Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2165/19.9T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Tendo o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, lavrado no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, produzido jurisprudência no sentido de que “ (…). 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir” , e resultando não provado “Que se a Autora tivesse conhecimento que aquele produto” – obrigações SLN 2006, que comprara – “não era do banco, não tinha capital garantido, nem poderia ser mobilizado a todo o tempo, nunca teria dado ordem para a sua subscrição.”, não pode considerar-se estabelecido o nexo de causalidade entre o facto e o respectivo resultado danoso.

II. E daí que falte o pressuposto da obrigação de indemnização a que alude o art.º 563.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.



I – RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Central Cível ... - Juiz ..., AA, solteira, residente na Rua ..., ... ..., instaurou contra o ‘BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.’, com sede na Av. ..., ..., ... ..., acção declarativa, com processo comum, pedindo que o Réu seja condenado a indemnizar a Autora no montante de €100.000,00, acrescido de juros de mora devidos desde 09/05/2016 e até efetivo pagamento, sendo o seu montante vencido até 27/06/2019 de €12.536,99, além de dever o R. pagar uma indemnização à A. por danos não patrimoniais causados, no valor de €5.000,00.

Para tanto e em resumo alegou que o Banco Réu foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior `Banco BIC Português, SA`, no ‘BPN – Banco Português de Negócios, SA’.

Que o atual Banco BIC é detentor de todos de todos os direitos e obrigações que o anterior BPN detinha à data da fusão.

Que o BPN, em 08 de Maio de 2006, colocou no mercado obrigações emitidas pela ´Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA’, sociedade esta que até 11/11/2008 foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN, estando este registado na CMVM como intermediário financeiro, pelo que estava sujeito aos deveres e obrigações que, no exercício dessa atividade, lhe são impostos pelo Código de Valores Mobiliários.

Que essas obrigações eram denominadas ‘Obrigações SLN 2006’ e que o BPN transmitiu aos seus clientes a informação de que se tratava de um produto seguro e sem qualquer risco, que correspondia a um investimento num produto BPN, com capital integralmente garantido, como se de um depósito a prazo se tratasse.

Porém, essas obrigações não tinham a garantia de pagamento do capital investido nas mesmas, sendo que o risco de pagamento do capital nelas investido recaía na sociedade emitente, não no BPN.

Que a A. era, à data, detentora de uma conta de depósitos à ordem junto do Balcão de ... do BPN, tendo sido aconselhada pelos funcionários do BPN a investir €100.000,00 nas referidas obrigações, por proporcionarem uma boa rentabilidade e com capital garantido pelo BPN, sem qualquer risco.

Nada mais foi a A. informada sobre tal produto, pelo que a A. confiou nas ditas informações, pois é uma pessoa humilde, sem conhecimentos da área financeira.

Face ao que a A. ficou detentora de duas obrigações SLN 2006, no valor de €50.000,00 cada.

Que em 9 de Maio de 2016, data de vencimento das ditas obrigações, não foram as ditas pagas, nem posteriormente, não tendo o Banco Réu assumido esse pagamento.

Que permanece por pagar o capital subscrito pela A., dado que em 29/06/2016 foi declarada a insolvência da sociedade Galilei, SGPS, SA.

Que o BPN ocultou, de forma deliberada, informações sobre o referido produto financeiro, designadamente a sua verdadeira natureza, fazendo acreditar que se tratava de um mero depósito a prazo, sem qualquer risco associado, pelo que violou os seus deveres de informação enquanto intermediário financeiro, e fê-lo com dolo ou com culpa grave, causando danos patrimoniais e não patrimoniais à A..

Face ao que é o Réu, enquanto intermediário financeiro, responsável por indemnizar a A., nos termos peticionados.

Razões pelas quais se demanda o Banco Réu.


Contestou o Réu, impugnando o alegado pela A. e alegando, muito em resumo, que informou devidamente a A., a qual até sempre auferiu os juros contratuais fixados e nunca reclamou dos mesmos.

Que o produto financeiro em questão era um produto seguro à data da sua emissão, o que apenas deixou de o ser aquando da nacionalização do capital do BPN.

Que a A. sempre soube o tipo de produto que subscreveu, tanto mais que antes subscreveu outros produtos idênticos.

Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.


*


Proferida a sentença, nela foi decidido julgar a ação improcedente, com absolvição do Réu do pedido.

