Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2365
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
PREJUÍZO SÉRIO
ÓNUS DA PROVA
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200711070023654
Data do Acordão: 11/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O prejuízo sério na transferência do local de trabalho deve ser entendido no sentido de dano relevante, com alteração substancial das condições de vida do trabalhador, não se restringindo aos prejuízos patrimoniais, podendo reflectir--se em aspectos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica.
2. Enquanto o n.º 2 do artigo 24.º da LCT previa, na hipótese de transferência causada por mudança, total ou parcial, do estabelecimento, que cabia à entidade patronal provar que o trabalhador não sofria prejuízo sério para evitar o pagamento da indemnização, no regime do Código do Trabalho, o prejuízo sério constitui o necessário pressuposto do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e do seu direito à indemnização, pelo que o ónus de prova do prejuízo sério cabe agora ao trabalhador.
3. Provando-se que o trabalhador tinha a sua residência, na qual vivia com a mulher e um filho menor, a cerca de 20 km do seu local de trabalho, o que lhe permitia tomar o pequeno-almoço e o jantar em casa e colaborar, todos os dias, na preparação do filho para ir para a escola, já que a esposa inicia o trabalho, às 5,30 horas, de segunda-feira a sexta-feira, e acompanhá-lo nas frequentes consultas médicas de que necessita devido aos seus problemas de saúde, e que, com a transferência para o novo local de trabalho, o qual se situa em Porto Alto e dista cerca de 200 km da sua residência, teria de passar a residir próximo do novo local de trabalho, o que implicava que só pudesse estar com a sua família durante os fins-de-semana, mostram-se verificados os elementos de facto integradores de prejuízo sério da transferência, assistindo ao trabalhador o direito à resolução do contrato e o direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho.
4. Considera-se equitativa e adequada a fixação de uma indemnização que teve por parâmetro quantitativo o ponto médio dos limites indicados n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 20 de Janeiro de 2005, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe: (a) uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fixada no montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade; (b) a quantia de € 1.743,32, respeitante a retribuições e subsídios em dívida discriminados na petição inicial; (c) juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em suma, que foi admitido ao serviço da ré, em 22 de Outubro de 1984, por contrato verbal e sem prazo, e que, por carta de 20 de Setembro de 2004, tendo anexa a denominada «Guia de Transferência de Pessoal», a ré comunicou-lhe que, na sequência do encerramento do Estaleiro localizado em Montemor-o-Velho seria transferido para o Estaleiro Central da Empresa, sito em Porto Alto, a partir de 27 de Setembro de 2004, sendo que essa transferência, nas condições propostas pela ré, causava-lhe prejuízo muito sério e relevante, pelo que rescindiu o contrato de trabalho, por carta registada com aviso de recepção, em 28 de Setembro de 2004.

A ré contestou, por impugnação, alegando que o autor não sofreria qualquer prejuízo sério e grave com a transferência para Porto Alto.

Realizado julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 11.292.62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, por se entender que a transferência do local de trabalho do autor, resultante da mudança total do estabelecimento da ré onde aquele prestava serviço, acarretaria ao autor um prejuízo sério, mostrando-se verificado o pressuposto exigido pelo n.º 4 do artigo 315.º do Código do Trabalho para a resolução do contrato de trabalho operada, com direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do mesmo Código.

2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões:

