanto à decisão que mantém a medida de acolhimento residencial, que a peticionante pretende ver substituída pela medida de apoio junto dos pais [artigo 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP], o que deve ser discutido, analisado e decidido no processo de promoção e proteção, estando assegurada a possibilidade de recurso (artigo 123.º da LPCJP).
XIV. Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da providência de habeas corpus, apreciar atos processuais ou o mérito da decisão que aplica ou mantém medida de privação da liberdade.
XV. Em consequência, não ocorrendo qualquer das situações a que se refere o n.º 2 do artigo 222.º do CPP, deve concluir-se que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 6, do CPP].
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, mãe das menores BB, nascida a .../.../2005, e CC, nascida a .../.../2015 vem, apresentar petição de habeas corpus a favor destas, nos seguintes termos (transcrição):

“I) Dos factos,

1. A Requerente, é mãe de BB e de CC, a primeira nascida a .../.../2005 e a segunda nascida a .../.../2015,

2. As duas menores, supra identificadas, encontram-se institucionalizadas desde 29.06.2020, na Casa de Acolhimento ... por período inicial de 6 meses, com revisão trimestral da medida, no âmbito do processo nº 561/11...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Família e Menores ...,

Sucede que ,

3. No decurso mês de Fevereiro, mais exactamente a 21.02.2022, em sede de Debate Judicial, atentos os relatórios apresentados a 18.02.2022, pela Instituição de Acolhimento , as informações sociais das Sras técnicas , e o exame pericial psiquiátrico, todos os intervenientes ACEITARAM ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO, cfr. DOC. 1 e DOC. 2, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos,

4. Acordo, que teve como finalidade, consignar que as duas meninas supra identificadas permaneceriam na Casa de Acolhimento, até ao final do ano lectivo (02 de Julho de 2022, dia em que a mais nova terminaria o ano escolar), com um regime de convívios em meio natural de vida

5. Decorrendo clarividente, da ACTA DE DEBATE JUDICIAL e DO ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO, que ambas as meninas, seriam devolvidas ao MEIO NATURAL DE VIDA, após o terminus do anos escolar,

6. Atente-se, aos termos da Sentença que homologou o Acordo de Promoção e Protecçao, proferida a 21.02.2022, cfr. DOC. 3 , que se junta e se dá por integralmente reproduzidos:

“(...) Aberta a presente diligência pelas 14h06, e não antes porque a diligência da manhã, agendada no processo 699/21.... terminou quando eram 13h00, a Mma Juíza interpelou os progenitores, AA e DD, no sentido de saber se, perante as recentes informações sociais constantes dos autos, aceitam a medida proposta pela EMAT que as filhas BB e CC permaneçam na CAR até ao final do presente ano letivo, com um regime de convívios em meio natural devida, nos termos da definir pela CAR e em articulação com a EMAT, tendo ambos referido, em suma, aceitar tal medida. –

Em seguida, a Mma. Juíza ouviu a jovem BB, a técnica da EMAT e a técnica da CAR, respetivamente, Dra EE e Dra FF. –A jovem referiu, em suma, aceitar ficar na CAR até ao final do presente ano letivo e, bem assim, concordar com o regime de convívios a definir pela CAR, em articulação com a EMAT. –

A técnica da EMAT, Dra EE, referiu, em suma, manter a proposta constante do último relatório social, concordar que se estabeleça um regime de convívios em meio natural de vida, nos termos a definir pela CAR e em articulação com a EMAT. –

Pela técnica da CAR, Dra FF, referiu, em suma, aceitar a medida proposta pela EMAT, de acolhimento residencial até ao final do presente ano letivo, com um regime de convívios em meio natural de vida, nos termos a definir pela CAR e em articulação com a EMAT. -


*


Neste momento, tendo em vista a elaboração de acordo de promoção e protecção, a Mma. Juíza ordenou que se dispensassem as testemunhas presentes, o que se fez. –

*


Em seguida foi elaborado o acordo que consta em anexo, que faz parte integrante desta ata, o qual foi impresso e assinado por todos os intervenientes presentes, ficando a constar nos autos um original com as assinaturas de todos os intervenientes presentes e uma versão eletrónica não assinada no sistema. -

*


Após a elaboração do acordo foi dada a palavra à Digna Procuradora do Ministério Público que, no seu uso, disse: «Em função dos últimos relatórios sociais juntos aos autos e verificando-se a possibilidade de acordo de promoção e proteção relativamente às crianças BB e CC, promovo que se dê sem efeito a diligência de debate judicial para hoje agendada. Promovo ainda a homologação do APP (acordo de promoção e proteção) alcançado, uma vez que satisfaz o superior interessa das crianças e mostra-se adequado a capacitar a progenitora de modo a que no futuro as crianças voltem a residir com ela. – Mais promovo que se remeta cópia desta ata e do acordo de promoção e proteção ao processo de inquérito n.º 800/20.... do DIAP de ..., para conhecimento.» -

*


Dada a palavra aos Mandatários dos progenitores e aos Patronos das crianças, todos disseram nada ter a opor ou requerer. –

*


Seguidamente, a Mma Juíza proferiu a seguinte: -

SENTENÇA

«Por estarem acautelados os interesses das crianças CC e BB, e face à manifesta indiferença por parte do progenitor da BB (GG) relativamente ao decurso destes autos, julga-se, desde já, válido o acordo de promoção e proteção que antecede, o qual se homologa, aplicando-se a medida de Acolhimento Residencial prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f), da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), até ao final do presente ano letivo, revista no final do prazo, acompanhada pela EMAT, que deverá juntar relatório. – Consigna-se que face ao manifesto desinteresse do progenitor, conforme acima se referiu e resulta dos autos, determina-se que, não obstante, o mesmo seja notificado por OPC, na morada constante da informação social que antecede, para dizer o que tiver por conveniente em cinco dias, designadamente, confirmar o referido acordo através da sua assinatura. –

Mais se consigna, não sendo possível, e nos termos já anteriormente determinados a 11-10-2021, desde já se dispensa a sua assinatura. –

Em face do exposto dá-se sem efeito a presente diligência de Debate Judicial para hoje agendada, dispensando-se todos os intervenientes para hoje convocados, designadamente, as testemunhas e as Sras. Juízes Sociais. – Oportunamente solicite relatório de acompanhamento da execução da medida por forma a que o mesmo seja junto aos autos até um mês antes da data da revisão da medida.

Sem custas. –

Registe e notifique. -

Remeta cópia do APP aos pais e senhores advogados. –

No mais proceda nos exatos termos da promoção que antecede.» -


*


Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados. -

Consigna-se que a presente ata foi gravada através do sistema H@bilus Média Stúdio. -

Para constar se lavrou a presente ata que, depois de lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada, consignando-se o encerramento da diligência pelas 16h05. -

A Magistrada Judicial (ass. eletrónica): Dra HH (...)”, ( sublinhado e sombreado nosso).