*


Dessa sentença interpôs a Autora recurso de Apelação, tendo a Relação de Coimbra decidido nestes termos:

Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a impugnação relativa à decisão de facto proferida, nos termos supra referidos, e procedente o recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida e julgando parcialmente procedente a presente ação, com a condenação do Réu no pagamento à A. do montante de €100.000,00 (cem mil euros), montante este acrescido de juros de mora contados desde 09/05/2016 e até efetivo pagamento, à taxa dita legal, nos termos dos artºs 805º, nº 1, als. a) e b), 806º, nºs 1 e 2, 559º, nº 1, do C. Civil, e Portaria nº 291/2003, de08/04.”.


*


Inconformado com o assim decidido pela Relação, vem o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A interpor recurso de Revista, apresentando alegações que remata com as seguintes  


CONCLUSÕES:

1) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

2) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

3) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

4) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

5) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

6) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

7) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

8) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

9) Ao parecer entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

10) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

11) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

12) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível.

13) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

14) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

15) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

16) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

17) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

18) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d.d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.


19) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

20) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

21) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

22) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

23) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

24) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

25) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

26) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

27) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

28) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido.

Contra-alegou a Autora.


Cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), temos como questão a decidir:

Aferir da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil do Réu enquanto Intermediário Financeiro, na subscrição pela Autora de obrigações designadas como “obrigações SLN 2006”.


III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (dada como assente na Relação, após impugnação da decisão da matéria de facto):

1. O Réu é uma sociedade comercial que tem por objeto social o exercício da atividade bancária e todas as outras que por lei sejam permitidas aos Bancos.

2. O actual Banco BIC Português, S.A., ora Réu, foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco BIC Português, S.A., no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro.

3. Tudo conforme deliberação do Banco de Portugal a autorizar a referida fusão, datada de 19 de Novembro de 2012, e publicitada no respetivo sítio da internet, que ora se junta como documento nº1 e que aqui se dá por integralmente reproduzida. (Doc. n°l)

4. O atual Banco BIC Português, S.A. é detentor de todos os direitos e obrigações que o Banco Português de Negócios, S.A. detinha à data da fusão.

5. O Réu, à data denominado Banco Português de Negócios, S.A., foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.,

6. A qual, até 11/11/2008, foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN.

7. O Réu, enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na C.M.V.M. como intermediário financeiro,

8. Estando sujeito aos deveres e obrigações que, no exercício dessa atividade, lhe são impostos pelo Código de Valores Mobiliários.

9. O Réu colocou, a 08 de maio de 2006, as obrigações da referida Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. no mercado através da comercialização, junto dos seus clientes, do produto denominado “Obrigações SLN 2006”.

10. O Réu comercializou esse produto, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro.

11. E com capital garantido.

12. O risco de pagamento do capital recaía integralmente sobre a sociedade emitente.

13. Desde há muitos anos a Autora é titular duma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... do ora Réu.

14. Conta essa que foi aberta quando o Réu ainda se denominava Banco Português de Negócios, S.A..

15. Não obstante a Autora ser titular da conta, foi sempre o seu irmão BB que contactou com o Réu e os seus funcionários, representando-a e gerindo as suas poupanças.

16. A Autora sempre considerou o Réu, enquanto instituição bancária nacional de referência, uma entidade séria e credível.

17. Sentimento que a Autora estendia aos funcionários do Réu.

18. Nesse sentido, tendo em vista aconselhá-la a investir os valores que tinham depositados, cerca de €100.000,00 (Cem mil euros), foi apresentado, por um funcionário do balcão de ... do Réu, um produto que asseguraria uma maior rentabilidade.

19. O que sempre foi transmitido aos funcionários do Réu.

20. E que, como tal, em qualquer circunstância a Autora sempre receberia o valor investido, na data de vencimento do produto.

21. Mais, o funcionário do Réu assegurou que o produto era facilmente mobilizável, podendo ser levantado em qualquer altura.

22. O produto apresentado pelo funcionário do Réu denominava-se “Obrigações SLN 2006”.

23. O funcionário do Réu assegurou que o referido produto se tratava de uma aplicação com capital garantido,

24. Com o pagamento de juros remuneratórios à taxa de Euribor a 6 meses, acrescido de 1,50%,

25. E com prazo de vencimento de 10 (dez) anos,

26. Mas com possibilidade de o mobilizar em qualquer altura.

27. A Autora e o seu irmão são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças.

28. A Autora é uma mera aforradora.

29. Com o perfil de investidora conservadora.

30. A Autora sempre depositou confiança no Réu e nos seus funcionários.

31. Assim, a Autora, através do seu irmão, assentiu em investir o montante de €100.000,00 (Cem mil euros) no produto denominado “Obrigações SLN 2006”.