«A) DA APRECIAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA (art. 721.º n.º 2, in fine, e art. 668.º n.º 1 al. c), todos do C.P.C.)
1. Da conjugação dos factos dados como provados sob os nºs 22, 23, 24 e 25 resulta que o Tribunal a quo aceitou como verdadeiro e real o facto de que a ora Recorrente apresentou ao Autor uma proposta de aumento salarial de “entre 10% e 15%”. Ou seja, fosse qual fosse o valor da retribuição concretamente auferida apelo trabalhador em Montemor-o-Velho, ela seria sempre inflacionada em pelo menos 10% se o mesmo aceitasse a sua transferência para Porto Alto;
2. No caso concreto, a douta sentença sufragada pelo Tribunal a quo (e daí este último incorrer na mesma contradição que o seu precedente) não podia concluir pela verificação de um prejuízo patrimonial significativo do Autor, quando, em sede de fundamentação factual, aceita que as despesas pessoais daquele estavam garantidas pela Ré e que, além disso, esta ainda teve a iniciativa de melhorar o salário auferido pelo trabalhador em “10% a 15%”;
3. Por conseguinte, padecendo a douta sentença da nulidade prevista no artigo 668.º n.º 1 do C.P.C., este vício acaba por ser incorporado, e assim reiterado, pelo douto acórdão recorrido, o que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
4. Quanto à suposta não concretização da proposta de aumento salarial apresentada ao Autor, convirá referir que esta só não aconteceu porque o Autor nunca aceitou a transferência do seu local de trabalho de Montemor-o-Velho para Porto Alto. Não se vê, de resto, como seria possível concretizar o referido incremento salarial de “10% a 15%” sem uma prévia aceitação da transferência do local de trabalho para Porto Alto por quem de direito — o Autor;
5. Nestes termos, fez o Tribunal a quo errada aplicação do direito, incorrendo ele próprio em nulidade, pois da consideração contextualizada dos factos em destaque impunha-se, salvo o devido respeito, que a sentença da 1.ª Instância fosse declarada nula (art. 668.º do C.P.C);
B) DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (art. 722.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C.)
6. De acordo com o disposto no artigo 722.º n.º 2, segunda parte, do C.P.C, cabe, ainda, na competência do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA a sindicabilidade do erro na apreciação da matéria de facto, por via de o Tribunal da Relação ter deixado liminarmente de apreciar essa mesma matéria com base em critério restritivo quanto às possibilidades legais dessa mesma modificabilidade;
7. No que se refere à livre apreciação da prova, esta encontra-se objectiva e subjectivamente limitada pelas regras da experiência comum, na acepção de que não pode o tribunal dar como provado determinado(s) facto(s) que, notoriamente, não corresponde ao normal desenrolar dos comportamentos humanos e/ou realidades físicas e sociais;
8. Ou seja, mandam as regras da experiência comum que se alcance a necessária harmonia no conjunto da matéria de facto provada, no pressuposto de que um certo facto provado não pode inviabilizar, logicamente, a coexistência de um outro;
9. Assim, não pode a Recorrente concordar com a alegação de que “[c]omo resulta da Acta de Audiência de Julgamento de fls. 78 e sgs., os depoimentos testemunhais aí prestados não foram objecto de gravação. (…). Não tendo sido gravada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, afigura-se-nos que está este Tribunal impedido de proceder a um reexame da matéria de facto”;
10. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 712.º do Código de Processo Civil, “a decisão do tribunal de 1.ª instância pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa…” Donde resulta que a decisão da 1ª Instância pode (e deve) ser alterada quando, como é o caso, constem os necessários elementos de prova que serviram de base à requerida alteração à matéria de facto;
11. E note-se que, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 712.º do C.P.C., ainda que o Tribunal a quo entendesse, como entendeu (mal) não ser possível modificar a factualidade fixada na 1.ª Instância, por falta de gravação de depoimentos, deveria ter feito uso desta norma, podendo (e devendo) modificar a factualidade fixada em 1.ª Instância, pois que esta, sob os nºs 8, 10 e 25, se mostra obscura ou contraditória;
12. Analisando os fundamentos da posição manifestada pelo Tribunal da Relação quanto à impugnação das respostas dadas pela Primeira Instância àqueles três factos, facilmente se conclui que o Tribunal da Relação lançou mão de critério ilegal como legitimador da não apreciação daquela parte do recurso;
13. Essa decisão deverá agora ser rectificada por este Alto Tribunal, ordenando, salvo o devido respeito, que os autos baixem de novo à Relação para que esta se pronuncie concretamente sobre as propostas alterações à matéria de facto (acessoriamente se afirmando desde já que mantêm aqui plena acuidade e pertinência os argumentos e referências constantes da apelação nesta parte);
14. Neste contexto, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) [do] CPC;
C) DOS ERROS DE JULGAMENTO (POR VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA)
15. Refere o douto acórdão recorrido que “os factos assentes indiciam, de forma inequívoca, que da transferência do A. para Porto Alto, pretendida pela Ré ora Apelante, resulta um prejuízo sério, ou seja, um sacrifício inaceitável para o A.”;
16. De acordo com o referido acórdão, “[e]m primeiro lugar, há que atender que o novo local de trabalho dista cerca de 200 km da residência do A. O que acarretava que deixasse de residir na sua habitação sem (?) família ou que passasse a residir próximo do novo local de trabalho, com todos os transtornos daí decorrentes. E, [e]m segundo lugar, o A. colabora na preparação do filho para a escola, todos os dias, pois a esposa sai de casa às 5h30 da manhã, a fim de ir trabalhar (pontos 9 e 10). Com a transferência, deixaria de o poder fazer (...)”;
17. Resulta do facto provado n.º 7 que, por via desse novo local de trabalho do Autor (Porto Alto), a Recorrente garantia, ao Autor, alojamento “por conta da Empresa”. Deste modo, estando o alojamento a cargo da entidade empregadora (bem como um subsídio de transporte, de cerca de 110 € e um subsídio de refeição de 5 € para o almoço e para o jantar), dúvidas não há de que, nenhum prejuízo sério resultaria dessa alteração de local de trabalho;
18. Considera a Recorrente que, no caso concreto, estamos perante meros “transtornos familiares” ou “incómodos para a vida pessoal” do trabalhador transferido e não perante um verdadeiro prejuízo sério;
19. Aliás, a esse propósito refere que, de acordo com o facto provado n.º 23, no decurso das negociações destinadas a decidir/preparar a transferência do local de trabalho do Autor, nunca este justificou a sua recusa em ser transferido para Porto Alto, com base nos prejuízos ou obstáculos pessoais/familiares, mas sim, unicamente, com base na insuficiência da proposta de aumento salarial;
