Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | EXCEÇÃO DE CASO JULGADO OFENSA DO CASO JULGADO ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA DUPLA CONFORME REVISTA EXCECIONAL RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | I – Não havendo a insolvente/recorrente estruturado a sua petição na presente acção de forma a invocar, através da alegação factual correspondente, a manifesta desproporção entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e pelo adquirente dos bens, com vista à aplicação do regime previsto no artigo 163º do CIRE, a procedência da excepção dilatória de caso julgado, nos moldes que o fez o acórdão recorrido, não se encontra em contradição com o âmbito e alcance do acórdão do Tribunal da Relação do Porto 11 de Abril de 2019, proferido no apenso B (apreensão de bens), que analisou e julgou todos os pedidos de nulidade dos actos de adjudição e venda realizados pelo administrador da insolvente improcedentes, embora tivesse lateralmente salvaguardado a hipótese teórica e abstracta de instauração de uma nova acção fundada na situação excepcional prevista naquele normativo. II – Com efeito, uma coisa é o citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, em termos argumentativos e não essenciais para a decisão que aí foi tomada, referir que os factos invocados pela recorrente apenas serão impugnáveis nos termos da parte final do artigo 163º do CIRE, donde decorre que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE só prejudicará a eficácia dos actos do administrador da insolvência se as obrigações assumidas excederem manifestamente as da contraparte (o adquirente); outra, completamente diferente, é procurar retirar dessa simples indicação, perfeitamente dispensável na lógica do conhecimento do objecto do recurso de apelação, a futura vinculação ao conhecimento (e quiçá à procedência) de uma qualquer acção instaurada autonomamente, pretensamente à luz do artigo 163º do CIRE, mas em que nada é verdadeiramente referido, no plano da imprescindível alegação factual, a propósito do manifesto excesso e evidente desequilíbrio das obrigações assumidas pelo administrador da insolvência relativamente às do adquirente dos bens, sob pena de ofensa ao caso julgado. III - Logo, inexiste a (invocada) ofensa de caso julgado em que a recorrente possa realmente estribar a interposição do presente recurso de revista à luz do que se dispõe no artigo 629º, nº 1, alínea a), in fine, do Código de Processo Civil. IV – Havendo sido decidido no acórdão recorrido confirmar a procedência da excepção dilatória de caso julgado decidida em 1ª instância e consequente absolvição da instância dos RR., tal a decisão não se enquadra no âmbito da alínea a), in fine, do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, por não assentar, ela própria, na invocada violação de caso julgado que tivesse ocorrido. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 602/15.05T8VNG-L.P1.S3 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).
I - RELATÓRIO. Por apenso ao processo no qual foi declarada insolvente, a Quinta de Óbidos – Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A., instaurou a presente ação com processo comum de declaração para declaração de nulidade da adjudicação e venda dos bens da insolvente contra a Massa Insolvente da devedora Quinta de Óbidos – Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A., representada pelo Administrador da Insolvência nomeado, o Administrador da Insolvência AA, Abanca – Corporation Bancaria, S.A., credora hipotecária, e Banco BIC Português, S.A., credora hipotecária. Essencialmente alegou: A venda é nula porque a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATT) é credora hipotecária reconhecida nos autos, sendo que o Administrador da InsolvenciaI procedeu à adjudicação e venda dos bens da massa insolvente, através da celebração de escrituras públicas realizadas com os credores Abanca e Banco BIC, não constando dos autos que a ATT, como credora hipotecária, tenha sido notificada para se pronunciar, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 165º do CIRE. Entre o anúncio e a venda apenas decorreram 14 dias. Impõe o nº 4 do artigo 161º do CIRE que “…a intenção de efetuar alienações que constituam atos de especial relevo por negociação particular, bem como a identidade do adquirente e todas as demais condições do negócio deverão ser comunicadas, não só à comissão de credores, se existir, como ao devedor, com a antecedência mínima de 15 dias relativamente à data da transacção”. Assim, não só o Administrador da Insolvência violou o prazo de (antecedência) 15 dias previsto no citado artigo 161º, como ainda não aguardou pela decisão do Tribunal quanto ao pedido formulado pela devedora, constituindo violação daquele preceito, o que se requer seja reconhecido e declarado, com as legais consequências. A autora deduziu três incidentes de destituição do AI, sendo que em nenhum desses incidentes existe decisão transitada em julgado. A matéria que fundamenta o pedido de destituição em cada um deles, com justa causa, é grave, e terá influência direta na marcha processual da insolvência, no caso, muito provável, de ser decidida a destituição do Administrador da Insolvência por falta de idoneidade para exercer o cargo. Assim, entende a autora que a adjudicação e venda dos bens da massa insolvente não podem prosseguir, nem ser homologadas por este Tribunal, apesar dos nulos atos praticados e comunicados pelo Administrador da Insolvência, uma vez que inexiste decisão transitada em julgado em qualquer daqueles incidentes, o que se requer. Em qualquer caso, a adjudicação e venda aos credores hipotecários, ou outros, enquanto não existir decisão transitada em julgado naqueles incidentes, não pode realizar-se, uma vez que os atos praticados pelo Administrador da Insolvência prejudicam a universalidade dos credores. Por último, a adjudicação e venda dos valiosos bens existentes que compõem a massa insolvente trata-se de um acto de especial relevo para o processo, praticado pelo administrador da insolvência, o qual é realizado sem a precedência do necessário consentimento de todos os credores hipotecários, da comissão de credores e da assembleia de credores. Neste momento, é do conhecimento deste Tribunal que a credora S..., SA. é contra os termos da venda como propostos pelo Administrador da Insolvência, posição que veio a ser secundada pelo representante dos Trabalhadores na Comissão de Credores, e, qualquer um dos votos, expresso dentro do prazo legal de 15 dias (contra a venda e, inclusivamente, a favor da destituição do AI). Perante a posição dos referidos credores, inexiste maioria que permitisse a adjudicação e venda nos termos comunicados. Assim, é manifesto que a liquidação promovida pelo AI com todos os vícios descritos nos três incidentes de destituição apresentados, aliado à falta de pronúncia do Ministério Público e à votação contra de dois membros da comissão de credores, retira toda a eficácia aos atos praticados pelo Administrador da Insolvência em conjugação de interesses com os credores hipotecários. Conclui pedindo que: 1. Que seja reconhecida e declarada a nulidade dos actos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador de Insolvência e os credores hipotecários Abanca – Corporation Bancaria, S.A., e Banco BIC Português, S.A. 2. Que seja reconhecida e declarada a atividade do Administrador da Insolvência como extemporânea e desprovida de eficácia, enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa. 3. Que se mandem citar os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados. 4. Que se notifique o Ministério Público do ora peticionado. 5. Que se mande extrair certidão da sentença a proferir nos presentes autos, para ser enviada à CAAJ – Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça. A credora hipotecária Abanca – Corporation Bancaria, S.A., contestou, invocando a ineptidão da petição inicial, a verificação das excepões de litispendência e caso julgado, e impugnou os fundamentos apresentados como causas da nulidade da adjudicação e venda. Alegou, em particular, que sobre o requerimento que a ora autora apresentou no apenso B, em 25 de Agosto de 2018, foi proferido a seguinte decisão: «Ante todo o exposto, afigura-se-nos, pois, manifesto que os pedidos de nulidade dos atos de adjudicação e venda promovidos entre o Sr. Administrador da Insolvência e os credores devem improceder na íntegra. Por outro lado, não existe qualquer fundamento para que sejam declarados como extemporâneos todos os atos praticados pelo administrador da insolvência com vista à adjudicação e venda. Carece totalmente de sentido o pedido de notificação do administrador da insolvência para se abster de praticar qualquer ato atinente à venda, enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa, uma vez que, em primeiro lugar, a venda já se encontra efetivada. Acresce que a falta de trânsito em julgado nos incidentes de destituição não tem qualquer efeito suspensivo da venda. Inexiste, igualmente, qualquer fundamento legal para que sejam citados os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados. Por último, não se vislumbra qualquer razão para se determinar a notificação do representante do Ministério Público do pedido formulado pela insolvente e de extração de certidão da sentença a proferir nos presentes autos para a CAAJ. Pelo exposto, indefere-se na íntegra o requerido pela S..., SA e pela insolvente». Conclui a contestante que, analisado o recurso apresentado pela autora, forçoso será concluir que dois dos pedidos ora formulados (ii) o reconhecimento da ineficácia dos atos praticados pelo administrador da insolvência enquanto não houver decisão transitada em julgado dos incidentes de justa causa pendentes e (iii) a condenação do Banco BIC e da ora contestante na abstenção em proceder à alienação de bens, tendo já sido apreciados e rejeitados pelo julgador, e não tendo sido alvo de recurso por banda da ora autora, estão definitivamente julgados, nos termos do artigo 580º, nº 1, do C.P.C. Conclui, em suma, pela improcedência da ação. O Banco BIC apresentou contestação em que invocou a excepção dilatória de litispendência, ilegitimidade por parte do A., e impugnou os fundamentos da pedida nulidade da adjudicação e venda. O Administrador da Insolvência, AA, contestou invocando a falta de capacidade judiciária da A.; a excepção dilatória de litispendência e impugnou o fundamento da nulidade da adjudicação e venda. A autora requereu a intervenção principal provocada da Autoridade Tributária e Aduaneira para que fosse admitida a intervir a título principal, associada a si, prosseguindo os autos os ulteriores termos até final. Foi proferida decisão a não admitir, por falta de verificação dos respetivos pressupostos, o incidente de intervenção; e a julgar verificada a exceção dilatória do caso julgado, absolvendo-se os réus da instância, com a seguinte fundamentação: “Conforme resulta evidente da petição inicial a autora intentou, por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada a sua insolvência, a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum pedindo que seja reconhecida e declarada a nulidade dos actos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador de insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca, SA e Banco BIC Português, SA; Seja reconhecida e declarada a actividade do administrador de insolvência como extemporânea e desprovida de eficácia, enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa; Se digne mandar citar os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados; Se digne mandar notificar o Digníssimo representante do Ministério Público junto deste Tribunal do ora peticionado; Se digne mandar extrair certidão da Sentença a proferir nos presentes autos, para ser enviada à CAAJ – Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça. Os fundamentos invocados pela autora para sustentar os pedidos que deduziu são os seguintes: a) A venda é nula porque a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATT) é credora hipotecária reconhecida nos autos, sendo que o AI procedeu à adjudicação e venda dos bens da massa insolvente através da celebração de escrituras públicas realizadas com os credores Abanca e Banco BIC, não constando dos autos que a ATT, como credor hipotecário, tenha sido notificada para se pronunciar, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 165.º do CIRE. b) O AI violou o prazo de (antecedência) 15 dias previsto no artigo 161.