32. Confiando no aconselhamento dos funcionários do Réu.

33. Nesse seguimento, a importância de €100.000,00 (cem mil euros) foi transferida da conta à ordem titulada pela Autora, e aplicada na subscrição do produto “Obrigações SLN 2006”.

34. Ficando a Autora detentora de 2 (duas) obrigações no valor de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) cada uma, conforme Declaração de Titularidade emitida pelo Réu.

35. Após a subscrição, a Autora e o seu irmão ficaram convencidos de que esta tinha feito um investimento seguro, que, ao longo de 10 (dez) anos, lhe iria render juros remuneratórios à taxa de Euribor a 6 meses, acrescido de 1,50%.

36. Nem foram informados que o produto só poderia ser mobilizado mediante endosso a outro cliente interessado na sua subscrição.

37. Em 11 de Novembro de 2008, tendo como fundamento “o volume de perdas acumuladas pelo Banco Português de Negócios, S.A., doravante designado por BPN, a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro”, o Estado nacionalizou todas as ações representativas do capital social do BPN, através da Lei nº 62-A/2008.

38. Em 2010 a Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., emitente das obrigações e, até à nacionalização, detentora da totalidade do capital social do BPN, foi transformada em GALILEI, SGPS, S.A.

39. No dia 9 de Maio de 2016, data de vencimento da obrigação, esta não foi paga à Autora, nem posteriormente.

40. Face a tal situação, o irmão da Autora deslocou-se ao balcão do Réu para saber como se havia de resolver a situação,

41. Pois, segundo o que lhe havia sido transmitido pelos funcionários do Réu, o capital investido estaria sempre garantido.

42. Nessa altura o irmão da Autora foi informado que, relativamente àquele produto, o dever de liquidar a obrigação pertencia à sociedade GALILEI, SGPS, S.A., enquanto entidade emitente

43.  E que, como tal, o risco pelo não pagamento recaía inteiramente sobre a GALILEI, SGPS, S.A., não assumindo o Réu qualquer responsabilidade pelo capital investido.

44.   Permanece, assim, por liquidar o capital subscrito pela Autora, no montante de €100.000,00 (Cem mil euros).

45. No passado dia 29 de Junho de 2016 foi declarada a insolvência da sociedade GALILEI, SGPS, S.A, no âmbito do processo de insolvência nº23449/15...., que corre os seus termos na Comarca ..., ... - Instância Central - 1ª Secção de Comércio - ....

46. A Autora não tem qualquer expetativa de recuperar as poupanças investidas na obrigação emitida por aquela sociedade.

47. A Autora decidiu subscrever o produto “Obrigações SLN 2006”, por intermédio de seu irmão, a conselho dos funcionários do BPN.

48. Ora, o Réu, à data denominado Banco Português de Negócios, S.A., foi a instituição colocadora destas obrigações no mercado.

49. O Réu, enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na C. M. V. M. como intermediário financeiro.

50. O Réu, na qualidade de instituição colocadora, interveio nesta operação de intermediação financeira dos produtos subscritos pela Autora.

51. As obrigações da GALILEI, subscritas pela Autora, estão confiadas ao Réu, depositadas numa sua conta de títulos.

52. As obrigações emitidas pela GALILEI e colocadas no mercado pelo Réu não foram pagas na data do seu vencimento, em 9 de Maio de 2016, nem posteriormente.

53. Permanece, por conseguinte, por liquidar à Autora o capital investido no valor de €100.000,00 (Cem mil euros), acrescido dos juros de mora devidos desde o vencimento das obrigações.

54. Esta situação tem provocado na Autora tristeza e nervosismo.

55. A Autora foi sempre auferindo os juros do produto por si subscrito de forma pontual.

56.   Sem alguma vez ter interpelado o Banco-R. para um qualquer tipo de depósito ou reclamando a sua responsabilidade a qualquer título por um seu qualquer erro ou engano.

57.  As Obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A,

58. Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.

59. Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

60. Altura em que foi nacionalizada.

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69 – Eliminados pela Relação.

70. A. era subscritora habitual de produtos financeiros, diferentes de DP’s, ainda que conservadores quanto ao risco - em concreto Fundos de Investimento Mobiliários e Imobiliários.