20. Por outro lado, relativamente ao facto de que “o A. colabora na preparação do filho para ir para a escola, todos os dias, pois a esposa sai de casa às 05H30 da manhã, a fim de ir trabalhar”, convirá referir que não se provou que o Autor tivesse que preparar o filho todos os dias para o acompanhar à escola;
21. Reitera-se o carácter conclusivo e subjectivo das expressões “problemas de saúde” e “consultas médicas frequentes”, sendo que a sua utilização na matéria de facto acaba por impedir a sindicabilidade de tais circunstâncias como eventualmente consubstanciadoras do conceito de “prejuízo sério”, a ter por relevante para os efeitos destes autos. Que “problemas de saúde” afectarão em concreto, e com que gravidade, o filho do Autor? A que periodicidade se reportará tal frequência: todas as semanas? Todos os meses? Todas as semanas? Nada foi dado como provado — sendo que, em todo o caso, e quando muito, estaremos uma vez mais aqui a falar de meros “transtornos familiares” ou “incómodos para a vida pessoal” do trabalhador, os quais obstam à verificação do prejuízo relevante para efeitos do nºs 2 e 4 do art. 315.º do Código do Trabalho;
22. Por outro lado, de acordo com o estipulado em Ordem de Serviço da Recorrente (OS N.º 012), a disparidade de valores do subsídio de transporte diário deve-se, única e exclusivamente, ao cálculo, em termos objectivos, das distâncias da casa do Autor de/para Montemor-o-Velho, e de/para Porto Alto, associado ao número de viagens efectuadas. E sendo os respectivos montantes calculados por referência aos quilómetros a percorrer pelo trabalhador, multiplicados pelo número de viagens normais efectuadas, mensalmente, não é possível extrair qualquer conclusão de que o Autor viria a ser prejudicado ou beneficiado com o “novo” montante do subsídio;
23. Os dois valores de subsídio de transporte não são comparáveis para efeitos de aferição de prejuízo para o Autor, em sede de legitimação de resolução do contrato de trabalho por transferência de local motivada por encerramento do estabelecimento, porque tal subsídio nunca foi configurado (nem teve como resultado) como uma fonte de rendimento do trabalhador, mas sim simples comparticipação da empresa nas despesas pessoais daquele;
24. Deste modo, o douto acórdão, ao realçar a diferença de valores a título de subsídio de transporte a que o Autor tinha direito, entre os locais de trabalho em Montemor-o-Velho e Porto Alto, incluindo essa diferença nos factores a ponderar na avaliação das situações patrimoniais do Autor entre um e outro local, não teve, salvo o devido respeito, em consideração que aquele subsídio de transporte constitui uma mera forma de compensação/contribuição da empresa para auxiliar o trabalhador a fazer face à despesa pessoal inerente à sua normal deslocação do domicílio para o local de trabalho;
25. Atenta a distância do novo local de trabalho (cerca de 200 km da sua residência), e considerando que a Recorrente garantiu “alojamento por conta da Empresa” (facto provado n.º 7), certamente que o Autor estaria ausente da sua casa durante toda a semana, tendo apenas que efectuar as deslocações de casa para o trabalho e vice-versa durante os fins-de-semana. Por outras palavras, nunca o Autor teria que percorrer os pretendidos 8.800 km (200 km x 2 x 22 dias) que o douto acórdão refere, mas sim, quando muito, 1.600 km (200 km x 2 viagens x 4 semanas);
26. O valor a suportar pela Recorrente, em termos mensais (é calculado em função do montante do passe social em transportes públicos para os km a percorrer), mostra-se mais do que adequado e razoável para fazer face às despesas normais para as viagens previsíveis que o trabalhador faria do novo local de trabalho para o seu domicílio pessoal;
27. Em quarto lugar, considerando que a transferência do local de trabalho do Autor para Porto Alto o obrigava a estar ausente da sua casa, a Recorrente garantia-lhe um subsídio de jantar de valor idêntico ao subsídio de almoço (ou seja, 5,00 € x 2). Não se compreende como pode o douto acórdão referir que essa quantia era manifestamente insuficiente pois, tal como resulta dos factos provados (facto n.º 7), esses 10 € se destinavam, unicamente, a fazer face às despesas com o almoço e o jantar, o que, diga--se, é perfeitamente razoável;
28. Por outro lado, refere o douto acórdão que com esses 10,00 Euros diários o Autor teria que fazer face às despesas para tomar a “bucha a meio da manhã e a merenda”. Ora, a existirem aquelas refeições intercalares no seu antigo local de trabalho (e nada nos autos indicia nesse sentido), também aí o trabalhador as suportaria integralmente do seu bolso, pelo que, nenhuma alteração passaria a verificar-se no novo local de trabalho;
29. Por outro lado, mas não menos importante, é manifesto que estamos aqui perante circunstâncias factuais introduzidas nos autos ex novo pelo douto acórdão recorrido, as quais não encontram qualquer correspondência material no processado, não sendo sequer o resultado de um requerimento formulado pelas partes nesse sentido. Pelo que aquela referência à “bucha a meio da manhã” e à “merenda” apenas se poderá considerar como não escrita;
30. Em quinto lugar, quanto à questão do “prémio de esforço”, verifica-se que o douto acórdão fundou, em parte, a convicção da verificação do prejuízo sério, em termos patrimoniais, na circunstância de a Guia de Transferência não incluir qualquer menção àquele prémio. Da falta de indicação do “prémio de esforço” naquela Guia de Transferência, o douto acórdão retirou a conclusão de que o Autor não iria receber tal prémio no Estaleiro de Porto Alto, o que lhe acarretaria prejuízo patrimonial;
31. A realidade é que a Guia de Transferência apenas refere as condições retributivas e encargos suportados pela empresa — como ajudas de custo, subsídio de transporte, etc. —, e não já meros prémios, os quais dependem de decisões individuais da hierarquia em cada local de trabalho. E a prova de que existiram outras condições associadas à transferência, para além das que constam expressamente na Guia de Transferência, é o aumento salarial proposto pela Ré ao Autor: também ele não é mencionado naquele documento e, todavia, o Tribunal não hesitou em dá-lo por provado!
32. Na verdade, nas negociações destinadas a decidir/preparar a transferência do Autor, o “prémio de esforço” sempre foi garantido, e o Autor nunca duvidou de que o mesmo continuaria a ser-lhe pago no seu novo local de trabalho (Porto Alto), desde que, naturalmente, a qualidade da sua prestação laboral fosse de molde a justificar a sua atribuição pela hierarquia da empresa — no que, note-se, e de novo, em nada diferia quanto ao sucedido no posto de trabalho de origem;