7. A 06.06.2022, todos os intervenientes foram notificados, para no prazo de 10 dias dizer o que tivessem por conveniente, nos termos do artigo 85º da lei nº 147/99 sobre a aplicação de revisão ou cessação de medidas de promoção, juntando-se copia do relatório social de acompanhamento da execução da medida, do Plano de Intervenção para execução da medida , bem como, promoção do Ministério Publico, cf. DOC. 4, DOC. 5 e DOC. 6, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos,

8. Importa referir que do parecer técnico elaborado a 31/05/2022, (pagina 6/6 , resulta ,

“( ...) Parecer técnico

Face ao exposto, consideramos que, mantendo o acompanhamento do CAFAP ... e salvaguardando o afastamento do pai de CC a BB, estão reunidas as condições para BB e CC regressarem ao meio natural de vida.

Assim, sugerimos a alteração da medida ora aplicada pela de “apoio junto dos pais”, executada junto da mãe, anexando-se a proposta de plano de intervenção para a execução da medida (ANEXO 2 – duas páginas).

No que concerne à II, consideramos que a medida aplicada salvaguarda e respeita o superior interesse da jovem, pelo que sugerimos a sua manutenção, anexando-se a proposta de plano de intervenção para a execução da medida

(ANEXO 3 – três páginas).

Técnica EE Data 2022/05/31

Validado por JJ 2022/05/31(...)” sublinhado e sombreado nosso.

9. Resultando ainda da promoção do Ministério Publico, relativamente á BB e á CC, a substituição da medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da Mãe, cfr. se transcreve:

“(...) Processo de Promoção e Protecção

Atento o relatório social que antecede, promove-se:

a) a prorrogação da medida de acolhimento residencial aplicada à jovem II, por mais 6 meses, nos termos do art. 62º, nºs 2 e 3, c), da LPCJP;

b) relativamente a BB e CC, promove-se a substituição da medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da mãe, a iniciar aquando do término do presente ano lectivo (2021/2022) mantendo-se a proibição de contactos de BB com DD (pai de CC) e a supervisão dos contactos de CC com o pai, o acompanhamento do CAFAP e o acompanhamento psicológico da progenitora, bem como a implementação das medidas de apoio às aprendizagens, tudo nos termos sugeridos pela EMAT – art. 62º, nºs 2 e 3, b), da LPCJP;

c) a notificação dos progenitores, das jovens e Il. Advogados, nos termos dos arts. 84º e 85º da LPCJP.

d) o envio de cópia do relatório social que antecede, desta promoção e do despacho que a apreciar (em caso de concordância) ao inquérito nº 800/20.... (DIAP/STC), para conhecimento e solicitando cópia do despacho final que vier a ser proferido (incluindo SPP).

STC, 01.06.2022(...)”,

10. A 27 de Junho de 2022, somos notificados do DESPACHO, que contra tudo e contra todos, de forma errática, não fundamentada, e ao arrepio do ACORDO de promoção e protecção assinado por todos os intervenientes e dos relatório sociais e da própria promoção do Ministério Publico, proferido por juiz, que tampouco: é titular do processo, não conhece o processo, não conhece os intervenientes, nem se vislumbra que terá amiúde visitado as centenas de folhas que compõem o processo de promoção e protecção supra identificado, apenas veio , substituir juíza titular de processo, que se encontra de baixa medica , DETERMINOU, a aplicação por mais 3 meses da medida de acolhimento residencial, cfr. DOC. 7 , que se junta e se dá por integralmente reproduzido , e se passa a transcrever :

“(...) No que refere à menor II, não resultando dos autos alteração de relevo quanto à sua situação, determina-se, em sede de revisão, a manutenção da medida de acolhimento residencial, nos termos do artigo 62.º, n.º 3, alínea c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.


--//--


No que refere às menores CC e BB, importa salientar que estes autos de promoção e proteção surgem perante a notícia de alegados abusos sexuais praticados por DD na pessoa da menor II (o que deu origem ao inquérito 800/20....) factos que a progenitora não reconhece e que determinou uma separação ou quebra do vínculo afetivo entre a menor II e a progenitora.

No parecer técnico de 16 de fevereiro de 2022, refere-se que “considerando que ainda não existe despacho final relativamente ao inquérito nº 800/20...., as menores se encontrarem a meio do ano letivo e a intervenção do CAFAP ... ainda não ter efetivamente iniciado (Plano Integrado de Apoio à Família será apresentado, previsivelmente a partir de 21/02/2022), sugerimos a manutenção da medida ora aplicada, por salvaguardar o superior interesse da CC e da BB (refª ...77 de 17 de fevereiro de 2022.”

A medida de acolhimento residencial foi fixada em despacho proferido na ata do debate judicial de 21 de fevereiro de 2022.

Pese embora as indicações favoráveis na última informação técnica para que as menores reintegram o meio natural de vista, não consta, pelo menos não o detetámos, que se mostre resolvido o citado processo-crime.

Na verdade, estão subjacentes a esse processo factos de extrema gravidade, isto meramente atendendo ao que é relatado no requerimento inicial dos presentes autos, e o desfecho desse processo é, com o devido respeito, absolutamente crucial, desde logo, para que se possam extrair consequências quanto à posição da progenitora quanto a esses factos e aquilatar das suas competências parentais, mas também perceber, em substância, qual é a dinâmica familiar existente e se é de facto favorável às menores; parece-nos precoce devolver as menores ao meio natural de vida nestas contingências.

Determina-se, assim, em sede de revisão, a manutenção da medida de acolhimento residencial, nos termos do artigo 62.º, n.º 3, alínea c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

A medida terá duração de três meses e revisão trimestral (uma vez que irá atingir o limite de duração fixado no debate judicial no termo deste ano letivo) (...”),

Impõe-se aludir,

11. Primeiramente, ao contrario do que o DESPACHO consigna, as meninas encontram-se institucionalizadas, não desde 21 de fevereiro de 2022, mas antes, desde 29.06.2020,

12. Referir ainda que não resulta do parecer técnico de 16 de fevereiro de 2022, o considerando transcrito no Despacho : “considerando que ainda não existe despacho final relativamente ao inquérito nº 800/20...., as menores se encontrarem a meio do ano letivo e a intervenção do CAFAP ... ainda não ter efetivamente iniciado (Plano Integrado de Apoio à Família será apresentado, previsivelmente a partir de 21/02/2022), sugerimos a manutenção da medida ora aplicada, por salvaguardar o superior interesse da CC e da BB (refª ...77 de 17 de fevereiro de 2022.”,