º do C.I.R.E., e não aguardou pela decisão do Tribunal quanto ao pedido formulado pela devedora, constituindo violação daquele preceito, o que se requer seja reconhecido e declarado, com as legais consequências. c) A adjudicação e venda dos bens da massa insolvente não pode prosseguir nem ser homologada por este Tribunal, apesar dos nulos actos praticados e comunicados pelo AI, uma vez que inexiste decisão transitada em julgado em qualquer um dos incidentes de destituição do Administrador da insolvência que deduziu. Em qualquer caso, a adjudicação e venda aos credores hipotecários, ou outros, enquanto não existir decisão transitada em julgado naqueles incidentes, não pode realizar-se, uma vez que os actos praticados pelo AI prejudicam a universalidade dos credores. d) Alegou, por último, que o acto de adjudicação e venda dos valiosos bens existentes que compõem a massa insolvente trata-se de um acto de especial relevo para o processo, praticado pelo administrador da insolvência, o qual é realizado sem a precedência do necessário consentimento de todos os credores hipotecários, da comissão de credores e da assembleia de credores. Neste momento, é do conhecimento deste Tribunal que a credora S..., SA, é contra os termos da venda como propostos pelo AI, posição que veio a ser secundada pelo representante dos Trabalhadores na Comissão de Credores, e, qualquer um dos votos, expresso dentro do prazo legal de 15 dias (contra a venda e, inclusivamente, a favor da destituição do AI). Perante a posição dos referidos credores, inexiste maioria que permitisse a adjudicação e venda nos termos comunicados. Assim, é manifesto que a liquidação promovida pelo AI com todos os vícios descritos nos três incidentes de destituição apresentados, aliado à falta de pronúncia do Ministério Público e à votação contra de dois membros da comissão de credores, retira toda a eficácia aos actos praticados pelo AI e conjugação de interesses com os credores hipotecários. Os quatro fundamentos invocados pela autora na presente ação já foram invocados pela autora no incidente de nulidade da venda que deduziu no apenso B) a fls. 1893 desses autos e neles foram apreciados. Com efeito, analisada a decisão proferida a fls. 2004 e seguintes do apenso B) constatamos que todos os fundamentos invocados na presente ação pela autora para fundamentar o seu pedido de nulidade da venda foram já alegados nesse apenso e, nele, apreciados. Estatui o art. 577.º, n.º 1, al. i) do Cód. de Processo Civil (será deste diploma as demais normas citadas sem menção de proveniência) que "são dilatórias, entre outras, as excepções seguintes (...) a litispendência ou o caso julgado". Por seu turno, o art. 580.º, n.º 1, do Cód. de Processo Civil preceitua que "as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. Por sua vez preceitua o art. 581.º que: “1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.” O caso julgado material é o que incide directamente sobre a relação jurídica (material) objecto do processo, pelo que, como dispõe o n.º 1 do artigo 619º, a sua eficácia, ou seja, a eficácia da decisão que recaia sobre tal relação, “fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581.º” (desde que haja trânsito em julgado, bem entendido). Incide, pois, sobre a decisão de mérito, decisão essa que, uma vez transitada em julgado, é vinculativa fora do processo em que foi emitida, não podendo nenhum juiz afastar-se dela ou sequer conhecê-la novamente. Como afirma Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, 2º v., pág. 771, “a decisão tem-se por certa e indiscutível – res judicata pro veritate accipitur”. No caso em apreço há, sem margem para dúvida, identidade de sujeitos. Na verdade a, aqui, autora foi a requerente no incidente de nulidade da venda invocado no apenso B). Através da presente acção a autora pede que seja reconhecida e declarada a nulidade dos atos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca, SA e Banco BIC Português, SA No referido incidente a, aqui, autora peticionou o mesmo. Assim sendo, é inquestionável que o efeito jurídico que a autora pretende obter através dos pedidos que deduziu nesse incidente é o mesmo que o efeito jurídico que pretendeu obter através da presente acção. Por último, analisada a petição inicial apresentada nestes autos e o requerimento que deu origem ao incidente de nulidade suscitado no apenso B) é indubitável que há identidade de causa de pedir já que a pretensão que a autora deduz procede dos mesmos factos jurídicos. O incidente de nulidade da venda e os fundamentos invocados pela, aqui, autora foram já definitivamente apreciados nesse incidente, sendo que a decisão proferida nesse incidente já transitou em julgado. De todo o exposto resulta claro que, julgando-se verificada uma excepção de caso julgado, nos termos do art. 493.º, n.º 2, devem os réus ser absolvidos da instância. Por último, gostaria este tribunal de salientar o seguinte. Tal como fizemos constar do despacho proferido a fls. 2004 este tribunal entende que a eventual preterição de formalidades legais na venda efetuada pelo administrador da insolvência não constitui fundamento de declaração de ineficácia do ato de alineação de bens, nem de nulidade da venda, só podendo ser declarada nos termos do artigo 163.º do C.I.R.E. se, em ação declarativa, a instaurar for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161.º e 162.º do C.I.R.E. conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem. Ora, analisada a petição inicial apresentada pela autora na presente ação em momento algum a autora invoca que a violação dos artigos 161.º e 162.º do C.I.R.E. conduziu a manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem. Na verdade, em momento algum dessa peça processual a autora alega que as alegadas preterições afectaram quantitativa ou qualitativamente a massa insolvente. A autora não invocou qualquer prejuízo concreto e efectivo para a massa decorrente dos alegadas omissões que imputa ao Sr. administrador da insolvência. Assim, ainda que a exceção de caso julgado não viesse a ser julgada procedente, sempre teríamos de concluir que a petição inicial e inepta por falta de causa de pedir” Apresentado recurso de apelação, o mesmo veio a ser julgado improcedente pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15 de Junho de 2020. Interpôs Quinta de Óbidos – Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A., recurso de revista com as seguintes conclusões: 1 - Nos autos falimentares procede-se à liquidação de activos da insolvente, avaliados em vários milhões de euros; decorreram várias diligências para liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente; e, nesse contexto o presente recurso é interposto após ter sido proferido acórdão que, contra acórdão do Colendo TRP, julgou verificado o fundamento de excepção de caso julgado. 2 - A Recorrente considera que o Tribunal violou o disposto nos artigos 577.º, n.º 1, alínea i), 580.º, n.º 1, 619.º, n.º 1, 493.º, n.º 2, todos do CPC, bem como 3.º, 4.º 5.º, 6.º, 7.º, 411.º, 417.º e 547.º do CPC. ProferidosSentençaeAcórdão,eivadosdosvícioselencados,foiinterposto recurso após foi proferida, nos termos conjugados dos artigos 644.º, n.º 1, alínea a), 638.º, n.º 7, 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 3, alínea d); e ainda 651.º, n.º 1, todos do CPC; por se ter considerado que essa decisão é nula e viola, entre outros, o disposto nos artigos 577.º, n.º 1, alínea i), 580.º, n.º 1, 619.º, n.º 1, 493.º, n.º 2, todos do CPC, bem como 3.º, 4.º 5.º, 6.º, 7.º, 411.º, 417.º e 547.º do CPC. Mais se considera violado o disposto nos artigos 163.º, 1 e artigos 161º e 162º do CIRE, bem como artigo 20.º, n.º 2 do artigo 202.º e 205.º, n.º 1, da CRP. 3 - As decisões proferidas pelos tribunais da relação, em segundo grau de jurisdição não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, quando confirme, sem voto de vencido, a decisão da primeira instância – vide artigo 671.º, 1, CPC. 4 - Apenas consentem recurso, nos termos do nº 1 do artº 672.º do CPC, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal da Relação pode haver,atítuloexcecional,recursoderevistaparao SupremoTribunalde Justiça“quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. 5 - Como se refere na exposição de motivos do CPC “procedeu-se a um ajustamento das condições em que se dá como verificada a “dupla conforme” em termos de impedir o recurso de revista, já que, diferentemente do regime ora vigente, é exigido que o acórdão da Relação confirme a decisão proferida na 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente”. 6 - Não se pretendeu generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de da causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios. 7 - Ao Supremo Tribunal de Justiça caberá dosear a sua intervenção, de forma a permitir que esta via funcione como válvula de segurança do sistema. 8 - Nos termos da jurisprudência, verifica-se hipótese normativa, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica e social – de direito substantivo ou adjetivo – de especial relevância e complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou mesmo da doutrina. 9 - E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indicadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade. 10 - A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça é reclamada para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação. 11 - Note-se que a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito tem o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, a finalidade primária da admissão do recurso ao abrigo desta cláusula não é mera correção de erros judiciários. 12 -Nestes termos, a relevância jurídica fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídicas indispensáveis à resolução das questões suscitadas. 13 - E tal relevância jurídica não pode ser meramente teórica, medida pelo exercício intelectual que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática, com interesse e utilidade objetiva. 14 - Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário. 15 - Por outro lado, admissão da revista pela clara necessidade de uma melhor aplicação do direito terá lugar quando, perante as características do caso concreto, se revele a possibilidade de esse caso ser visto como um casa-tipo, contendo uma questão bem caracterizada passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão pelas instâncias se mostre juridicamente insustentável ou suscite fundadas dúvidas,nomeadamente por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do STJ na qualidade de órgão de regulação do sistema. 16 - Parece-nos que, de acordo com o disposto no artigo 672, números 1, 2 e 3 do CPC, o presente recurso de revista deve ser admitido, pois estão em causa questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, além de que a admissão do presente recurso se nos afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 17 - De facto, compulsando os autos, podemos constatar que este processo teve duas decisões opostas entre si, ao nível do TRP, e adotou posições claramente contrárias à jurisprudência dominante no STJ para os casos de convite ao aperfeiçoamento de petitório e ofensa de caso julgado. 18 - Ora, ressalta aqui, desde logo e atenta a contraditoriedade de algumas destas decisões entre si, que a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 19 - Por outro lado, estão em causa neste recurso, questões jurídicas relevantes e que se revestem de importância fundamental, desde logo as seguintes: ofensa de caso julgado material; ofensa de caso julgado entre decisões tomadas após alegação de nulidade de acto e interposiçãode acção judicialcomvistaàanulaçãode acto; e,porúltimo,omissão de convite ao aperfeiçoamento de articulado, quando incumbe ao tribunal desenvolver a atividade que se prende com a boa gestão processual e quando existe necessidade de alegar actuação perniciosa e prejudicial de administrador de insolvência. 20 - Além disso, trata-se de uma questão que, pela potencialidade de repetição justifica a admissão de recurso excepcional. 21 - O presente recurso resulta de acórdão do tribunal a quo, promanado nos seguintes termos: No aresto em apreço afirma-se: (...) 22 – A recorrente considera que se impões decisão diversa da proferida, pela ordem de razões que o TRP havia considerado, antecedentemente, nestes termos: “Na petição inicial com que se deu início a essa ação são formulados os seguintes pedidos: i) seja reconhecido e declarada a nulidade dos atos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca, S.A. e Banco BIC Português, S.A.; ii) seja reconhecida e declarada a actividade do administrador da insolvência como extemporânea e desprovida de eficácia, enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa; iii) se digne mandar citar os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados; iv) se digne mandar notificar o Digníssimo representante do Ministério Público junto deste Tribunal do ora peticionado; v)se digne mandarextraircertidão dasentençaa proferirnestesautospara ser enviada à Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça; vi) para tanto, requer-se a citação do administrador da insolvência, na qualidade de representante da massa insolvente e citação edital de todos os credores da insolvente, aqui autora, reconhecidos nos autos ou não, para contestarem, querendo, no prazo e sob a cominação legais.” 23 - A Recorrente veio a actuar em conformidade, impetrando acção judicial declarativa, sujeita ao legal (e imperativo) regime de prova. 24 - Os presentes autos são, assim, o local próprio para aferir dos actos praticados pelo administrador de insolvência e saber se conduziram a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo mesmo e as dos adquirentes dos bens. 25 - Os presentes autos têm ainda uma utilidade que não foi analisada pelo tribunal a quo e que a decisão do aresto em apreço manteve, qual seja a de aferir se os actos praticados pelo senhor AI, mesmo que (eventualmente) não conducentes à declaração de nulidade dos actos praticados, são idóneos a verificar-se a responsabilidade civil do mesmo, de harmonia com o previsto no artigo 59.º do CIRE, e, assim, responder pelos danos causados à devedora e aos credores. 26 - De resto, havia sido o Colendo TRP a assegurar ser esta a via. 27 - Quando a recorrente arguiu a nulidade, antes de promanado o acórdão de 11 de Abril de 2019, os factos alegados não foram submetidos ao regime de prova, sendo que tal é apenas possível no âmbito da acção judicial enxertada após. 28 - O tribunal a quo também considerou que “…em momento algum a autora invoca que a violação dos artigos 161.º e 162.º do C.I.R.E. conduziu a manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem…” e que “…em momento algum dessa peça processual a autora alega que as alegadas preterições afectaram quantitativa ou qualitativamente amassa insolvente. A autora não não invocou qualquer prejuízo concretoe efectivopara a massa decorrente das alegadas omissões que imputa ao Sr. administrador da insolvência”, concluindo que, “…ainda que a exceção de caso julgado não viesse a ser julgada procedente, sempre teríamos de concluir que a petição inicial e inepta por falta de causa de pedir.”. 29 - Veio o Colendo TRP a considerar existir excepção de caso julgado. 30 - Salvo melhor opinião, assim não se pode considerar. 31 - A Recorrente arguiu nulidade de decisão, em requerimento autónomo, com base nos seguintes fundamentos: vii) – Nulidade da adjudicação e venda por falta de notificação de todos os credores hipotecários; viii) – Nulidade da adjudicação e venda por falta de cumprimento do previsto nos artigos 816, 817 e 837.º do CPC; ix) – Nulidade da adjudicação e venda por falta de cumprimento do prazo previsto no n.º 4 do artigo 161.º do CIRE; x) – Nulidade da adjudicação por vício na publicitação de venda por leilão público; xi) – Destituição do AI com justa causa / da ausência de decisão transitada em julgado; xii) – Nulidade da vendapor actuação ilegal do AI / ainda dafaltade legitimidade para praticar actos de especial relevância. 32 - Nos presentes autos, é esta a causa de pedir: v) – NULIDADE DA ADJUDICAÇÃO E VENDA POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO DE TODOS OS CREDORES HIPOTECÁRIOS; vi) – NULIDADE DA ADJUDICAÇÃO E VENDA POR FALTA DE CUMPRIMENTO DO PRAZO PREVISTO NO N.º 4 DO ARTIGO 161.º DO CIRE; vii) – DESTITUIÇÃO DO AI COM JUSTA CAUSA / DA AUSÊNCIA DE DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO; viii) – NULIDADE DA VENDA POR ACTUAÇÃO ILEGAL DO AI / DA FALTA DE LEGITIMIDADE PARA PRATICAR ACTOS DE ESPECIAL RELEVÂNCIA; 33 - As causas de pedir na arguição de nulidade e acção têm diferenças, sendo idóneas para justificar os pedidos formulados, sendo a acção judicial impetrada a tramitação adequada imposta por lei. 34 - Não se pode ignorar assim que, verificando-se identidade de pedidos, esses não correspondem à mesma causa de pedir. 35 - As causas de pedir são manifestamente divergentes, nos seus termos e na sua amplitude. 36 - O tribunal a quo nunca correu o risco de apreciar as mesmas nulidades em duas alegações distintas, outrossim, devendo pronunciar-se sobre ambos, distintamente e paralelamente, dada inexistir coincidência nas causas de pedir. 37 - Relevante para asseverar da regularidade dos pedidos é verificar da causa que os determina, e isso, com o devido respeito, não se encontra fundamentado. 38 - É assim que se considera que o Tribunal ignorou a necessidade de convidar a parte a aperfeiçoar, suprindo vícios na PI, à luz do artigo 590.º, n.ºs 3 e 4 do CPC. 39 - Por via das mudanças operadas na última revisão da lei processual civil, a possibilidade de as partes poderem aperfeiçoar o petitório consagrou-se como um direito processual, não arbitrário, mormente ao nível da formulação concreta dos pedidos e melhor articulação da causa de pedir, devendo o tribunal convidar as partes ao aperfeiçoamento, o que não sucedeu. 40 – Ao contrário da solução radical pelo tribunal a quo,aqualobrigariaaimpetrar nova acção judicial – que não abona na pugnada celeridade processual – a Recorrente considera que, nesse caso, deveria ser notificada naqueles termos, prontificando-se desde já a fazê-lo, para que nenhuma duvida reste. 41 - Salvo melhor opinião, o douto Acórdão que manteve o teor da Sentença contraria várias disposições imperativas contidas na Constituição da República Portuguesa (doravante apenas CRP) pelo que expressamente se invoca essa desconformidade com a mesma, nos legais termos. 42 – A sentença não omitiu a notificação préviaàA,que resultaemacto inconstitucional,por violar o disposto no artigo 20.º da CRP, pois que, por força da violação do Principio do Direito ao Contraditório e do Principio da Gestão Processual e Incumprimento dos deveres do julgador, feriu o direito da ora Recorrente a que o processo seja objecto de uma decisão justa, equitativa, em prazo razoável e, ademais, mediante processo equitativo. 43 - A decisão surpresa notificada pelo Tribunal a quo, não promoveu a necessária equidade e contende com os legítimos interesses e expectativas de justiça da A., não respeitando nem estando de harmonia com a função jurisdicional que compete aos Tribunais, na prossecução da boa administração da justiça, colocando em crise o preceituado no n.º 2 do artigo 202.º, por acto praticado pelo Tribunal inibidor da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da ora Recorrente. 44 - Reza esse artigo assim: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” – vide n.º 2 do artigo 202.º da CRP. 45 - Tal princípio constitucional está ferido de ilegalidade porquanto, devendo promover-se a equidade e igualdade de tratamento entre as partes e sendo a Recorrente a parte com mais interesse no processo e no seu bom andamento, o julgador não fez funcionar o princípio que se encontra igualmente previsto no artigo 4.º do CPC. 46 - “O Tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais” – artigo 4.º CPC. 47 - A violação do Princípio do tratamento equitativo e igualitário no processo também se encontra ferido, porquanto a insolvente não foi ouvida antes (a fortiori) de julgados os pressupostos da pretendida extinção, outrossim apenas teve conhecimento do sentido da informação e decisão a posteriori. 48 - Ao abrigo do princípio de cooperação, do dever de prevenção e dever de boagestãoprocessual,eramister,justoeadequado,porviadatramitaçãoprocessualemdiferentes Tribunais (e da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto), mandar notificar previamente a A. para se pronunciar sobre a existência de fundamentos para decidir sobre a absolvição da instância. 49 - Até à decisão final sobre o processo de adjudicação e venda, transitada em julgado, nenhuma actividade o Tribunal a quo deveria promover. Tem sucedido precisamente o contrário. 50 - Não tendo o Tribunal a quo trilhado este caminho, previamente informando para auscultar a A. sobre a excepção que considerava aplicar-se, violou o artigo 4.º do CPC, bem assim o n.º 2 do artigo 202.º, da CRP, nulidade a ser declarada. 51 - Violado também o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP. A decisão em apreço não é de mero expediente. 52 - O Tribunal não fundamentou essa decisão, emitindo o necessário juízo crítico quanto ao sentido do acórdão transitado em julgado, o qual entendeu: VII- A preterição de formalidades legais na venda efectuada pelo administrador da insolvência não constitui fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens nem de nulidade da venda. VIII- A declaração da ineficácia do ato relativamente à massa insolvente, só pode ser declarada nos termos do artigo 163º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se, em ação declarativa, a instaurar for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do mesmo diploma legal, conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem. IX- Não obstante, isso não afasta a eventual responsabilidade do administrador da insolvência, que, por mor do disposto no artigo 59º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, poderá responder pelos danos causados à devedora e aos credores. 53 - A sentença absolveu, extemporaneamente, os RRda instância,não submetendo a causa de pedir alegada pela A. à apreciação do tribunal, o que não pode deixar de se considerar estranho. 54- O tribunal superior (TRP)entendeu que os vícios elencados pela A sópodiamserobjecto de apreciação em acção declarativa a instaurar para ver reconhecida a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE; o tribunal a quo ignora tal decisão e promove a absolvição dos RR, sustentada em mero despacho em que foram arguidas várias nulidades, sem a produção de qualquer prova. 55 - A Sentença promanada violou o artigo 210.º, n.ºs 3 e 4 da CRP, por via das normas contidas na LOSJ, uma vez que o Tribunal de primeira instância deve respeitar e mandar cumprir os Acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores, não podendo este ignorar a decisão anterior que foi tomada pelo Tribunal da Relação do Porto e que determinava o prosseguimento dos autos para aferir dos actos praticados pelo administrador de insolvência, desta feita respeitando todas as regras processuais. 56 - Sendo este fundamento suficiente para anular a Sentença proferida. 57 - A Sentença deve ser considerada resultado de acto jurídico desprovido de quaisquer efeitos, em face de quanto processado nos autos e apensos, nulidade essa que se verifica por contrariar decisão (prévia) de Acórdão proferido pelo Colendo TRP na data de 11/04/2019, bem como o disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LOSJ, como invocado. 58 - A Sentença deverá ser considerada nula, por violar direitos fundamentais da Recorrente – vide artigos 6.º, n.º 1 e 2 do CPC; artigo 3.º, n.º 3 do CPC; 7.º, n.º 1, do CPC; 4.º do CPC. 59 - A Sentença é igualmente inconstitucional, por não respeitar o disposto nos artigos 20.º, n.º 4; 202.º, n.º 2; 205.º, n.º 1, e 210.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República. 60 - A Sentença é nula por ofender o Princípio da Especialidade e da Competência dos Tribunais, de acordo com a organização judiciária e artigos 4.º, 29.º, 32.º, 39.º, 42.º e alínea a)do artigo 73.º,todosda Leide Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), e ainda os artigos 210.º e 211.º da CRP, devendo prosseguir os autos para produção de prova. 61 - A Relação do Porto deveria, assim, ter substituído a Sentença por Acórdão a reconhecer a nulidade, determinando o prosseguimento da acção. 62 - Existe uma evidente desarmonia entre a decisão anterior do TRP sobre a pretensão imprópria apresentada pela insolvente, em sede de arguição de nulidade e o Acórdão ora notificado que incidiu sobre a acção em apreço. 63 - O que não se concebe, por contraditório, é a determinação anterior do TRP que a acção em causa era o meio idóneo para o fim visado pela Recorrente, e, à posteriori, iniciada a instância, dar nota que existe repetição da causa. 64 - Nestes autos e na aludida arguição de nulidade, inexiste julgamento da causa. 65 - Relembre-se, aos pedidos idênticos não correspondeu causa de pedir gémea, não se verificando repetição da causa, pois que: (iv) Não foram propostas acções idênticas, foi apenas apresentada uma acção; (v) Apenas nos presentes autos os sujeitos, ospedidos e as causade pedir foram processualmente enxertados; (vi) – O artigo 581.º do CPC não se aplica à situação. 66 - O presente recurso visa, assim, a reapreciação do acórdão que recaiu sobre a matéria de direito. 67 - A Recorrente impetrou acção para declaração de nulidade de actos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador de insolvência e dois dos credores hipotecários, sendo que, posteriormente, por mera cautela, suscitou a mesma solução jurídica em requerimento arguindo a nulidade do processado. O tribunal a quo considera verificar-se que se verificou uma excepção dilatória de caso julgado. 68 - Existindo identidade de pedidos entre que o tribunal detectou, inexiste identidade na causa de pedir, sendo que, no caso do requerimento da arguição de nulidade, há fundamentos que são manifestamente divergentes às que foram enxertados nestes autos. 69 – É manifesto que ambos os pedidos podem – e devem – coexistir a ser decididos de forma independente, pela simples e determinante razão que, capeando as causas de pedir, existe distinção na globalidade dos motivos que sustentam ambos. 70 - O tribunal não corre o risco de apreciar as mesmas nulidades em dois processos distintos, outrossim, sem prejuízo da decisão anterior, deveriater-se pronunciado sobre ambos distinta e paralelamente, pela simples e determinante razão que inexiste coincidência absoluta na causa de pedir. 71 – A leiprocessualcivil não veda apossibilidade de seremdiscutidospedidosidênticos com base em factualidade diferente, como é o caso. 72 - As causas de pedir, nas suas diferentes vertentes, é totalmente idónea para justificar os pedidos formulados, pelo que a acção judicial impetrada peticionando a nulidade das vendas perpetradas pelo AI é a tramitação adequada imposta por lei. 73 - Mesmo verificando-se identidade de pedidos, certo é que os mesmos não correspondem à mesma identidade na causa de pedir, pois as causas de pedir são manifestamente divergentes, quer nos seus termos, quer na sua amplitude. 74 - Os pedidos formulados podem – e devem – coexistir e assim ser decididos, pois que, capeando as causas de pedir, apesar da similitude, existe distinção na globalidade dos motivos que sustentam ambos os pedidos. 75 - O tribunal não corre o risco de apreciar as mesmas nulidades em dois processos distintos, outrossim, devendo pronunciar-se sobre ambos, distintamente e paralelamente, dada inexistir coincidência nas causas de pedir. 76 - A Sentença em crise violou caso julgado material, mormente o acórdão proferido pelo Colendo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso que correu sob o n.º 602/15..... 77 - Como se refere na decisão recorrida, na data de 11/04/2019, foi proferido acórdão pelo TRP onde se considerou: (...)
78 - Naquele acórdão, o TRP expressou o conhecimento da existência dos presentes autos, enxertados de harmonia com o entendimento defendido por aquele Colendo Tribunal, o que fez nestes termos: (...) 79 - “Na petição inicial com que se deu início a essa ação são formulados os seguintes pedidos: i) seja reconhecido e declarada a nulidade dos atos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca, S.A. e Banco BIC Português, S.A.; ii) seja reconhecida e declarada a actividade do administrador da insolvência como extemporânea e desprovida de eficácia, enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa; iii) se digne mandar citar os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados; iv) se digne mandar notificar o Digníssimo representante do Ministério Público junto deste Tribunal do ora peticionado; v)se digne mandarextraircertidão dasentençaa proferirnestesautospara ser enviada à Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça; vi) para tanto, requer-se a citação do administrador da insolvência, na qualidade de representante da massa insolvente e citação edital de todos os credores da insolvente, aqui autora, reconhecidos nos autos ou não, para contestarem, querendo, no prazo e sob a cominação legais.” 79 - Entendendo-se o alcance da decisão supra, a Recorrente actuou como lhe era exigível e imposto, ou seja, impetrou acção judicial declarativa, a correr por apenso, para obter a declaração de ineficácia do acto de alienação dos bens e nulidade da venda, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CIRE, e na sequência da violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE, 80 - Os presentes autos são o local próprio para aferir que os actos praticados pelo administrador de insolvência conduziram a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo mesmo e as dos adquirentes dos bens. 81 - Os presentes autos têm ainda uma utilidade que não é despicienda, qual seja a de aferir que os actos praticados pelo Senhor AI, mesmo que não conducentes à declaração de nulidade dos actos praticados, são pelo menos idóneos a verificar-se a responsabilidade do mesmo,de harmoniacomo previsto no artigo59.º do CIRE,e,assim,responder pelos danos causados à devedora e aos credores. 82 - Na decisão do Colendo TRP, este impôs actuação nestes termos: 83 - A Recorrente impetrou estes autos, identificando os interessados e intervenientes directos nos actos que conduziram à adjudicação e venda, pretendidos anular, sendo que a relação controvertida foi proposta de acordo com a factologia vertida na PI, razão pela qual a A. demandou os RR naqueles termos. 84 - Dispõe o n.º 1 do artigo 30.º do CPC.: «... o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.» e o n.º 2 do mesmo artigo 30.º consagra que, «O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.». 85 - A Recorrente manifestou interesse directo em demandar os RR, sendo pacífico que estes, por sua vez, manifestaram interesse em contradizer, pois CONTESTARAM a PI apresentada. 86 - O n.º 3 do artigo 30.º do CPC, preceitua que, «Na falta de indicação da lei em contrário,sãoconsideradostitularesdointeresserelevanteparaoefeitodalegitimidadeossujeitos da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor” aliás, na esteira dominante da jurisprudência que já tendia a circunscrever essa querela a limites razoáveis e expeditos. 87 - Salientam alguns dos nossos mais eminentes processualistas, «…um pequeno aditamento ao n.º 3 (...) veio revolucionar, na revisão de 1995/1996, a polémica sobre o conceito de legitimidade processual, tentando por cobro à discussão entre os defensores da corrente subjectivista e os da corrente objectivista, mediante a perfilhação da orientação jurisprudencial dominante.» - vide gratia, a primeira nota ao artigo 26.º do CPC, a páginas 50, do I volume do Código de Processo Civil Anotado, ed. Coimbra Editora, 1999, de que são autores José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui, Pinto. 88 - Recorda-se que nos termos do n.º 1 do Artigo 30.º do CPC, a legitimidade da A se afere pelo “interesse directo” deste “em demandar” os RR. 89 - Esse interesse directo foi expressa e especificadamente invocado pela A nos artigos da PI, e foi comprovado através dos documentos, juntos com a petição. 90 - O tribunal veio acrescentar que “…em momento algum a autora invoca que a violação dos artigos 161.º e 162.º do C.I.R.E. conduziu a manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem…” e que “…em momento algum dessa peça processual a autora alega que as alegadas preterições afectaram quantitativa ou qualitativamente amassa insolvente. A autora não invocou qualquer prejuízo concretoe efectivopara a massa decorrente das alegadas omissões que imputa ao Sr. administrador da insolvência”, concluindo que, “…ainda que a exceção de caso julgado não viesse a ser julgada procedente, sempre teríamos deconcluir que a petição inicial e inepta por falta de causa de pedir.”. 91 - Salvo melhor opinião,oTribunalignora(tambémnesteponto)algo elementare imposto pelo CPC,que traduz anecessidadede convidar aparte aaperfeiçoar ou suprir eventuais vícios na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 3 e 4 do CPC. 92 - É que, por vias das mudanças operadas na última revisão da lei processual civil, existe sempre apossibilidade de aspartespoderemaperfeiçoar opetitório,mormenteaonível da formulação concreta dos pedidos e melhor articulação da causa de pedir, desde que o tribunal considere necessário e convide as partes, dentro do prazo que vier a ser fixado, ao eventual aperfeiçoamento, o que nem sequer sucedeu. 93 - Ao contráriodasolução radicaldefendidapelotribunalaquo,aqualobrigariaaimpetrar nova acção judicial – o que não abonana pugnadanecessidade de celeridade processual – a Recorrente considera que, nesse caso, deveria ser notificada naqueles termos, prontificando-se desde já a fazê-lo, para que nenhuma duvida reste. 94 - A decisão sobre a absolvição dos RR da instância, também é uma decisão surpresa. 95 - Tal decisão não é precedida de qualquer advertência pelo tribunal ou informação legal às partes. 96 - A Sentença absolve os RR da instância, após informação prestada pela A quanto à pretensa litispendência, sendo que o tribunal não efectuou qualquer advertência ou cominação à A. para se pronunciar sobre, em sede de direito ao contraditório, violando o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC. 97 - Foi apenas através da Sentença que a Recorrente percebeu que o tribunal a quo não respeitou a decisão do acórdão do TRP, o qual conclui, em síntese: (...) 98 - A A actuou em conformidade com a interpretação que o tribunal superior faz da lei. O entendimento que serviu de base à elaboração de Sentença, não é sustentável. 99 - O juiz deve gerir o processo, promovendo o andamento célere, mas sempre em colaboração com as partes processuais, sendo que no caso, a Recorrente de nada notificada antes da decisão em crise, sendo que, o Tribunal a quo deveria ter notificada a Recorrente do processado nos autos, dando-lhe oportunidade para poder esclarecer e se pronunciar sobre a tramitação processual. 100 - Tal oportunidade não foi concedida às partes, pelo que se considera que se encontra violado o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do nCPC, na medida em que o Tribunal não mandou ouvir as partes antes de tomar a decisão sobre a absolvição da instância. 101 - O n.º 1 do mencionado artigo prevê: “1 – Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” – vide artigo 6.º, n.º 1 do CPC (sublinhado nosso). 102 - Considera a Recorrente que a falta de notificação prévia à A., é violadora do citado princípio,poisqueseo julgadortivessenotificadopreviamenteademandante,por certo a decisão não seria tomada naqueles termos, ou, o que não acontece na presente decisão. 103 - Acresce que o n.º 2 daquele artigo dá contributo importante paraque se entenda o vício da decisão em crise, pois que o mesmo prevê: “O juiz providencia…determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância, ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a pratica-lo.”. 104 - O Tribunalnão concedeu à Recorrente apossibilidade de se pronunciar sobre a concreta excepção que entendia aplicar-se ao caso, a excepção de caso julgado, pelo que é nula a Sentença notificada por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do CPC, nulidade que expressamente se invoca, nos legais termos. 105 - Decorrente do vício assacado antes, verifica-se a derrogação do direito ao contraditório que competia à demandante, o que deveria ter sido concedido antes da notificação surpresa. 106 - Paraproferir aditaSentença,o julgadordeveperscrutar aspartessobreoentendimento que julga ser aplicável, concedendo prévio direito a pronuncia sobre tudo quanto processado, pelo que a decisão é extemporânea, desmedida, radical, desproporcional e ilegal. 107 - O Tribunal de primeira instância não notificou a Recorrente para se pronunciar sobre a excepção de caso julgado que entendia aplicar-se. 108 - A verificação dos pressupostos da Sentença, não pode ser reconhecida sem que as partestenham oportunidade de se pronunciaremsobre cada questão em concreto, pelo que a decisão do tribunal a quo foi extemporâneo, na medida em que não promoveu nem concedeu à A. o direito a pronunciar-se, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC. 109 - Dispõe o n.º 3 e do citado artigo que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” – vide n.º 3 do artigo 3.º do CPC. 110 - Aliás, essa impossibilidade está-lhe vedada por força da epígrafe do próprio artigo Necessidade do pedido e da contradição, bem como pela circunstância de estar vedado e proibido ao juiz a possibilidade de promover decisão surpresa – Vide gratia Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII. 111 - Na referida Exposição de Motivos, saliente-se o seguinte trecho na senda da actividade do Juiz: “No entanto, não descurando uma visão participada do processo, impõe-se que tais decisões sejam antecedidas da audição das partes”. 112 - Nos autos tal prerrogativa não foi concedida. 113 - Sobre o direito ao contraditório, entre outras, saliente-se a posição de Paulo Ramos de Faria, no sentido em que “Quanto ao seu espírito (n.º 3 do artigo 3.º) foi sendo consensual que refletiam a melhor interpretação a dar à norma. As partes devem ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre as questões a decidir pelo juiz. Apenas se ressalvam as questões cuja decisão não tem, em si mesma, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante, ainda que reflexamente, par a decisão do litigio, ou que, pela sua natureza, não compreenda o contraditório prévio – por exemplo, a decisão de mero expediente ou a decisão liminar de convidar o autor a aperfeiçoar a petição.” – Vide Primeira Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Volume I, Almedina. 114 – Não é lícito proceder ao encerramento do processo, por absolvição dos RR, sem conceder prévio direito ao contraditório sobre quanto processado pelo administrador de insolvência, e, sem que as partes não saibam previamente as consequências do (eventual) facere ou non facere. 115 - Destarte, em qualquer caso e porque especialmente afectada pela decisão de absolvição, a A. tinha – e tem – o direito de se pronunciar, de molde a poder evitar, querendo, decisões drásticas e draconianas derrogadoras de importantes direitos, alguns constitucionalmente consagrados. 116 - Sobre o uso do Direito ao Contraditório, entre outros, atente-se no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu nestes termos: “Não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o n.º 4 do art. 281.º do CPC., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente” – vide gratia Acórdão do TRC de 07/01/2015, Processo n.º 368/12.6TBVIS.C1. 117 - Por tudo quanto antecede, a Sentença proferida é nula por violação do disposto no n.º e do artigo 3.º do CPC, vício de inexistência jurídica que expressamente se invoca, por derrogação de normas legais imperativas. 118 - Após a última decisão do TRP, a A. julgava que o tribunal respeitaria o sentido daquele acórdão, e determinar o prosseguimento dos autos que corre sob o apenso L, para sepoder aferir sobre os vícios assacados à liquidação de activos – objecto de impugnação. 119 - Contudo o Tribunal entendeu ignorar tal decisão e tudo quanto alegado pela autora. Ora, e porque ab initio é patente a questão da falta de contraditório, a A. considera que o Tribunal a quo deveria ter tido em conta o ínsito no acórdão referido, incluindo o tramitado nos apensos, cujos fundamentos são suficientes para se comprovar da inexistência de fundamentos para absolver da instância as RR. 120 - Igualmente, sem prejuízo da falta prévia de notificação à R, o Tribunal a quo está impedido de, com vista àSentença promovida, emitir juízosde prognose sobre qualquer decisão final que possa vir a ocorrer nos diferentes apensos. 121 - O tribunal a quo também não pode ignorar o sentido do acórdão do TRP, que manda seguir a tramitação que foi subscrita pela A. Bastava que estivesse atenta aos fundamentos do acórdão a que se referiu. 122 - A verdade é que o tribunal a quo não respeitou o sentido daquela decisão. 123 - Ao decidir pela absolvição das RR da instância, não mandando intervir a insolvente, ora A. – principal prejudicada pelo desfecho proposto na Sentença recorrida – para se pronunciar nos termos tidos por convenientes, o acto decisório do Tribunal não tem qualquer valor, pelo que se invoca expressamente a nulidade do acto processual praticado por violação dos deveres do Tribunal previstos no n.º 1 do artigo 6.º e n.º 1 do artigo 7.º do nCPC. 124 - Salvo melhor opinião, a Sentença de fls… e notificada com a ref.ª ...67, contraria várias disposições contidas na Constituição da República Portuguesa (doravante apenas CRP),pelo que expressamente se invocaessadesconformidade comamesma,noslegais termos. 125 - A Recorrente consideraque aSentençaomite notificação préviaàA,que resultaemacto inconstitucional, por violar o disposto no artigo 20.º da CRP, pois que, por força da violação do Principio do Direito ao Contraditório e do Principio da Gestão Processual e Incumprimento dos deveres do julgador, feriu o direito da ora Recorrente a que o processo seja objecto de uma decisão justa, equitativa, em prazo razoável e, ademais, mediante processo equitativo. 126 - A decisão surpresa entendida notificar pelo Tribunal a quo, não logrou promover a necessária equidade e contende com os legítimosinteresses e expectativas de justiça da A., não respeitando nem estando de harmonia com a função jurisdicional que compete ao Tribunais, na prossecução da boa administração da justiça, uma vez que se encontra em crise o preceituado no n.º 2 do artigo 202.º, por acto praticado pelo Tribunal inibidor da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da ora Recorrente. 127 - Refere o referido artigo que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” – vide n.º 2 do artigo 202.º da CRP. 128 - Considera-se que tal princípio constitucional está igualmente ferido porquanto, devendo promover a equidade e igualdade de tratamento entre as partes,e sendo certo quesãoaRecorrenteéapartequetemmaisinteressenoprocessoenobomandamento do mesmo, o julgador não fez funcionar o princípio que se encontra igualmente previsto no artigo 4.º do CPC. 129 - Dispõe aquela importante norma: “O Tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais” – vide artigo 4.º CPC 130 - A violação do princípio do tratamento equitativo e igualitário no processo também se encontra ferido, porquanto a insolvente não foi ouvida antes (a fortiori) de julgados os pressupostos da pretendida extinção, outrossim apenas teve conhecimento do sentido da informação e decisão a posteriori. 131 - Ao abrigo do princípio de cooperação, do dever de prevenção e ainda do dever de boa gestão processual, era mister, justo e adequado, até por via da tramitação processual em diferentes Tribunais (e da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto), mandar notificar a A. para esta se pronunciar sobre a existência de fundamentos para decidir sobre a absolvição da instância. 132 - Até à decisão final sobre o processo de adjudicação e venda, transitada em julgado, nenhuma actividade o Tribunal a quo deve promover. 133 - Não tendo o Tribunal a quo trilhado este caminho, informando a A. sobre a excepção que considerava aplicar-se, violou o artigo 4.º do CPC, bem assim o n.º 2 do artigo 202.º, da CRP, nulidade que deve ser declarada e assim reconhecida, nos legais termos. 134 - Também se considera violado o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP. 135 - A decisão em apreço não é de mero expediente. 136 - O Tribunal não fundamentou tal decisão nem respeitou, emitindo o necessário juízo crítico quanto ao sentido do acórdão transitado em julgado, o qual entendeu: X- A preterição de formalidades legais na venda efectuada pelo administrador da insolvência não constitui fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens nem de nulidade da venda. XI- A declaração da ineficácia do ato relativamente à massa insolvente, só pode ser declarada nos termos do artigo 163º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se, em ação declarativa, a instaurar for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do mesmo diploma legal, conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem. XII- Não obstante, isso não afasta a eventual responsabilidade do administrador da insolvência, que, por mor do disposto no artigo 59º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, poderá responder pelos danos causados à devedora e aos credores. 137 - A Sentença absolveu, extemporaneamente, os RR da instância, extinguindo a lide com base em decisão que era o meio adequado para submeter a causa de pedir alegada pela A. à apreciação do tribunal, o que não pode deixar de se considerar estranho. 138 - Neste sentido, entre outros, veja-se o Ac. da Relação de Évora, proferido com data de 07/06/2018, no âmbito do processo 3205/15.6T8LLE.E1, nestes termos: (...) “Para se considerar que as partes se pronunciaram sobre os factos complementares ou concretizadores, mostra-se necessário que, na observância do princípio do contraditório, e para evitar decisões surpresa, as partes tenham tido a possibilidade de dirimir esses factos não só questionando os meios de prova que os introduziram ao processo, como podendo apresentar outros meios de prova que os abalem.”. 139 - O tribunalsuperior (TRP)entendeu que os vícioselencadospelaA. só podem ser objecto de apreciação em acção declarativa a instaurar para ver reconhecida a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE; o tribunal a quo ignora tal decisão e promove a absolvição dos RR, sustentada em mero despacho em que foram arguidas várias nulidades. 140 - A A. encontra-se a viver uma situação kafkiana. 141 - Pratica os actos idóneos determinados pelo tribunal superior e vê o tribunal a quo a ignorar essa decisão, em clara violação de caso julgado. 142 - A mera e singela remissão a acção declarativa para despacho promovido nos autos, quando essa não era a forma adequada para a A. submeter tais vícios à consideração do tribunal, é ineficaz em face de tudo quanto promovido pela Recorrente. 143 - Tal decisão não deve ser mantida nem permitida. 144 – A Sentença reproduz actividade judiciária que foi conduzida ao arrepio dos artigos 163º, 161.º e 162.º do CIRE, ela própria supérflua e susceptível de arrastar o processo para situações confusas, que por força de sucessivas decisões de cada um dos julgadores, suscitou a produção de decisões anacrónicas e contraditórias. 145 - Não se entende a Sentença proferida pelo Tribunal, convocando-se aqui os argumentos invocados antes para sustentar a falta de fundamentação da mesma, e sobre os efeitos inoperantes da decisão em crise, devendo com tal fundamento, se não por outro, ser a absolvição da instância considerada inexistente e inoperante. 146 - A Sentença viola o artigo 210.º, n.ºs 3 e 4 da CRP, e anda por via das normas contidas na LOSJ, uma vez que o Tribunal de primeira instância deve respeitar e mandar cumprir os Acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores, não podendo este ignorar a decisão anterior que foi tomada pelo Tribunal da Relação do Porto e que determina prossigam os autos para verificar dos actos praticados pelo administrador de insolvência, desta feita respeitando as exigências processuais. 147 - Sendo este fundamento suficiente para anular a Sentença proferida. 148 - A Sentença deve ser considerada resultado de acto jurídico inexistente e desprovido de quaisquer efeitos, em face de tudo quanto processado nos presentes autos e nos respectivos apensos, nulidade essa que se verifica por contrariar decisão (prévia) de Acórdão proferido pelo Colendo TRP na data de 11/04/2019, bem como o disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LOSJ, o que se invoca expressamente. 149 -A Sentença deve ser considerada nula por violar várias disposições legais derrogadoras dos mais elementares direitos fundamentais da Recorrente, vide artigo 6.º, n.º 1 e 2 do CPC; artigo 3.º, n.º 3 do CPC; 7.º, n.º 1, do CPC; 4.º do CPC. 150 - A Sentença é inconstitucional por violar o disposto nos artigos 20.º, n.º 4; 202.º, n.º 2; 205.º, n.º 1, e 210.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República. 151 - A Sentença é nula por ofender o Principio da Especialidade e da Competência dos Tribunais, de acordo com a organização judiciária e artigos 4.º, 29.º, 32.º, 39.º, 42.º e alínea a)do artigo 73.º,todosda Leide Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), e ainda os artigos 210.º e 211.º da CRP, devendo ser considerada inexistente e, assim, desprovida de qualquer efeito, mandando-se prosseguir os autos os ulteriores termos. 152 - O Venerando Supremo Tribunal de Justiça deve, assim, substituir o Acórdão recorrido, por douto Acórdão que reconheça e declare a nulidade da Sentença, pelosfundamentos descritos, e, consequentemente, determine prossigam os autos os ulteriores termos até final. 153 - E, ainda sobre o tema, recorda-se, a título de exemplo, o Ac. da Relação do Porto que considera: I - Para efeito da verificação da excepção do caso julgado, se os factos aditados aos factos alegados na outra acção são apenas complementares ou concretizadores de uma causa de pedir que estava suficientemente individualizada, a causa de pedir é idêntica. II - Isto é, “a alegação, numa das acções, de factos que completem a causa de pedir, sem atentar contra a sua individualidade, não impede a repetição da causa de pedir.” III - A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado. IV - A falta de alegação de factos essenciais dá lugar à ineptidão da petição inicial por falta de identificação de uma causa de pedir, o que conduz à absolvição da instância, com caso julgado formal, enquanto que se a causa de pedir ficar incompleta, por não terem sido alegados todos os factos que constituem a causa de pedir (nem sequer depois de um convite ao aperfeiçoamento), o que acontece é a inconcludência do pedido, com absolvição deste, o que produz caso julgado material.” – vide gratia Acórdão de 09/07/2014, do TRP, Processo nº: 16/13.7TBMSF.P1, 9 de julho de 2014. 154 - Este Venerando Tribunaldeve, assim, substituir o Acórdão recorrido, por douto Acórdão que reconheça e declare a nulidade da Sentença, pelos fundamentos descritos, e, consequentemente, determine prossigam os autos os ulteriores termos até final. Contra-alegaram os embargantes apresentando as seguintes conclusões: a) O aqui Recorrente supramencionado Quintas de Óbidos – Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A, quanto ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou improcedente o Recurso de Apelação outrora apresentado, isto é, confirmando a douta sentença proferida em 1ª instância. b) O Recorrente de forma a fundamentar a sua opção por esta via recursória, invoca o artigo 672º nº 1 alínea a) do C.P.C, isto é, “encontra-se em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. c) No entendimento do aqui Recorrido, tal facto não se aplicar- à no caso em concreto, uma vez que a admissibilidade do Recurso de Revista Excecional, encontra-se subordinado às condições gerais de admissibilidade dos recursos de revista, traduzindo se estes na verificação do valor da causa e da sucumbência que são exigidos, tendo por base o plasmado no nº1 do artigo 629º do C.P.C. d) Porém, tornar-se-á importante realçar que, para além destes requisitos gerais, dever-se-á também observar os requisitos específicos deste, consignados nas alíneas a); b) ; c) e d) do nº1 do artigo 672º do C.P.C. e) De todo o modo, e já como anteriormente aludido, a verdade é que o acórdão recorrido veio confirmar inquestionavelmente a decisão proferida em 1ª instância! f) Pelo que, e perante a factualidade descrita, temos ser relevante atentar que em “ matéria de interposição de recurso de revista, somos confrontados com uma limitação imposta pelo legislador em situações de dupla conforme, ressalvando-se aqui os casos previstos na lei e sem prejuízo dos casos em que venha a admitir-se o recurso de revista excecional, não é admissível revista do Acórdão da Relação o que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância”, tal como consignado no nº 3 do artigo 671º do C.P.C. g) Assim, quer isto dizer que o recurso de revista não é admissível, “desde que ambas as decisões, a da 1ª instância e da Relação, decidam no mesmo sentido, confirmando o Tribunal da Relação a decisão proferida pela 1ª instância sem que seja lavrado voto de vencido e sem que a fundamentação seja essencialmente diferente”, estando, por isso aqui em causa a denominada dupla conforme, impedindo a interposição do recurso para o STJ”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1, de 28-01-2016, relatado pela Conselheira ANA LUÍSA GERALDES, disponível em URL www.dgsi.pt>. h) Por seu lado, tem sido entendido que “ a lei processual civil não fornece qualquer tipo de definição de fundamentação essencialmente diferente, constituindo-se este como um conceito jurídico indeterminado e em aberto”. i) Desta forma é evidente no caso em concreto, que no Acórdão recorrido procedeu-se ao mesmo enquadramento jurídico da questão, subsumindo-se a factualidade aprovada, “ tendo por base o fato de que não se verificando os pressupostos de admissibilidade do incidente, não se admite a intervenção principal provocada ativa da AT, bem como verificada a exceção dilatória de caso julgado , decide-se pela absolvição dos Réus”. j) Deste modo, é inquestionável que a fundamentação do Acórdão é precisamente a mesma que veio a ser explanada na sentença! k) Ora, e de forma harmónica, conclui-se que “a confirmação da sentença proferida em 1ª instância, isto é, julgando improcedente a apelação e confirmando-se a sentença impugnada”. l) Face ao descrito, e tendo em conta, o sintetizar das fundamentações da sentença 1ª instância e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que veio a confirmá-la, e tendo presente os contornos inerentes ao conceito de fundamentação essencialmente diferente, é claro que que não veio a ser sufragada pela Relação do Porto, qualquer fundamentação diferente, e muito menos essencialmente diferente, que venha permitir ao Recorrente interpor recurso de revista pela simples razão que o quadro fáctico jurídico ponderado nas decisões é o mesmo, sem qualquer tipo de inflexão de entendimento entre uma e outra! m) Assim, mesmo que, por hipótese, se ponderasse existir, in caso, “uma variação de fundamentos decisórios nas duas decisões, jamais se estaria perante uma variação essencial dos fundamentos, mas, quando muito, perante uma diferença não essencial”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processonº1583/08.2TCSNT.L1.S1, de 30-04-2015 , relatado pelo Conselheiro SERRA BATISTA, disponível em URL< www.dgsi.pt >. n) Face ao exposto, temos que se verifica no caso em concreto, a dupla conformidade das decisões, não sendo de todo admissível o recurso de revista que veio a ser interposto pelos Recorrentes, nos termos e para efeitos do artº 672º n.º 3 C.P.C. o) Veio o aqui a recorrente, interpor recurso de REVISTA do douto Acórdão que julgou improcedente Recurso de apelação reiterando literalmente tudo quanto já tinha alegado no douto recurso para a Relação do Porto. p) Cumpre dizer que, daquilo que se extrai das conclusões formuladas pela aqui Recorrente elencadas primeira discordância diz respeito é que a sentença de que recorre, traduz-se numa nulidade por impossibilidade de poder exercer o contraditório, visto existir vícios na petição inicial apresentada que seriam supríveis! q) Ora, tal argumento é completamente tendencioso e inverosímil! r) Tendo por base o supramencionado, poder-se-á dizer que o princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir, pelo que o convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir. s) Ora, a verdade é que o Tribunal de primeira instância, notificou no transato dia 3 de Abril de 2019, a Recorrente, por forma a que a mesma , “ em obediência ao princípio do contraditório, notifique a Autora , para , em 10 dias , se pronunciar quanto às exceções invocadas na contestação uma vez que é intenção deste tribunal dispensar a realização de audiência prévia”. Cumprindo claramente o princípio do contraditório e da cooperação processual, não se compreendendo de todo, como é que a Recorrente vem alegar inércia por parte do Tribunal? t) Quando, foi a própria Recorrente que devidamente notificada, decidiu não exercer o contraditório? u) Não podemos ficar incólumes, perante uma obstrução à justiça por parte da Recorrente, dado que a mesma a ter alegado este argumento, tinha perfeita noção que não lhe assistia qualquer razão, tentando imputar a não realização contraditório, a quem cumpriu todos os formalismos legais! v) Reitera ainda, a Recorrente, no presente uma multiplicidade de inconstitucionalidades, nomeadamente o artigo 20º nº 4; 202º nº 2 ; 205 º nº1 e 210º nº 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo os mesmos desnecessários, pelo que naturalmente não deverá merecer, salvo , o devido respeito, qualquer atenção por parte do Venerando Tribunal . w) Aliás, analisando devidamente os fundamentos que servem de base ao mesmo, consideramos que o acórdão recorrida não poderá ser julgado procedente por mera invocação de normas inconstitucionais! x) Apenas se entende tais alegações, com o propósito de forma “desesperada” recorrer às ultimas instâncias, “ad eternum”, diga-se Tribunal Constitucional, sem
qualquer fundamento legal, manifestando, assim no entender do aqui Recorrido um manifesto desrespeito pelas regras processuais! y) Pelo que que deverá improceder ao o presente Recurso de Revista. Pelo relator dos autos no Supremo Tribunal de Justiça foi proferido o seguinte despacho: “Na sequência do decidido na reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil (que foi atendida), remeta os autos à Formação, nos termos e para os efeitos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil. Embora a presente revista normal seja admissível (apenas) quanto à invocada violação do caso julgado, nos termos do artigo 629º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, entendemos preferível, por uma questão de ordem prática, que tenha lugar desde já a intervenção da Formação, finda a qual, ou se conhecerá da revista excepcional e da questão da violação do caso julgado, conjuntamente, num único acórdão, em caso de admissão da primeira; ou se apreciará, também num único acórdão, unicamente da questão da violação do caso julgado, em caso de não admissão da revista excepcional. Evitar-se-á assim – caso fosse adoptado procedimento inverso - a inconveniente prolação de dois acórdãos autónomos (em caso de admissibilidade pela Formação da revista excepcional)”. Remetidos os autos à Formação, nos termos e para os efeitos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, foi proferido acórdão, datado de 31 de Março de 2022, que não admitiu a revista excepcional.
II – FACTOS PROVADOS. a) A insolvente, a fls. 1893 e seguintes do apenso de apreensão de bens, veio requerer que seja declarada a nulidade dos atos de adjudicação e venda promovidos entre o administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca e Banco BIC, que sejam declarados como extemporâneos todos os atos praticados pelo administrador da insolvência com vista à adjudicação e venda, que seja o administrador da insolvência notificado para se abster de praticar qualquer ato atinente à venda enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa, que sejam citados os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados, que seja notificado o representante do Ministério Público do peticionado e extraída certidão da sentença a proferir nos presentes autos para a CAAJ. Alega, em suma, que: – A AT é credora hipotecária reconhecida nos autos, não constando dos autos que a mesma tenha sido notificada nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 165º do C.I.R.E; – O Sr. administrador da insolvência aceitou propostas inferiores a 85% do valor base fixado para a venda quando não o poderia ter feito sem uso prévio do direito ao contraditório por parte de todos os credores e consequente autorização judicial; – O administrador da insolvência violou o prazo de antecedência mínima de 15 dias previsto no artigo 161º do C.I.R.E. e não aguardou a decisão do tribunal quanto ao pedido formulado pela insolvente para convocar a assembleia de credores para prestar o consentimento à operação; – O Sr. administrador da insolvência prestou informação errada nos autos porque informou que promoveu diligências de venda através da plataforma e-leilões quando apenas promoveu um leilão, apresentado em dois lotes, o qual nem sequer incluiu todas as verbas; – O Sr. administrador da insolvência promoveu uma publicitação deficiente, omitindo anúncio sobre a pluralidade dos bens, mentindo; – A insolvente deduziu três incidentes de destituição do Sr. administrador da insolvência, sendo que em nenhum deles há decisão transitada em julgado. Assim, a adjudicação dos bens não pode ser homologada pelo tribunal porque inexiste decisão transitada em julgado em qualquer daqueles incidentes; – A venda dos bens da massa é um ato de especial relevo para o processo e foi realizado sem o prévio consentimento de todos os credores hipotecários e da comissão de credores, pelo que inexiste maioria que permitisse a adjudicação e venda. b) Por despacho proferido a fls. 2004 e seguintes do apenso de apreensão de bens foi indeferido o requerido pela insolvente constando desse despacho o seguinte: “Antes de mais, dir-se-á, desde já, que este tribunal considera que os fundamentos invocados pela credora S..., SA e pela insolvente não constituem qualquer razão para se declarar a nulidade da venda. É isto porque, aderindo ao entendimento perfilhado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/1/2017 proferido no processo 530/16.2T8AVR-F.P1 citado pela credora Abanca, entende este tribunal que a eventual preterição de formalidades legais na venda efetuada pelo administrador da insolvência não constitui fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens, nem de nulidade da venda, só podendo ser declarada nos termos do artigo 163º do CIRE se, em ação declarativa, a instaurar for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as do adquirente do bem. Tal como é referido nesse acórdão, afigura-se-nos que “o legislador do CIRE pôs de lado todos os princípios que acima enunciámos relativamente à invalidade da venda em ação executiva e veio a consagrar, nos artigos 163º e 164º do CIRE, uma solução diversa em que é conferida excessiva protecção ao adquirente do bem em relação aos interessados processuais, em particular aos credores, mas também ao insolvente, desequilíbrio esse que é mitigado por via da ineficácia dos actos de alienação de bens que, violando o disposto nos artigos 161º e 162º, venham a gerar obrigações para a massa insolvente que excedam manifestamente as da contraparte, ou seja, do adquirente dos bens (artigo 163º, nº 1 do CIRE) e ainda pela responsabilização do Administrador da Insolvência nos termos do nº 3 do artigo 164º, que fica obrigado a colocar o credor na posição que decorreria se alienação fosse pelo preço proposto pelo credor ou ainda, na falta de notificação ao credor garantido nos termos do nº 2 do artigo 164º do CIRE, na responsabilização do Administrador da Insolvência pelo diferencial entre o preço da alienação do bem e o do crédito garantido, deitando mão ao disposto no art.º 59º do CIRE.” “Por conseguinte, nessa situação devem distinguir-se os efeitos ao nível interno, isto é, entre o administrador, o insolvente e os credores, em que o administrador, para além de poder ser destituído, é chamado a responder pelas consequências da sua actuação ilícita e terá de indemnizar os danos resultantes para os credores, dos efeitos ao nível externo, isto é, ao nível das relações com terceiros, estranhos ao processo de insolvência, em que se mantém a validade e eficácia do acto praticado. Destarte, a violação das formalidades legais previstas nos artigos 161º e 162º não gera, só por si, a ineficácia da venda efectuada sem o cumprimento das mesmas, a menos que venha a gerar obrigações para a massa insolvente que excedam manifestamente as do adquirente do bem. O mesmo acontecendo relativamente à violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 164º do CIRE, que gera apenas a responsabilização do Administrador da Insolvência nos termos acima referidos.” Ante o exposto, afigura-se-nos que os requerentes não podem obter neste processo a invalidade da venda através dos incidentes deduzidos. De qualquer forma, ainda que se considere que os requerentes poderiam ver declarada a nulidade da venda realizada nestes autos, afigura-se-nos que os argumentos que invocam também não poderiam determinar essa invalidade. De forma a apreciar tais argumentos vejamos, antes, o que resulta da análise destes autos. – Em 14/3/2018, o Sr. administrador da insolvência veio juntar a cópia de uma ata da comissão de credores realizada no dia 4/12/2017 na qual foi deliberado que durante o mês de Janeiro de 2018 a venda dos imóveis apreendidos seria promovida por leiloeiras e imobiliárias. Informou ainda que decorrido o mês de janeiro e promovida a venda nenhuma proposta foi obtida pelo que a comissão de credores reuniu novamente em 9/2/2018 e deliberou que a venda fosse efetuada na plataforma e-leilões; – Em 3/7/2018, o Sr. administrador da insolvência veio aos autos informar quais foram as licitações que obteve apenas dos credores hipotecários. Informou ainda que a comissão de credores reuniu e deliberou pela aceitação das propostas obtidas e consequente adjudicação aos credores hipotecários com três votos a favor do Banco BIC, do Instituto de Segurança Social e de BB e com o voto contra da S..., SA. Juntou cópia da ata de reunião da comissão junta a fls. 1806/1807 – Em 10/7/2018 a insolvente veio declarar a sua oposição à venda nos termos propostos pelo Sr. administrador da insolvência e requereu a convocação de uma assembleia de credores para se pronunciar sobre os pressupostos das propostas de adjudicação apresentadas pelos credores hipotecárias; – Em 17/7/2018, o Sr. administrador da insolvência requereu a junção das escrituras de adjudicação. Vejamos separadamente os vários argumentos invocados pela credora S..., SA e pela insolvente para requererem a nulidade da venda: 1) O AI não poderia ter vendido os bens abaixo de 85% do valor base dos mesmos a menos que, previamente, tivesse ouvido todos os credores e obtido autorização judicial. Quanto a este argumento diremos, desde já, que, nos termos do artigo 164º, nº 1, do C.I.R.E. “o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”. Resulta, assim, deste normativo que o administrador de insolvência tem a possibilidade de escolher formas atípicas de venda e de definir as regras a que a modalidade escolhida deve obedecer, nada existindo na lei que diga que o mesmo tem que obter prévia autorização judicial para proceder à liquidação do ativo. Para a prática de alguns atos, pelo seu relevo económico, a lei exige, porém, que o administrador obtenha o consentimento da comissão de credores, ou, não existindo aquela, da assembleia de credores (artigo 161º). Segundo o artigo 161º, nº 1, a prática de atos jurídicos, que assumam especial relevo para o processo de insolvência, depende do consentimento da comissão de credores, ou, não existindo aquela, da assembleia de credores. São, assim, atos que dependem de uma atuação conjunta de diversos órgãos da insolvência. Ora, no caso em apreço, da resenha processual que acima fizemos resulta que o Sr. administrador da insolvência obteve a prévia autorização da maioria dos membros da comissão de credores para a adjudicação dos bens aos credores hipotecários. Com efeito, a maioria dos membros da comissão pronunciou-se favoravelmente à adjudicação em causa, pelo que foi cumprido o que está preceituado no C.I.R.E. carecendo, totalmente, de fundamento legal o argumento de que deveria o AI ter obtido prévia autorização judicial para a prática desse ato de venda. Na realidade, o legislador não previu que o AI tivesse que obter essa prévia autorização judicial, sendo certo que a modalidade da venda é determinada pelo Sr. AI e que o juiz não tem que autorizar a mesma. Assim, esse argumento invocado pela S..., SA e, igualmente, pela insolvente carece totalmente de fundamento legal. E sempre se diga que esse entendimento não é afastado pelo facto de apenas existir uma maioria dos membros da comissão de credores e não unanimidade do sentido de voto. Com efeito, o facto de a votação da comissão não ser unânime não significa que o AI tivesse que aguardar qualquer decisão judicial. O que importa é que a maioria dos membros da comissão se pronuncie favoravelmente. A falta de notificação da credora hipotecária Autoridade Tributária (AT) para os efeitos previstos no artigo 165º do C.I.R.E. A insolvente considera, também, que a venda em causa é nula porque não consta do processo que a AT tenha sido notificada nos termos do artigo 165º do C.I.R.E. Dispõe o artigo 165º que “aos credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente e aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo” e o nº 2 do artigo 164º estatui que “o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada”. Analisado o processo em causa constatamos que o Sr. administrador da insolvência classificou o crédito da AT sob condição, sendo que, ante a decisão proferida pelo Tribunal Tributário ..., entende que a AT deixou de ser credora por se ter verificado a condição. A insolvente não concorda com esse entendimento. De qualquer forma, a verdade é que, salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, quem tem legitimidade para arguir a falta de notificação do credor hipotecário AT é a própria AT, atendendo ao disposto no artigo 197º do C.P.C. Assim, não se nos afigura que a insolvente detenha legitimidade para arguir essa invalidade pelo facto de a AT não ter sido notificada, pelo que a nulidade em causa deve improceder. E a verdade é que a AT, notificada do requerimento apresentado pela insolvente em que pretende a nulidade da venda, não veio aderir ao mesmo, pelo que certamente não sufragará o seu entendimento. 2) O administrador da insolvência violou o prazo de antecedência mínima de 15 dias previsto no artigo 161º do C.I.R.E. e não aguardou a decisão do tribunal quanto ao pedido formulado pela insolvente para convocar a assembleia de credores para prestar o consentimento à operação. O facto de o Sr. administrador da insolvência não ter aguardado qualquer decisão do tribunal quanto ao pedido formulado de convocação da assembleia de credores não constitui qualquer fundamento para declarar a invalidade da venda porquanto nada há na lei que diga que o Sr. administrador da insolvência está dependente dessa decisão para diligenciar pela venda dos bens. Por outro lado, a invocada prematuridade da venda pelo facto de o Sr. AI ter violado o prazo previsto no nº 4 do artigo 161º não é, por si só, fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens, nem de nulidade da dita venda, só podendo vir a ser declarada a ineficácia do ato relativamente à massa falida, nos termos do nº 1 do artigo 163º do CIRE se, em ação declarativa, a instaurar e por ter sido reconhecido que a violação do disposto nos artigo 161º e 162º do CIRE conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência e as do adquirente do bem – nesse sentido ver, também o Prof. Luís Menezes Leitão, que refere que a violação pelo administrador da insolvência das disposições contidas nos artigos 161º e 162º não prejudica a eficácia dos atos que pratique, exceto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contraparte. Com efeito, a inobservância do preceituado no artigo 161º não afeta a venda levada a cabo pelo Sr. Administrador uma vez que o preceituado no artigo 163º do CIRE privilegia a tutela daqueles que negoceiam com o Administrador, mesmo à custa dos interesses dos credores. 3) O Sr. administrador da insolvência prestou informação errada nos autos porque informou que promoveu diligências de venda através da plataforma e-leilões quando apenas promoveu um leilão, apresentado em dois lotes, o qual nem sequer incluiu todas as verbas e promoveu uma publicitação deficiente, omitindo anúncio sobre a pluralidade dos bens, mentindo. Dos autos – fls. 1767 e seguintes – resulta que o Sr. AI promoveu a venda dos bens um a um, pelo que não se alcança a pretensão da insolvente. Na realidade, das certidões dos leilões realizados resulta inequivocamente que não foi realizado um só leilão pelo que a pretensão da insolvente é ininteligível. Por outro lado, o AI informou nos autos que por questões informáticas a licitação da verba 76 não foi possível na plataforma e-leilões. E apresentou a proposta que foi obtida via email da Abanca datada de 14/6/2018, proposta essa que foi apresentada à consideração da comissão de credores para pronúncia na reunião de 18/6/2018. Da ata da reunião da comissão de credores de 18/6/2018 junta a fls. 1806/1807 resulta que os membros da comissão de credores tomaram conhecimento dessa proposta. E a maioria dos membros da comissão de credores votaram favoravelmente à aceitação dessa proposta. Do atrás exposto resulta que dos autos não resulta que o Sr. AI tenha mentido, que tenha realizado qualquer publicitação deficiente e que tenha omitido anúncio sobre a pluralidade dos bens, pelo que também esse argumento não colhe. A insolvente deduziu três incidentes de destituição do Sr. administrador da insolvência, sendo que em nenhum deles há decisão transitada em julgado. Assim, a adjudicação dos bens não pode ser homologada pelo tribunal porque inexiste decisão transitada em julgado em qualquer daqueles incidentes. O facto de terem sido deduzidos sucessivos incidentes de destituição do Sr. administrador da insolvência e de não ter ainda transitado em julgado qualquer decisão proferida nesses incidentes não tem qualquer interferência nas vendas realizadas, inexistindo qualquer fundamento legal para declarar a nulidade das vendas por esse motivo. Aliás, compulsados os autos deles resulta que a insolvente requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da primeira decisão proferida que indeferiu o pedido de destituição do administrador da insolvência e tal foi indeferido. Assim, a falta de trânsito em julgado das decisões proferidas nos vários incidentes de destituição do AI não impediam o mesmo de prosseguir com as diligências de venda, sendo manifesto que esse fundamento deve improceder. Ante todo o exposto, afigura-se-nos, pois, manifesto que os pedidos de nulidade dos atos de adjudicação e venda promovidos entre o Sr. Administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca e Banco BIC devem improceder na íntegra. Por outro lado, não existe qualquer fundamento para que sejam declarados como extemporâneos todos os atos praticados pelo administrador da insolvência com vista à adjudicação e venda. Carece, totalmente de sentido o pedido de notificação do administrador da insolvência para se abster de praticar qualquer ato atinente à venda enquanto não forem proferidas decisões transitadas em julgado nos incidentes de destituição com justa causa uma vez que, em primeiro lugar, a venda já se encontra efetivada. Acresce que a falta de trânsito em julgado nos incidentes de destituição não tem efeito qualquer efeito suspensivo da venda. Inexiste, igualmente, qualquer fundamento legal para que sejam citados os credores hipotecários Abanca e Banco BIC para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados. Por último, não se vislumbra qualquer razão para se determinar a notificação do representante do Ministério Público do pedido formulado pela insolvente e de extração de certidão da sentença a proferir nos presentes autos para a CAAJ. Pelo exposto, indefere-se na íntegra o requerido pela S..., SA e pela insolvente. Notifique” c) A insolvente interpôs recurso da decisão proferida em b), o qual foi admitido. d) Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/4/2019 foi julgado improcedente o aludido recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. Alegada ofensa ao caso julgado, enquanto fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 629º, nº 1, alínea a), in fine, do Código de Processo Civil. Conhecimento da excepção dilatória de caso julgado, conducente à absolvição dos RR. da instância. Sua exclusão do âmbito da alínea a), in fine, do artigo 629º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil. Passemos à sua análise: Escreveu-se na decisão recorrida: “II. Verifica-se a exceção do caso julgado, nos termos do artigo 580º do novo C.P.C., que manteve o mesmo regime do 497º do revogado C.P.C., se uma causa se repete depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581º do novo C.P.C. E, como expressamente refere o citado artigo 580º, a exceção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. Na petição inicial, a autora invoca os seguintes fundamentos para sustentar os pedidos que formulou: – A venda é nula porque a Autoridade Tributária e Aduaneira é credora hipotecária reconhecida nos autos, sendo que o administrador da insolvência procedeu à adjudicação e venda dos bens da massa insolvente, através da celebração de escrituras públicas realizadas com os credores Abanca e Banco BIC, não constando dos autos que a mesma, como credor hipotecário, tenha sido notificada para se pronunciar, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 165º do CIRE. – O administrador da insolvência violou o prazo de (antecedência) 15 dias previsto no artigo 161º do C.I.R.E., e não aguardou pela decisão do tribunal quanto ao pedido formulado pela devedora, constituindo violação daquele preceito, o que se requer seja reconhecido e declarado, com as legais consequências. – A adjudicação e venda dos bens da massa insolvente não pode prosseguir, nem ser homologada por este Tribunal, apesar dos nulos os atos praticados e comunicados pelo administrador da insolvência, uma vez que inexiste decisão transitada em julgado em qualquer um dos incidentes de destituição daquele (administrador da insolvência) que deduziu. Em qualquer caso, a adjudicação e venda aos credores hipotecários, ou outros, enquanto não existir decisão transitada em julgado naqueles incidentes, não pode realizar-se, uma vez que os atos praticados pelo administrador prejudicam a universalidade dos credores. – Alegou, por último, que o ato de adjudicação e venda dos valiosos bens existentes que compõem a massa insolvente é um ato de especial relevo para o processo, praticado pelo administrador da insolvência, o qual é realizado sem a precedência do necessário consentimento de todos os credores hipotecários, da comissão de credores e da assembleia de credores. Neste momento, é do conhecimento deste Tribunal que a credora S..., SA., é contra os termos da venda como propostos pelo administrador da insolvência, posição que veio a ser secundada pelo representante dos Trabalhadores na Comissão de Credores, e, qualquer um dos votos expresso dentro do prazo legal de 15 dias (contra a venda e, inclusivamente, a favor da destituição do administrador da insolvência). Perante a posição dos referidos credores, inexiste maioria que permitisse a adjudicação e venda nos termos comunicados. Assim, é manifesto que a liquidação promovida pelo administrador da insolvência com todos os vícios descritos nos três incidentes de destituição apresentados, aliado à falta de pronúncia do Ministério Público e à votação contra de dois membros da comissão de credores, retira toda a eficácia aos atos praticados por aquele de conjugação de interesses com os credores hipotecários. Como resulta dos factos provados – alíneas a) e b) –, os fundamentos agora invocados na petição inicial são, precisamente, os mesmos que a autora já havia alegado no incidente de nulidade da venda que deduziu no apenso B), a fls. 1893 desses autos. No referido incidente de nulidade da venda deduzido no apenso B) e na presente ação, a autora pediu que fosse reconhecida e declarada a nulidade dos atos de adjudicação e venda celebrados pelo administrador da insolvência e os credores hipotecários Banco Abanca, S.A., e Banco BIC Português, S.A. Por outro lado, há identidade de causa de pedir, visto que, na petição inicial desta ação e no requerimento do incidente de nulidade suscitado no apenso B), a pretensão que a autora em ambos os processos deduz procede dos mesmos factos. A insolvente interpôs recurso da decisão proferida no referido incidente de nulidade e, por acórdão desta Relação, de 11 de Abril de 2019, foi julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida. A propósito da afirmação de que o tribunal a quo não respeitou o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e de que a sentença viola o caso julgado, transcreve-se uma passagem do mesmo proferido no processo nº 602/15....: «Ora, como se deu nota, in casu, a apelante, na essência, filia a sua pretensão recursória na alegada preterição de formalidades legais nos atos de adjudicação e venda de bens realizados pelo administrador da insolvência aos credores Abanca e Banco BIC Português, concretamente: i) falta de notificação da Fazenda Nacional, como credora hipotecária, para os efeitos do disposto no artigo 165º; ii) ter o administrador da insolvência procedido à alienação de bens que integram a massa insolvente por valor inferior a 85% do valor base dos mesmos e sem ter previamente ouvido todos os credores e obtido expressa autorização judicial; iii) inobservância da antecedência mínima de quinze dias estabelecida no nº 4 do artigo 161º e por não ter aguardado pela decisão do tribunal quanto ao pedido formulado pela devedora no sentido de o juiz mandar sobrestar na alienação e convocar a assembleia de credores para prestar o seu consentimento à operação; iv) ter o administrador da insolvência promovido uma publicitação deficiente, omitindo anúncio sobre a pluralidade dos bens. Todavia, na esteira da posição que se sufraga, a preterição dessas formalidades (ainda não demonstrado, como é consistentemente evidenciado no despacho recorrido) não são, por si só, fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens nem de nulidade da dita venda, só podendo vir a ser declarada a ineficácia do ato relativamente à massa insolvente, nos termos do nº 1 do artigo 163º se, em ação declarativa a instaurar (que, aliás, já foi entretanto intentada pela ora apelante, correndo por apenso aos presentes autos, sob o apenso L), for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência e as do adquirente do bem, não estando outrossim afastada a eventual responsabilidade do administrador da insolvência, que, por mor do disposto no artigo 59º poderá responder pelos danos causados à devedora e aos credores. Não se desconhece que alguma jurisprudência vem sustentando que, apesar do descrito regime legal, tal não obstaculiza que qualquer interessado direto possa impugnar junto do juiz os atos do administrador da insolvência que desrespeitem as formalidades estabelecidas para a realização da venda. Certo é que, mesmo aceitando esse entendimento, não se vislumbra que a decisão recorrida seja merecedora de reparo, posto que não recusou a possibilidade de apreciação dos vícios de nulidade da venda suscitados pela insolvente. Pelo contrário, apreciou-os e fê-lo substancialmente em moldes que merecem a nossa concordância». É claro que nesta ação declarativa que a autora instaurou poderia ser reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e as das adquirentes dos bens. Na petição inicial, porém, a autora não invoca qualquer facto elucidativo de que a violação dos artigos 161º e 162º do CIRE conduziu a manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo administrador e as das adquirentes dos bens em causa. Nem a autora alegou qualquer prejuízo concreto para a massa insolvente, decorrente das omissões, alegadamente cometidas pelo administrador. Ou seja, a autora propôs a ação com processo comum de declaração, como sugeria o acórdão 11.4.2019, mas limitou-se a invocar os mesmos fundamentos que já havia alegado no incidente de nulidade da venda que deduziu no apenso B), a fls. 1893 desses autos. É claro que a autora intentou esta ação sem aguardar pela decisão proferida no citado acórdão de 11.4.2019, e se o tivesse feito, ficaria esclarecida, com o devido respeito, de que a finalidade daquela seria ver “reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência e as do adquirente do bem”. Quanto ao convite da parte a aperfeiçoar ou suprir eventuais vícios na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 590º, nºs 3 e 4, do C.P.C., que a recorrente diz ter sido esquecido, cumpre dizer que o mesmo não serviria para ser apresentada uma nova petição inicial em que se procedesse ao suprimento de factos essenciais, isto é, de factos que integram a própria causa de pedir não alegada ou concretizada pela autora, como acontece no caso em análise. Nos termos do nº 6 do citado preceito, as alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265º, se forem introduzidas pelo autor. Finalmente, quanto à violação dos princípios previstos nos artigos 3º, nº 3, 4º, 6º, nº 1 e 2, e 7º, nº 1, todos do C.P.C., e inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20º, nº 4, 202º, nº 2, 205º, nº 1, e 210º, nºs 3 e 4, da CRP, repete-se o que foi dito na apreciação do indeferimento do incidente de intervenção, salientando-se que, nesta parte do recurso, a posição da apelante também não tem qualquer fundamento, transcrevendo-se, a propósito, o despacho proferido a 2.4.2019: «Em obediência ao princípio do contraditório, notifique a autora para, em 10 dias, se pronunciar quanto às exceções invocadas na contestação, uma vez que é intenção deste tribunal dispensar a realização de audiência prévia». Improcede, assim, o recurso da autora Quinta de Óbidos – Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A.”. Apreciando: A razão fundamental e decisiva que fundamenta e justifica a apreciação do presente recurso de revista (normal) reside na circunstância de a recorrente afirmar que o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 15 de Junho de 2020, incorreu em ofensa do caso julgado anterior constituído pela decisão proferida no apenso B (relativo à apreensão de bens) do processo de insolvência (concretamente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, transitado em julgado). Tal invocação obriga, portanto, à análise do argumentário invocado pela recorrente que, no seu entender, consubstancia a produção de uma ofensa ao caso julgado anteriormente formado, não se encontrando tal matéria coberta pelos efeitos processuais associados à figura da dupla conforme (artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil). Vejamos: Adiante-se, desde já, que não se nos afigura que o acórdão recorrido tenha de algum modo contrariado ou colocado em crise o decidido no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 11 de Abril de 2019 (no apenso B destes autos) e que havia transitado em julgado. Com efeito, escreveu-se neste último aresto: «Ora, como se deu nota, in casu, a apelante, na essência, filia a sua pretensão recursória na alegada preterição de formalidades legais nos atos de adjudicação e venda de bens realizados pelo administrador da insolvência aos credores Abanca e Banco BIC Português, concretamente: i) falta de notificação da Fazenda Nacional, como credora hipotecária, para os efeitos do disposto no artigo 165º; ii) ter o administrador da insolvência procedido à alienação de bens que integram a massa insolvente por valor inferior a 85% do valor base dos mesmos e sem ter previamente ouvido todos os credores e obtido expressa autorização judicial; iii) inobservância da antecedência mínima de quinze dias estabelecida no nº 4 do artigo 161º e por não ter aguardado pela decisão do tribunal quanto ao pedido formulado pela devedora no sentido de o juiz mandar sobrestar na alienação e convocar a assembleia de credores para prestar o seu consentimento à operação; iv) ter o administrador da insolvência promovido uma publicitação deficiente, omitindo anúncio sobre a pluralidade dos bens. Todavia, na esteira da posição que se sufraga, a preterição dessas formalidades (ainda não demonstrado, como é consistentemente evidenciado no despacho recorrido) não são, por si só, fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens nem de nulidade da dita venda, só podendo vir a ser declarada a ineficácia do ato relativamente à massa insolvente, nos termos do nº 1 do artigo 163º se, em ação declarativa a instaurar (que, aliás, já foi entretanto intentada pela ora apelante, correndo por apenso aos presentes autos, sob o apenso L), for reconhecido que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência e as do adquirente do bem não estando, outrossim, afastada a eventual responsabilidade do administrador da insolvência que, por mor do disposto no artigo 59º poderá responder pelos danos causados à devedora e aos credores. Não se desconhece que alguma jurisprudência vem sustentando que, apesar do descrito regime legal, tal não obstaculiza que qualquer interessado direto possa impugnar junto do juiz os atos do administrador da insolvência que desrespeitem as formalidades estabelecidas para a realização da venda. Certo é que, mesmo aceitando esse entendimento, não se vislumbra que a decisão recorrida seja merecedora de reparo, posto que não recusou a possibilidade de apreciação dos vícios de nulidade da venda suscitados pela insolvente. Pelo contrário, apreciou-os e fê-lo substancialmente em moldes que merecem a nossa concordância». Tal significa que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, no essencial, abordou e conheceu de todos os fundamentos que a A. veio repetir, ipis verbis, na presente acção comum, tendo decidido pela improcedência de todos e cada deles (e que têm a ver basicamente com a nulidade dos actos de adjudicação e venda promovidos pelo administrador da insolvência; com a sua alegada extemporaneidade; com a obrigação de se abster de praticar qualquer acto com vista à adjudicação e venda enquanto não forem proferidas as decisões nos incidentes de destituição do administrador da insolvência; com a intimação dos credores hipotecários identificados para se absterem de proceder à alienação dos bens adjudicados). Lateralmente, enquanto obiter dictum, o mesmo aresto aludiu à possibilidade de vir a ser instaurada, pela aí recorrente, acção autónoma nos exactos termos do artigo 163º do CIRE, com vista à demonstração de que “as obrigações assumidas pelo administrador excederam manifestamente as da contraparte”, ou seja, as que foram assumidas pelo adquirente, o qual por essa via teria saído altamente favorecido. Conforme referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2008, a página 542: “Mas do que se trata aqui é de, mais especificamente, estabelecer o regime dos vícios dos actos considerados. Ora, a este propósito, a regra geral é a de que a violação da lei, traduzida na falta de consentimento necessário para a prática do acto, nos termos em que ocorreu, e de que o administrador devia munir-se, não afecta a eficácia do acto, o que significa a inoponibilidade do vício à contraparte. Só assim não será, precisamente, quando as obrigações que se projectam na massa e a vinculam excederem manifestamente as assumidas pela outra parte. (...) Manifestamente, a solução adoptada privilegia a tutela daqueles que negoceiam com o administrador, mesmo à custa dos interesses dos credores. Ter-se-á querido acolher neste domínio uma solução que se aproxima da prevalecente em matéria de vinculação de sociedades de responsabilidade limitada (artigos 260º e 409º do Código das Sociedades Comerciais) a benefício da fluidez e segurança do tráfico jurídico”. Conforme refere Luís Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, Almedina 2018, 8ª edição: “A violação pelo administrador da insolvência destas disposições (artigos 161º e 162º do CIRE) não prejudica a eficácia dos actos que pratique, excepto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contraparte (artigo 163º). O administrador da insolvência responderá, no entanto, pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente (artigo 59º, nº 1), podendo ainda ser destituído com justa causa (artigo 56º)”. Escreve, a este propósito, Catarina Serra, in “Lições de Direito da Insolvência”, 2021, 2ª edição, a página 291: “Não deve retirar-se disto a conclusão de que aquele credor garantido fica impedido de arguir a nulidade da alienação efectuada com violação do dever de informação do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada, tendo o acórdão do Tribunal Constitucional nº 616/2018, de 21 de Novembro, decidido julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 4, conjugado com o artigo 18º, nº 2, da CRP, a norma contida nos artigos 163º e 164º, nº 2 e 3, na interpretação que conduza ao resultado contrário. Deve entender-se que o credor tem de demonstrar que a violação se repercutiu, em concreto, de forma negativa, na satisfação do seu crédito”. Afirmando a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 163º do CIRE no sentido de um credor hipotecário prejudicado pela actuação do administrador da insolvência não poder suscitar a nulidade da venda por negociação particular de dois imóveis, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2017 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 1182/14.0T2AVR-H.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt. Por ler-se no referenciado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019: “Destarte, a violação das formalidades legais previstas nos artigos 161º e 162º, não geram, só por si, a ineficácia da venda efectuada sem o cumprimento das mesmas, a menos que venha a gerar obrigações para a massa insolvente que excedam manifestamente as do adquirente do bem. O mesmo acontecendo relativamente à violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 164º, que gera apenas a responsabilização do Administrador da Insolvência nos termos acima referidos. A solução exposta é, por conseguinte, aquela que decorre dos citados dispositivos legais, sendo sufragada pela generalidade da doutrina e pela jurisprudência claramente majoritária, sendo certo que, não consagrando o CIRE meio processual para o efeito, tanto a pretensão de declaração de ineficácia dos actos do administrador da insolvência nos termos definidos no n.º 1 do artigo 163.º, como da sua responsabilização nos moldes atrás expendidos, por violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 164.º, têm que ser deduzidas em acção declarativa que correrá por apenso ao processo de insolvência não podendo, assim, o juiz do processo decidir essa matéria de forma incidental, no processo principal”. O que significa claramente que não for emitido nesse mesmo acórdão qualquer tipo de pronúncia concreta acerca do destino que essa acção comum autónoma (entretanto já pendente) viria a merecer (não se excluindo, portanto, - e obviamente -, a hipótese da eventual verificação de caso julgado, mormente pela falta de alegação dos pressuposto de facto expressos e exigidos na parte final da norma legal em referência – artigo 163º do CIRE). Isto é, não havendo, desde logo, a ora recorrente – que é a própria insolvente e não qualquer credor da massa - estruturado (como efectivamente não estruturou) a sua petição de forma a invocar a desproporção no âmbito da adjudicação e venda de bens da massa insolvente entre as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência e pelo adquirente dos bens, em termos de manifesto desequilíbrio em desfavor do primeiro, não é possível sequer conceber que a confirmação pelo acórdão recorrida da decisão de 1ª instância de procedência da excepção dilatória de caso julgado, nos moldes em que o fez, esteja de algum modo em contradição com o âmbito e alcance do acórdão de 11 de Abril de 2019, proferido no apenso B. O acórdão recorrido limitou-se tão simplesmente a confirmar a decisão de 1ª instância que considerou a verificação da excepção dilatória do caso julgado, dado que todos os fundamentos de nulidade da adjudicação e venda que foram analisados e julgados improcedentes nesse aresto voltaram a ser alegados, ipis verbis, pela insolvente, nesta sua petição inicial da nova acção comum. (Note-se que a petição inicial da presente acção é estruturada nos seguintes termos: - artigos 1º a 12º - alegação das causas da nulidade da adjudicação e venda por falta de notificação de todos os credores hipotecários; - artigos 13º a 21º - alegação das causa de nulidade e venda referentes à falta de cumprimento do prazo previsto no nº 4 do artigo 161º do CIRE; - artigos 22º a 28º - alusão aos três incidentes de destituição do administrador de insolvência que ainda não têm decisão transitada em julgado; - artigos 29º a 58º - alegação de nulidade da venda por actuação ilegal do administrador da insolvência e da sua falta de legitimidade para praticar actos de especial relevância; - artigos 59º a 75º - referências ao direito aplicável, com transcrição e comentário das respectivas disposições legais). Cumpre, pois, ter em conta, que uma coisa é o citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, em termos argumentativos e não essenciais para a decisão que aí foi tomada, haver referido que os factos invocados pela recorrente apenas serão impugnáveis nos termos da parte final do artigo 163º do CIRE, donde decorre que a violação do disposto nos artigos 161º e 162º do CIRE só prejudicará a eficácia dos actos do administrador da insolvência se as obrigações assumidas excederem manifestamente as da contraparte (o adquirente). Outra, completamente diferente, é procurar retirar dessa simples indicação, perfeitamente dispensável na lógica do objecto do recurso de apelação aí apreciado, a futura vinculação ao conhecimento (e quiçá procedência) de uma qualquer acção instaurada autonomamente, pretensamente à luz do artigo 163º do CIRE, mas em que nada é verdadeiramente referido, no plano da imprescindível alegação factual, a propósito do manifesto excesso e evidente desequilíbrio das obrigações assumidas pelo administrador da insolvência relativamente às do adquirente dos bens, sob pena de ofensa ao caso julgado. Foi o que aconteceu na situação sub judice, na qual a única referência ao artigo 163º, nº 1, do CIRE, consta do artigo 63º da petição inicial onde se reproduz sem mais a norma, nos seguintes termos: “No atinente à eficácia dos actos do AI, refere o artigo 163º que a violação do disposto nos dois artigos anteriores não prejudica a eficácia dos actos do administrador de insolvência, excepto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contraparte”. Logo, inexiste manifestamente qualquer ofensa de caso julgado em que a recorrente possa realmente estribar a interposição do presente recurso de revista à luz do que se dispõe no artigo 629º, nº 1, alínea a), in fine, do Código de Processo Civil. Por outro lado, e como se disse, no acórdão recorrido foi considerada procedente a excepção dilatória de caso julgado e determinada a absolvição da instância dos RR. (que, de resto, pelo que se deixou referido supra, é evidente e inegável). Dispõe o artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil: “Independentemente do valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso (...) com fundamento na (...) ofensa de caso julgado”. Contudo, a decisão impugnada neste tocante (procedência da excepção dilatória do caso julgado) já não se enquadra no âmbito da alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, por não assentar, ela própria, na invocada violação de caso julgado que tivesse ocorrido. (Neste sentido, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a página 54, onde pode ler-se: “(...) a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória do caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte ofensa do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração do caso julgado anteriormente formado (ofensa implícita), Estão por isso excluídas desta previsão especial as situações em que se afirme a existência da excepção de caso julgado (absolvendo o réu da instância) ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos, não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (artigo 629º, nº 1) e oportunidade de impugnação (artigos 644º e 671º). Em suma, a admissibilidade especial de recurso ao abrigo deste preceito depende dos seguintes pressupostos: - Decisão de 1ª instância ou acórdão da Relação a que seja imputada ofensa de caso julgado formal ou material, excluindo-se, pois, deste regime os casos em que tenha sido afirmada na decisão recorrida a excepção de caso julgado ou a autoridade de caso julgado”. Referem sobre a mesma matéria Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º. Artigos 627º a 877º”, Almedina, Março de 2022, a página 28: “A ofensa de caso julgado, por seu turno, pressupõe que a decisão impugnada tenha contrariado outra decisão anterior, já transitada em julgado (artigo 619 e 620; 580 e 581), não se aplicando a norma com fundamento em o acórdão recorrido se ter baseado em ofensa ao caso julgao que o recorrente pretenda que não se verificou”. Vide igualmente, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 3468/16.0T9CBR.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2020 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 5129/05.6TBVFX.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2021 (relatora Rosário Morgado) proferido no processo nº 1181/14.1TVLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2021 (relator Oliveira Abreu) proferido no processo nº 2218/15.2T8VCT-A.G2.S1, publicado in www.dgsi.pt;) o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2021 (relator Ricardo Costa) proferido no processo nº 6099/16.0T8VIS-S.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2021 (relator Nuno Pinto de Oliveira) proferido no processo nº 26151/16.1T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt). Pelo que, face à verificação de dupla conforme constituída nesta particular, nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, a admissão da revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação em referência, na parte sobrante, apenas seria viável por via da eventual admissão, por parte da Formação, da revista excepcional que a recorrente igualmente interpôs, avocando em seu favor o disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas a), e b) do Código de Processo Civil. Porém, o acórdão proferido pela Formação não admitiu a sua revista excepcional, prevalecendo a dupla conforme constituída. Donde resulta a improcedência total da revista, face à não verificação da ofensa ao caso julgado a que a recorrente aludiu e cujos fundamentos soçobraram inteiramente.
IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista. Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2022.
Luís Espírito Santo (Relator) Ana Resende Ana Paula Boularot
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
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