33. Aliás, se o Autor realmente desconfiasse da garantia da manutenção do “prémio de esforço”, e tivesse questionado, por qualquer forma essa “omissão”, certamente que a Recorrente teria dissipado toda e qualquer dúvida a este respeito e ter-lhe-ia respondido em termos afirmativos. No plano da boa fé, e se fosse o caso, assistia ao Autor o “poder--dever” de exigir qualquer esclarecimento junto da Ré quanto à garantia do pagamento do prémio de esforço, e não “aquartelar-se” em posição de quem “nada sabe” ou duvida do que o aguardava em Porto Alto, em termos de condições materiais oferecidas pela entidade patronal (vide, a propósito do “poder-dever”, ALBINO MENDES BAPTISTA, in “Memórias do VII Congresso Nacional do Direito do Trabalho”, Almedina, 2004, pág. 39);
34. A verdade é que o Autor já tinha apresentado aos responsáveis da Ré a sua firme e irreversível posição de recusa em ser transferido para Porto Alto, antes de se emitir a Guia de Transferência. Ou seja, a omissão de “prémio de esforço” na Guia de Transferência foi utilizada pelo Autor como um mero pretexto para sustentar a resolução do contrato, uma vez que, ainda que tal prémio ali constasse, a sua decisão não iria ser diferente da que tinha tomado muito tempo antes;
35. Tendo em conta os factos dados como provados, sobretudo, sob os nºs 22, 23, 24 e 25, parece ser de concluir com elevado grau de segurança a inverificação do prejuízo sério de que a lei faz depender para justificar, no plano da legalidade, a resolução do contrato por parte do trabalhador quando confrontado com a necessidade da sua transferência de local de trabalho, motivada por encerramento do estabelecimento. Foi assim violado o disposto no art. 315.º nºs 2 e 4 do Código do Trabalho;
D) DO “QUANTUM” INDEMNIZATÓRIO
36. A antiguidade do trabalhador não pode ser eleita como o critério determinante para fixação da indemnização entre os 15 e os 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de serviço, desde logo, porque o factor “antiguidade” vem já pressuposto na própria fórmula legal que preside à determinação da compensação; quando a lei estatui que a indemnização resultará dum concreto número de dias (dos 15 aos 45) por cada ano de antiguidade, está, na verdade, a reconhecer e aplicar já a importância que o factor “antiguidade” deve assumir nesta matéria.
37. Por outro lado, não nos parece que “as naturais expectativas de estabilidade” de que fala a sentença da 1.ª Instância sejam consequência jurídica ou natural da maior antiguidade de que o trabalhador seja “titular”. Do ponto de vista jurídico, tais expectativas de estabilidade tanto assistem ao trabalhador que tenha seis meses, 1 ano, 3, 5, 7 ou 10 anos de antiguidade, conquanto seja trabalhador efectivo (do quadro de pessoal permanente) da empresa;
38. Quanto ao aumento da angústia e incerteza que teriam sido decorrência da frustração das expectativas de estabilidade, para além do que se disse anteriormente, sempre ressalta à vista a total omissão de matéria de facto nos autos em que se pudesse eventualmente suportar tal afirmação. Pelo que, sob pena de nos reportarmos a meras conjecturas, não pode o Tribunal partir do princípio de que o Autor foi afectado por qualquer aumento de angústia e incerteza quanto ao futuro;
39. Para além de ter que se atender que a necessidade de encerramento do estaleiro de Montemor-o-Velho era há muito conhecida do Autor (factos nºs 16 a 22 da matéria provada) — facto incontornável e público na vida daquele estabelecimento e para quem ali laborava — a haver angústia, ela sempre sairia mitigada pelo longo tempo em que tal situação co-habitou com os trabalhadores do estaleiro, Autor incluído;
40. Por outro lado, não se pode olvidar que tais hipotéticas angústias se devem a facto da exclusiva iniciativa do Autor, ao decidir resolver o contrato de trabalho em detrimento da oportunidade (de melhoria de estatuto salarial e pessoal) que a entidade patronal lhe proporcionou. Além do mais, dificilmente se pode falar em angústia e incerteza quanto ao futuro que afectassem o Autor, porquanto o mesmo, como serralheiro de 1.ª, seria sempre das poucas profissões a que nunca faltou serviço na área. Sendo ainda certo que é conhecida a prática do recurso ao “biscate”, mesmo quando contemporâneo com a prestação de serviço subordinado a uma entidade patronal…
41. Aliás, só esta circunstância explicará o surpreendente sentimento manifestado pelo Autor de que teria sido “prejudicado”e “discriminado”, relativamente aos colegas de trabalho com quem a empresa negociou rescisões dos vínculos (por, após o encerramento do estaleiro de Montemor, não ter interesse objectivo na continuação do respectivo serviço ou por não ter colocação para os mesmos) …
42. Quando, como nos presentes autos, o trabalhador invoca como motivo de discriminação por parte do empregador, o facto de ser preferido em termos de manutenção do posto de trabalho, em detrimento de outros colegas, a quem apenas foi apresentada a possibilidade de rescindir o contrato de forma amigável ou litigiosa (por encerramento do estabelecimento), está, pensa-se, tudo dito…
43. Finalmente, inexistindo razões válidas para diferenciar a situação prevista nos [artigos] 315.º n.º 4 e 443.º n.º 1 do Código do Trabalho, devem ser a retribuição e o grau de ilicitude da actuação da entidade patronal a presidir à determinação do número de dias a contar para a indemnização. E, neste particular, parece curial a tese segundo a qual, se a retribuição auferida se mostra elevada, é porque se entendeu que essa seria a contrapartida adequada pelo (qualidade/quantidade/importância, etc.) trabalho prestado; ou seja, uma indemnização apurada a partir do critério “quanto maior a retribuição, menos os dias por cada ano de antiguidade”, e vice-versa, destruiria o sinalagma (retribuição/valor do trabalho) que as próprias partes instituíram;
44. Parece, assim, que se deve orientar o critério retribuição segundo o juízo “menor retribuição/menos dias de indemnização”. E, in casu, temos que a retribuição base do Autor ascende a € 479,00 mensais…
45. Por outro lado, inexiste manifestamente qualquer ilicitude na actuação da Ré, que tenha, sequer remotamente, levado o Autor à decisão de operar a resolução do seu contrato de trabalho;
46. Sem conceder, ainda que se defenda a inaplicabilidade dos factores “ilicitude do despedimento” e “retribuição”, afigura-se, por elementar questão de justiça, que restaria o reconhecimento do esforço e diligências promovidas pela entidade patronal no sentido de não só continuar a contar com a prestação de serviço do Autor (garantindo-lhe assim a estabilidade que ele tanto reclama), como ainda investiu mais nele, séria e consistentemente, aumentando-lhe o salário em 15%;
47. No plano da boa fé, este esforço da Ré não pode deixar de ter reflexos ao nível do valor a indemnização a atribuir ao Autor, na medida em que este só não beneficiou do incremento salarial (e de estatuto pessoal na empresa), por razões que apenas ao próprio podem ser imputadas. Assim, a ser devida indemnização, devia a correspondente indemnização colar-se ao mínimo legal de 15 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade;
48. Face a tudo o exposto, a douta sentença desrespeitou, por aplicação errónea, o disposto nos arts. 315.º n.os 2 e 4, 443.º n.º 1, e 260.º do Código do Trabalho, 10.º e 11.º do Código Civil, e ainda Clª 33.ª n.º 2 al. b) do CCTV.»

