Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26412/16.0T8LSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
REENVIO PREJUDICIAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DANO
DEFESA DO CONSUMIDOR
AÇÃO POPULAR
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Não obstante o artigo 267º, § 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, fazer recair sobre o Supremo Tribunal, enquanto tribunal de última instância de recurso, o dever de proceder ao reenvio prejudicial sempre que se suscitem dúvidas sobre a interpretação de uma norma do Direito da União Europeia, essa obrigação deixa de existir, designadamente, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia já se tiver pronunciado, de forma firme e em caso análogo, sobre a questão a reenviar.

II. Constitui jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação segundo as regras do direito nacional, nem está obrigado, em caso de contestação das alegações do demandante por parte do demandado, a proceder a uma produção de prova, cabendo-lhe  apenas  identificar os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo do disposto no artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, devendo, para esse efeito, considerar assentes as alegações pertinentes do demandante quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual e, em nome da boa administração da justiça, subjacente ao dito regulamento,  apreciar as objeções apresentadas pelo demandado. 

III. De acordo com a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o conceito de «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», contido no artigo 7º, nº 2 do Regulamento nº 1215/2012, refere-se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares.

III. E segundo essa mesma jurisprudência aquela expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», não pode ser objeto de interpretação extensiva, a ponto de englobar qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências danosas de um facto que já causou um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar, reportando-se, antes, ao lugar onde o lesado direto alega ter sofrido um dano inicial e ao lugar onde os efeitos deste dano se manifestam concretamente, havendo necessidade, em alguns casos, de recorrer às « circunstâncias concretas» do processo para, numa apreciação global, complementar o critério da competência estabelecido no artigo 7º, nº 2, do Regulamento 1215/2012, por forma a assegurar o cumprimento dos objetivos de proteção jurisdicional de ambas as partes e os respeitantes  à gestão do processo que estão subjacentes  a esta regra.

IV. No caso de uma comercialização de veículos equipados pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, considerou o Tribunal de Justiça que o dano sofrido pelo adquirente final materializa-se no momento da compra desse veículo a um terceiro por um preço superior ao seu valor real e que, nestas circunstâncias concretas, o artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012, deve ser interpretado no sentido de que o tribunal do « lugar onde ocorreu o facto danoso» é o tribunal  do lugar da aquisição  do veículo em causa pelo adquirente final.

V. Daí ter afirmado, no Acórdão 9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteinformation c. Volkswagen AG,  C- 343/19, que « o artigo 7.º, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, quando os veículos tenham sido ilegalmente equipados num Estado-Membro pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape antes de serem adquiridos a um terceiro noutro Estado-Membro, o lugar da materialização do dano se situa neste último Estado-Membro».

VI. Invocando a Deco, no caso dos autos, a responsabilidade civil extracontratual das rés, como fundamento dos pedidos de indemnização por ela formulados em defesa dos consumidores portugueses que, em Portugal, adquiriram às rés veículos automóveis fabricados na Alemanha pela  ré Volkswagen AG e nos quais esta introduziu uma aplicação informática que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, evidente se torna, à luz do artigo 7º, nº 2, do Regulamento 1215/20 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre esta disposição, serem os Tribunais Portugueses  internacionalmente competentes para conhecer  do presente litígio.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




***


I. Relatório


1. A "Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor - Deco" intentou a presente ação, que qualificou como ação popular, contra "Volkswagen Ag", "Seat, S.A.", "SIVA - Sociedade de Importação de Veículos, S.A." e "Seat Portugal Unipessoal, Lda.", pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas:

1- a retomar os veículos alegadamente afetados, pagando aos respetivos proprietários um valor que dependerá do valor inicial do veículo, do ano, da quilometragem, mas que não poderá ser inferior a um montante entre os 12.500 USD e os 44.000 USD oferecidos aos consumidores norte-americanos;

2 - ou a repará-los, se for essa a opção dos consumidores e se a reparação do veículo for possível;

3 - a assumir os custos remanescentes dos contratos de aluguer ou leasing celebrados pelos consumidores para aquisição dos veículos afetados, no caso de os consumidores optarem por pôr fim a tais contratos;

4 - a pagar aos consumidores uma indemnização por informações falsas e pela depreciação do valor dos veículos, que não poderá ser inferior a um montante entre 5.100 USD e 10.000 USD, que a lª R. se comprometeu a pagar aos consumidores norte-americanos ou, em alternativa, se o tribunal assim o entender, a 15% do valor de compra do veículo.


2. As rés contestaram, excecionando a  utilização errónea da forma de processo sob a forma de ação popular, a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgarem a presente ação, a falta de interesse processual em agir, a ilegitimidade processual da Autora, a ilegitimidade material passiva das rés, a  prescrição dos direitos dos consumidores e a caducidade da ação, a inadmissibilidade processual dos pedidos n.ºs 1 e 4 formulados pela autora, a nulidade do processo quanto ao pedido 1 e o segundo pedido incluído no pedido 4.

E impugnando parcialmente os factos alegados, concluíram pela improcedência da ação.


3. Designada audiência prévia, nela foi proferida, em 21.10.2020, decisão que julgou os Tribunais Portugueses internacionalmente incompetentes para tramitarem a presente ação, absolvendo as rés da instância.


4. Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 27 de abril de 2021, revogou a decisão recorrida e, julgando improcedente a invocada exceção de incompetência absoluta, considerou internacionalmente competentes os tribunais nacionais para decidir a presente ação.


5.  Inconformadas com esta decisão, as rés dela interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«CAPÍTULO 2 - QUESTÃO PRÉVIA 1: A APRESENTAÇÃO DO ERRO DE ANÁLISE DO TRIBUNAL RECORRIDO

1. O racional decisório do TJUE no reenvio prejudicial C-343/19 não serve, per se e sem mais, para concluir no sentido da competência internacional do Tribunal

2. Não é pelo simples facto de estar em causa – neste processo e no processo de reenvio prejudicial C-343/19 - a mesma macro-questão fatual que se pode concluir, sem mais e como faz o Tribunal a quo, que “o presente caso cabe no âmbito interpretativo que o TJUE efetuou no acórdão de 09.07.2020, Proc. C-343-19 (…)”.

3. O exercício de análise e subsunção das disposições do Regulamento 1215/2012 suscetíveis de conferir competência internacional aos Tribunais Portugueses tem de ser efetuado, em primeira linha e necessariamente, à luz das particularidades da configuração processual e do objeto fáctico-jurídico dos presentes autos, configuração e objeto esses que são diametralmente distintos dos do processo que subjaz ao reenvio prejudicial C-343/19.

CAPÍTULO 3 - QUESTÃO PRÉVIA 2: EM PARTICULAR, O ERRO DO TRIBUNAL A QUO QUANTO À POSIÇÃO DAS RECORRENTES

4. O Tribunal a quo labora em erro sobre a posição das Recorrentes: em momento algum as ora Recorrentes alegam que o facto de a Autora ser uma associação para defesa do consumidor e/ou o processo uma ação popular determinaria o afastamento da aplicação do artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e/ou da interpretação seguida pelo TJUE no reenvio prejudicial C-343/19.

5. A questão a decidir (e é essa a argumentação central das Recorrentes) é a de saber se o Tribunal de 1.ª Instância fez ou não uma correta interpretação e aplicação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2015 em face do objeto e da configuração fático-jurídica   dos   autos  (em  especial,  em  face  da  natureza   indefinida   e indeterminada dos consumidores / veículos objeto dos presentes autos, que releva per se e como fator que distingue os autos do caso do reenvio prejudicial C-343/19).

6. A putativa legitimidade e margem de atuação processual concedida à DECO não lhe dá per se nenhuma especial via de atribuição de competência internacional – o que, aliás, é confirmado pelo recentíssimo Acórdão do TJUE no reenvio prejudicial C-709/19.

CAPÍTULO 4 - O ARTIGO 7.º, N.º 2, DO REGULAMENTO 1215/2012 E A INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES

CAPÍTULO 4.1 - AS DIFERENÇAS ENTRE O REENVIO PREJUDICIAL C-343/19 E O CASO SUB JUDICE (QUE IMPEDEM A IMPORTAÇÃO DO RACIONAL E FUNDAMENTO DECISÓRIO DAQUELE)

7. A configuração processual e o objeto fático-jurídico dos presentes autos são dimetramente distintos dos do processo que subjaz ao reenvio prejudicial C-343/19.

8. Tais diferenças relevam não só i. para a contextualização da decisão do TJUE no reenvio prejudicial C-343/19 e para a conclusão no sentido da sua irrelevância para a decisão do presente recurso, mas também ii. para a correta interpretação e aplicação, nos autos, das disposições do Regulamento 1215/2012.

CAPÍTULO 4.1.1. A JURISPRUDÊNCIA DO TJUE (O SEU CARÁCTER NECESSARIAMENTE CASUÍSTICO E A INEXISTÊNCIA DE EFEITO DE PRECEDENTE)

9. A jurisprudência do TJUE tem um caráter casuístico: é inevitavelmente matizada pelo Tribunal do país que aciona o pedido de reenvio prejudicial, designadamente tendo em conta i. a legislação interna vigente nesse país, ii. o tipo de processo judicial pendente, iii. a forma como foi configurada a ação pelo Autor, iv. a formulação das concretas perguntas objeto do pedido de reenvio prejudicial e, inevitavelmente, v. os demais contornos fáticos e jurídicos do caso concreto.

10. A jurisprudência do TJUE não tem efeito de precedente nem eficácia de caso julgado em qualquer outro processo judicial (por mais afinidade que tal processo possa ter com o processo em que essa decisão do TJUE foi proferida).

CAPÍTULO  4.1.2.  -  EXISTEM DIFERENÇAS   ASSINALÁVEIS  ENTRE  AS ASSOCIAÇÕES DE CONSUMIDORES QUE MOVEM UMA E OUTRA AÇÃO

11. À aqui Recorrida é reconhecida, ex lege, legitimidade para representar consumidores em juízo, designadamente no âmbito de uma ação popular; já à V.… a lei não atribui qualquer poder de representação de consumidores em juízo. A V.… litiga, portanto, em nome próprio (com base na cessão de direitos que recebeu por parte dos consumidores) e não, como a DECO aqui Autora / Recorrida, em suposta representação – legal ou de outra ordem – de um direito ou interesse alheio.

12. Esta circunstância e as referidas nos subcapítulos seguintes a propósito da V.… e da ação da qual emerge o pedido de reenvio prejudicial C-343/19 decorrem também dos Documentos nºs 1 a 3 e do Affidavit / Parecer Jurídico juntos com as contra-alegações de apelação das aqui Recorrentes (cfr. ref.ª Citius …., de 26.11.2020).