13. Atente-se para o efeito, ao teor do DOC. 1, informação social relativa á progenitora AA, datada de 16.02.2022, que em concreto refere:

“(...) Parecer técnico

Face ao exposto, consideramos que a progenitora está empenhada em adquirir e melhorar competências parentais, por forma a se constituir como alternativa securizante ao regresso das filhas aos seus cuidados com o apoio do CAFAP e da madrinha KK. À semelhança desta última, reconhece que tal deve acontecer no final do ano letivo, por forma a não prejudicar as aprendizagens de BB e CC. Aquando da aplicação do PIAF (Plano Integrado de Apoio à Família) será possível aferir, a médio prazo, a evolução da progenitora em termos de competências parentais. (...)”,

Destarte,

13. O Juiz não titular do processo, alcança proferir DESPACHO, absolutamente contrário a todas as evidencias , expectativas, aos factos , aos relatórios sociais, á promoção do Ministério Publico, e ao Acordo de promoção e protecção ,

14. O Juiz não titular do processo, agiu de forma incauta, errática, praticando erro judiciário gritante e cruel,

15. O Juiz não titular do processo, e porventura chocado com o caso da pequena Jéssica, que de forma nada respeitável, diria eu, tem sido falada no frenesim da comunicação social, pretende agir, não zelosamente, mas lesivamente perante estas duas crianças e a MÃE (que só começou a ser acompanhada em psicologia no final do ano transacto, e pela CAFAP, por negligência do processo, que pese embora identificar em falhas nas competências parentais, nada foram fazendo),

16. Esta MÃE, tem seguido á risca todas as recomendações, frequentado todas as sessões de psicologia que têm sido marcadas, estando absolutamente disponível para cooperar com a CAFAP, desde o momento em que iniciaram a sua intervenção (tarde muito tarde), vê-se agora incrédula com a revisão da medida, aplicada por Juiz que não é titular do processo, que não se pode ter baseado em elemento algum do processo, conforme supra se demonstrou,

17. Ao lermos este despacho, que veio aplicar, ao arrepio das expectativas de todos os intervenientes, mormente, do próprio Ministério Publico e ao arrepio dos elementos cabais, consentâneos, concretos e precisos existentes nos autos, e que apontam para a aplicação de medida de apoio á família, devolvendo-se as crianças ao meio natural, transporta-nos até ao mais recente alarme social despoletado com a trágica morte, da menina de tenra idade, de nome, Jéssica!

18. Justiça? Ou alarme social?

19. Subscrevo o que a este respeito escreveu, Manuel Soares | Presidente da Direcção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a este propósito do caso da menina que faleceu , “ (...) o A intervenção do Estado na protecção de crianças em perigo e na adopção de medidas administrativas ou judiciais, que muitas vezes vão contra a vontade das famílias e podem até ser de utilidade duvidosa no momento da decisão, não é qualquer coisa que se possa fazer sem uma adequada ponderação dos interesses em confronto e de inúmeras variáveis imprevisíveis do futuro (aconselho, para mais informação, a leitura do artigo “Crianças e jovens em perigo”, Carla Oliveira, Sábado online, 23/6). Costumo comparar esta dificuldade à de um relojoeiro a quem se desse apenas um martelo para consertar relógios. A pancada com a força certa no sítio próprio pode pôr o relógio a funcionar, mas ao mínimo descuido há uma grande probabilidade de o partir de vez. Também as instituições de protecção de crianças em perigo, se intervierem com instrumentos demasiado coercivos e robustos, fora de tempo ou do modo, arriscam-se a estragar mais do que a consertar. (...)”,

20. Absolutamente assertivo .... A pancada com a força certa no sítio próprio pode pôr o relógio a funcionar, mas ao mínimo descuido há uma grande probabilidade de o partir de vez. Também as instituições de protecção de crianças em perigo, se intervierem com instrumentos demasiado coercivos e robustos, fora de tempo ou do modo, arriscam-se a estragar mais do que a consertar.

21. Queremos estragar?

22. Queremos consertar?

23. Consertemos!

24. Devolvam-se estas 2 crianças, BB e CC, aos cuidados da mãe, a uma vida melhor,

25. Não destruam estas duas crianças! Cuidemos, juntos, delas!

26. Atento o supra vertido, devolvam-se estas 2 meninas ao MEIO NATURAL DE VIDA, aplicando-se a medida de apoio junto da família (da Mãe), em conformidade com os elementos resultantes do processo, mormente relatórios sociais de Fevereiro de 2022, como previa a Sentença que homologou o Acordo de promoção e Protecção, e , em conformidade com a promoção do Ministério Publico e com os relatórios sociais elaborados em Junho de 2022,

II)     DO DIREITO,

27. Sempre que alguém considera que as garantias constitucionais de liberdade estão em causa, pode interpor o habeas corpus,

28. Pretende a progenitora, pedir o habeas corpus, para que seja reposta a garantia constitucional de liberdade, em concreto , sobre as suas duas filhas, BB e CC, cfr. prevê a nossa Constituição da República Portuguesa, e Código do Processo Penal,

29. Dispõe a CRP no seu Artigo 1º nº 1 que “a República Portuguesa é um Estado de direito democrático (…) e no seu Artigo 2º, nº 2 que “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática”, sendo que no seu nº 3 se estatui que “a validade das leis e dos demais actos do Estado das Regiões Autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas dependa da sua conformidade com a Constituição”,

30. Estabelece o Artigo 12º da CRP, que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição” e os “preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas” (artigo 18º, nº 1), só podendo ser restringidos os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,

31. Tais restrições deverão todavia, limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, cfr. artigos 18º, nº 2 do mesmo diploma legal,

32. Sendo que o exercício de tais direitos, liberdades e garantias só podem ser suspensos pelos órgãos de soberania no estado de sítio ou de emergência, declarados na forma prevista na Constituição, cfr. Artigo 19º, nº 1,

33. No âmbito de tais direitos, liberdades e garantias avulta os previstos no Artigo 27º, nº1 do diploma aqui em análise,

34. Decorre do disposto no artigo 31.º (habeas corpus em virtude de detenção ilegal) da CRP, 1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar, consoante os casos; 2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos; 3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória,

35. Ora , as medidas de promoção e protecção decididas no âmbito da LPCJP (art. 34.º, als. a) eb)) , têm como concreta finalidade , afastar o perigo em que a criança se encontre e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral,

36. Desta feita, a medida de acolhimento residencial (al. f) do n.º 1 do art. 35.º), da LPCJP , não concernindo, embora, nos conceitos de “detenção” ou “prisão” a que se reportam os arts. 220.º e 222.º, do CPP, não deixa de configurar uma privação de liberdade, digna da aplicação, por analogia, do regime da providência extraordinária de habeas corpus,

37. Esta posição foi já assumida pelo STJ, quer no âmbito da medida tutelar de internamento em centro educativo no quadro da LTE, quer no âmbito da medida de acolhimento residencial no quadro da LPCJP,

38. Pelo que, sob pena de violação do princípio da igualdade (art. 13.º, da CRP), é de aplicar o regime do habeas corpus, decorrente do art. 222.º, do CPP, ao caso da medida cautelar de acolhimento residencial, destas 2 crianças, decidida no âmbito do processo de promoção e protecção, supra referenciado,

39. A requerente fundamenta o presente pedido de habeas corpus, na ilegalidade da medida provisória de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada às duas filhas, em razão aplicada sem fundamentação de facto ou de direito, e manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial, cfr dispõe o art.º 220.º, n.º 1, alín. a), e d) do CPP, e nº 2 do artigo 60.º da LPCJP,

40. É certo que o art.º 27.º, n.º 3, alín. e), da CRP se apresenta como excepção , ao princípio da não privação da liberdade, a “sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente”,

41. Em conformidade com o plasmado na alín. d) do n.º 1 do art.º 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que sob a epígrafe de “direito à liberdade e à segurança”, alude, que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo “se se tratar de uma detenção legal de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância (…)”,

42. As “Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade” (Resolução n.º45/113, de 14.12.90) definem no ponto 11, alín. b), que “privação de liberdade significa qualquer forma de detenção ou prisão ou a colocação de uma pessoa num estabelecimento público ou privado do qual essa pessoa não possa sair por sua própria iniciativa, por ordem de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública”,

43. A alínea d) do art.º 37.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, dispõe que “a criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada, e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre tal matéria”,

44. É certo que as medidas de promoção e protecção decididas no âmbito da LPCJP (art.º 34.º, alíneas a) e b)), assumem como real propósito, afastar o perigo em que a criança se encontre, e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral,

45. Por seu turno a medida de acolhimento residencial, prevista na alínea f) do n.º 1 do art.º 35.º da LPCJP, pese embora não integrar o conceito de “detenção” ou “prisão” plasmado nos artigos 220.º e 222.º do CPP, não deixa de traduzir uma privação de liberdade,

46. Por essa banda, tal privação de liberdade, não pode deixar de ser merecedora, da aplicação por semelhança, do regime da providência extraordinária de habeas corpus,

47. Posição já assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer no âmbito da medida tutelar de internamento em centro educativo no âmbito da Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de14.09), fosse de acolhimento residencial no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo(Lei n.º 147/99, de 01.09),

48. É clarividente que o efeito da interposição de Recurso, em processos desta natureza, com revisão a 3 meses das medidas, morre á partida, no que a eficácia diz respeito,

49. Atento o supra vertido, considera-se que deverá ser concedido, HABEAS CORPUS, devendo as duas filhas da Requerente, BB e CC, ser imediatamente devolvidas à liberdade,

TERMOS EM QUE REQUER A V.EXA., ORDENAR A IMEDIATA LIBERTAÇÃO, DAS MENORES, BB e CC, CONCEDENDO A FINAL, O HABEAS CORPUS, POR SE ENCONTRAREM EM SITUAÇÃO DE DETENÇÃO ILEGAL”

2. Da informação prestada pelo Senhor Juiz do processo, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a alegada privação da liberdade, consta o seguinte (transcrição):

«Este pedido de habeas corpus foi apresentado junto do Juiz de Instrução Criminal de ..., vindo este a considerar-se incompetente, por entender, segundo o despacho proferido, que o conhecimento da providência (que se se pode equiparar, segundo a jurisprudência citada, a uma situação de prisão ilegal), é, assim, da exclusiva competência do Supremo Tribunal de Justiça.

Ao abrigo do preceituado no artigo 222.º, mormente onde se diz que a petição é, entre o mais, “apresentada à autoridade à ordem da qual o preso se mantenha preso”, ordenou a remessa do requerimento a este Tribunal de Família onde foi proferida a decisão que manteve o acolhimento residencial.

Pois bem mantendo coerência com essa decisão do Tribunal de Instrução Criminal, segue, necessariamente, que se deverá remeter a petição, em duplicado, ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento do pedido de habeas corpus (atento o disposto no artigo 222.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), a fim de se desencadear o competente procedimento de conhecimento do mesmo.

Assim e de imediato remeta-se o requerimento inicial dos presentes autos em duplicado ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento do pedido de habeas corpus.

Remeta-se, bem assim, cópia do presente despacho e do despacho refª ...44, proferido pelo Tribunal de Instrução Criminal.

As condições em que se encontram acolhidas as jovens já resultam evidenciadas na petição (em situação de acolhimento residencial à ordem dos presentes autos de promoção e proteção).

As condições em que se encontram acolhidas as jovens já resultam evidenciadas na petição (em situação de acolhimento residencial à ordem dos presentes autos de promoção e proteção).”

De despacho do juiz de instrução criminal anteriormente referido consta o seguinte:

“Vem AA, mãe de BB e de CC, intentar perante este Juízo de Instrução Criminal de ... providência de Habeas Corpus (não indicando as normas que a fundamentam), alegando, em suma, que tendo cessado pelo decurso do tempo medida de promoção e protecção de acolhimento residencial homologada por acordo, veio o Juízo de Família e Menores ..., proc. número 561/11...., proferir despacho (do qual consta cópia a fls. 42 e 43) em que, se determina “em sede de revisão, a manutenção da medida de acolhimento residencial, nos termos do artigo 62º, número 3, al. c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. A medida terá duração de três meses e revisão trimestral (uma vez que irá atingir o limite de duração fixado no debate judicial no termo deste ano lectivo)”.

Tal como se decidiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-2-2018, proc. número 1980/17...., in www.dgsi.pt, “Sendo certo que as medidas de promoção e protecção decididas no âmbito da LPCJP (art.º 34.º, alíneas a) e b)) visam afastar o perigo em que a criança se encontre e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, certo é também que a medida de acolhimento residencial (alín. f) do n.º 1 do art.º 35.º), não cabendo, embora, nos conceitos de “detenção” ou “prisão” a que se reportam os art.ºs 220.º e 222.º do CPP, não deixa de configurar uma privação de liberdade merecedora da aplicação, por analogia, do regime da providência extraordinária de habeas corpus.

Esta é uma posição já antes assumida por este Supremo Tribunal de Justiça, fosse no âmbito da medida tutelar de internamento em centro educativo no âmbito da Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14.09)[2], fosse de acolhimento residencial no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01.09)[3].

Em suma e sob pena de violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), é de aplicar o regime do habeas corpus previsto no art.º 222.º do CPP ao caso da medida cautelar de acolhimento residencial de criança decidida no âmbito de um processo de promoção e protecção.”

No entanto e como decorre do aresto supra aludido, tal providência não se insere na previsão dos arts. 220º e 221º do Código de Processo Penal, mas antes na dos arts. 222º e 223º do mesmo diploma, sendo providência a decidir pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Como refere Maia Gonçalves in Código de Processo Penal anotado e comentado, 12ª edição, 2001, pág. 476, distinguem-se nitidamente os casos de habeas corpus em virtude de detenção ilegal e os casos de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, sendo que a detenção verifica-se entre os momentos da captura e o do despacho judicial sobre a sua validação, e a prisão verifica-se entre este último momento e o da libertação ou da condenação com trânsito em julgado, sendo a questão em causa análoga a esta última, como aliás, foi reconhecido no aresto supra referido.

Ora, nos termos do disposto no artigo 222º do Código de Processo Penal, a petição é dirigida ao Presidente do Supremo tribunal de Justiça e apresentada à autoridade à ordem da qual o preso se mantenha preso – número 2.

Não faria aliás, qualquer sentido um tribunal de primeira instância, como é este Juízo de Instrução Criminal, pronunciar-se sobre a legalidade da decisão proferida por outro tribunal de primeira instância (o Juízo de Família e Menores ...).

Razões pelas quais declaro este Juízo de Instrução Criminal de ... incompetente para apreciar o requerimento em causa, determinando a sua remessa imediata, via electrónica, e posteriormente por correio, à autoridade á ordem da qual as crianças se mantêm em privação da liberdade (Juízo de Família e Menores ...).

Comunique por via telefónica ao Juízo de Família e Menores ....

Notifique, pela forma mais célere, e demais D.N..

3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

5. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição da República consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais, privativas do direito à liberdade.

O habeas corpus, que pode ser requerido pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344).

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade. Exceptua-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, em que se incluem: (a) a detenção em flagrante delito, (b) a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, (c) a prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão, (d) a prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente, (e) a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente, (f) a detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente, (g) a detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários e (h) o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.

A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos neste preceito constitucional (como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.).

6. O artigo 27.º da Constituição inspira-se diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e em outros textos internacionais (assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, loc. cit. p. 299), como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos e que conferem força normativa à Declaração Universal dos Direitos do Homem, a que a Constituição submete a interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais (artigo 16.º, n.º 2).

O direito à liberdade consagrado e garantido no artigo 27.º da Constituição é o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar (Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., p. 478 e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2001, DR II,  n.º 163, de 17.07.2002), o direito à liberdade de movimentos, de “ir e vir”, à liberdade ambulatória ou de locomoção (Jorge Miranda/Rui Medeiros, loc. cit. p. 300).

O direito à liberdade consagrado e garantido neste preceito constitucional e no artigo 5.º da CEDH visa proteger o direito à liberdade da pessoa contra a detenção e contra a prisão arbitrária ou abusiva, que ocupa um lugar central nos direitos fundamentais que protegem a segurança física de uma pessoa numa sociedade democrática [como resulta de jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) desde o acórdão Engel e outros c. Países Baixos, de 8.6.1976, § 58; por todos, o acórdão MacKay c. Reino Unido, 3.10.2016, § 30], conferindo o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos expressa e excecionalmente previstos na lei, que deve reunir os necessários requisitos de certeza e previsibilidade, e com os procedimentos legalmente previstos, nomeadamente quanto à garantia de apreciação e controlo judicial e aos prazos de duração (por todos, do TEDH, o acórdão Del Río Prada c. Espanha, de 21.10.2013, § 125).

O artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, segundo o qual “qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal” constitui a disposição de habeas corpus da Convenção (Guide on Article 5 of the European Convention on Human Rights, European Court of Human Rights, www.echr.coe.int/documents/guide_art_5_eng.pdf), oferecendo uma garantia fundamental, que, na sua essência, se traduz no direito de revisão judicial da detenção (TEDH, acórdão Rakevich c. Rússia, 28.10.2003, § 43).

7. A tutela constitucional do direito à direito à liberdade não se limita ao artigo 27.º da Constituição, resultando também do artigo 28.º, que contém regulamentação específica da privação da liberdade no âmbito do processo penal, incluindo a detenção e a prisão preventiva [artigo 27.º, n.º 3 al. a) e b)], aplicável aos casos de detenção e prisão para efeitos de expulsão e extradição [artigo 27.º, n.º 3, al. c)] e do artigo 31.º, que garante o habeas corpus como meio de tutela que abrange qualquer forma de privação ilegal da liberdade, isto é, qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º, aqui se incluindo, como anteriormente se referiu, a privação de liberdade de um menor por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretada pelo tribunal judicial competente, pelo tempo e condições que a lei determinar [artigo 27.º, n.º 3, al. e)].

A admissibilidade da privação da liberdade de um menor para efeitos de “educação sob vigilância” encontra-se prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 5.º da CEDH, que dispõe que “ninguém pode ser privado da sua liberdade”, “salvo” no caso de, “de acordo com o procedimento legal”, “se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente”. Na interpretação desta disposição, vem a jurisprudência do TEDH estabelecendo que ela autoriza a privação da liberdade no próprio interesse da criança, independentemente de ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma “criança em risco” (acórdão D.L. c. Bulgária, de 19.5.2016, §  71); que a “vigilância” pretendida com a “detenção” compreende muitos aspetos do exercício dos “direitos parentais” para benefício e proteção da criança (acórdãos P. e S. c. Polónia,, de 30.10.2012, § 147, Ichin e Outros c. Ucrânia, de 31.12.2010, § 39, e D.G. c. Irlanda, de 16.5.2002, § 80); que, no que respeita à legalidade da “detenção”, a Convenção remete para a lei nacional, que deve ser acessível e suficientemente precisa, quer no que diz respeito aos requisitos substanciais quer no que respeita aos aspectos processuais, nomeadamente para prevenir o risco de arbitrariedade, e que a privação da liberdade deve ser proporcional ao fim visado, ou seja, com o propósito de “educar sob vigilância”, no superior interesse da criança, visando a prevenção de riscos sérios para o seu desenvolvimento (acórdão D.L. c. Bulgária, de 19.5.2016, cit., §§ 71-74).

8. O âmbito de proteção do artigo 27.º da Constituição, tal como o do artigo 5.º da CEDH, abrange a privação total e a privação parcial da liberdade, por autoridade pública, que não se confunde com as restrições ao direito de deslocação, garantido pelo artigo 44.º, que comporta a liberdade de movimento da pessoa de um lugar para outro, enquanto corolário do direito à liberdade (artigo 27.º) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., p. 632) e pelo artigo 2.º do Protocolo n.º 4 à CEDH. Sublinha a jurisprudência do TEDH, a este propósito, que o artigo 5.º da CEDH contempla a liberdade física da pessoa, com a finalidade de assegurar que ninguém pode ser arbitrariamente privado dessa liberdade, não as meras restrições de liberdade de movimento, pela autoridade pública, autorizadas pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º do Protocolo n.º 4, insistindo, todavia, em que a diferença entre estas e outras restrições de movimento  suficientemente graves suscetíveis de cair na previsão do artigo 5.º se traduz numa diferença de grau ou intensidade e não de natureza ou substância (por todos, o acórdão Tommaso c. Itália, de 23.2.2017, § 80).

Pronunciando-se sobre a distinção entre privação total e privação parcial da liberdade, o Tribunal Constitucional, usou a seguinte formulação, de inspiração germânica: “A mera limitação de liberdade (Freiheitsbeschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cfr. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12). A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida). A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram.” (acórdãos n.º 479/94, DR I-A, n.º 195, de 24.08.1994, 185/96, DR I-A, n.º 75, de 28.03.1996, e 83/01, de 05.03.2001, em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).

A privação parcial da liberdade, na expressão de Jorge Miranda/Rui Medeiros (loc. cit. p. 303, citando também estes acórdãos), traduz-se “numa forma de impedimento coactivo à deslocação da pessoa de ou para o lugar que lhe seria jurídica e facticamente acessível”.

Em todo o caso, deve ser sublinhado que, no que releva para efeitos do artigo 27.º, a privação total ou parcial da liberdade deve ser resultado de ação de uma autoridade pública.

9. A al. e) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, que deve ser lido em conjugação com o artigo 69.º, que consagra o direito das crianças à proteção, permite, como se viu, “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, no caso de “sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente”. Como se tem sublinhado, “as medidas especiais relativamente a menores só podem ser as que a lei preveja (proémio do n.º 3), estando igualmente sujeitas a reserva de decisão judicial, que, nos termos da Constituição, hã-de ser da competência de um tribunal judicial (art.209)” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., p. 482-483).

10. O regime do habeas corpus encontra-se estabelecido nos artigos 220.º a 224.º do CPP, no capítulo referente aos “modos de impugnação” das medidas de coação. Os artigos 220.º e 221.º regulam o habeas corpus em virtude de detenção ilegal, da competência do juiz de instrução, e os artigos 222.º a 224.º o habeas corpus em virtude de prisão ilegal, da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

Uma interpretação conforme à Constituição obriga, porém, em conformidade com o que vem de se expor, a conferir-lhe um âmbito de proteção que extravasa o âmbito das medidas de coação – que, na sistemática do CPP, se limitariam à prisão preventiva (artigo 202.º do CPP) e à obrigação de permanência na habitação (artigo 210.º do CPP) –, de modo a abranger todos os casos que se inscrevem no artigo 27.º da Constituição, nomeadamente todos os casos de detenção, a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado e o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico.

É assim que, pressupondo e conferindo à “prisão” (artigos 222.º a 224.º do CPP) um sentido próprio – que, para efeitos de habeas corpus, não se pode limitar a compreender a pena de prisão e a medida de coação de prisão preventiva –, este Supremo Tribunal vem assumindo competência para apreciação de petições de habeas corpus quando a privação da liberdade é imposta por decisão judicial. Incluem-se aqui casos de execução da pena acessória de expulsão logo que cumpridos dois terços da pena de prisão (acórdão de 6.7.2019, Proc. n.º 299/17.3TXEVR-G.S1), permanência, por decisão judicial, em centro de instalação temporária para execução da medida de expulsão (acórdão de 23.05.2018, Proc. n.º 965/18.6T8FAR.S1), de internamento compulsivo (acórdão de 27.6.2019, Proc. 376/19.6T8EPS-A.S1) e de aplicação de medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, em particular da medida de acolhimento residencial (acórdãos de 18.1.2017, Proc. 3/17.6YFLSB, de 15.2.2018, Proc. 1980/17.2T8VRL-A.S1, de 4.7.2019, Proc. 2199/17.8T8PRD—F.S1, de 4.7.2019, Proc. 2349/17.4T8CSC-A, de 29.4.2020, Proc. 1604/19.3T9MFR-B.S1, de 28.8.2020, Proc. 21/230.7YFLSB.S1, de 14.1.2021, Proc. 161/11.3TMCBR-D.S1, de 2.6.2021, Proc. 2840/20.5T8STR-B.S1, e de 8.9.2021, Proc. 733/20.5T8CTB-B.S1).

11. Dispõe o artigo 222.º do CPP que:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

12. Em jurisprudência constante, tem vindo este Supremo Tribunal de Justiça a considerar que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excepcional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante as ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, sem lei ou contra a lei, referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reacção tendo por objecto actos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade ou atos que lhes digam respeito, ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. A providência não se destina a apreciar alegados erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade. «Os fundamentos da providência [de habeas corpus] revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação de liberdade), ou a directa, manifesta e autodeterminável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo)» [acórdão de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B.S1; assim também, entre outros, os acórdãos de 02.11.2018, proc. n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, e de 16-05-2019, proc. n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, em www.dgsi.pt].

Como se tem sublinhado, «[n]o âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a discussão que [os actos processuais] possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo)»; na providência de habeas corpus «não [se] pode decidir sobre actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação, pois que «a medida não pode ser utilizada para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação» (acórdão de 5 de maio de 2009, proc. n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, citado no acórdão de 26.07.2019, proc. n.º 2290/10.1TXPRT-M.S1. Assim também, reflectindo jurisprudência uniforme, entre muitos outros, os acórdãos de 21.09.2011, proc. n.º 96/11.0YFLSB, de 09.02.2012, proc. n.º 927/1999.0JDLSB-X.S1; de 06.02.2013, proc. n.º 109/11.5SVLSB.S1; de 15.02.2017, proc. 6/17.0YFLSB.S1, de 31.10.2018, proc. 663/09.1JAPRT-B.S1, em www.dgsi.pt).

A providência de habeas corpus não interfere nem é incompatível com o recurso ordinário de decisões sobre questões de natureza processual que possam afectar a situação de privação da liberdade, sendo diferentes os seus pressupostos (assim, Canotilho/Vital Moreira e Jorge Miranda/Rui Medeiros, loc. cit., e Maia Costa, comentário ao artigo 222.º, Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016). A diversidade do âmbito de protecção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, numa relação de complementaridade, em que aquela providência permite preencher um espaço de protecção imediata perante a inadmissibilidade legal da prisão.

13. O pedido de habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que este é apreciado, como também tem sido reiteradamente sublinhado (acórdão de 26.07.2019 cit. e, de entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt).

14. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Como se afirmou no acórdão de 22.1.2020 (proc. 4678/18.0T8LSB-B.S1, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/02/criminal_sumarios-2020.pdf), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante actualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (cfr. também, os acórdãos de 26.07.2019 cit. e de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1, em www.stj.pt/wpcontent/uploads/2019/06/criminal_ sumarios_ janeiro_ 2019 .pdf).

15. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, e dos documentos juntos resulta esclarecido, em síntese, com relevância para a apreciação e decisão, que:

- Em 21.2.2022, tendo sido obtido acordo, em decisão negociada [artigo 112.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP], quanto a aplicação de uma medida de promoção e proteção, o juiz do processo, ao abrigo do disposto nos artigos 113.º, n.º 2 e 3, da LPCJP, homologou tal acordo, aplicando às menores BB e CC a medida de acolhimento residencial prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f) da LPCJP na Casa de Acolhimento Residencial ..., em ..., onde já se encontravam, “até ao final do presente ano letivo”, acompanhada pela EMAT;

- Estipulou-se em tal acordo que: “a medida de promoção e proteção vigorará até ao final do presente ano letivo, revista no final do prazo e acompanhada pelo EMAT”; “as crianças ficam confiadas à guarda e cuidados da CAR ..., a qual salvaguardará o acompanhamento educativo, formativo e de saúde/terapêutico das mesmas, com envolvimento dos progenitores”; “as crianças poderão conviver com a progenitora, com o apoio da madrinha (…) ou outra pessoa de confiança a indicar por esta, seja na CAR, seja em meio natural de vida, incluindo fins de semana, feriados e pausas letivas, nos termos a definir pela CAR em articulação com a EMAT”, especificando-se que “estes convívios deverão ocorrer preferencialmente em meio natural de vida, em fins de semana alternados (a partir do término das atividades letivas de 6.ª feira, ou 5.ª feira, se feriado, até domingo à tarde, ou 2.ª feira, se feriado), mediante deslocação em transporte público entre ... e ...”; “a criança CC poderá igualmente conviver com o progenitor, sem pernoitas e com supervisão de terceiro, seja na CAR, seja em meio natural de vida, nos termos a definir pela CAR em articulação com a EMAT”; “os progenitores comprometem-se a contactar as filhas com assiduidade e a acompanhar o seu percurso de vida, em articulação com a equipa técnica da CAR”;

- Em 1.6.2022, face ao relatório social de 31.5.2022, em que a Segurança Social considerou que “salvaguardando o afastamento do Pai de CC e BB, estão reunidas as condições para BB e CC regressarem ao meio natural de vida”, sugerindo a alteração da medida pela de “apoio junto dos pais”, o Ministério Público promoveu “a substituição da medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da mãe, a iniciar aquando do término do presente ano letivo (2021/2022) mantendo-se (…) a supervisão de contactos de CC com o pai, o acompanhamento do CAFAP e o acompanhamento psicológico da progenitora, bem como a implementação das medidas de apoio às aprendizagens, tudo nos termos sugeridos pela EMAT – art. 62.º, n.ºs 2 e 3, b, da LPCJP”;

- A 6.6.2022, os intervenientes no processo, nomeadamente a agora peticionante, mãe das crianças, foram notificados para, nos termos do artigo 85.º da LPCJ, se pronunciarem sobre a revisão da medida;

- Por despacho de 24.6.2022, notificado à requerente em 27.6.2022, (confirmar, vem alegado), foi proferido despacho judicial em que se decidiu:

“No que refere às menores CC e BB, importa salientar que estes autos de promoção e proteção surgem perante a notícia de alegados abusos sexuais praticados por DD na pessoa da menor II (o que deu origem ao inquérito 800/20....) factos que a progenitora não reconhece e que determinou uma separação ou quebra do vínculo afetivo entre a menor II e a progenitora.

No parecer técnico de 16 de fevereiro de 2022, refere-se que “considerando que ainda não existe despacho final relativamente ao inquérito nº 800/20...., as menores se encontrarem a meio do ano letivo e a intervenção do CAFAP ... ainda não ter efetivamente iniciado (Plano Integrado de Apoio à Família será apresentado, previsivelmente a partir de 21/02/2022), sugerimos a manutenção da medida ora aplicada, por salvaguardar o superior interesse da CC e da BB (refª ...77 de 17 de fevereiro de 2022.”

A medida de acolhimento residencial foi fixada em despacho proferido na ata do debate judicial de 21 de fevereiro de 2022.

Pese embora as indicações favoráveis na última informação técnica para que as menores reintegram o meio natural de vista, não consta, pelo menos não o detetámos, que se mostre resolvido o citado processo-crime.

Na verdade, estão subjacentes a esse processo factos de extrema gravidade, isto meramente atendendo ao que é relatado no requerimento inicial dos presentes autos, e o desfecho desse processo é, com o devido respeito, absolutamente crucial, desde logo, para que se possam extrair consequências quanto à posição da progenitora quanto a esses factos e aquilatar das suas competências parentais, mas também perceber, em substância, qual é a dinâmica familiar existente e se é de facto favorável às menores; parece-nos precoce devolver as menores ao meio natural de vida nestas contingências.

Determina-se, assim, em sede de revisão, a manutenção da medida de acolhimento residencial, nos termos do artigo 62.º, n.º 3, alínea c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

A medida terá duração de três meses e revisão trimestral (uma vez que irá atingir o limite de duração fixado no debate judicial no termo deste ano letivo) (...),”

16. Na extensa petição que apresenta, a requerente alega, em síntese, no que interessa à decisão:

(a) Que esta decisão do juiz foi tomada “contra tudo e contra todos, de forma errática, não fundamentada, e ao arrepio do acordo de promoção e protecção assinado por todos os intervenientes e dos relatórios sociais e da própria promoção do Ministério Publico, proferido por juiz, que tampouco é titular do processo, não conhece o processo, não conhece os intervenientes, nem se vislumbra que terá amiúde visitado as centenas de folhas que compõem o processo de promoção e protecção”;

(b) Que o juiz, que não é “titular do processo, alcança proferir despacho, absolutamente contrário a todas as evidencias, expectativas, aos factos, aos relatórios sociais, à promoção do Ministério Publico, e ao acordo de promoção e protecção”, “agiu de forma incauta, errática, praticando erro judiciário gritante e cruel”;

(c) Que as crianças devem ser devolvidas “aos cuidados da mãe”, “ao meio natural de vida, aplicando-se a medida de apoio junto da família (da Mãe)”;

(d) Que, com o presente habeas corpuspretende a progenitora, pedir o habeas corpus, para que seja reposta a garantia constitucional de liberdade, em concreto, sobre as suas duas filhas, BB e CC, cfr. prevê a nossa Constituição da República Portuguesa, e Código do Processo Penal”, convocando, a este propósito os artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 2, 12.º, 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, 31.º, da Constituição, o artigo 5.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, as “Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade” e o artigo 37.º da Convenção sobre os Direitos da Criança;

(e) Que, embora “não concernindo nos conceitos de “detenção” ou “prisão” a que se reportam os arts. 220.º e 222.º, do CPP”, “não integra[ndo] o conceito de “detenção” ou “prisão” plasmado nos artigos 220.º e 222.º do CPP” não deixa de traduzir uma privação de liberdade”, e assumindo “como real propósito, afastar o perigo em que a criança se encontre, e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral”, a medida de acolhimento residencial (al. f) do n.º 1 do art. 35.º), da LPCJP), “não deixa de configurar uma privação de liberdade, digna da aplicação, por analogia, do regime da providência extraordinária de habeas corpus”.