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para discordar daquela posição.

3. Corridos os vistos, procedeu-se, entretanto, à redistribuição do processo, por jubilação da então relatora.

No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Nulidade da sentença de 1.ª instância e do acórdão recorrido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (conclusões 1. a 5. da alegação do recurso de revista);
Erro na apreciação da prova (conclusões 6. a 14. da alegação do recurso de revista);
Se existe ou não prejuízo sério para o autor em resultado da transferência do seu local de trabalho (conclusões 15. a 35. da alegação do recurso de revista);
Cálculo da indemnização, no caso de se concluir pela existência daquele prejuízo (conclusões 36. a 48. da alegação do recurso de revista).

Tudo visto, cumpre decidir.
II
1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) A ré é uma sociedade anónima, que se dedica à actividade da construção civil e obras públicas;
2) Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, a ré admitiu o autor em 22 de Outubro de 1984, por contrato verbal e sem prazo;
3) No momento da cessação das relações de trabalho, o autor tinha a categoria profissional de Serralheiro Mecânico de l.ª classe,
4) Auferia o vencimento base de € 479,00, a que acrescia um subsídio de refeição no montante de € 5,00 por cada dia efectivo de trabalho;
5) Para além do vencimento base mensal, o autor auferia ainda todos os meses um montante fixo mensal, denominado «prémio de esforço», no valor de € 190,00;
6) Por carta datada de 20 de Setembro de 2004, contendo como anexo um documento intitulado «Guia de Transferência de Pessoal», e recebida pelo autor em 23 de Setembro de 2004, a ré comunicou-lhe o seguinte: «(…) Na sequência da informação divulgada pela Empresa desde Abril/2004, quanto ao encerramento do Estaleiro localizado em Montemor-o-Velho e das reuniões havidas com Vª Exª, durante os meses de Julho e Agosto de 2004, quanto à identificação do seu novo local de trabalho e respectivas condições de transferência, vimos por este meio, nos termos previstos na cláusula 31ª do CCTV para a Indústria da Construção Civil e Obras Públicas e demais legislação aplicável notificá-lo da sua transferência para o Estaleiro Central da Empresa sito em Porto Alto a partir de 27 de Setembro de 2004.
As condições desta transferência constam da Guia de Transferência anexa nesta carta (…)»;
7) Nessa «Guia de Transferência de Pessoal», junta a fls. 10 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, consta no quadro 4, denominado «condições da transferência», o seguinte:
«4 - Condições da Transferência:
4.1 - Remuneração mensal 479,00 €
4.2 - Ajudas de custo
4.3 - Subsídio de Refeição (Almoço/Jantar) 5,00 €
4.4 - Outros Subsídio de Transporte Conforme O.S. N.° 012
4.5 - Base de residência fixada em: Seixo-Montemor,
Cód. Postal 3140 Local Montemor-O-Velho
4.6 - Outras indicações: Alojamento p/ conta Empresa»;
8) O autor tem um filho nascido em 7 de Março de 1996 que necessita do seu acompanhamento, tendo problemas de saúde que obrigam a consultas médicas frequentes;
9) A esposa do autor inicia o trabalho, na empresa ROCA, na Zona Industrial de Cantanhede, às 5h30m da manhã, de segunda a sexta-feira, o que a obriga a ter de sair de casa antes disso;
10) O autor colabora na preparação do filho para ir para a escola, todos os dias;
11) Desde que foi contratado pela ré, o autor sempre prestou o seu serviço no estaleiro de Quinhendros, Montemor-o-Velho, que dista de sua casa cerca de 20 km, o que lhe permite levar para o trabalho a refeição do almoço e tomar o pequeno--almoço e o jantar em sua casa;
12) Com a transferência para Porto Alto, o autor teria de se deslocar para uma distância de cerca de 200 km da sua residência, o que o obrigaria a estar ausente de casa, pelo menos, durante toda a semana de trabalho;
13) O subsídio de transporte mensal assegurado pela ré nas condições para a transferência seria de cerca de € 110,00;
14) A ré negociou a rescisão dos respectivos contratos de trabalho com a maior parte dos outros trabalhadores que prestavam trabalho no estaleiro de Quinhendros, pagando-lhes indemnização de antiguidade;
15) Em consequência da determinação de transferência, o autor rescindiu o contrato de trabalho com a ré, por carta registada com aviso de recepção, que, em 28.09.2004, endereçou à ré, nos termos do documento de fls. 11 e 12 que aqui se dá por integralmente reproduzido, carta recebida pela mesma ré no dia 29 de Setembro de 2004;
16) Nos primeiros meses do ano de 2004, a ré deu a conhecer ao autor e aos outros trabalhadores a informação do encerramento definitivo das instalações do estaleiro localizado em Montemor-o-Velho;
17) Já há vários anos que todos os trabalhadores da ré naquele estaleiro, e não só, sabiam da necessidade do encerramento das aludidas instalações;
18) Isto porque desde a sua implantação, em meados dos anos 80, nunca a ré logrou obter o devido licenciamento industrial para o exercício da actividade de oficinas de metalomecânica e construção civil naquele local;
19) Fosse porque se encontrava em zona vedada legalmente a tal actividade, fosse porque se foi registando ao longo do tempo um conjunto de pressões políticas por parte da Câmara Municipal da Figueira da Foz, no sentido de as instalações da ré serem retiradas daquele local;
20) O estaleiro onde trabalhava o autor só não encerrou mais cedo, por falta de alternativas consistentes do ponto de vista da gestão do pessoal e equipamento, aliada aos preços proibitivos praticados na venda de terrenos adequados e com dimensão suficiente para as necessidades da ré;
21) Só no âmbito da fusão formalizada em Dezembro de 2003 entre as empresas BB, S. A., e CC – Sociedade e Construção Civil, S. A., surgiu a oportunidade de se centralizar os serviços de estaleiro e oficina da sociedade BB, Engenharia e Construção, S. A., no antigo estaleiro central da CC, localizado em Porto Alto, próximo de Alenquer, o que veio a suceder;
22) Nos meses anteriores a Setembro de 2004, a ré iniciou e manteve com o autor negociações destinadas a decidir/preparar a sua transferência;
23) No decurso dessa[s] negociações, o autor por mais de uma vez apresentou como motivo da sua recusa em ir para Porto Alto a insuficiência da melhoria salarial proposta;
24) No decurso das mesma[s] negociações, foi-lhe proposto pela ré a cedência de alojamento no novo local de trabalho, subsídio de jantar — quando estivesse em Porto Alto ao serviço da ré — de valor idêntico ao subsídio de almoço (ou seja, € 5,00 x 2/dia) e ainda o subsídio de transporte, para custear as viagens de fim-de-semana de e para a sua residência;
25) No decurso das mesma[s] negociações, face ao interesse da ré em continuar a contar com o seu serviço, foi-lhe ainda referida pela hierarquia uma proposta de aumento salarial de entre 10% a 15%, com efeitos a partir da data da transferência;
26) A ré, por carta enviada em 30.11.2004, junta a fls. 55 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, declarou-lhe rejeitar a invocação de justa causa para a resolução do contrato de trabalho e comunicou-lhe que o processamento do «fecho de contas» incluiria já a dedução, por compensação, dos valores correspondentes ao aviso prévio em falta;
27) No momento da cessação das relações de trabalho, o autor para além do que se descreveu e[m] 4) e 5), supra, auferia ainda um subsídio de transporte diário no montante de € 4,46 por cada dia efectivo de trabalho.

2. A recorrente sustenta que a sentença de primeira instância e o acórdão recorrido padecem da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Para tanto, alega que «[n]o caso concreto, a douta sentença sufragada pelo Tribunal a quo (e daí este último incorrer na mesma contradição que o seu precedente) não podia concluir pela verificação de um prejuízo patrimonial significativo do Autor, quando, em sede de fundamentação factual, aceita que as despesas pessoais daquele estavam garantidas pela Ré e que, além disso, esta ainda teve a iniciativa de melhorar o salário auferido pelo trabalhador em “10% a 15%”».

E, por outro lado, aduz que «[q]uanto à suposta não concretização da proposta de aumento salarial apresentada ao Autor, convirá referir que esta só não aconteceu porque o Autor nunca aceitou a transferência do seu local de trabalho de Montemor-o-Velho para Porto Alto. Não se vê, de resto, como seria possível concretizar o referido incremento salarial de “10% a 15%” sem uma prévia aceitação da transferência do local de trabalho para Porto Alto por quem de direito — o Autor»

Parece claro que não se mostra correctamente qualificado o vício assacado à sentença de primeira instância e ao acórdão recorrido, que só seria passível de integrar um erro de julgamento e não a nulidade arguida pela recorrente.

O certo é, porém, que a recorrente, no requerimento de interposição do recurso de revista (fls. 228), não arguiu qualquer nulidade do acórdão recorrido.

Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que esse princípio é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação por força da norma remissiva do artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que a arguição daquela nulidade no texto da alegação do recurso se torna inatendível por intempestividade.

Em conformidade, mesmo que o vício arguido estivesse correctamente qualificado, não se poderia conhecer da invocada nulidade do acórdão recorrido.

Acresce que, relativamente à invocada nulidade da sentença de primeira instância, não se vislumbra a existência de oposição ou contradição lógica entre a sobredita factualidade e a decisão constante daquela sentença.