CAPÍTULO 4.1.3.  -  A NATUREZA  JURÍDICA  DE  UMA  E  OUTRA  AÇÃO  É DIFERENTE, SENDO TAMBÉM DIFERENTE O SEU OBJETO

13. As ações instauradas nos Tribunais Austríacos, entre as quais se inclui a ação da qual emerge o pedido de reenvio prejudicial C-343/19, não têm a natureza de ação popular stricto sensu, mas apenas a de uma mera ação comum. Num total 16 ações, cada uma foi instaurada perante um Tribunal Austríaco com competência territorial diferente e, portanto, com um âmbito territorial circunscrito. Cada uma dessas 16 ações tem por objeto os direitos (particulares e distintos entre si) cedidos à V.… por consumidores que adquiriram o seu veículo em local situado no âmbito da jurisdição territorial de cada um desses 16 Tribunais.

14. A ação da qual emergiu o pedido de reenvio prejudicial C-343/19 é uma daquelas 16 ações, que corre termos perante o Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) e contempla os direitos cedidos (por via da respetiva cessão de direito litigioso) à V.… por 574 consumidores titulares de veículos adquiridos no âmbito da jurisdição territorial desse Tribunal.

15. O objeto desta ação austríaca restringe-se aos 574 direitos oportunamente cedidos à V.…, não tendo, por conseguinte, qualquer vocação universal ou generalizada.

16. Diferentemente, o caso sub judice é uma ação popular de matriz opt-out. A decisão a proferir nesta ação abrangerá todos os consumidores proprietários de veículo(s) da(s) marca(s) VW e/ou SEAT equipado(s) com motor ..., exceto aqueles que tenham expressamente exercido o seu direito de “opt-out.

CAPÍTULO 4.1.4. - O JULGADOR NACIONAL NÃO DISPÕE DE INFORMAÇÃO SOBRE OS PUTATIVOS CONSUMIDORES / VEÍCULOS OBJETO DA AÇÃO – INFORMAÇÃO QUE LHE PERMITA DETERMINAR O LUGAR DA MATERIALIZAÇÃO DO DANO AO ABRIGO DO ARTIGO 7.º, N.º 2, DO REGULAMENTO 1215/2012

17. Segundo jurisprudência consolidada do TJUE, o exercício de verificação da aplicação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 no que concerne à aferição do lugar da materialização do dano deve ser feito em relação a cada alegado lesado individualmente considerado.

18. O processo austríaco que deu origem ao reenvio prejudicial C-343/19 tem, como vimos, o seu objeto determinado com precisão: estão em causa os direitos de 574 consumidores, previamente cedidos para o efeito à V.... Naquele processo austríaco, a V.… apresentou informação sobre todos os consumidores por si representados (em número de 574) e ademais demonstrou que a celebração do contrato de compra e venda, - o pagamento do preço da compra e a entrega dos veículos ocorreram na área de jurisdição territorial do Tribunal perante o qual foi instaurada a ação (o Tribunal de Klagenfurt).

19. O TJUE pode, portanto, concluir, com exatidão, que o local de materialização do dano, correspondente ao local da aquisição de cada um dos veículos em consideração no dito processo austríaco, se localizava no território austríaco e, em particular, no território compreendido na jurisdição do Tribunal de Klagenfurt.

20. Diferentemente, o julgador nacional não conhece o número nem a identidade dos putativos consumidores representados pela Recorrida, nem tem qualquer prova quanto à sua efetiva qualificação como “consumidores”; também não tem qualquer prova sobre se todos os veículos desses putativos consumidores foram adquiridos em Portugal e/ou se se mantêm em Portugal. Está em causa uma ação popular em regime de opt-out e, portanto, com objeto genérico e indeterminado.

21. Assim, é impossível confirmar se, para cada um dos consumidores alegadamente representados pela DECO, o lugar da materialização do dano, para efeito de aplicação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012, se circunscreve ao âmbito da competência (internacional e territorial) do Tribunal perante o qual foi instaurada a ação.

CAPÍTULO 4.1.5. - OS PRESSUPOSTOS DE DECISÃO DO TJUE NO REENVIO PREJUDICIAL C-343/19 E A SUA NÃO TRANSPOSIÇÃO PARA O CASO SUB JUDICE

22. O racional e fundamento decisório do TJUE no reenvio prejudicial C-343/19 também não é transponível para caso sub judice porquanto assenta em pressupostos erróneos. O TJUE não só se pronuncia infundada e contraditoriamente quanto à interpretação e aplicação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012, como não se compreende a razão pela qual, a final, conclui (inversamente) que o dano ali em causa é inicial e, ainda, não puramente patrimonial.

CAPÍTULO 4.2. - A INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ARTIGO 7.º, N.º 2, DO REGULAMENTO 1215/2012 (QUANTO AO LUGAR DA MATERIALIZAÇÃO DO DANO)

23. O artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 confere competência internacional ao Tribunal i. do lugar do evento causal que está na origem do dano ou ii. do lugar da materialização do dano. Quando estes locais não sejam coincidentes o réu poderá ser demandado, à escolha do autor, perante o Tribunal de um ou outro destes lugares.

24. Para as aqui Recorrentes estes lugares são coincidentes e situam-se na Alemanha, o Estado-Membro onde foi concebido e implementado nos motores dos veículos VW e SEAT o software que materializa a “questão técnica”; para a Recorrida e Tribunal a quo, não: entendem que a materialização do dano tem lugar em Portugal, razão pela qual consideram que pode ser atribuída competência internacional aos Tribunais Portugueses.

25. Para determinar o lugar da materialização do dano é exigida pela jurisprudência do TJUE a verificação, num determinado país (in casu, em Portugal),

i. Da ocorrência de um dano diretamente decorrente do evento causal (dano inicial);

ii. Da ocorrência um dano material / físico a alguma pessoa ou a algum bem (dano material, não puramente patrimonial);

iii. De ser aquele o Tribunal melhor colocado para dirimir o litígio de uma perspetiva de proximidade com o litígio e facilidade na recolha de provas e, bem assim, da perspetiva da expectativa das partes quanto a ser aquele o Tribunal competente para a demandada à luz do Regulamento 1215/2012.

CAPÍTULO 4.3. - A APLICAÇÃO DO ARTIGO 7.º, N.º 2, DO REGULAMENTO 1215/2012 AO CASO SUB JUDICE

CAPÍTULO 4.3.1. - A INVERIFICAÇÃO DE UM DANO INICIAL (LOCALIZADO EM PORTUGAL)

26. Nenhum consumidor sofreu, em consequência da “questão técnica”, qualquer um dos putativos danos alegados (mas não demonstrados, sequer indiciariamente) pela Recorrente (quer sejam iniciais ou consecutivos e patrimoniais ou materiais).

CAPÍTULO 4.3.2. - A INVERIFICAÇÃO DE UM DANO INICIAL (LOCALIZADO EM PORTUGAL)

27. A entender-se que terá existido um dano – o que não se concede –, então esse dano apenas seria um dano consecutivo / indireto, decorrente de quaisquer outras consequências adversas subsequentes, e não um dano inicial, diretamente decorrente do evento causal,

28. E isto porque, correspondendo o evento causal, como se explicou e reitera, à “questão técnica”, o único putativo dano inicial diretamente decorrente deste evento causal foi apenas e só a alteração, em cenário do teste NEDC, das emissões NOx produzidas pelos veículos no qual a “questão técnica” foi implementada, suposto dano esse que, portanto, se verificou no local de produção dos motores dos veículos / de realização do referido teste – na Alemanha, e não em Portugal.

29. Todos os demais putativos danos alegados (mas não demonstrados) pela Recorrida apenas poderiam ser tidos como danos consecutivos e já não iniciais; de outro modo, ter-se-iam manifestado no “momento zero”, ou seja, no momento em que a “questão técnica” foi implementada nos veículos em apreço, e não apenas no momento em que tal “questão técnica” é conhecida pelo público ou em momento subsequente.

30. Prova cabal do que aqui se afirma é que acaso a “questão técnica” nunca tivesse sido conhecida, tais (putativos) danos nem sequer se teriam verificado, pelo que a admitir a sua existência – o que não se concede – será meramente a título de danos consecutivos.

CAPÍTULO 4.3.3. - A INVERIFICAÇÃO DE UM DANO MATERIAL (LOCALIZADO EM PORTUGAL)

31. A entender-se que terá existido um dano – o que não se concede – não foi um qualquer dano material (a uma pessoa ou a um bem) mas, antes, um dano puramente patrimonial, correspondente à suposta desvalorização que terão sofrido os veículos de que são proprietários os consumidores que a Recorrida alega representar.

CAPÍTULO 4.3.4. - A IMPOSSIBILIDADE DE, IN CASU, DETERMINAR O LUGAR DA MATERIALIZAÇÃO DO DANO PARA EFEITO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 7.º, N.º 2, DO REGULAMENTO 1215/2012

32. Como referido, é jurisprudência consolidada do TJUE que o exercício de verificação da aplicação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 no que concerne à aferição do lugar da materialização do dano deve ser feito em relação a cada alegado lesado individualmente considerado.

33. No caso dos autos, é de facto impossível fazer uma aplicação concreta e individualizada – por reporte a cada um dos consumidores pretensamente representados pela Autora DECO - do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2015 com vista a conferir competência internacional aos Tribunais Portugueses.

34. Não há forma de comprovadamente verificar, como se exige, se a materialização do dano alegadamente sofrido por cada um dos consumidores representados pela Autora DECO se verificou, de facto, em Portugal.

35. Ademais, tem sido entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que, quando aplicável, o artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 define não apenas a competência internacional do Tribunal, mas também a competência interna / territorial deste. Apontou também neste sentido o posicionamento do TJUE no reenvio prejudicial C-343/19. Este entendimento reforça, precisamente, a sobredita conclusão no sentido de que o artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 é, de facto, insuscetível de ser aplicado ou revestir qualquer conteúdo útil nos autos. Não há qualquer forma de confirmar se, para cada um dos consumidores alegadamente representados pela DECO, o lugar da materialização do dano se circunscreve ao âmbito da competência (internacional e territorial) do Tribunal perante o qual foi instaurada a presente ação.

CAPÍTULO 4.3.5. - OS TRIBUNAIS PORTUGUESES NÃO SÃO OS MELHORES POSICIONADOS PARA DIRIMIR O LITÍGIO

36. Na senda dos princípios expostos supra com respeito à interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento 1215/2012 (i. interpretação ser realizada de forma estrita, ii. não ser favorecida a competência dos Tribunais do Estado-Membro do domicílio do autor e iii. que exista um vínculo particularmente estrito entre o litígio e o Tribunal chamado a decidi-lo - princípio da proximidade), o acionamento desta norma com vista a conferir competência internacional aos Tribunais Portugueses sempre exigiria que as circunstâncias concretas do caso sub judice apontassem para tais Tribunais como sendo os melhores colocados para dirimir o litígio, por exemplo de acordo com uma perspetiva de proximidade com o litígio e de facilidade na recolha e produção de provas e, bem assim, que existisse uma expectativa das partes quanto a ser aquele o Tribunal internacionalmente competente à luz do Regulamento 1215/2012; tal não se verifica.