(f) Que “fundamenta o presente pedido de habeas corpus, na ilegalidade da medida provisória de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada às duas filhas, em razão aplicada sem fundamentação de facto ou de direito, e manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial, cfr dispõe o art.º 220.º, n.º 1, alín. a), e d) do CPP, e nº 2 do artigo 60.º da LPCJP”;

(g) Que o recurso da decisão “em processos desta natureza, com revisão a 3 meses das medidas, morre à partida, no que a eficácia diz respeito”.

Conclui dizendo que deve ser ordenada a “imediata libertação das crianças”, por se “encontrarem em situação de detenção ilegal”.

17. Relembrando o que se disse a este respeito, a providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial nem se destina a apreciar o mérito de decisões judiciais nem a sua execução. Trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção e reação, de acordo com o estabelecido na LPCJP, ou de matérias a averiguar em processo próprio, no caso de alegados ilícitos criminais, de acordo com as regras do processo penal.

Também como já se afirmou, o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito desta providência, apenas tem de verificar, nos termos do disposto no artigo 222.º do CPP, se ocorre atualmente uma situação de “prisão” ilegal, por abuso de poder da autoridade que a determinou, e se essa ilegalidade resulta de qualquer das situações taxativamente enumeradas no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, isto é, se a “prisão” resulta de uma decisão judicial exequível, se se encontra motivada por facto que a admite e se estão respeitados os limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.

O que, antes de mais, pelas razões anteriormente expostas, impõe que se deva verificar se a decisão do juiz que manteve uma medida privativa da liberdade, na aceção do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição – que permite, como se viu, “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, no caso de “sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente” – e da al. d) do n.º 1 do artigo 5.º da CEDH – segundo o qual “ninguém pode ser privado da sua liberdade” “salvo” no caso de, “de acordo com o procedimento legal”, “se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente” – é ilegal, por corresponder a uma situação de “prisão”, na aceção do artigo 222.º do CPP.

18. Quanto a esta questão a resposta é, necessariamente, negativa. Isto, sem prejuízo de, na linha da jurisprudência do TEDH (supra, 7 e 8) e da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal (supra, 9), se admitir a possibilidade de habeas corpus relativamente a medidas de proteção e promoção que, apesar dos seus objetivos, possam implicar a privação ilegal da liberdade por aplicação da medida de acolhimento residencial prevista e regulada nos artigos 35.º, n.º 1, al. f), e 49.º a 51.º da LPCJP, por referência ao artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição.

19. As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, designadas por medidas de promoção e proteção, enumeradas no artigo 35.º da LPCJP, que podem ser aplicadas pelo tribunal a título cautelar (salvo a prevista na al. g) do n.º 1 deste preceito – confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção), como sucedeu neste caso, visam, nomeadamente, afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º da LPCJP).

A medida de acolhimento residencial, prevista na al. f) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados. O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 49.º, n.ºs 1 e 2, da LPCJP).

As medidas de proteção fundam-se nos artigos 67.º, 68.º e 69.º da Constituição, que reconhecem o direito da família à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação das condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, o direito dos pais e das mães à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, e o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista aos seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens (artigo 1878 do Código Civil).

A violação ou omissão do cumprimento das responsabilidades parentais nos termos deste preceito, pode constituir motivo de perigo que legitima a intervenção para promoção e proteção, nos termos do artigo 3.º da LPCJP, para superação desse perigo, mediante o exercício, por outrem, dos poderes e deveres que integram essas responsabilidades, devendo as questões que lhe digam respeito, em caso de conflito, como parece ser o caso dos autos, nomeadamente as que possam estar relacionadas com limitações ao exercício de direitos, próprias das decorrentes das responsabilidades parentais, ser objeto de apreciação e decisão no âmbito do correspondente processo, nos termos legalmente previstos (artigos 77.º e segs., nomeadamente).

20. A privação da liberdade por efeito de aplicação da medida de acolhimento residencial, decidida por um tribunal, fundamenta-se, pois, em lei expressa, quer no que respeita à sua justificação e necessidade, quer no se refere ao procedimento, e visa a realização de propósitos fixados na lei, estando afastada qualquer arbitrariedade na decisão. O que permite concluir que a privação da liberdade respeita as exigências do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição.

Por outro lado, não consta que a aplicação da medida tenha ocorrido para realização de finalidade diversa, destinada a manter as crianças confinadas num espaço, sem possibilidade de saírem desse espaço, numa situação de privação da liberdade de se movimentarem. As restrições da liberdade das crianças que o cumprimento da medida possa implicar não se confundem, como se viu, com a privação total ou parcial da liberdade por virtude da detenção ou prisão a que se referem as demais alíneas do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição.

21. No essencial, a petição agora apresentada reconduz-se a uma discordância quanto à decisão que mantém a medida de acolhimento residencial, que a peticionante pretende ver substituída pela medida de apoio junto dos pais [artigo 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP], o que deve ser discutido e analisado no âmbito do processo de promoção e proteção.

Nos termos do artigo 123.º da LPCJP cabe recurso, a decidir no prazo máximo de 30 dias a contar da receção dos autos no tribunal superior, das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção podendo recorrer o Ministério Público, a criança ou o jovem, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança ou do jovem.

Como também se referiu, não se compreende no âmbito do habeas corpus a apreciação de atos processuais ou do mérito da decisão que aplica ou mantém medida de privação da liberdade.

22. Em consequência do exposto, não ocorrendo qualquer das situações a que se refere o n.º 2 do artigo 222.º do CPP, deve concluir-se que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 6, do CPP].

III. Decisão

23. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3, 4, al. a), e 6, do artigo 223.º do CPP, acordam os juízes da secção criminal em indeferir o pedido por manifesta falta de fundamento.

Custas pela peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 6, do CPP, vai a peticionante condenada ao pagamento da soma de 6 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de julho de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)