Na verdade, aquela decisão assentou no conjunto dos factos provados e não apenas nos factos enunciados sob os n.os 22, 23, 24 e 25, sendo certo que resulta da conjugação dos factos provados 4) e 7) que o autor «auferia o vencimento base de € 479,00» e que na «Guia de Transferência de Pessoal», anexa à carta datada de 20 de Setembro de 2004 [facto provado 6)], constava no quadro 4, denominado «Condições da Transferência», a mesma remuneração mensal (ponto 4.1 – Remuneração mensal), sem que se faça qualquer alusão ao invocado «incremento salarial de 10% a 15%».

Assim, como bem decidiu o acórdão recorrido, não se verifica a invocada nulidade da sentença da 1.ª instância; doutro passo, não se pode conhecer da nulidade imputada ao acórdão recorrido face à apontada intempestividade da sua arguição.

Improcedem, pois, as conclusões 1. a 5. da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente invoca, também, a existência de erro na apreciação da prova, aduzindo que impugnou a decisão do tribunal da primeira instância sobre a matéria de facto, tendo a Relação entendido que estava impedido de proceder ao reexame da matéria de facto por a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento não ter sido gravada.

A recorrente discorda deste entendimento, sustentando que o Tribunal da Relação desrespeitou o artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, porquanto, constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto objecto de impugnação, a Relação deveria ter procedido ao reexame da matéria de facto.

Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, «ainda que o Tribunal a quo entendesse, como entendeu (mal) não ser possível modificar a factualidade fixada na 1.ª Instância, por falta de gravação de depoimentos, deveria ter feito uso desta norma, podendo (e devendo) modificar a factualidade fixada em 1.ª Instância, pois que esta, sob os n.os 8, 10 e 25, se mostra obscura ou contraditória».

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova».

Por outro lado, o n.º 2 do artigo 729.º referido determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

Assim, este Supremo Tribunal só pode conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto se o recorrente invocar como fundamento dessa impugnação a ofensa de disposição expressa de lei, quando esta exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando a mesma fixe a força de determinado meio de prova.

Tal como se pondera, a este propósito, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Novembro de 2006 (Processo n.º 2568/06 da 4.ª Secção):

«Na anterior redacção do artigo 712.º do Código de Processo Civil (resultante da reforma processual de 1995/1996), entendia-se que o Supremo não podia controlar o não uso pela Relação dos poderes conferidos por esse preceito, mas já poderia efectuar esse controlo quando a Relação tivesse feito uso desses poderes, caso em que se considerava que o que estava em causa não eram os estritos aspectos da apreciação das provas ou da fixação dos factos materiais da causa, mas a eventual ocorrência de um erro de direito quanto à existência da deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, ou a necessidade da sua ampliação, que justificasse a repetição do julgamento (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 447, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 1984, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 122, p. 233, e de 15 de Março de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 435, p. 750).
No entanto, qualquer destas possibilidades parece ter sido posta em causa, em via de recurso, por força do agora estatuído no n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375--A/99, de 20 de Setembro, onde se prescreve: “Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Não havendo lugar, nos sobreditos termos, a um recurso autónomo das decisões que a Relação adopte no âmbito dos seus poderes de modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz--se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, [citados], quando essa questão venha suscitada como fundamento do recurso de revista, e apenas nos casos em que este seja admissível por se considerar igualmente verificada uma violação da lei substantiva.»

Uma vez que a recorrente apenas impugna a decisão que a Relação proferiu, no quadro dos poderes que lhe conferia o artigo 712.º, n.os 1, alínea a), e 4, do Código de Processo Civil, não alegando que o tribunal recorrido tivesse ofendido qualquer disposição expressa da lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, o recurso, neste preciso segmento, é inadmissível (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), o que obsta, nesta parte, ao seu conhecimento.

Ainda neste plano de consideração, a recorrente reitera o carácter conclusivo e subjectivo das expressões «problemas de saúde» e «consultas médicas frequentes» constantes do facto provado 8), no qual se deu como provado que «[o] autor tem um filho nascido em 7 de Março de 1996 que necessita do seu acompanhamento, tendo problemas de saúde que obrigam a consultas médicas frequentes».

Conforme se decidiu no acórdão recorrido, aquelas expressões não são de natureza conclusiva, «antes, traduzem factos concretos da vida real, de acordo com critérios de razoabilidade e de senso comum, não se limitando o seu significado e alcance a meras inferências de carácter genérico/abstracto que caracterizam as asserções conclusivas», entendimento que se sufraga.

Doutro passo, no corpo das alegações do recurso de revista, a recorrente invoca a violação do artigo 349.º do Código Civil, e não sendo caso da aplicação de qualquer presunção legal, certamente se estará a reportar às presunções judiciais.

Ora, traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, tais presunções reconduzem-se ao julgamento da matéria de facto, pelo que, são insindicáveis por parte do Supremo Tribunal de Justiça, atento o estipulado no artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Ao Supremo Tribunal de Justiça apenas cabe ajuizar, por ser uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas pelas instâncias violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, isto é, se foram tiradas de factos desconhecidos (não provados) ou irrelevantes para firmar factos desconhecidos ou se exigem um grau superior de segurança na prova, ou, ainda, se conflituam com a factualidade material provada ou contrariam um facto que tenha sido submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal considerou não provado, situações que não se configuram no caso em apreciação.

Assim, à luz de toda a explanação antecedente, não há fundamento para que o Supremo Tribunal de Justiça exerça a pretendida censura sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as restantes questões suscitadas no presente recurso.

4. A recorrente considera que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, os factos dados como provados permitem concluir que a transferência do autor do seu local de trabalho situado em Montemor-o-Velho para o novo local de trabalho situado em Porto Alto, não lhe causaria prejuízo sério, pelo que em face do disposto no artigo 315.º, n.os 2 e 4, do Código do Trabalho, o autor não tinha fundamento legal para resolver o contrato de trabalho que o vinculava à recorrente e não lhe pode ser reconhecida a indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do mesmo Código.

4.1. Um dos elementos concretizadores da prestação de trabalho é o local em que ela deve ser executada. Trata-se de um elemento relevante para a situação socioprofissional do trabalhador já que, fixado expressa ou tacitamente no contrato de trabalho o lugar da prestação, é em função desse lugar que o trabalhador vai organizar a sua vida pessoal (cf. BERNARDO LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, Verbo, Lisboa, 1993, pp. 346-347; ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 520; MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 417).

A manutenção do local de trabalho corresponde, assim, a um interesse fundamental do trabalhador e daí que a alínea f) do artigo 122.º do Código do Trabalho consagre o princípio da inamovibilidade do trabalhador ao estatuir que é proibido à entidade patronal «transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou quando haja acordo», prevendo o n.º 1 do artigo 154.º do mesmo Código que «o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto nos artigos 315.º e 317.º».