37. É assaz evidente que são os Tribunais Alemães e, designadamente, o Tribunal Regional de Braunschweig (Tribunal em cuja área de jurisdição se situa a sede da Recorrente VW), o Tribunal melhor colocado, de uma perspetiva de proximidade com o litígio e sobretudo facilidade na recolha de provas, para conhecer de um dano inicial que consistiu na alteração, em cenário do teste NEDC, das emissões NOx produzidas pelos veículos em cujos motores a “questão técnica” foi implementada (na Alemanha).

38. Ao que acresce que não podia a aqui Recorrente VW (tal como a Recorrente SEAT ES) contar ser demandada em todos os países nos quais comercializa os seus veículos (considerando que a regra geral é que seja demandada no seu domicílio, cfr. artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento 1215/2012),

39. Demanda que também acarreta o risco de decisões contraditórias e afronta o princípio da concentração de toda a litigância respeitante aos mesmos factos perante um só Tribunal, conforme positivado no Considerando n.º 21 do Regulamento 1215/2020, e os princípios da proximidade, previsibilidade e uniformidade de julgados.

CAPÍTULO 5 - A INEXISTÊNCIA DE OUTROS FUNDAMENTOS PARA A COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL CAPÍTULO 5.1. - O ARTIGO 8.º, N.º 1, DO REGULAMENTO 1215/2012

40. O TJUE tem vindo a defender, consistentemente, que para efeito de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento 1215/2012 os pedidos dirigidos contra os réus devem estar ligados entre si por um vínculo tão estreito que seja conveniente instruí-los em conjunto para evitar o risco de decisões inconciliáveis (requisito do “vínculo estreito”). Para que possa considerar-se que há risco de decisões inconciliáveis, na aceção do referido artigo, o TJUE entende que não basta que exista uma divergência na decisão do litígio, sendo também necessário que essa divergência se inscreva no quadro de uma mesma situação de facto e de direito.

41. No que respeita aos pedidos formulados na sequência da implementação da questão técnica (os pedidos de retoma ou reparação de veículos e ao pedido de indemnização pela alegada implementação da questão técnica - pedidos 1, 2 e 3 da Petição Inicial), a Recorrida admite que os mesmos não podem ser formulados contra as Rés SEAT ES, SEAT PT e SIVA, que são parte ilegítima quanto aos mesmos.

42. Porém, a Recorrida entende que assim já não é quanto ao pedido 4 da Petição Inicial, relacionado com a “responsabilidade pela prestação de informação nas condições exigidas pela Lei de Defesa do Consumidor, pedido esse que, nessa perspetiva, sustentará então a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento 1215/2021 com vista a conferir competência internacional aos Tribunais Portugueses.

43. Só que esta tese da ora Recorrida é uma tese simplista e infundada: as Co-Rés da VW não são parte legítima no referido pedido da Petição Inicial, como, de resto, não o são quanto aos demais pedidos formulados em sede de Petição Inicial. Esta falta de fundamento está devidamente assinalada e materializada nas Contestações das Co-Rés da VW, por via da exceção perentória de ilegitimidade material passiva de cada Co-Ré, para as quais, por economia processual, se remete, também pelas razões que, em síntese, se deixaram expostas supra.

44. Não está subsumida a previsão do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento 1215/2012: não se verifica, como este artigo impõe, a demanda de vários requeridos, pois que esta demanda pressupõe um justificativo fáctico-jurídico mínimo possível que, nos autos, pelo menos quanto às Co-Rés da VW, não se verifica (e que incumbiria à ora Recorrida alegar e provar), inverificando-se, portanto, também qualquer risco de contradição de julgados, muito menos no quadro de uma mesma situação de facto e de direito.

CAPÍTULO 5.2. O ARTIGO 18.º, N.º 1, DO REGULAMENTO 1215/2012

45. A mais recente e consistente jurisprudência do TJUE tem entendido que a norma do artigo 18.º, n.º 1, do Regulamento 1215/2012 apenas será aplicável uma vez verificados no caso concreto os pressupostos de que depende a sua aplicação, a saber: i. uma das partes no contrato ter a qualidade de consumidor, atuando num âmbito que possa ser considerado estranho à sua atividade comercial ou profissional; ii. ter sido efetivamente celebrado um contrato entre esse consumidor e um profissional; e iii. esse contrato integrar uma das categorias referidas no artigo 17.°, n.° 1, alíneas a) a c) do Regulamento.

46. A Recorrida não é um consumidor para tal efeito, nem ao abrigo da jurisprudência consolidada do TJUE, nem ao abrigo da lei portuguesa aplicável; por outro, nenhuma das Rés demandadas, ora Recorrentes, figura como contraparte em qualquer contrato de consumo celebrado com os consumidores alegadamente representados pela Recorrida.

47. O Regulamento 1215/2012 cuidou de se preocupar com as dificuldades económicas dos consumidores na sua qualidade de pessoas individuais (o que decorre, desde logo, da definição da Secção 4 do Regulamento 1215/2012); não o fez, porém, quanto às pessoas coletivas, nem mesmo quanto às associações de consumidores.

48. Acresce que a putativa circunstância de a Recorrida poder ter uma dificuldade apreciável na propositura da ação perante os Tribunais da Alemanha não configura qualquer “critério” ou pressuposto para que os Tribunais Portugueses se julguem internacionalmente competentes.

49. No mais e em qualquer caso, a Recorrida é uma associação de defesa dos consumidores com um papel que vai muito além do que a sua alegação revela - e, tem-no, desde logo, num plano internacional. Ademais, da análise do seu relatório e contas não resulta evidente “uma dificuldade apreciável na propositura da ação perante os Tribunais da Alemanha”, pelo contrário;

50. Não há qualquer prova ou factualidade apurada – sequer indiciariamente – no sentido de que a Recorrida tem dificuldades económicas no accionamento dos Tribunais Alemães, sendo para mais certo que, como evidenciado supra, a legislação alemã prevê a possibilidade de entidades estrangeiras, como é o caso da aqui Recorrida e dos consumidores que esta alegadamente representa, requererem apoio judiciário e litigarem perante os Tribunais Alemães com custos judiciais controlados.

AS NORMAS E OS PRINCÍPIOS VIOLADOS

51. O Tribunal a quo faz uma interpretação errada das regras de competência internacional previstas do Regulamento 1215/2012 e, em particular, do seu artigo 7.º, n.º 2, interpretação essa, de resto, sem acolhimento na posição tomada pelo TJUE em geral ou, em particular, no âmbito do reenvio prejudicial C-343/19.

52. A decisão do Tribunal a quo viola, ainda, os seguintes princípios, melhor identificados e concretizados supra: o princípio de interpretação do direito da União Europeia de forma estrita (in casu, a norma do artigo 7.º, n.º 2, não pode, sem a devida sustentação, ser interpretada no sentido de favorecer a competência dos Tribunais do Estado-Membro do domicílio do autor, afastando o princípio da competência do Tribunal do domicílio do réu), o princípio da proximidade (é essencial que exista um vínculo particularmente estreito entre o litígio e o Tribunal chamado a decidi-lo), o princípio de gestão eficiente do litígio, o princípio da concentração de toda a litigância respeitante aos mesmos factos perante um só Tribunal (conforme positivado no Considerando n.º 21 do Regulamento 1215/2020) e os princípios da previsibilidade e uniformidade de julgados.

53. O Regulamento 1215/2012 e, em particular, as normas dos seus artigos 7.º, n.º 2, 8.º e 18.º não conferem competência internacional aos Tribunais Portugueses para julgar o presente litígio.

54. A par do exposto supra dão-se por reproduzidos os argumentos constantes do Parecer de JOSÉ LUÍS DA CRUZ VILAÇA e de RITA LEANDRO VASCONCELOS 156 e do Aditamento ao Parecer de JOSÉ LUÍS DA CRUZ VILAÇA e de RITA LEANDRO VASCONCELOS 157, e também o teor do recente Acórdão do TJUE no reenvio prejudicial C-709/19.»


6. A autora respondeu, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1. O tribunal a quo interpretou corretamente o disposto no art.º 7º n.º 2 do Regulamento 1215/2012 fazendo correta aplicação do Direito aos factos alegados pelas partes;

2. Nomeadamente fez correta interpretação e aplicação do Regulamente citado ao reconhecer que uma das diferenças entre a presente ação e o reenvio prejudicial C-343/19 é o facto da presente ação se configurar como uma ação coletiva e da ora Recorrida representar por iniciativa própria e independentemente de ter ou não interesse na ação todos os consumidores que, em Portugal, foram afetados pelas práticas enganadoras das RR. ora Recorrentes e ao entender que a mesma não justifica o afastamento da interpretação seguida no acórdão do TJUE já citado.

3. Posição que é igualmente defendida nas conclusões da Advogada-Geral Verica Trstenjak, supra referidas e apresentadas em 6 de dezembro de 2011 no Processo C-472/10 e acolhidas pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, 1ª Secção de 26 de abril de 2012 Processo C-472/10 tendo feito escola na jurisprudência posterior do TJE.

4. Neste tipo de ações – ações coletivas em sistema de opt out – o que está definido é o grupo que é representado pela A. e não cada consumidor individualmente pelo que a decisão que vier a ser proferida abrange apenas os membros desse grupo. Após a condenação das RR. No peticionado e para que os membros do grupo representado pela A. possam receber a indemnização a que têm direito será necessário proceder à verificação das várias condições que tornam determinada pessoa membro desse grupo – a qualidade de consumidor, a aquisição em Portugal de um veículo das RR. objeto da manipulação de software, o prejuízo sofrido e os demais que o tribunal vier a definir.

5. Assim, decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar que o facto de os consumidores e/ou os veículos não estarem identificados não releva para efeitos de aplicação do normativo legal já citado pois para o que se discute no presente recurso o que é relevante é a definição do grupo representado pela A. e esse está perfeitamente definido. A decisão que vier a ser tomada só se aplica aos consumidores que adquiriram o seu veículo em Portugal.

6. Acresce ainda que o Acórdão proferido pelo TJUE no processo de reenvio prejudicial C-709/19 é irrelevante para a situação dos autos dado que a situação fáctica é totalmente diversa: enquanto, numa situação está em causa a aquisição em Portugal, por consumidores, de automóveis equipados com um instrumento que manipula as emissões de gases de combustíveis; na outra está em causa a compra de produtos financeiros, por investidores, disponíveis apenas em dois mercados distintos não coincidentes com os domicílios dos investidores.

7. Não só a situação de facto é diversa como a qualidade dos lesados é também diferente – na situação em apreço estão em causa apenas consumidores, na situação do reenvio prejudicial C-709/19 estão em causa investidores, que podem ou não incluir consumidores.

8. Por fim, em parte alguma do citado Acórdão o TJUE afirma, e não o poderia fazer tendo em conta a legislação existente, que o domicílio dos investidores nunca é relevante para estabelecer o lugar onde ocorreu o facto danoso e muito menos o é quando a relação jurídica subjacente é uma relação de consumo, isto é, quando os lesados são consumidores.

9. Assim, nenhuma censura merece o douto Acórdão recorrido uma vez que não é a natureza coletiva da ação nem a legitimidade da A. ora recorrida, nem a não identificação individual dos consumidores afetados que modifica ou põe em causa a aplicação do que foi decidido pelo TJUE.