71 - Em 2006, a Administração do BPN, na pessoa de CC, enviou uma comunicação a todos os colaboradores da BPN, em tudo idêntica à que consta a fls. 13, dando-se aqui esta como reproduzida (acrescentado pela Relação).

72 - O BPN não entregou à Autora ou ao irmão desta, a testemunha BB, qualquer prospeto, ficha técnica ou documento informativo do produto Obrigações SLN 2006 (acrescentado pela Relação).


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Factos Não Provados: a) Que o Réu comercializou esse produto, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento sem qualquer risco. b) Que o mesmo correspondia a um investimento num produto BPN. c) Que segundo o Réu, o capital investido seria, sempre, integralmente reembolsado pelos investidores na data de vencimento do produto, a salvo de qualquer acontecimento ou contingência. d) Que o Réu comercializou o produto junto dos seus clientes, transmitindo que dispunha das mesmas características de um depósito a prazo, no que se referia à salvaguarda do capital investido. e) (eliminado pela Relação). f) Que a quantia aplicada pela Autora corresponde a grande parte das poupanças que a Autora conseguiu angariar ao longo da sua vida. g) Que a Autora, por si e por intermédio do seu irmão, sempre procurou aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas, acima de tudo, seguros e garantidos. h) Que o funcionário do Réu assegurou que o produto em causa tinha todas as características de um depósito a prazo. i) Que assegurou que o capital investido estaria integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição. j) Que era um produto do próprio banco. k) (eliminado pela Relação). l) Que o funcionário do Réu também não transmitiu qualquer outra informação acerca da natureza do produto “Obrigações SLN 2006”. m) Que a Autora apenas aplica as suas poupanças em produtos financeiros seguros, nomeadamente, depósitos bancários, à ordem e a prazo, bem como, em produtos que possam ser mobilizados em qualquer momento, caso necessite do dinheiro aplicado para qualquer eventualidade. n) Que em nenhum momento dos contactos levados a cabo pelo Réu, a Autora ou o seu irmão foram informados que estava a subscrever um instrumento financeiro emitido por uma terceira entidade, e cujo risco recaía, exclusivamente, sobre essa sociedade emitente e relativamente ao qual o Réu não assumia qualquer responsabilidade pelo respetivo cumprimento. o) Que a Autora e o seu irmão estavam absolutamente convencidos que estavam a aplicar as poupanças daquela num produto do banco, integralmente garantido e sem qualquer risco. p) Que a Autora e o seu irmão estavam convencidos que o reembolso do capital investido estaria, sempre, assegurado. q) Que a Autora e o seu irmão transmitiram expressamente ao Réu, na pessoa dos seus funcionários, que não pretendiam investir as poupanças daquela em qualquer produto que não fosse seguro. r) Que se a Autora tivesse conhecimento que aquele produto não era do banco, não tinha capital garantido, nem poderia ser mobilizado a todo o tempo, nunca teria dado ordem para a sua subscrição. s) Que o Réu ocultou de forma deliberada as informações acerca do produto subscrito pelos Autores, designadamente, a sua verdadeira natureza. t) Que, inclusive, agiu no sentido de induzir a Autora em erro acerca dessa mesma natureza, dando instruções aos seus funcionários para comercializá-lo como se tivesse as mesmas características de um depósito a prazo. u) Que a Autora ficou impedida de tomar uma decisão esclarecida acerca da subscrição do produto. v) Que o capital investido corresponde a grande parte das suas poupanças. w) Que a Autora não consegue dormir. x) (eliminado pela Relação). y) Que o Réu não esclareceu a Autora acerca da natureza do produto em causa, nunca a tendo informado de que se tratava da aquisição de obrigações emitidas por uma terceira entidade, que não dispunham de garantia de retorno do capital investido, e que só podiam ser mobilizados por endosso. z) Que o Réu, através dos seus funcionários, assegurou à Autora e ao seu irmão que o investimento se tratava de um produto sem qualquer componente de risco.

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III. 2. Do mérito do recurso

Analisemos, então, a questão suscitada na revista: aferir do preenchimento, ou não, dos pressupostos de responsabilidade civil do Réu enquanto Intermediário Financeiro, na subscrição pela Autora de obrigações designadas como “obrigações SLN 2006”, e respectivas consequências.


· DA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA – DEVERES DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO

Não vem questionada a qualificação jurídica do Banco Réu - Banco BIC Português, S.A. - ou do seu antecessor BPN - Banco Português de Negócios, S.A. - como intermediários financeiros na venda ou comercialização, em 2006, das chamadas ‘Obrigações SLN 2006’ na óptica dos artºs 1º, nº 1, al. b); 289º, nº 1, al. a), e 290º, nº 1, al. a), todos do CVM, aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13/11, na redação vigente em 2006 (DL nº 66/2004, de 24/03), nem está em causa o conceito de deveres de informação (do intermediário financeiro) que daí resultava e resulta para o Banco Réu na data de 2006, perante a aqui Autora, enquanto sua cliente na aquisição desse tipo de produtos.

E não parece haver qualquer dúvida de que o BPN, relativamente à Autora, levou a cabo actos de intermediação financeira (o BPN além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas).

Atenta a data em que ocorreu a subscrição dos produtos pela Autora,  são aplicáveis a essa atividade as normas constantes do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com as alterações que se seguiram, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo contantes do artigo 12.º do Código Civil, sendo essa a versão do Código de Valores Mobiliários que doravante será aqui mencionada.

Impõe-se, então, de seguida aferir se o Banco/Réu violou, quanto à Autora, os deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por esta, do alegado e provado produto financeiro, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu responde pelo ressarcimento à Autora do aqui peticionado.

Neste aspecto dos deveres de informação, importa salientar, desde logo, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Mas atentemos nos normativos legais que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respectiva actividade, nos deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo, nos preceitos legais respeitantes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

E porque se nos afiguram de todo acertadas e pertinentes, deixamos aqui reproduzidas as seguintes considerações gerais que sobre esta temática da Intermediação Financeira se enunciam na sentença e que o Acórdão recorrido igualmente reproduziu:

“O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.CS.F. - DL 298/92, de 31/12, na redação vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da atividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respetivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral:

"As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. " (cfr. art. 73.º). Sequencialmente, os artigos 74.º e 75.º, entre outros deveres de conduta, determinam que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder "com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados." e, obrigando a um elevado nível de competência técnica, que "devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral. "


As regras de conduta previstas no referido R.G.I.C.S.F. traduzem-se claramente num código de conduta financeira.

A Associação Portuguesa de Bancos elaborou em 1993 um "Código de Conduta", versando precisamente sobre intermediação de valores mobiliários.

Entretanto surgiram outros códigos de conduta, designadamente os elaborados pela "Interbolsa – Sociedade Gestora de Sistemas de Liquidação e de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários, S.A.", "APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios", "APAF - Associação Portuguesa de

Analistas Financeiros" e "Associação Portuguesa de Bancos".

E já com os artigos 10.º-B e 10.º-C do Regulamento da CMVM n.º 3/2010 relativo aos "Deveres de Conduta e Qualificação Profissional dos Analistas Financeiros e Consultores para Investimento" vieram promover a elaboração de "códigos de conduta e ou deontológicos" tendentes a "(...) definir as políticas e procedimentos de

atuação a ser respeitados no exercício da atividade de consultoria para investimento (...)." e necessariamente "(...) suscetíveis de proporcionar que as recomendações de investimento sejam emitidas com competência, independência e objetividade."

Feito este enquadramento geral, vejamos agora mais de perto os deveres específicos dos intermediários financeiros, interpretados à luz do antecedente enquadramento:

Há uma generalidade de princípios que as partes devem respeitar durante a negociação e execução dos contratos de intermediação financeira, desde logo os princípios do direito civil comum que são transportados para o âmbito comercial sem perder a sua força impositiva, em especial o princípio geral da boa-fé previsto respetivamente nos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.

no âmbito do CVM (sempre na redação vigente à data dos factos), importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:

Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a atividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Artigo 304.º (Princípios)

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.

Artigo 312.º

(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou

que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000:

Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;

d) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.

Artigo 304.º-A

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


Na versão original do CVM o legislador assumia ter privilegiado a consagração de princípios e de regras gerais, recorrendo com frequência a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, justificando que a sua "densificação se espera que seja continuada pela jurisprudência, pela prática das autoridades administrativas e pela doutrina." (cfr. preâmbulo).

Entretanto, já no atual CVM, a transposição da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10 (que entrou em vigor já posteriormente à data dos factos em causa), veio densificar e intensificar estes deveres de conduta, estando em causa essencialmente disposições legais destinadas à proteção do próprio mercado e dos investidores.

Neste âmbito, é essencial a disposição legal do art. 101.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual "O sistema financeiro deve ser estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social."