O referido princípio da inamovibilidade comporta, portanto, os desvios acolhidos nos artigos 315.º e 316.º do citado Código.

O sobredito artigo 315.º prevê duas situações em que a mudança de local de trabalho, por determinação da entidade patronal, é admitida; a primeira reconduz-se à chamada transferência individual, que ocorre quando a entidade patronal possui vários estabelecimentos ou sucursais situados em localidades diferentes e cuja licitude depende da existência de interesse da empresa e da inexistência de prejuízo sério para o trabalhador (n.º 1); a segunda respeita às transferências colectivas por mudança, total ou parcial, do estabelecimento em que os trabalhadores prestam serviço (n.º 2), sendo que, neste caso, a transferência do trabalhador não é mais do que uma sequela prática da deslocação do próprio suporte da prestação de trabalho (MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 420).

Em ambas as situações a lei procura acautelar a posição do trabalhador.

Se a transferência resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento em que presta serviço e implicar prejuízo sério, o n.º 4 do citado artigo 315.º confere ao trabalhador a faculdade de resolver o contrato de trabalho, «tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º».

Em qualquer caso, o n.º 5 do mesmo artigo 315.º prevê que o empregador «deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência».

Por sua vez, o artigo 316.º do Código do Trabalho rege sobre a transferência temporária do local de trabalho, estabelecendo que o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir temporariamente o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador (n.º 1) e que da ordem de transferência, além da justificação, deve constar o tempo previsível da alteração, que, salvo condições especiais, não pode exceder seis meses (n.º 3).

O prejuízo sério a que se alude nos citados artigos 315.º e 316.º deve ser entendido no sentido de dano relevante, com alteração substancial das condições de vida do trabalhador, que poderá reflectir-se em aspectos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica, parecendo haver consenso entre os autores relativamente ao facto de não estarem em causa apenas prejuízos patrimoniais ou profissionais (cf. CATARINA CARVALHO, “A Mobilidade Geográfica dos Trabalhadores no Código do Trabalho”, em VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho. Memórias, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 56-65). O prejuízo sério não pode, por isso, circunscrever-se a situações «de um incómodo ou de um transtorno suportáveis» (MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 426).

Aliás, era já este o entendimento da jurisprudência firmado na vigência do anterior regime de transferência do trabalhador para outro local de trabalho previsto no artigo 24.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT (cf., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Dezembro de 1998, Revista n.º 237/98, de 20 de Junho de 2000, Revista n.º 88/00, de 30 de Abril de 2002, Revista n.º 3896/01, de 2 de Dezembro de 2004, Revista n.º 1013/04, e de 16 de Março de 2005, Revista n.º 2516/04, todos da 4.ª Secção).

Relativamente ao ónus da prova do prejuízo sério no caso de transferência colectiva, o regime do Código do Trabalho, no confronto com o regime anterior, estabelece uma diferença relevante. É que, enquanto o n.º 2 do artigo 24.º da LCT previa, na hipótese de transferência causada por mudança, total ou parcial, do estabelecimento, que cabia à entidade patronal provar que o trabalhador não sofria prejuízo sério para evitar o pagamento da indemnização, no regime do Código do Trabalho, o prejuízo sério constitui o necessário pressuposto do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e do seu direito à indemnização, pelo que o ónus de prova do prejuízo sério cabe agora ao trabalhador (cf. JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 644).

4.2. No caso vertente, tal como refere a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, «mesmo que se aceite, como defende a Recorrente, que a transferência do local de trabalho não acarretava ao Autor um prejuízo económico significativo, é manifesto que essa transferência iria causar ao Autor uma grave perturbação das suas condições de vida, quer no plano pessoal, quer no familiar».

Com efeito, resulta dos factos apurados que o autor tinha a sua residência, na qual vivia com a mulher e um filho menor, a cerca de 20 km do seu local de trabalho, o que lhe permitia tomar o pequeno-almoço e o jantar em casa e colaborar, todos os dias, na preparação do filho para ir para a escola, já que a esposa inicia o trabalho, na Zona Industrial de Cantanhede, às 5,30 horas, de segunda-feira a sexta--feira, o que a obriga a sair de casa antes disso, e acompanhá-lo nas frequentes consultas médicas de que necessita devido aos seus problemas de saúde [factos provados 8), 9), 10) e 11)].

Com a transferência para o novo local de trabalho, o qual se situa em Porto Alto e dista cerca de 200 km da residência do autor, este teria de passar a residir próximo do novo local de trabalho, o que implicava que só pudesse estar com a sua família durante os fins-de-semana [facto provado 12)].

Esta situação, conforme salienta aquela Ex.ma Magistrada, «que resultaria da mudança do local de trabalho do Autor, representaria para este um significativo agravamento da sua vida pessoal e familiar, pois deixaria de poder privar normalmente com a mulher e o filho menor e de prestar a este os cuidados de assistência e de educação que lhe vinha prestando».

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 67.º da Constituição «[a] família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros», sendo que, a propósito deste direito das famílias, afirmam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, p. 857) que, «incumbindo a protecção da família, segundo este preceito, tanto ao Estado como à Sociedade, isso só pode querer dizer — visto que a sociedade não tem uma responsabilidade própria — que esse dever impende não somente sobre os poderes públicos, mas também sobre outros particulares (eficácia directa dos direitos fundamentais nas relações entre privados), por exemplo face às entidades patronais com os seus trabalhadores […]», acrescentando os mesmos AUTORES que «a protecção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, a protecção da unidade da família […]. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos.»

A transferência do local de trabalho em apreciação iria restringir seriamente o direito do autor e seus familiares a uma normal convivência, frustrando a realização pessoal dos membros daquele agregado familiar, constitucionalmente tutelada.

4.3. Face à descrita factualidade, as consequências que resultariam da aludida transferência são de molde a configurar um prejuízo sério para o trabalhador transferido, não se traduzindo, por isso, como defende a recorrente, em meros «transtornos familiares» ou «incómodos para a vida pessoal» do autor.

Em suma, impõe-se concluir que o autor fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), que a transferência do local de trabalho situado em Montemor-o-Velho para o novo local de trabalho situado em Porto Alto, lhe acarretava prejuízo sério.

Mostrando-se verificados os elementos de facto integradores de prejuízo sério da transferência, assiste ao autor o direito à resolução do contrato, bem como o direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões 15. a 35. da alegação do recurso de revista.