10. Nenhuma censura merce igualmente o douto Acórdão Recorrido ao aplicar criteriosamente os pressupostos da decisão do TJUE no reenvio prejudicial C- 343/19 à situação sub-judice.

11. Com efeito, o dano em causa materializou-se quando os consumidores adquiriram em Portugal os seus veículos às RR.;

12. Os consumidores portugueses que compraram veículos às RR. por um preço superior ao seu valor real devido à instalação do software manipulador, sofreram um dano inicial;

13. Esse dano configura-se como um dano material e não com um prejuízo puramente financeiro porque diz respeito a veículos automóveis que são bens materiais e não, por exemplo, produtos financeiros;

14. É irrelevante, para este efeito, o facto do pedido de indemnização estar expresso em euros até porque a reparação é sempre feita em dinheiro quando a reparação natural não é possível como acontece nos presentes autos.

15. Por fim, é forçoso concluir que os Tribunais Portugueses são os melhores colocados para dirimir este litígio:

16. porque as RR. ou são sociedades portuguesas ou comercializam veículos em Portugal;

17. os consumidores, lesados pelas práticas das Recorrentes, adquiriram os seus veículos em Portugal;

18. e a A. tem legalmente a possibilidade de representar todos os consumidores lesados (com exceção dos dois que se auto excluíram) numa ação coletiva o que torna sem dúvida, o litígio de gestão mais eficiente e permite que, em Portugal, não existam decisões contraditórias.

19. E, na verdade, para a presente ação é isso que interessa porque embora na União Europeia a legislação substantiva seja muito semelhante (e nalguns casos, igual) a verdade é que as diferenças na transposição, as diferenças nas tradições jurídicas e as diferenças culturais, fazem com que a mesma questão possa ser analisada com perspetivas diferentes

20. Acresce ainda que, em todos os países suprarreferidos os tribunais respetivos se consideraram os melhor posicionados para dirimir o mesmo ou semelhante litígio.

21. Por outro lado, esta interpretação do n.º 2 do art.º 7º do Regulamento citado respeita o objetivo de previsibilidade das regras de competência, na medida em que um construtor automóvel estabelecido num Estado‑Membro que se dedique a manipulações ilícitas sobre veículos comercializados noutros Estados‑Membros pode razoavelmente esperar ser demandado nos órgãos jurisdicionais desses Estados. E não só a Recorrente VW deveria contar, como tinha obrigação de contar que seria demandada em todos os países onde comercializa veículos automóveis como, aliás, o foi!

22. Por fim, os pontos 5 e sgs das Alegações de Recurso das RR. não devem ser admitidas, uma vez que respondem, novamente, às Alegações da A. no Recurso de Apelação pelo que deverão ser desentranhadas. Se esse douto Tribunal assim não entender e sem conceder, a Recorrida remete a resposta a tais questões para todas as considerações efetuadas nas suas alegações do recurso de apelação.

23. Assim, não merece qualquer censura o douto Acórdão Recorrido pelo que deve ser integralmente mantido».


7. Após os vistos, cumpre, pois, decidir.


***


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir  consiste em saber se os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para tramitar e julgar a presente ação.


***


III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de Facto

O Tribunal da Relação considerou assentes os seguintes factos:

«1. A "Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor - Deco" intentou a presente acção, que qualificou como acção popular, contra "Volkswagen Ag", "Seat, S.A", "SIVA - Sociedade de Importação de Veículos, S.A." e "Seat Portugal Unipessoal, Lda.".

2. Pede que as RR. sejam solidariamente condenadas:

- a retomar os veículos alegadamente afectados, pagando aos respectivos proprietários um valor que dependerá do valor inicial do veículo, do ano, da quilometragem, mas que não poderá ser inferior a um montante entre os 12.500 USD e os 44.000 USD oferecidos aos consumidores norte-americanos;

- ou a repará-los, se for essa a opção dos consumidores e se a reparação do veículo for possível;

- a assumir os custos remanescentes dos contratos de aluguer ou leasing celebrados pelos consumidores para aquisição dos veículos afectados, no caso de os consumidores optarem por pôr fim a tais contratos;

- a pagar aos consumidores uma indemnização por informações falsas e pela depreciação do valor dos veículos, que não poderá ser inferior a um montante entre 5.100 USD e 10.000 USD, que a l.a R. se comprometeu a pagar aos consumidores norte-americanos ou, em alternativa, se o tribunal assim o entender, a 15% do valor de compra do veículo.

3. A presente acção versa sobre veículos com motores a diesel do tipo ... (alguns dos quais produzidos pela R. Volkswagen), em que foi implementado um software em razão do qual os resultados obtidos no teste New European Driving Cycle ("NEDC") quanto aos valores de emissões NOx passaram a poder não corresponder aos valores das emissões que, no cenário desse mesmo teste, se verificariam, não fora a referida implementação.

4. Os veículos equipados com o motor do tipo diesel ... que circulam em Portugal podem ser divididos em 3 categorias, a saber: veículos com motor 1.2L; veículos com motor 1.6Le veículos com motor 2.0L.

5. A A. recorre à acção popular, enquanto mecanismo de proteção de direitos difusos, para, alegadamente em representação dos consumidores portugueses, agir judicialmente contra as RR. "Volkwagen AG", "Seat, S.A.", "Siva - Sociedade de Importação de Veículos, S.A." e "Seat Portugal Unipessoal, Lda.".

6. O artigo 3º dos Estatutos da DECO, consagra que: 1 - A Associação tem por  objeto   a  defesa  dos  direitos  e  dos  legítimos  interesses  dos consumidores, podendo para o efeito desenvolver todas as atividades adequadas a tal fim, nomeadamente: a) Fomentar o agrupamento dos consumidores para a defesa dos interesses que lhes são próprios; b) Realizar análises comparativas da qualidade e preços dos produtos e serviços existentes no mercado; c) Coligir elementos e elaborar estudos sobre a evolução dos preços e dos consumos; d) Criar serviços de consulta dos consumidores; e) Divulgar os resultados dos estudos e análises, bem como todas as informações suscetíveis de desenvolver a capacidade de análise crítica dos consumidores; f) Informar os associados e o público em geral acerca das suas atividades, podendo promover a edição de publicações, diretamente ou por intermédio de organizações ou empresas em que participe; g) Promover reuniões para debate de problemas relacionados com o seu objeto; h) Apoiar ou comparticipar em ações úteis à melhoria das condições de vida da população e à defesa do meio ambiente; i) Colaborar em geral com entidades nacionais ou estrangeiras que prossigam fins análogos ou que, pela sua natureza, possam apoiar as ações desenvolvidas pela Associação; j) Promover a realização de ações de formação e de outras iniciativas de informação de consumidores e de profissionais, destinadas à educação e ao desenvolvimento de uma sã cultura para o consumo, podendo, para esse efeito, candidatar-se a projetos e a fundos de financiamento nacionais e internacionais; 1) Desenvolver formação profissional na área do consumo e áreas transversais; m) Estabelecer protocolos e realizar parcerias conjuntas com outras entidades, públicas ou privadas; n) Integrar organizações internacionais sem fins lucrativos que prossigam fins similares, em particular a promoção e defesa dos direitos dos consumidores; o) Integrar grupos de trabalho, conselhos consultivos ou outros comités de entidades públicas ou privadas, no âmbito das suas atribuições; p) Promover a formação e cultura jurídica no domínio do direito do consumo; q) Defender, promover e representar, por todos os meios legais e judiciais ao seu alcance, os interesses coletivos e individuais dos consumidores; r) Representar individualmente os consumidores em mecanismos alternativos de resolução de conflitos de consumo; s) Promover a constituição de serviços de apoio, informação e de resolução extrajudicial de conflitos de consumo; t) Promover a constituição de mecanismos de apoio, informação e de negociação de situações de sobreendividamento; u) Exercer quaisquer outras atribuições permitidas por lei. 2 - A Associação não tem fins lucrativos e não prossegue fins políticos ou religiosos (fls. 18 e seguintes)».


 3.2. Fundamentação de Direito

Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com a questão de saber se os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para tramitar e julgar a presente ação.


Todavia, porque a resposta a dar a esta questão passa pela interpretação do disposto no artigo 7º, nº 2, do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho nº 1215, de 12 de dezembro de 2012, importa abordar, previamente, a questão prévia


3.2.1. Da ausência de obrigação de reenvio prejudicial

O reenvio prejudicial, previsto no artigo 19º, nº 3, al. b) do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo  267º do  Tratado de Funcionamento  da União Europeia ( TFUE ), é um mecanismo jurídico-processual que permite estabelecer uma cooperação jurisdicional entre o Tribunal de Justiça  da União Europeia ( TJUE ) e os tribunais nacionais, com vista a garantir  a uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito da União.

Sempre que um tribunal nacional, chamado a julgar um litígio que envolva a aplicação de normas do Direito da União Europeia, tenha dúvidas sobre a interpretação e/ou aplicação  dessas normas e que a decisão do TJUE sobre tais dúvidas se afigure indispensável para uma adequada resolução do caso, pode/deve o mesmo suspender a instância e reenviar as suas questões para o TJUE (reenvio prejudicial facultativo ou obrigatório)[2].

Mas se é certo que o disposto no artigo 267º, § 3, do TFUE, faz recair sobre  o Supremo Tribunal, enquanto tribunal de última instância de recurso, o dever de proceder ao reenvio prejudicial sempre que se suscitem dúvidas sobre a interpretação de uma norma  do Direito da União Europeia, a verdade é que  esta obrigação de reenvio, por insusceptibilidade  de recurso ordinário no direito interno,  pode ser dispensada.

Com efeito, tal como nos dá conta o Acórdão do STJ, de 26.11.2020 (processo nº 30060/15.3T8LSB.L3.S1)[3], « desde o Acórdão Cilfit[4] que o TJUE vem admitindo, de forma consistente, a dispensa do dever de suscitar a questão prejudicial por insusceptibilidade de recurso em determinadas situações, a saber:

1.ª) quando a questão de direito da União Europeia suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;

2.ª) quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;

3.ª) quando o tribunal nacional considere que as normas da União Europeia aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas ou são suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adoptadas[5].

Este entendimento tem sido reafirmado em sucessivos Acórdãos do TJUE[6]».

No caso dos autos estamos no âmbito de uma ação popular prevista nos arts. 1º e 12º, nº 2, da Lei nº 83/95, de 31 de agosto e art. 3º, al. g) da Lei nº 24/96, de 31 de julho ( LDC) interposta pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor - Deco contra Volkswagen AG, sociedade de direito alemão com sede em Berlim, Alemanha,  que se dedica ao fabrico e comercialização de veículos automóveis das marcas Volkswagen, …, …, entre outros; SEAT S.A., com sede em Martorell, Espanha, que se dedica ao fabrico e comercialização de veículos automóveis da marca SEAT, entre outros; SIVA- Sociedade de Importação de Veículos, S.A, com sede  em Vila Nova da Rainha, Portugal, que se dedica à importação e comercialização de veículos automóveis nomeadamente das marcas Volkswagen, … e … e  SEAT Portugal Unipessoal, Ldª, com sede em Lisboa, Portugal, que se dedica à importação e comercialização de veículos automóveis nomeadamente da marca SEAT.

Pede a autora que as rés sejam solidariamente condenadas:

1- a retomar os veículos alegadamente afetados, pagando aos respetivos proprietários um valor que dependerá do valor inicial do veículo, do ano, da quilometragem, mas que não poderá ser inferior a um montante entre os 12.500 USD e os 44.000 USD oferecidos aos consumidores norte-americanos;

2- ou a repará-los, se for essa a opção dos consumidores e se a reparação do veículo for possível;

3- a assumir os custos remanescentes dos contratos de aluguer ou leasing celebrados pelos consumidores para aquisição dos veículos afetados, no caso de os consumidores optarem por pôr fim a tais contratos;

4- a pagar aos consumidores uma indemnização por informações falsas e pela depreciação do valor dos veículos, que não poderá ser inferior a um montante entre 5.100 USD e 10.000 USD, que a lª R. se comprometeu a pagar aos consumidores norte-americanos ou, em alternativa, se o tribunal assim o entender, a 15% do valor de compra do veículo.

Como fundamento destes pedidos, invoca a Deco a responsabilidade civil extracontratual das rés, emergente do facto das rés Volkswagen AG e SEAT S.A., terem fabricado e vendido veículos com motores a diesel, do tipo EA 189, que as rés  SIVA e SEAT Portugal Unipessoal, Ldª importaram e venderam aos consumidores em Portugal, nos quais a ré Volkswagen AG introduziu uma aplicação informática que manipula os testes que controlam as emissões de gases e  que é ilegal à luz do Regulamento (CE)  nº 715/2007, do Parlamento Europeu  e do Conselho, de 20 de junho de 2007.

Alega, em suma,  a autora que este sofware produzido e instalado pela ré  Volkswagen AG no ECM ( eletronic Control Module) nos veículos  deteta quando os mesmos estão a ser objeto de ensaio para verificação do cumprimento da legislação relativa às emissões poluentes e permite revelar, nos ensaios,  emissões  poluentes que respeitam os limites fixados, mas que, nas situações  de circulação normal em estrada, o valor das emissões de gases NOx ( oxido de azoto) aumenta para valores acima dos valores máximos permitidos.  

Sem esta manipulação os veículos em causa não seriam homologados por não cumprirem a Norma Euro 5, pelo que as rés  não só venderam aos consumidores veículos que não podiam ser comercializados  nem  circular, fornecendo-lhes um produto defeituoso,  como prestaram-lhes informações falsas, levando-os ainda  a  optar por tais veículos em detrimento de veículos de outras marcas, que poderiam ter adquirido por um preço inferior e  destorcendo também a leal concorrência, violando, deste modo,  o direito dos consumidores à qualidade dos bens adquiridos previsto nos arts. 3º, als. a) e d) e 4º da Lei nº 24/96, de 31 de julho ( Lei de Defesa do Consumidor, doravante LCD),  o disposto no art. 2º, nº 1 do DL nº 67/2003, de 8 de abril, já que não entregaram aos consumidores  bens conformes com o contrato celebrado, o disposto nos arts. 5º, do DL nº 57/2008, de 26 de março, que estabelece o Regime das Práticas Comercias Desleais, e o direito  à informação previsto no art. 8º da LCD.

Mas, para além de tudo isto, sustenta ainda que a referida manipulação afetou o rendimento, desempenho e consumo dos referidos veículos, pois sendo os  consumos e as emissões reais superiores aos publicitados e contratados, o valor  comercial destes veículos ficou desvalorizado no  mercado de usados em cerca de 15% do valor da sua compra, pelo que os consumidores que adquiriram os veículos em causa têm também direito a  indemnização pelos danos decorrentes quer da prestação de informações falsas, na medida em que se tivessem conhecimento da manipulação poderiam ter comprado  o veículo por um preço inferior ao preço efetivamente pago,  quer  pela depreciação do valor dos veículos.


Decorre, assim, do exposto configurar a relação material controvertida um litígio plurilocalizado[7] e transnacional, com conexão com três Estados Membros da União Europeia, na medida em que  a ré Volkswagen AG, tem sede na Alemanha, a ré SEAT S.A., tem sede em Espanha e a autora e as rés SIVA e  SEAT Portugal Unipessoal, Ldª, têm  sede em Portugal, pelo que coloca-se o problema de saber qual o tribunal que, no âmbito das três ordens jurídicas envolvidas, tem competência  para o dirimir.

E a este respeito diremos, desde logo, que se é certo não haver divergência entre as instâncias nem entre as partes quanto à aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 7º, nº 2, do  Regulamento (EU) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria  civil e comercial[8], a verdade é que a divergência registada quanto à interpretação da expressão « lugar onde ocorreu (…) o facto danoso» contida no nº 2 do referido artigo conduziu, no caso dos autos,  a soluções diametralmente opostas.

Com efeito,  o Tribunal de 1ª Instância, aderindo ao entendimento defendido pelas rés e suportado pelo parecer que juntaram aos autos e elaborado por José Luís  da Cruz Vilaça e Rita Leandro Vasconcelos, considerou que o lugar onde ocorreu o dano é o lugar em que se verificou o evento que causou o dano, pelo que, no caso dos autos, o lugar relevante para efeitos jurisdicionais, é o lugar da  montagem, nos veículos, do software que altera os dados relativos às emissões poluentes de gases NOx, sendo, por conseguinte, os Tribunais alemães os tribunais internacionalmente  competentes  para julgar a presente ação.


Diferente posição assumiu o Tribunal da Relação, que, acolhendo a tese defendida pela autora, sustentada pelo parecer que juntou aos autos e elaborado por Jorge Pegado Liz, entendeu que o caso dos autos apresenta paralelismo com  o caso decidido, em sede de reenvio prejudicial, pelo TJEU no acórdão que proferiu em 09.07.2020, no processo Verein für Konsumenteinformation c. Volkswagen AG,  C-343/19, pelo que,  atento o efeito erga omnes desta decisão,  não só não se justifica a formulação  de um novo pedido de decisão  prejudicial  sobre a interpretação  do artigo 7º, nº 2, do Regulamento  nº 1215/2012, como  também se impõe respeitar a interpretação dada a esta norma pelo TJEU  no sentido de que, « quando os veículos tenham sido ilegalmente equipados  num Estado-Membro pelo seu construtor  com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape antes de serem adquiridos a um terceiro  noutro Estado-Membro, o lugar da materialização do dano se situa neste  último Estado-Membro».

Daí ter concluído pela competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgar a presente ação uma vez que, nas circunstâncias dos autos,  a  aquisição dos veículos afetados ocorreu em Portugal.     


Deste entendimento dissentem as recorrentes que, estribadas no parecer que constitui um aditamento ao 1º  parecer, elaborado por  José Luís da Cruz Vilaça e Rita Leandro Vasconcelos, na sequência da prolação do referido acórdão do TJEU, de 09.07.2020 sustentam, no essencial, que as diferenças entre o presente processo e o processo V... c. VW impedem  que as conclusões do acórdão  no processo C-343/19 sejam transpostas para o caso dos autos.


Consabido que, de harmonia com o disposto no art. 267º do TFUE, a interpretação do Direito da União é da competência  exclusiva  do TJUE  e  que, o facto do acórdão  por ele proferido, neste contexto, vincular o tribunal nacional que suscitou  a questão prejudicial e os tribunais de todos os demais Estados-Membros, não impede um tribunal nacional de, num outro processo principal, voltar a suscitar a mesma questão prejudicial sempre que entender que existem elementos novos  que podem levar o TJUE a alterar o acórdão prejudicial já proferido sobre a mesma questão de direito nem impede  este tribunal, se o entender adequado ou necessário, de modificar a sua jurisprudência [9], vejamos, então, se no caso  dos autos, ante a jurisprudência já firmada pelo TJUE em  matéria de competência, justifica-se a formulação  de um novo pedido de decisão  prejudicial.


3.2.1.1. Nesta matéria, enunciam os considerandos 15 e 16 do Regulamento nº 1215/2012 que:

«15. As regras de competência devem apresentar um elevado nível de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

16 O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele.  (…)».

Assim e  com vista a prosseguir estes mesmos objetivos, no capítulo da  « Competência» e  na secção I, intitulada “Disposições gerais”, estabelece artigo 4º, nº1 deste Regulamento que « Sem prejuízo  do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas  num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente  da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro».

E na secção II,  denominada  “Disposições especiais”, estipula o artigo 7º, deste mesmo Regulamento que « As pessoas domiciliadas  num Estado-Membro podem ser demandadas  noutro Estado-Membro:

 […]

2. Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu  ou poderá ocorrer  o facto danoso ».


Por outro lado,  do  Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II), enuncia, no seu considerando 7 que  « O âmbito de aplicação material e as disposições do presente regulamento deverão ser coerentes com o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 200, relativo  à competência judiciária, ao reconhecimento  e à execução de decisões em matéria civil e comercial, (Bruxelas I) e com os instrumentos  referentes à lei aplicável  às obrigações contratuais»

E, sob a epígrafe « Concorrência desleal e atos que restrinjam a livre concorrência», estabelece no seu artigo 6º, nº1 que « A lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente de um ato de concorrência desleal é a lei do país em que as relações  de concorrência ou os interesses coletivos dos consumidores sejam afetados ou sejam suscetíveis de ser afetados».


Resulta, assim, evidente do  artigo 7º, nº 2, do  Regulamento  nº 1215/2012,  que,  nos litígios  relativos  a obrigações extracontratuais, foi vontade do legislador europeu oferecer ao demandante um foro alternativo  (o do lugar onde ocorreu  ou poderá ocorrer  o facto danoso)   ao foro geral, previsto  no artigo 4º, nº 1 e   correspondente ao domicílio  do demandado  num Estado-Membro.

De salientar, desde logo, em conformidade com a jurisprudência firmada do TJUE, que, na medida em que de acordo  como o   considerando 34 do  Regulamento  nº 1215/2012, este regulamento revoga e substitui o Regulamento ( CE)  nº 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, que, por sua vez, substituiu a Convenção de 27 de setembro de 1968 ( doravante Convenção de Bruxelas), ambos relativos à competência judiciária, ao reconhecimento  e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições destes instrumentos jurídicos, designadamente  no que  diz respeito à expressão «  lugar onde ocorreu  o facto ou poderá ocorrer o facto danoso »  contida no seu  artigo 5º, nº 3,  vale também para o artigo  7º, nº 2  do Regulamento  nº 1215/2012, por se tratarem de  disposições  equivalentes [cfr. Acórdão de 31 de maio de 2018, Nothartová, C-306/17[10], nº 18  e Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[11], nº 23 e jurisprudência aí referida].

Segundo a jurisprudência deste mesmo tribunal, esta regra de competência especial prevista nestes artigos  baseia‑se na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu ou possa ocorrer o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo [cfr. Acórdãos de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12[12], n.° 47, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14[13], n.° 73 e jurisprudência referida], já que, em matéria de responsabilidade extracontratual, normalmente, é o tribunal  mais apto para decidir, nomeadamente, por razões de proximidade do litígio e de facilidade na recolha das provas [cfr. Acórdãos de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C-352/13[14], n.° 40, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C-47/14[15], n.° 74].

De sublinhar ainda, conforme tem sido reiteradamente declarado pelo TJUE na sua jurisprudência relativa a estas  mesmas disposições, que o  conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso»,  refere‑se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares [ cfr., em matéria de poluição, Acórdão de 30 de novembro de 1976, Bier, 21/76[16], nºs 24 e 25; relativo a dano material decorrente de produto defeituoso, Acórdão de 16 de julho de 2009, Zuid-Chemie, C-189/08[17], nº 23  em matéria de contrafação, Acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12[18], n.° 46;  em matéria de contrato de administrador de uma sociedade, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14[19],  n.° 72; referente a dano consistente em acréscimos de custos pagos  na compra de camiões , em razão de preços artificialmente elevados, Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[20], nº 25 e jurisprudência aí referida ].

Vale isto  por dizer, na expressão do Advogado-Geral Manuel Camps Sánchez-Bordona[21], que «Quando o comportamento ilícito e as suas consequências se situam em Estados-Membros diferentes, o critério da competência judiciária desdobra-se, assumindo-se que, em matéria de responsabilidade extracontratual, ambos os lugares têm uma vinculação  significativa com o litígio. Nestas situações, o demandante pode escolher entre as duas jurisdições no momento da propositura da sua ação».

Mas, a verdade é que situações existem em que se suscitam muitas dúvidas na determinação do lugar da materialização do dano, o que acontece sobretudo nos casos em que os danos não afetam a integridade física de uma pessoa  ou de uma coisa determinada, mas, de um modo geral,  o património.

Prova disso é que, desde 1976, o TJUE tem sido chamado várias vezes  a decidir  se, para efeitos de competência judiciária,  se deve considerar como « lugar onde ocorreu o facto danoso» o lugar  num Estado-Membro  onde se verificou  o dano, quando esse dano consiste numa perda patrimonial que é consequência direta da prática de um ato ilícito ocorrido  noutro Estado-Membro, pelo que importa indagar o sentido  que o TJUE vem dando àquele conceito.   

E a este respeito,  o que ressalta, desde logo, da jurisprudência do TJUE, é que, segundo este tribunal, aquela expressão  não pode ser objeto de interpretação extensiva, a ponto de englobar qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências  danosas de um facto que já causou  um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar, não podendo, por isso,  ser interpretado no sentido de que inclui o lugar onde a vítima alega ter sofrido  um dano patrimonial subsequente a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela  noutro Estado.

Por conseguinte, interessa apenas  o dano inicial  e não o dano consecutivo, ou seja, o dano acessório de um dano inicial ocorrido  [ cfr. Acórdãos de 19 de setembro de 1995, Marine, C-364/93[22], nºs 14 e 15; de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[23], nº 28 e jurisprudência aí referida e  de 9 de julho de 2020, Verein Konsumenteinformation c Volkswagen AG, C-343/19[24] , nº 26].

E  vem também declarando, de forma constante, que  este conceito refere-se apenas ao dano inicial sofrido diretamente pelo lesado e não o dano sofrido, indiretamente, por um lesado  ( lesado indireto) [ cfr., entre outros Acórdãos de 11 de janeiro de 1990,  Dumez France e Tracoba, C-220/88 [25] e de 10 de dezembro de 2015, Lazard, C-350/14 [26]].  

De igual modo, vem afirmando a necessidade de distinguir  o evento ou eventos  causais do dano das consequências ( prejuízos) a que dão origem, pelo que, nos casos em que  o lugar onde se situa o facto suscetível de implicar responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto provocou um dano não sejam idênticos,  tem considerado como sendo o « lugar  da materialização do dano »  o lugar onde os efeitos danosos de um facto se manifestam concretamente  [ Cfr. entre outros, Acórdão Zuid-Chemie BV c. Philippo’s Mineralenfabrick NV/SA, processo C-189/08 [27], nº 27 e   Acórdão Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Perixide SA, processo C-352/13[28], nº 52 ].

Daí, no Acórdão Kronhofer, C-168/02[29], em que o alegado  prejuízo financeiro que o autor sofreu  noutro Estado-Membro produziu  um efeito simultâneo no conjunto do seu património,  o TJUE ter afirmado que  a expressão « lugar onde ocorreu o facto danoso» não se refere ao lugar do domicílio do requerente, no qual se localiza «o centro do seu património», pelo simples motivo de aí ter sofrido um prejuízo financeiro resultante da perda de elementos do seu património ocorrida e sofrida noutro Estado-Membro, só se justificando a atribuição de competência aos tribunais daquele domicílio se este constituísse, efetivamente, o lugar do evento causal ou da materialização do dano ( cfr. nºs 16 a 21).

Mas, ainda assim, reconhecendo que a identificação/determinação  do lugar onde se materializou  o dano não é igual para todos os tipos de dano e ante as  dúvidas  suscitadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, sobretudo nos casos em que estão em causa danos de natureza material e/ou puramente patrimonial, vem recorrendo às « circunstâncias concretas » do processo  para, numa apreciação global,  precisar o critério da competência relativo ao « lugar do dano», por forma a garantir a proximidade  entre o litígio e o foro e a previsibilidade das partes e, deste modo, cumprir os objetivos de proteção jurisdicional de ambas as partes e os respeitantes  à gestão do processo que estão subjacentes  à regra de competência especial  prevista  no artigo 5º, nº 3, da Convenção  de Bruxelas e do Regulamento  nº 44/2001 e no artigo 7º, nº 2, do Regulamento 1215/2012, permitindo simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional onde pode intentar a ação e ao requerido prever razoavelmente aquele onde pode ser demandado e garantindo  uma boa administração da Justiça.

Foi o que aconteceu nos Acórdãos de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C-375/13[30];  de  16 de junho de 2016,  Universal Music International Holding BV, C-12/15[31] ;  de 12 de setembro de 2018,  Löber, C-304/17[32] e  de  9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteinformation c. Volkswagen AG,  C- 343/19[33].

E porque este último acórdão versa sobre uma situação  muito semelhante à dos presentes autos, impõe-se proceder a uma análise mais detalhada do mesmo por forma a indagar se  o critério nele seguido pelo TJUE,  com vista a determinar o lugar da materialização do dano, tem aplicação ao caso em apreço.


3.2.1.2. O processo C-343/19

 No processo C-343/19, estava em causa uma ação proposta pela Verein für Konsumenteninformation ( doravante V... e  que é uma organização de consumidores, com sede na Áustria e cuja missão estatutária consiste, entre outras coisas, na defesa em juízo dos direitos  que os consumidores lhe cederam para esse efeito),  num tribunal da Áustria, contra a Volkswagen AG, pedindo  que esta fosse condenada a pagar-lhe determinada quantia em dinheiro, a título de indemnização pelos danos causados, e fosse declarada responsável por todos os danos ainda não quantificáveis e /ou que se viessem a produzir no futuro.

Como fundamento deste pedido invocou a responsabilidade civil extracontratual da Volkswagen AG, que, na sua sede na Alemanha, equipou  os veículos que aqueles consumidores adquiriram na Áustria com motores a diesel, do tipo EA 189, neles  introduzindo um dispositivo informático que manipula os dados relativos às emissões de gases de escape,   permitindo revelar, nos ensaios e medidas, as emissões que respeitam  os valores  máximos  impostos, ao passo que, nas condições reais de utilização desses veículos em estrada, as substâncias poluentes efetivamente emitidas atingem proporções  que excedem  várias vezes os limites previstos. Afirma que só graças a esse programa a Volkswagen pode obter para os veículos equipados com o motor ... a homologação prevista na regulamentação da União.

Segundo a VHI, o dano para os proprietários desses veículos reside no facto de que, caso tivessem tido conhecimento dessa manipulação, ter-se-iam abstido de comprar esses veículos ou teriam obtido um desconto sobre  o respetivo preço de, pelo menos, 30%. Uma vez que os veículos em causa contêm desde o início um vício, o seu valor de mercado e, portanto, o seu preço de compra são claramente  inferiores ao preço efetivamente pago. A diferença representa um dano que dá direito a indemnização.

Assim,  tendo em conta a jurisprudência firmada e supra mencionada no ponto 3.2.1.1, afirmou o TJUE, nos pontos 29 a 39 do referido acórdão, que, no caso de uma comercialização de veículos equipados pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape e consistindo o dano alegado   numa menos-valia dos veículos em causa,  resultante da  diferença  entre o preço que o adquirente pagou por esse veículo e o seu valor real em razão da instalação de um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, há que considerar que, apesar de esses veículos se encontrarem afetados por um vício desde a instalação desse programa informático, aquele  dano, que não existia antes da compra do veículo pelo adquirente final, que é o lesado direto, constitui um dano inicial na aceção da jurisprudência recordada nos supra citados acórdãos Marine e Tibor-Trans  e não uma consequência indireta do dano inicialmente sofrido por outras pessoas na aceção da jurisprudência referida no citado acórdão Dumez France e Tracoba.

Mais do que um dano puramente patrimonial, trata‑se de um dano material resultante de uma perda de valor de cada veículo em causa e decorrente do facto de, com a revelação da instalação do programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, o pagamento efetuado para a aquisição desse veículo ter como contrapartida um veículo afetado por um vício e, portanto, com um valor inferior.

Daí impor-se  concluir que, no caso de uma comercialização de veículos equipados pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, o dano sofrido pelo adquirente final materializa-se no momento da compra  desse veículo a um terceiro por um preço superior ao seu valor real.

E que, nestas circunstâncias concretas, a interpretação do  artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012, no sentido de que o tribunal do  « lugar onde ocorreu o facto danoso» é o tribunal  do lugar da aquisição  do veículo em causa pelo adquirente final, respeita o objetivo de previsibilidade das regras de competência, referido no considerando 15 deste mesmo regulamento, visto que um construtor automóvel estabelecido num Estado-Membro que se dedique a manipulações ilícitas sobre veículos comercializados noutros Estados-Membros pode razoavelmente esperar que o dano se produza nos Estados-Membros onde o veículo em causa foi adquirido por uma pessoa que confiava, legitimamente,  que esse veículo estaria em conformidade com essas prescrições e que, depois, verifica que dispõe de um bem defeituoso e de menor valor, podendo, de igual modo, esperar ser demandado nos órgãos jurisdicionais desses Estados ( v. por analogia, Acórdãos Kolassa, C-375/13, nº 56 e Löber, C-304/17, nº 35),

E respeita também os objetivos de proximidade e de boa administração da justiça, referidos no considerando 16 do referido regulamento, na medida em que o tribunal do Estado-Membro em cujo território esse veículo foi comprado tem mais facilmente acesso aos meios de prova necessários à realização da avaliação das respetivas condições do mercado (cfr. Acórdão Tibor-Trans, C-451/18, nº 34).

Mas, para além  de tudo isto, está  ainda em conformidade com as exigências de coerência previstas no considerando 7 do Regulamento Roma II, uma vez que  um ato como o que está em causa no processo principal, na medida em que  é  suscetível de afetar os interesses coletivos dos consumidores enquanto grupo, constitui um ato de concorrência desleal (Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation, C-191/15[34], nº. 42) e  pode afetar esses interesses em qualquer Estado-Membro em cujo território o produto defeituoso seja comprado pelos consumidores

E está, de igual modo, em conformidade  com disposto no artigo 6º, nº1, do referido regulamento, segundo o qual o lugar onde ocorreu o dano num processo que envolva um ato de concorrência desleal é o lugar onde «as relações de concorrência ou os interesses coletivos dos consumidores sejam afetados ou sejam suscetíveis de ser afetados», ou seja,  o lugar onde o produto é comprado (v., por analogia, citado  Acórdão Tibor-Trans, C-451/18, nº. 35).

Assim,  em face do exposto, declarou que « o artigo 7.º, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, quando os veículos tenham sido ilegalmente equipados num Estado-Membro pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape antes de serem adquiridos a um terceiro noutro Estado-Membro, o lugar da materialização do dano se situa neste último Estado-Membro


Mas se assim é, dúvidas não restam  que o TJUE já  respondeu a esta questão, pelo que não se vislumbra razão para formular, de novo, esta questão prejudicial.


3.2.1.3. O caso em apreço

Assente  a existência de jurisprudência do TJUE quanto a esta matéria, vejamos, então, se há lugar à aplicação da jurisprudência  firmada neste  Acórdão de 9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteninformation, contra Volkswgen AG, C-343/19, ao caso dos autos.


No sentido negativo pronunciam-se as recorrentes, sustentando que  não é pelo simples facto de estar em causa, neste processo e no processo de reenvio prejudicial C-343/19, a mesma macro-questão fatual que se pode concluir, sem mais  e como o fez o acórdão recorrido,  que o presente caso cabe no âmbito interpretativo que o TJUE efetuou no referido acórdão.

Isto porque, segundo argumentam, o exercício de subsunção das disposições do Regulamento 1215/2012 tem de ser efetuado, em primeira linha, à luz das particularidades  da configuração processual e do objeto  fáctico-jurídico dos presentes autos, que são diametralmente distintos dos do processo C-343/19,  já que,  diferentemente do aconteceu com a V..., que instaurou uma ação comum, em representação apenas dos consumidores que lhe cederam os respetivos diretos, no caso dos autos, estamos perante uma ação popular de matriz opt-out proposta pela Deco, em  representação de todos os  consumidores proprietários  de veículos da marca VW e/ou SEAT equipados  com motor ..., exceto aqueles que tenham expressamente exercido o seu direito  de “opt-out”, e daí o julgador nacional  não conhecer o número nem a identidade dos putativos consumidores representados pela Deco, não dispor de qualquer prova quanto à efetiva qualificação  como “consumidores” e ao dano por eles efetivamente sofrido, nem sobre se todos os seus  veículos foram adquiridos  em Portugal  e/ou se se mantêm em Portugal, o que torna impossível determinar, relativamente a cada um dos consumidores representados pela Deco, o lugar  da materialização do dano para efeito de aplicação do artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012.   

Mais defendem que, contrariamente ao que aconteceu no processo C- 343/19, no caso dos autos nenhum consumidor sofreu, em consequência da “questão técnica” qualquer um dos danos alegados, que nem sequer se mostram, indiciariamente, demonstrados e que, mesmo a entender-se que a desvalorização dos veículos de que são proprietários os consumidores que a Deco alega representar constitui um dano, este seria um dano puramente patrimonial, consecutivo/indireto e não um dano inicial e diretamente decorrente da produção dos motores dos veículos e da realização  do teste NEDC, ocorrida na Alemanha,  pelo que, na situação em apreço,  o local da materialização do dano e do evento causal é o mesmo e situa-se na Alemanha.

Sustentam ainda, não resultar das  circunstâncias concretas do caso sub judice, serem os tribunais portugueses, os  mais bem posicionados  para dirimir o litígio em causa e para satisfazer os objetivos  de proximidade  com o litígio e de facilidade  na recolha  e produção de provas, exigidos pelo Regulamento nº 1215/2012, na medida em que  o tribunal alemão, da área de jurisdição onde se situa a sede da Volkwagen AG, é aquele que se encontra em melhores condições para conhecer do dano que consistiu  na alteração, em cenário do teste NEDC, das emissões NOx produzidas pelos veículos em cujos motores foi implementado o referido dispositivo informativo, não podendo, por isso, nenhuma das recorrentes prever que poderiam ser demandadas em todos os países em que foram comercializados tais veículos.


Que dizer ?

Desde logo que, contrariamente ao afirmado pelas recorrentes,  constitui jurisprudência constante do TJUE que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão  jurisdicional onde foi intentada a ação  não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação segundo as regras do direito nacional, nem está obrigado,  em caso de contestação das alegações do demandante por parte do demandado, a proceder a uma produção de prova, cabendo-lhe  apenas  identificar os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo do disposto no artigo 5º, nº 3, do Regulamento nº 44/2001 (ou do artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2021), devendo, para esse efeito, considerar assentes as alegações pertinentes do demandante quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual e, em nome da boa administração da justiça, subjacente aos ditos regulamentos,  apreciar as objeções apresentadas pelo demandado ( v, neste sentido, acórdãos de 25 de outubro de 2012, Folienfischer e Fofitec, C-133/11[35], nº 50;  de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C-375/13, nº 62 e de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding, C-12/15, nºs 44 a 46 ).

Isto porque, tal como salientou nos acórdãos de 16 de maio de 2013, Melzer, C-228/11[36], nº 35 e   de 5 de julho de 2018, FlyLAL-Lithuanan Airlines, C-27/17[37],  nºs 54, 55 e 56, a determinação dos elementos de responsabilidade civil extracontratual, entre os quais  o facto gerador do prejuízo, está abrangido pelo direito nacional aplicável e « uma solução que consista em fazer depender a identificação do elemento de conexão de critérios de apreciação oriundos do direito material nacional seria contrária ao objetivo de segurança jurídica, uma vez que, em função do direito aplicável, a atuação de uma pessoa que teve lugar num Estado-membro diferente do Estado-Membro do tribunal chamado a decidir poderia ser qualificada ou não de evento causal para efeitos de atribuição de competência internacional».

Vale tudo isto por dizer que, para efeitos de identificação dos elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência internacional  nos termos do artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2021, relevam apenas os  factos alegados pelo demandante, que nem sequer  carecem de ser dados como provados.

Daí que,  contrariamente ao defendido pelas recorrentes, nenhum relevo se possa atribuir, para o efeito, à invocada  falta de prova do número, da identidade e da qualidade de consumidores por parte dos representados pela Deco, do dano por eles efetivamente sofrido e local onde cada um deles adquiriu o seu  veículo, tanto mais que, no caso dos autos, estamos perante uma ação proposta por uma “Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores”, a quem a lei nacional reconhece o direito de « Defender, promover e representar, por todos os meios legais e judiciais ao seu alcance, os interesses coletivos e individuais dos consumidores » [ cfr. artigo 3º, al. q) dos respetivos Estatutos] e, tal como salienta a Advogada-Geral Verica Trstenjak, nas suas conclusões apresentadas em 6 de dezembro de 2011, no processo C-472/10[38], nº 40,  as ações  de organizações que representam  os interesses dos consumidores  « não devem ser apreciadas qualitativamente  de um  modo diverso das ações de consumidores individuais» .

De resto sempre se dirá que a jurisprudência do TJUE não se mostra adversa às ações populares propostas em representação dos consumidores e sem identificação destes, conforme se vê do Acórdão Henkel, C-167/00[39].

E ainda que se possa questionar a legitimidade da Deco para instaurar a presente ação e/ou a legitimidade passiva das rés SEAT ES, SEAT PT e SIVA relativamente aos três primeiros pedidos formulados na petição inicial, estamos perante  questões  do foro do direito nacional  interno, a apreciar em sede própria.

Do mesmo modo  irreleva a questão de saber se veículos em causa se mantêm, ou não, em Portugal, tanto mais que, no caso dos autos, nem se mostra necessária a análise de cada veículo em concreto para avaliar o dano, uma vez que este, conforme peticionado pela demandante, deve  ser calculado em função de um montante « entre 5.100 USD e 10.000 USD, que a lª R. se comprometeu a pagar aos consumidores norte-americanos ou, em alternativa, se o tribunal assim o entender, a 15% do valor de compra do veículo ».

Irrelevante é  também a questão de saber qual o local, em Portugal,  em que cada dos consumidores  adquiriu o seu  veículo, pois mesmo admitindo, como parece resultar  da jurisprudência do TJUE, firmada no  Acórdão de 15 de julho de 2021, RH c. AB Volvo e o., C-30/20[40], que o artigo 7º, nº 2, do Regulamento  nº 1215/20 consagra, para além de uma regra de competência internacional, uma regra de competência  territorial e aplicando ao caso dos presentes  autos  a solução daquele processo, ou seja, de que aquele artigo « deve ser interpretado no sentido de que (…) é internacional e territorialmente competente para conhecer, a título do lugar da materialização do dano, de uma ação de indemnização do dano causado por esses acordos contrários ao artigo 101º TFUE, o tribunal em cuja área de jurisdição a empresa que se considera lesada adquiriu os bens afetados pelos referidos acordos ou, em caso de aquisições efetuadas por essa empresa em vários lugares, o tribunal em cuja área de jurisdição se encontra a sua sede social », não podemos deixar de considerar que o tribunal territorialmente competente sempre seria o tribunal em cuja área de jurisdição se encontra a  sede social da demandante, ou seja Lisboa.

É que se assim não fosse, no casos de ação popular ou coletiva proposta por associação de consumidores em representação destes, nunca se poderia identificar um único lugar de materialização do dano relativamente ao adquirente lesado.

E nem se diga, como o fazem as recorrentes, que o pedido de indemnização formulado pela demandante, por estar relacionado com a “responsabilidade pela prestação de informação nas condições exigidas pela Lei de Defesa do Consumidor, impõe a aplicação, ao caso dos autos, do artigo 8º, nº 1 do Regulamento nº 1215/2012, segundo o qual «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada:

1. Se houver vários requeridos, perante  o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente».  

É que se é certo que o pedido de indemnização formulado pela demandante, para além de ter como fundamento, a depreciação do valor dos veículos resultante da instalação pela Volkswagen AG  do programa informático  que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, assenta também na prestação de informações falsas, que levou os consumidores a optarem pela aquisição de tais veículos em detrimento de veículos de outras marcas, que poderiam ter adquirido por um preço inferior, destorcendo, deste modo,  a leal concorrência, certo é também dito,  que tal como já se deixou dito, à luz da jurisprudência firmada nos Acórdãos  do TJUE de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation, C‑191/15, nº. 42 e de 9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteninformation c. Volskwagen AG, C-343/19, nº 39,  esta atuação, na medida em que é suscetível de afetar  os interesses coletivos dos consumidores enquanto grupo, constitui  um ato de concorrência desleal que pode afetar esses interesses em qualquer Estado-Membro em cujo território o produto defeituoso seja comprado pelos consumidores, estando, por isso, abrangido pela previsão  do artigo 6º, nº1,do Regulamento Roma II,  que  interpretado de acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão de 29 de Julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18, nº 35, considera que o  lugar onde ocorreu o dano é o lugar onde o produto é comprado, pelo que, nesta perspetiva, os Tribunais Portugueses seriam também internacionalmente competentes para decidir do presente litígio.  

E, em nosso entender, essa competência  não é afastada pela regra contida no artigo 18º, nº 1, do Regulamento nº 1215/2012, que, contrariamente ao defendido  pelas recorrentes, não tem aplicação à situação em apreço, quer  porque estamos no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, quer porque a demandante não pode ser considerada  consumidora, conforme já se pronunciou o TJUE no já citado  Acórdão  Henkel,  C-167/00.

Mas, independentemente de tudo isto, a verdade é que, no caso dos autos, basta atentar nos factos alegados pela autora como fundamento dos pedidos por ela formulados na presente ação e supra mencionados no ponto 3.2.1. para facilmente se constatar  que estamos perante um caso análogo àquele que esteve na origem  do Acórdão de  Verein für Konsumenteninformation, contra Volkswgen AG, C‑343/19 e cuja solução não pode deixar de ser aplicada à presente situação.

Com efeito, tratam-se também de pedidos  que segundo a mesma alega dizem respeito  à atuação ilícita imputada à Volkswagen AG,  ocorrida  na sede desta sociedade, na Alemanha, e que consistiu na produção e instalação no ECM ( eletronic Control Module) dos veículos automóveis que foram  adquiridos pelos consumidores, em Portugal, de um sofware que deteta quando os mesmos estão a ser objeto de ensaio para verificação do cumprimento da legislação relativa às emissões poluentes, permitindo  revelar, nos ensaios,  emissões  poluentes que respeitam os limites fixados, mas que, nas situações  de circulação normal em estrada, o valor das emissões de gases NOx ( oxido de azoto) aumenta para valores acima dos valores máximos permitidos.

Do mesmo modo, estamos perante  um dano de natureza material, que se traduz numa perda de valor de cada veículo em causa, resultante da diferença entre o preço que o adquirente pagou por esse veículo  e o seu valor real em razão da instalação  do programa informático  que manipula os dados relativos às emissões dos gases de escape, pelo que não só são lesados diretos todos os  compradores destes veículos, como também o dano por eles sofrido é inicial, na medida em que apenas se materializou no momento da compra  desse veículo a um terceiro por um preço superior ao seu valor real.

E nem se diga,  como o fazem as recorrentes, não resultar das  circunstâncias concretas do caso sub judice, serem os tribunais do lugar da compra dos veículos em causa, os  mais bem posicionados  para satisfazer, quer o objetivo  de previsibilidade das regras de competência a que alude o considerando 15 do Regulamento, quer os objetivos de proximidade  com o litígio e de facilidade  na recolha  e produção de provas, referidos  no considerando 16  do mesmo regulamento, pois não só  um fabricante de veículos como a Volkswagen está em condições  de, facilmente, prever que tais veículos serão comercializados em Portugal, como também deve esperar que o dano se produza no lugar onde o veículo  foi adquirido por uma pessoa que podia legitimamente considerar  que esse veículo estaria em conformidade com as prescrições legais e que, depois, verifica  que isso não acontece  e que dispõe de um bem viciado  e de menor valor.   

Vale tudo isto por dizer, conforme tem sido reiteradamente declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia na sua jurisprudência relativa ao artigo 7º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012 que, referindo-se o conceito de « lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso »  simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal  que está na origem  deste dano e tendo, no caso em apreço, a demandante feito a escolha pelo tribunal do primeiro lugar, ou seja, pelo tribunal onde os veículos em causa foram alegadamente comprados, evidente se torna que ao considerar que os Tribunais Portugueses são  internacionalmente competentes para conhecer  do presente litígio, o acórdão recorrido não violou o princípio da interpretação conforme do direito  da União Europeia.

Daí  ter-se por certo, ante a jurisprudência firmada pelo TJUE, que não só não existe, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de proceder à  formulação de novo reenvio tendo por objeto a interpretação do artigo 7º, nº 2 do Regulamento 1215/2012, como se impõe concluir, à luz deste mesmo artigo, pela competência internacional dos Tribunais Portugueses.


Termos em que improcedem todas as razões invocadas pelas recorrentes.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar improcedente a revista  e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista a  cargo das recorrentes.

Notifique.


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Supremo Tribunal de Justiça, 14 de outubro de 2021

Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Neste sentido, cfr. pontos 5 e 6 das Recomendações 2018/C 257/01, in: Jornal Oficial da União Europeia C 257, de 20.07.2018, pp. 1 e s. (texto disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.2018.257.01.0001.01.POR&toc=OJ:C:2018:257:TOC
[3] Acessível in www.dgsi/stj.pt.
[4] Acórdão do TJUE de 6.10.1982 (C-283/81) (texto integral em inglês disponível em http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=91672&pageIndex=0&doclang=EN&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4349686).[5] A excepção é conhecida como “doutrina do acto claro”. Esta deve ser utilizada com razoabilidade e prudência, havendo critérios a observar para que o tribunal fique dispensado do dever de reenvio com base neste fundamento. Cfr., neste sentido, Alessandra Silveira / Sophie Perez Fernandes, “Anotação aos acórdãos (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal e (TJUE) Ferreira da Silva e Brito (ou do “grito do Ipiranga” dos lesados por violação do direito da União Europeia no exercício da função jurisdicional), in: Julgar Online, Outubro de 2015, p. 3.
[6] Cfr. Acórdãos do TJUE de 18.10.2011 (C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09) (texto integral em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=111403&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4817820), de 9.09.2015 (C‑160/14) (texto integral disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=167205&mode=req&pageIndex=7&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1), de 1.10.2015 (C‑452/14) (texto integral disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=168949&mode=req&pageIndex=6&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1), de 28.07.2016 (C‑379/15) (texto integral disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=182297&mode=req&pageIndex=5&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1), de 4.10.2018 (C‑416/17) (texto integral disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=206426&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1) e de 30.01.2019 (C‑587/17 P) (texto integral disponível -http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=210303&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1).
[7] Neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, 1997, Lex, pág. 92
[8] Entrado em vigor em10.01.2015, nos termos do disposto no seu art. 81º.
[9] Cfr. Fausto de Quadros, in “Direito da União Europeia”, Almedina, 2008, pág. 481.  
[10] Acessível in EU:C:2018:360.
[11] Acessível in EU:C:2019:635
[12] Acessível in EU:C:2014: 1318.
[13] Acessível in EU:C:2015:574
[14] Acessível in EU:C:2015:335.
[15] Acessível in EU:C:2015:574.
[16] Acessível in EU:C:1976:166.
[17] Acessível in EU:C:2009:475.
[18]Acessível in  EU:C:2014:1318.
[19] Acessível in EU:C:2015:574.
[20] Acessível in EU:C:2019:635.
[21] Conclusões apresentadas  em 2 de abril de 2020, no processo C-343/19, acessíveis in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62019CC0343qid=1630541827666print=true.
[22] Acessível in EU:C:1995:289.
[23] Acessível in EU:C:2019:635.
[24]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=228372&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8724670
[25] Acessível in EU:C:1990:8
[26] Acessível in EU:C:2015:802.
[27]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=72472&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8725317, em cujo  nº 27 se afirma que «  o lugar onde ocorreu o dano não pode confundir‑se com aquele onde se verificou o facto que danificou o próprio produto, sendo esse lugar, com efeito, aquele onde ocorreu o evento causal. Em contrapartida, o lugar da «materialização do dano» (v. acórdãos, já referidos, Mines de potasse d’Alsace, n.° 15, e Shevill e o., n.° 21) é o lugar onde o facto gerador produz os seus efeitos danosos, isto é, o lugar onde o dano provocado pelo produto defeituoso se manifesta concretamente».
[28]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=164350&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8727498, em cujo  nº 52 se afirma que « Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o lugar da materialização do dano é aquele onde o alegado dano se manifesta concretamente (v. acórdão Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 27) (…) ».
[29]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=49282&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8726770.
[30]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=161845&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8726974, em que estava em causa a responsabilidade  de um  banco emitente de certificados de investimento  financeiro decorrente da gestão dos fundos nos quais foi investido o dinheiro realizado com a emissão de certificados que impediu, a termo, uma evolução positiva do seu valor, tendo o TJUE  considerado que, nas circunstâncias concretas do caso, os órgãos jurisdicionais do domicílio do demandante eram  competentes uma vez que o dano alegado ( desvalorização dos certificados) produziu-se diretamente   numa conta bancária do  demandante, num banco estabelecido na área de competência territorial desses órgãos jurisdicionais ( cfr. nºs 51 a 57).
[31]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=180329&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8727765,  em que o facto danoso  consistia na negligência do advogado  que tinha redigido  um contrato vinculativo  para o seu cliente, que foi negociado e assinado na República Checa  e em que o prejuízo  para a Universal Music, resultante da diferença entre o preço de venda  previsto e o referido nesse contrato foi determinado  na data  da transação que as partes acordaram  na comissão de arbitragem, na República Checa, lugar  em que  o preço efetivo  foi determinado e, por conseguinte, a obrigação de pagamento onerou o património da Universal Music, o TJUE declarou que  a mera circunstância de, em execução da referida transação , a Universal Music ter pagado o montante  da transação  por transferência a partir de uma conta bancária de que era titular  nos países Baixos  não pode, por si só, ser qualificado de  « elemento de conexão»  pertinente para efeitos de determinação do » lugar onde ocorreu o facto danoso» ( cfr. nºs 30, 31, 32 e 38 a 40).  [32]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=205609&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8727208, em que  um investidor intenta uma ação de indemnização por responsabilidade extracontratual contra um banco que emitiu um certificado em que aquele investiu, devido ao prospeto relativo a esse certificado, tendo o TJU afirmado que os tribunais do domicílio do referido investidor, enquanto tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso na aceção da referida disposição, eram os  competentes para conhecer dessa ação, porquanto o dano alegado consistiu num prejuízo financeiro que se produziu diretamente numa conta bancária desse investidor num banco estabelecido na área de competência territorial desses tribunais e as outras circunstâncias concretas dessa situação concorriam também para a atribuição de competência aos referidos tribunais ( cfr. nºs 31 e 36).
[33]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=228372&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8724670.
[34] Acessível in EU:C:2016:612
[35] Acessível in EU:C:2012:664.
[36] Acessível in EU:C:2013:305.
[37]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203610&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6819935
[38] Acessíveis in EU:C:2011:806.
[39]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=47727&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8732955.
[40]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=244190&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=7099588.