Uma das principais atribuições da CMVM (cfr. art. 358.º, alínea b), do CVM) é precisamente garantir a eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.

O CVM contém, no n.º 2 do art. 304.º do CVM, um princípio geral nesta matéria, com a consagração de um dever geral de lealdade e de boa fé, ao enunciar que “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência."

De seguida contém duas disposições legais directamente respeitantes à defesa do mercado (cfr. artigos 310.º e 311.º), onde se procuram sintetizar as directrizes gerais deste princípio estruturante do direito dos valores mobiliários com um conjunto de deveres impostos aos intermediários financeiros.

Noutra perspetiva, …, é consequência do reconhecimento de um interesse público inerente ao correto funcionamento do mercado de valores mobiliários a prevalência deste mesmo interesse sobre o interesse privado de um participante em tal mercado, seja ele intermediário financeiro ou investidor. Ou seja, trata-se de proteger o mercado em si mesmo e não o agente do mercado.

No entanto, é evidente que os investidores individuais sairão reflexamente beneficiados com uma cabal e consistente proteção do sistema financeiro, designadamente por esta conferir segurança e eficácia aos investimentos. O princípio da proteção dos interesses do investidor em valores mobiliários é o segundo elemento modelador e estruturante do regime jurídico do mercado de valores mobiliários, sendo já um princípio de carácter privado, encarando o investidor sob uma perspetiva individual.

O CVM estabelece, como princípio orientador geral, o de o intermediário financeiro dever pautar a sua atuação no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, os quais se identificam com o melhor interesse do cliente na sua vertente económico-financeira.

O art. 7.º do CVM equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Ou seja, a informação deve ser casuisticamente adaptada e compreender todos os elementos relevantes, ser fiel à realidade, ser apresentada no momento oportuno, ser percetível e isenta de elementos subjetivos e conformada com a lei, a ordem pública e os bons costumes. Estas características da informação aplicam-se seja qual foi o meio de divulgação, e inclusivamente a conselhos, recomendações, mensagens publicitárias ou relatórios de notação de risco (art. 7.º, n.º 2, do CVM).

Posteriormente, estes específicos deveres de informação foram sequencialmente concretizados no Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2008, de 09 de Dezembro (in D.R. II Série n.º 246, de 22/12/08).

Concretizando: o intermediário financeiro deve, em primeiro lugar, informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiências na área e, em seguida, promover uma atuação pedagógica, tendo presente que este dever de informar é tanto mais premente quanto menos experiente for o cliente.

Assim sendo, é, desde logo, essencial a categorização dos clientes, depois, em execução deste “teste de adequação”, o intermediário deverá indicar ao investidor os instrumentos financeiros “adequados” ao seu perfil de risco. Na sua vertente negativa, temos que, verificando o intermediário que o cliente não tem perfil para aquela concreta operação financeira ou não tem possibilidade de apreender as características e riscos de uma certa operação financeira, deverá aconselhar o cliente a não investir nesse produto específico.”.


*


Acrescenta-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários prevê os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”.


Acresce sublinhar que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das actividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respectiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Aqui é de salientar o estatuído no nº1 do art.º 77.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – que dispõe:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.


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Dos normativos citados, emerge com toda a clareza que a relação contratual obrigacional estabelecida entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, sendo de salientar que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

E também a Jurisprudência e Doutrina têm como assente que as aludidas normas legais  salientam à evidência a imposição ao intermediário financeiro, para além do dever de transmitir uma informação, clara e relevante para a opção que o investidor pretenda tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do mesmo investidor, seu cliente, sendo certo, afinal, que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé[1]

No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, remete-se para o já citado art.º 304º-A do CVM.

Porém, como é evidente, a responsabilidade ali prevista pressupõe a verificação/prova dos (todos os) pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea, no quadro de relação contratual bancária e intermediação financeira); a culpa (esta que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (que equivale à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que o ónus da prova da existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano incide sobre quem alega o direito, não havendo lugar a presunção, quer do nexo de causalidade, quer do dano, e daí que para se responsabilizar o intermediário financeiro pelo dano sofrido pelo investidor, impõe-se que este/investidor consiga fazer a prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, prova essa que tem de resultar dos factos provados).


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Sobre esta temática da responsabilidade dos intermediários financeiros, foi recentemente uniformizada jurisprudência, no recurso de Uniformização formulado e admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022 - Diário da República n.º 212/2022, Série I de 2022-11-03) que, sobre o pressuposto da ilicitude, deu a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”.


E, da mesma forma, no mesmo acórdão de uniformização de jurisprudência, agora acerca do nexo de causalidade entre o facto e o dano, se consignou que a demonstração desse nexo de causalidade é um ónus a cargo do investidor, mesmo que não qualificado, como se vê no ponto 1 do sumário desse AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[2]


Assim, portanto, ficaram dissipadas as dúvidas acerca do ónus da prova do nexo causal: é sobre o interessado que recai esse ónus, não podendo dispensar-se os factos integrantes deste pressuposto, ao invés do entendimento que alguns Autores têm sustentado, de que ilicitude (a violação dos deveres de informação) presume a causalidade (esta resultaria, e automaticamente, daquela).


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DA ILICITUDE

Regressando aos factos, dir-se-á que, aferir da verificação deste pressuposto da responsabilidade civil implica se apure, desde logo e antes de mais, da violação, ou não, pelo Réu dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade de intermediário financeiro, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública e em particular dos deveres de informação vigentes aquando da subscrição do produto financeiro.

Ora, parece evidente que teve lugar, in casu (ao nível do caso concreto, considerando o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação), a violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro.

Basta atentar na factualidade ínsita nos pontos de facto provados sob os nºs 9, 10, 11, 12, 16, 18, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 30, 32, 35, 36, 39, 40, 41, 43, 44, 47, 53, 71 e 72, para se concluir, sem marem para dúvidas, que aqueles específicos deveres do Banco Réu (constituído – em 2012 – mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco BIC Português, S.A., no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro) foram por ele violados, enquanto intermediário financeiro perante a Autora.

Efectivamente, como se diz no acórdão recorrido, “de forma deliberada, como bem resulta do doc. de fls. 13 (facto provado 71), o BPN pautou a sua conduta, enquanto intermediário financeiro, na colocação em mercado das chamadas Obrigações SLN 2006, por uma clara e deliberada omissão dos seus deveres de conduta e de informação para com os seus clientes, que nele confiavam, pois que se limitava a acenar aos clientes com uma taxa de juros apelativa e dizendo-lhes tratar-se de um produto semelhante a um depósito a prazo, para assim os mobilizar a investirem, e sem jamais lhes falar em obrigações e no risco associado a este tipo de produto, para, desse modo manifestamente desinformativo e potencialmente lesivo dos clientes, os não informar com verdade, por forma completa, objetiva e de forma clara sobre o tipo de produto em questão e riscos a ele associados.”.

Assim, portanto, o Réu violou, de forma grave (e supomos que até dolosa, dado o teor daquela factualidade provada), os seus deveres de informação, ínsitos nas normas mencionadas supra, nomeadamente, nos artºs 7º, nº 1[3], 304º[4] e 312º[5] do CVM e no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[6].

Violação dos deveres de informação, cujo entendimento está conforme ao que se plasmou no corpo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no supra citado processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado[7].

Com efeito, como ali se diz, «… a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”.

“(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º12/2000).”

“A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.».

De entre os apontados factos provados, são, neste aspecto da violação dos deveres de informação, particularmente impressivos os seguintes (o destaque é nosso):

- O Réu comercializou esse produto, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro (10).

- E com capital garantido (11)

- O risco de pagamento do capital recaía integralmente sobre a sociedade emitente (12).

- A Autora sempre considerou o Réu, enquanto instituição bancária nacional de referência, uma entidade séria e credível (16)

- Nesse sentido, tendo em vista aconselhá-la a investir os valores que tinham depositados, cerca de €100.000,00 (Cem mil euros), foi apresentado, por um funcionário do balcão de ... do Réu, um produto que asseguraria uma maior rentabilidade (18).

- E que, como tal, em qualquer circunstância a Autora sempre receberia o valor investido, na data de vencimento do produto (20).

- Mais, o funcionário do Réu assegurou que o produto era facilmente mobilizável, podendo ser levantado em qualquer altura (21).

- O produto apresentado pelo funcionário do Réu denominava-se “Obrigações SLN 2006” (22).

- O funcionário do Réu assegurou que o referido produto se tratava de uma aplicação com capital garantido (23).

-Mas com possibilidade de o mobilizar em qualquer altura (26).

- A Autora e o seu irmão são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças (27).

- A Autora é uma mera aforradora (28).

- A Autora sempre depositou confiança no Réu e nos seus funcionários (30).

- Confiando no aconselhamento dos funcionários do Réu (32).

- Após a subscrição, a Autora e o seu irmão ficaram convencidos de que esta tinha feito um investimento seguro, que, ao longo de 10 (dez) anos, lhe iria render juros remuneratórios à taxa de Euribor a 6 meses, acrescido de 1,50% (35).

- Nem foram informados que o produto só poderia ser mobilizado mediante endosso a outro cliente interessado na sua subscrição (36).

- Pois, segundo o que lhe havia sido transmitido pelos funcionários do Réu, o capital investido estaria sempre garantido (41).

- Em 2006, a Administração do BPN, na pessoa de CC, enviou uma comunicação a todos os colaboradores da BPN, em tudo idêntica à que consta a fls. 13, dando-se aqui esta como reproduzida (71).

- O BPN não entregou à Autora ou ao irmão desta, a testemunha BB, qualquer prospeto, ficha técnica ou documento informativo do produto Obrigações SLN 2006 (72).


Percute-se, assim, que estes factos revelam, à saciedade, a violação dos apontados deveres de informação por banda do Réu/Recorrido, enquanto Intermediário Financeiro, a que alude com especial enfoque o artº 7º, n.º1 CVM, desta forma se preenchendo o requisito ou pressuposto da ilicitude da conduta do Ré perante o concreto cliente que constituía  a Autora.


Mas tal não basta, para a responsabilização do Réu.


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DA FALTA DO NEXO CAUSAL

Discorda-se do acórdão recorrido quando remata que a apontada violação dos deveres de informação por banda do Intermediário Financeiro impõe, sem mais, “a conclusão de que, face a tal violação, o Banco Réu ficou obrigado a indemnizar a aqui A., dado que esta não recebeu de quem de direito lhe devia restituir o capital investido, nos termos do artº 314º, nºs 1 e 2, do CVM, pois estão claramente verificados os requisitos de uma conduta ilícita e culposa do Réu e simultaneamente adequada à verificação de danos para a Autora, que efetivamente teve e tem.”.

É esta “conduta …adequada à verificação de danos para a Autora…” que não pode considerar-se verificada.


Com efeito, como consta do dispositivo do acima referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no proc. n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A,

“1. (…).

(2. …).

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[8].


Como se escreveu no (recentíssimo) Ac. deste STJ de 27.10.2022[9], «se, nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa se presume (art.º 314.º n.º2 do CVM, na redacção anterior a 2007), presunção que também resulta do disposto no art.º 799.º n.º1 do Código Civil, para serem indemnizáveis os danos (perda do capital investido na aquisição das obrigações) devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

Neste sentido, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias podem não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.

Portanto, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do art.º 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Nesta decorrência, incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido (cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 342.º do Código Civil).».


Ora, este pressuposto da responsabilidade civil (o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano) não se provou – não logrou a Autora/Investidora prová-lo, como era seu ónus.

Na verdade, consta, claro, dos factos não provados:

“r) Que se a Autora tivesse conhecimento que aquele produto não era do banco, não tinha capital garantido, nem poderia ser mobilizado a todo o tempo, nunca teria dado ordem para a sua subscrição.”.


Assim, portanto, não logrou a Autora fazer a prova, precisamente, do facto que o referido Acórdão Uniformizador exige para que se possa considerar preenchido o nexo de causalidade entre o facto – aquela violação dos deveres de informação – e o verificado dano.

E à falta desse pressuposto ou requisito da responsabilidade civil, imprescindível para a obrigação de indemnizar (ut artº 563º do Cód. Civil), a pretensão da Autora estava, fatalmente, votada ao insucesso.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, conceder a revista, revogando-se o acórdão da Relação de Coimbra e repristinando-se o decidido na sentença, absolvendo-se o Réu do pedido.


Custas pela Autora.

Notifique.

Lisboa, 10 de novembro de 2022


Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º Adjunto)

Afonso Henrique (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1] Cfr., entre muitos outros que se poderiam citar, AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, GONÇALO CASTILHO DOS SANTOS, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, e, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.
[2] Os destaques são nossos.
[3] Artigo 7.º
(Qualidade da Informação)
1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
[4] Artigo 304.º (Princípios)
- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
1 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
2 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
(…).
[5] “(Deveres de Informação)
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.’.
[6] Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:
a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;
b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;
c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
[7]Cujo segmento uniformizador, repete-se, tem o seguinte teor:
“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.”
“2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.”
“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”
“4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.
[8]Destaque nosso.
[9] Proc. 1982/16.6T8LRA.C2.S2