5. Em derradeiro termo, a recorrente propugna que, em face da factualidade provada e dos parâmetros que devem pautar o cálculo de indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho — a retribuição e o grau de ilicitude da actuação da entidade patronal —, a indemnização devida ao autor deve ser fixada não em função de 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, como decidiram as instâncias, mas sim «colar-se ao mínimo legal de 15 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade».

Nos termos do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, a resolução do contrato pelo trabalhador, com fundamento em justa causa subjectiva, ou seja, com base nos comportamentos ilícitos do empregador previstos no n.º 2 do artigo 441.º, confere-lhe «o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade».

Esta norma prevê, em paralelo com o artigo 439.º, relativo à indemnização em substituição da reintegração nos casos de despedimento ilícito, uma moldura dentro da qual o tribunal deve fixar a indemnização devida ao trabalhador em consequência da resolução do seu contrato de trabalho com fundamento em justa causa subjectiva.

Porém, na situação prevista no n.º 4 do artigo 315.º, o fundamento da resolução do contrato pelo trabalhador - existência de prejuízo sério decorrente da transferência do trabalhador para outro local de trabalho em resultado da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço - assenta em justa causa objectiva, mais precisamente na justa causa objectiva prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 441.º, que alude à «[a]lteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo dos poderes do empregador».
E sendo assim, não pode deixar de se entender que nos casos de resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em justa causa objectiva, em que, portanto, não existe um comportamento ilícito da entidade empregadora, os critérios a ter em conta na determinação da indemnização devida ao trabalhador, não podem restringir-se aos previstos no n.º 1 do artigo 439.º e que são o valor da retribuição do trabalhador e o grau de ilicitude da conduta do empregador.

Sobre os critérios a atender na fixação do valor da indemnização a arbitrar ao trabalhador no caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa objectiva, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Maio de 2007, proferido no Revista n.º 739/2007, 4.ª Secção, tendo-se aí ponderado:

« Modificada que foi com o Código do Trabalho a regra do cômputo da indemnização (que, anteriormente, não se apresentava como variável), e à míngua de uma concretização de critérios ou parâmetros apontadores do modo como se haverá de fixar a indemnização, tudo indica que ela repousará, ao menos numa fase contenciosa e quando se poste uma situação de justa causa objectiva, num justo critério do julgador que terá de atender à antiguidade do trabalhador, às condições económico-financeiras da entidade empregadora, aos demais incómodos ou inconvenientes que para aquele advieram e às concretas circunstâncias de inexigibilidade na manutenção do vínculo laboral, e isso porque se não lobriga que, naquela situação, seja convocável (ou unicamente convocável) o n.º 1 do artigo 439.º
E não o será, pois que, se assim fosse, e porque este normativo, afinal, apenas apela a dois critérios — o da retribuição e do grau de ilicitude — desaparecido este último, como sucede aos casos de justa causa objectiva, restaria tão só o factor de antiguidade.»

Não se vendo razão para alterar este entendimento, será com recurso a tais critérios que se determinará o valor da indemnização a que o autor tem direito.

No caso, provou-se que «[a] ré é uma sociedade anónima, que se dedica à actividade da construção civil e obras públicas» [facto assente 1)] e «admitiu o autor em 22 de Outubro de 1984, por contrato verbal e sem prazo» [facto assente 2)], o qual auferia «o vencimento base de € 479,00, a que acrescia um subsídio de refeição no montante de € 5,00 por cada dia efectivo de trabalho» [facto assente 4)] e, para além do vencimento base mensal, «auferia ainda todos os meses um montante fixo mensal, denominado “prémio de esforço”, no valor de € 190,00» [facto assente 5)].

Também se apurou que «[d]esde que foi contratado pela ré, o autor sempre prestou o seu serviço no estaleiro de Quinhendros, Montemor-o-Velho, que dista de sua casa cerca de 20 km, o que lhe permite levar para o trabalho a refeição do almoço e tomar o pequeno-almoço e o jantar em sua casa» [facto assente 11)], que «[c]om a transferência para Porto Alto, o autor teria de se deslocar para uma distância de cerca de 200 km da sua residência, o que o obrigaria a estar ausente de casa, pelo menos, durante toda a semana de trabalho» [facto assente 12)] e que «[e]m consequência da determinação de transferência, o autor rescindiu o contrato de trabalho com a ré, por carta registada com aviso de recepção, […], carta recebida pela mesma ré no dia 29 de Setembro de 2004» [facto assente 15)].

Da factualidade assente conclui-se que o autor laborou para a recorrente durante um período de tempo substancial (19 anos, 11 meses e 7 dias), auferia uma remuneração relativamente modesta (vencimento base de € 479,00, acrescido de um subsídio de refeição de € 5,00 por cada dia efectivo de trabalho, e um montante fixo mensal, denominado «prémio de esforço», no valor de € 190,00), e que a ré é uma sociedade anónima, que se dedica à actividade da construção civil e obras públicas.

A isto há que aditar, tal como salienta o citado acórdão de 22 de Maio de 2007, «que outras disposições se divisam no Código do Trabalho que, implicando a extinção da relação laboral sem imputabilidade subjectiva censurável, quer em relação à entidade empregadora, quer em relação ao trabalhador (cfr. artigos 401.º, 404.º e 409.º), conferem a este o direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade».

Neste contexto, a fixação, no caso, de uma indemnização que teve por parâmetro quantitativo o ponto médio dos limites indicados n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho, mostra-se equitativa, razoável e adequada.

Apenas se acrescentará, porque a recorrente insiste em defender que, neste particular, importaria reconhecer o «esforço e diligências promovidas pela entidade patronal no sentido de não só continuar a contar com a prestação de serviço do Autor (garantindo-lhe assim a estabilidade que ele tanto reclama), como ainda investiu mais nele, séria e consistentemente, aumentando-lhe o salário em 15%», que, como já se afirmou supra, resulta da conjugação dos factos provados 4) e 7) que o autor «auferia o vencimento base de € 479,00» e que na «Guia de Transferência de Pessoal», anexa à carta datada de 20 de Setembro de 2004 [facto provado 6)], constava no quadro 4, denominado «Condições da Transferência», a mesma remuneração mensal (ponto 4.1 – Remuneração mensal), sem que se faça qualquer alusão ao invocado «incremento salarial de 10% a 15%».

Por conseguinte, ao contrário do alegado pela recorrente na conclusão 48. da alegação do recurso de revista, não se descortina a violação, no caso, do disposto nos artigos 315.º n.os 2 e 4, 443.º n.º 1, e 260.º do Código do Trabalho, 10.º e 11.º do Código Civil, e ainda Cláusula 33.ª, n.º 2, alínea b) do CCTV aplicável.

Improcedem, pois, as conclusões 36. a 48. da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 7 de Novembro de 2007

Pinto Hespanhol (relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão