Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P1679
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ABRANCHES MARTINS
Descritores: BURLA AGRAVADA
RECURSO PENAL
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
Nº do Documento: SJ200210030016795
Data do Acordão: 10/03/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J DE AVEIRO
Processo no Tribunal Recurso: 103/01
Data: 06/15/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL.
Sumário :
Face ao disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, é inadmissível, para o STJ, o recurso de acórdão da Relação que confirma a condenação do arguido, com base no CP/82 (por se apresentar mais favorável), pelo crime de burla agravada, na pena de três anos de prisão, suspensa por três anos, porquanto ao aludido crime nunca poderá ser aplicada uma pena superior a 8 anos de prisão - limite máximo estipulado pelo art. 218.º, n.º 2, do CP/95 - por força do art. 2.º, n.º 4, do CP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. No processo comum colectivo nº 103/2001, do Tribunal Judicial de Aveiro, responderam sob acusação do Ministério Público, seis arguidos, um dos quais, AA, foi condenado, pela prática de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, als. a) e b), com referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), ambos do Cód. Penal de 1995, na pena de três anos e seis meses de prisão, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, als. a) e b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), ambos do Cód. Penal de 1995, desqualificado pelo valor face ao disposto no nº 4 do art. 204º, na pena de um ano e dois meses de prisão, de três crimes de sequestro p. e p. pelo art. 158º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de sete meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de cinco anos de prisão.

Inconformado com esta decisão, dela o referido arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que quanto a ele, decidiu alterar a decisão recorrida, fixando a pena unitária em quatro anos e nove meses de prisão.

De novo inconformado, o mesmo arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
a) - O acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1ª instância, deu como provado que o ora recorrente participou nos factos em que foi ofendido BB, considerando que nesses factos participaram para além do recorrente três outros arguidos e o menor CC, num total de cinco indivíduos. Conforme se transcreveu, o recorrente no seu depoimento negou a prática dos factos e o referido ofendido no seu testemunho afirmou que tinham sido praticados por quatro indivíduos. Termos em que existindo evidente erro na apreciação da prova deverá o ora recorrente ser absolvido da prática de 1 crime de roubo e de 1 crime de sequestro referentes ao supra identificado ofendido, até por força do princípio "in dubio pro reo" que aqui expressamente se invoca;
b) - O acórdão do Tribunal de 1ª instância ao não considerar o relatório social do arguido de fls. 984 a 987 violou o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 71º do C.P.;
c) - Atenta a ausência de antecedentes criminais do arguido, a sua colaboração com a justiça, o facto de a sua conduta criminal ter ocorrido num período breve da sua vida cujas condições sociais estruturantes entretanto cessaram e não esquecendo a sua idade, deveria o recorrente beneficiar do regime especial para jovens previsto no D.L. 401/82 por daí resultarem vantagens na sua reinserção social. Violou assim o acórdão recorrido o disposto no art. 4º do referido diploma legal;
d) - O acórdão recorrido na fixação das penas deveria ter respeitado o princípio da proporcionalidade das penas, dos diferentes arguidos em relação às suas culpas. Sendo que ao manter a condenação do arguido, pelos mesmos factos, as penas parcelares mais pesadas que as aplicadas ao arguido DD, cuja conduta foi mais grave, violou o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 71º C.P.;
e) - Os crimes de sequestro porque o recorrente foi condenado encontram-se em relação de consunção com o crime de roubo porquanto foram simples meio para a prática deter últimos.
Termos em que a condenação do recorrente pela sua prática viola o disposto no art. 30º C.P..

Respondendo, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.
Aposto, neste Supremo Tribunal, o visto da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, o relator pronunciou-se pelo não conhecimento do recurso.
Dispensados os vistos, vieram os autos à conferência para ser decidida esta questão.
Cumpre, pois, decidir.

2. Estamos perante um recurso de uma decisão proferida pela Relação de Coimbra, em recurso de uma decisão da 1ª instância, o que constitui a situação prevista na al. b) do art. 432º do C.P.P..
Neste caso, de acordo com o preceituado no art. 434º do C.P.P., seu prejuízo do disposto no art. 410º, n.s 2 e 3 do mesmo Código, tal recurso, que é interposto para este Supremo Tribunal, tem de visar exclusivamente o reexame de matéria de direito.
De qualquer forma, tratando-se de um recurso de um acórdão da Relação, o mesmo não pode ter por objecto o acórdão da 1ª instância. De outro modo, tratar-se-ia de um recurso "per saltum", ou seja, um recurso interposto directamente para este Supremo Tribunal, o que só é possível nos casos previstos nas als. c) e d) do art. 432º do C.P.P. (recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do jure e de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito) e, por arrastamento, no caso de recurso de decisões interlocutórias - al. e) do mesmo art..
Ora, o recorrente, nas conclusões do seu recurso interposto para este Supremo Tribunal, vem impugnar directamente o acórdão da 1ª instância, uma vez que aquelas são praticamente idênticas às conclusões do recurso interposto para a Relação de Coimbra.
Assim as actuais conclusões a), b), c), d) e e) correspondem quase integralmente às conclusões a), b), c), e) e b), respectivamente, do referido recurso para a Relação.
Portanto, ao apresentar agora conclusões idênticas às do recurso para a Relação, o recorrente nelas não veio impugnar os fundamentos do acórdão daquele Tribunal no que concerne ao recurso que o mesmo apreciou. Logo, tal acórdão ficou incólume (v. o acórdão do S.T.J., de 11-4-2002 (proc. 772/02-5ª Secção)).

Sendo assim, este Supremo Tribunal não pode conhecer do recurso interposto do acórdão da Relação, por o mesmo carecer de objecto.
Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que o recorrente veio impugnar o acórdão da Relação, a verdade é que, cumprindo o que disse no requerimento de interposição do recurso -v. fls. 1266- este versaria, então matéria de facto nas conclusões a) e b), na medida em que veio pôr em causa a apreciação que o tribunal recorrido fez da prova produzida e o uso que o mesmo fez do princípio "in dubio pro reo".
Portanto, tais conclusões contrariam o disposto no art. 434º do C.P.P., que impõe que o recurso interposto para este Supremo Tribunal vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3 do mesmo Código.
Por conseguinte, dado que nas duas referidas conclusões está em causa o reexame de questões de facto, este Supremo Tribunal, também por este motivo, delas não poderia conhecer.
Nas três restantes conclusões, o recorrente versa matéria de direito, que se prende com a medida concreta da pena - nomeadamente, no que concerne à aplicação do regime penal especial para jovens previsto no Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro - e com o enquadramento jurídico-penal da sua conduta.

Ora, versando matéria de direito, as conclusões têm de indicar, sob pena de rejeição do recurso, os elementos referidos no nº 2 do art. 412º do C.P.P..
Sucede que o recorrente, pelo menos e muito claramente, não indicou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou as normas violadas, ou com que as aplicou nem o sentido em que deviam ter sido interpretadas ou com que deviam ter sido aplicadas. E isto viola o disposto na al. b) do nº 2 do citado art. 412º, pelo que, se pudesse ser impugnável o acórdão da Relação, ou melhor, se pudesse ser considerada a impugnação deste acórdão, o recurso teria de ser rejeitado no que tange à matéria de direito.

3. Pelo exposto, acorda-se em não conhecer do recurso.
Condena-se o recorrente nas custas, com 4 UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 3 de Outubro de 2002

Abranches Martins (Relator)
Oliveira Martins
Dinis Alves