Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6466/05.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: FIANÇA
FIADOR
DEVEDOR
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CONTRATO DE MÚTUO
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Giovanni Stela, “Del Garanzie del Credito – Fideiussione e garantizie autonome”, Tratado di Diritto Privato, a cura de Giovanni Iudica e Paolo Zatti”, Giuffré Editore, Milano, 2010, pp. 4, 10.
- Januário da Costa Gomes, Manuel, “A fiança no quadro das garantias pessoais. Aspectos do Regime”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977; Direito das Obrigações”, Vol. III, Coimbra Editora, pp. 79 a 119.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 627.º, 631.º, 634.º, 637.º.
DECRETO-LEI N.º 359/91, DE 21-09: - ARTIGO 2.º.
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 4.º E 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-12-2002;
-DE 01-07-2008, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Embora assumindo uma dívida própria – a dívida da fiança ou dívida fidejussória –, que se reverbera ou molda pela dívida principal, o fiador não assume a qualidade específica ou qualitativa do fidejussório.

II - A qualidade em que o devedor assume a dívida perante o credor não pode ser transmitida ao fidejussor pela simples razão de que este se obriga a prestar, perante o credor, um quantitativo correspondente ao que o devedor se comprometeu a prestar, independentemente da qualidade em que assumiu a obrigação.

III - O fiador está obrigado a prestar, perante o credor, o correspondente ao que o devedor se havia comprometido a fazer. O incumprimento, por parte do devedor principal, da prestação a que ficou adstrito, compele o fiador a realizar a prestação em falta, nos precisos termos em que essa obrigação deveria ter sido prestada, independentemente da qualidade, ou qualificação jurídico-legal, em que o devedor principal contraiu ou assumiu a dívida principal.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

AA, S.A., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB e CC, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe €29.851,59, acrescidos de juros, vencidos e vincendos, à taxa contratual, e ainda imposto de selo sobre tais juros, até integral e efectivo pagamento.

Na substanciação da pretensão requestada, alegou, que no exercício da sua actividade concedeu ao 1.º réu crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, emprestando-lhe € 20.075,00, com juros à taxa nominal de 15,17%, tendo sido acordado que o capital, juros e os prémios de seguros seriam pagos em 72 prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 10/10/04 e assim sucessivamente. Mais foi acordado que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais, i. e., um juro à taxa anual de 19,17%.

Foi também celebrado com o 1.º réu um seguro de vida "Protecção Total", obrigando-se este a pagar mensalmente o valor do prémio respectivo juntamente com a prestação mensalmente acordada, que passou para € 481,95 a partir de 10/11/04.

O 1.º réu não pagou a 6.ª prestação, vencida em 10/03/05, tendo-se vencido todas as demais.

O contrato de seguro foi anulado em 10/10/05.

Relativamente ao 2.º réu, refere que, por termo de fiança, datado de 06/09/04, assumiu a responsabilidade de fiador e principal pagador, sendo solidariamente responsável pelo pagamento da divida.

O 1.º réu foi citado editalmente.

O Ministério Público não apresentou contestação.

O 2.º réu contestou, por impugnação e por excepção. Invocando a falsidade do documento junto com a petição inicial consubstanciado no contrato celebrado, suscitando dúvidas sobre a autoria da assinatura aposta do termo de fiança, porquanto nunca lhe foi apresentado tal documento, nem alguma vez manifestou vontade em ser fiador do 1.º réu, concluindo que, ou foram inseridas sem o seu consentimento as declarações em documento assinado em branco, ou foi imitada a assinatura que nele consta, requerendo que seja realizada perícia em conformidade.

Ainda que não seja declarada a falsidade do documento, o contrato padece de vício de nulidade, por violação do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 5.º, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, e artigo 628.º, n.º 1, do Código Civil, por nunca lhe ter sido dado conhecimento da existência de tais documentos, nem ter assumido a responsabilidade de fiador. Não teve conhecimento ou intervenção nas negociações do contrato de mútuo, nem neste contrato e/ou aditamento ao mesmo consta a sua assinatura.

Concluiu pela exclusão do "termo de fiança", por via do disposto no artigo 8.º, alínea a) e b), do Decreto-Lei n.º 446/85, e, consequentemente, pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

O autor replicou, alegando, em suma, que não sabe se a assinatura aposta no termo de fiança foi efectuada ou não pelo 2.º réu, por não estar presente no momento da assinatura, e que o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, não se aplica às relações entre mutuário/credor e fiador.

Em desinência do julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada, e consequentemente, decidiu nos seguintes termos:

"Condeno solidariamente os RR no pagamento ao A., AA, S.A., da quantia a liquidar em execução de sentença correspondente às prestações não pagas do capital mutuado, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 19, 17%, desde 10/03/05 até efectivo e integral pagamento e ainda do imposto de selo que venha a incidir sobre tais juros. No mais, absolvo os RR.

Condeno o R DD como litigante de má fé na multa correspondente a 4 UCs."

Inconformado, apelou o 2.º réu, pugnando pela revogação da sentença.

Na apelação veio a ser decidido, “(..) julgar parcialmente procedente apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou o 2.º réu, CC, com excepção da condenação do mesmo como litigante de má-fé, que se mantém.”

Irresignado com o julgado, impulsa o demandante, “AA, S.A.”, o presente recurso de revista, para o que dessume o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

I.A. – Quadro Conclusivo.

(i) O fiador não é "consumidor", não se lhe aplicando as normas do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, pelo que ao decidir de forma diversa o acórdão recorrido violou o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 2.º do citado Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

(ii) As obrigações do mutuário BB e do fiador, o dito CC têm objectos distintos, e não existe fundamento técnico-jurídico para tornar extensivo ao fiador o regime especifico prevenido no Decreto-Lei 446/ 85, de 25 de Outubro, sendo consequentemente inaplicáveis ao referido CC, fiador do co-R. em 1.ª Instância, BB , o disposto nos artigos 4.º, 5.º e 8.º, n.º I, alínea a), do citado Decreto-Lei.

(iii) Assim, por violação do disposto nas alíneas a) e b do artigo 2.º do Decreto-Lei 359/91, e 21 de Setembro, e por violação do disposto nos artigos 4.º, 5.ºe 8.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 442/85, de 25 de Outubro, Decreto-Lei esse inaplicável ao fiador em contratos de mutuo, em que não é "consumidor", e por assim ter feito errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, das normas aplicáveis, o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, consequentemente, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, mantendo a condenação como litigante de ma fé do dito CC, o condene nos precisos termos que em 1.ª Instância foi condenado o co-R. BB, e solidariamente com este, (…)”.

I.B. – Questões a merecer apreciação no recurso.

Em face das conclusões extractadas tem-se por pertinente a apreciação da sequente questão:

- Dever de informação das cláusulas gerais ao fiador num contrato de mútuo efectuado a um consumidor.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – De Facto.

"1. Em 06/09/04 A e o R acordaram que a primeira emprestava ao segundo a quantia de €20.075,00, para que este procedesse à aquisição de um veículo automóvel, da marca BMW, modelo 320D, com a matrícula …-0U (1.º).

2. Acordaram numa taxa de juros de 15,17% ao ano (2.º).

3. Acordaram que a importância do empréstimo, os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, seriam pagos em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10/10/04 (3.º).

4. Acordaram que a importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferência bancária (4.º).

5. O 1.º R ordenou ao seu banco que procedesse a tais transferências bancárias (5.º).

6. Acordaram que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações (6.º).

7. Mais foi acordado entre A elo R que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratualmente ajustada -15,17% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 19,17% (7.º).

8. Acordaram que a A celebraria um seguro de vida Protecção Total por conta do 1° R tendo-se este ficado obrigado a pagar mensalmente àquela o valor do prémio respectivo juntamente com a prestação mensal acordada que assim passou para €481,95 a partir de 10/11/04, ou seja, da 2.ª prestação (8.º).

9. O 1.º R, das prestações referidas, não pagou a 6ª e seguintes, vencida a primeira em 10/03/05

10. Nem nenhuma outra pessoa as pagou (10.º).

11. O seguro de vida Protecção Total foi anulado em 10/10/05, data de vencimento da 13' prestação (11 º).

12. Por isso, a partir da 14ª prestação, com vencimento a 10/11/05, a prestação passou a ter o valor de € 440,61 (12.º).

13. Em 06/09/04, o 2.º R assumiu perante a A a responsabilidade de garantir o pagamento de todas as obrigações assumidas pelo 1.º R no âmbito do contrato referido (13.º).

14. Tendo aposto a sua assinatura no "termo de fiança" cuja cópia está junta a fls. 13 (14.º).”

II.B. – De Direito.

II.B.1. - Dever de informação das cláusulas gerais ao fiador num contrato de mútuo (contrato de crédito ao consumo) efectuado a um consumidor.

A fiança “garante ao credor o pagamento do débito de outrem, obrigando-se pessoalmente no confronto com o verdadeiro (próprio) credor: o garante, no caso em que o devedor garantido não cumpra, espontaneamente, põe à disposição do credor todo o seu património pessoal até ao montante (fino a concorrenza) da totalidade do crédito (dell’ammontare del credito). Noutros termos, o fiador – sujeito estranho á relação obrigacional já constituída ou contextual (contestuale) – assume no confronto com o credor uma ulterior obrigação, acessória e solidária relativamente à denominada “principal”, tendo por objecto uma prestação que normalmente corresponde a (e coincide com) a assumida pelo devedor garantido.” [[1]/[2]]           

A obrigação fidejussória radica numa relação intercorrente com o devedor principal (c. d. rapporto di provvista), no sentido em que o garante se obriga a realizar um subjacente (sottostante) interesse que atende com a relação como devedor (substancialmente uma relação de mandato): o devedor, com o fim de obter a concessão do crédito, promove a entrega da fiança (fideiussione) da parte de um familiar (…)”. [[3]

Procurando integrar a relação da fiança com o devedor e do credor, o Prof. Januário Costa Gomes coloca a questão de saber se o fiador “é devedor de um a dívida própria ou de uma dívida alheia: a do devedor principal”, para responder que “é este último o entendimento dominante”, e logo a seguir expender que entende que “não é esta a posição correcta: o fiador, sendo devedor, é-o de uma dívida própria: a dívida de fiança ou dívida fide­jussória, que tem a peculiaridade de, pela técnica da acessoriedade, estar moldada nos termos da dívida principal: ela é moldada per relationem (arts. 631 e 634). Esta moldagem não transforma o fiador em devedor da presta­ção do devedor principal ou num mero "responsável pelo cumprimento da obri­gação do devedor"; o fiador só é responsável pelo cumprimento da obri­gação do devedor na medida em que, sendo o devedor responsável, ele assumiu um dever de cumprir especialmente conotado com o dever de cum­prir do devedor. O fiador passa a dever o mesmo (o idem) que deve o devedor e não aquilo (id) que por este é devido.” [[4]]

Para o autor italiano que vimos citando, a função da fiança (garantir o pagamento do débito de outrem), a obrigação do fiador tem normalmente o mesmo objecto da obrigação do devedor principal: a fiança comporta uma absoluta identidade qualitativa entre a prestação do devedor principal e a do fiador (fideiussore) (de ordinário uma prestação pecuniária), ainda que não necessariamente do mesmo perfil quantitativo, (…).    

O regime da fiança, na lição do Professor Januário Costa Gomes, “[obedece] a duas grandes linhas de força: a aces­soriedade e o fim de segurança ou garantia; são eles que moldam os principais aspectos de regime. Há, porém, que acrescentar um terceiro pilar: o facto de a fiança ser um negócio de risco para o presta­dor de garantia.”

“Na fiança, o núcleo duro da acessoriedade está na invocabilidade das excepções derivadas da obrigação principal (art. 637/1) e no âmbito da responsabilidade (arts. 631/1 e 634) (50). A bem ver, outras apontadas manifestações da acessoriedade da fiança (maxime na fase extintiva) não deixam de ter expressão noutras garantias tidas como não acessórias (v. g. na assunção cumulativa em garantia e até, de algum modo, mas certa­mente de forma mais mitigada, na garantia autónoma).

A acessoriedade é, como refere BECKER-EBERHARD, a principal técnica de ligação do crédito ao direito de garantia. Por outro lado, é nas garantias acessórias que se manifesta mais intensamente o princípio da ligação da garantia ao crédito.

No caso da fiança (art. 627/2), o legislador optou por focar a aces­soriedade relativamente ao lado passivo - ao débito fidejussório - mas poderia ter tido outra opção, acentuando a acessoriedade do direito de garantia - do crédito fidejussório - relativamente ao crédito principal.

A colocação da tónica da acessoriedade nos direitos é feita designa­damente por MEDICUS, que se refere a um direito dirigente iführendes Recht), relativamente a um direito dirigido (geführtes Recht), considerando que a acessoriedade se traduz numa dependência unilateral. Consoante as situações em que o direito dirigente pode conformar o dirigido, assim há, segundo MEDICUS, diversas modalidades de acessoriedade: a) no nas­cimento (Entstehung); b) no âmbito (Umfang); c) na manutenção (Zustiin­digkeit); d) na consecução (Durchsetzung); e) na extinção (ErlOschen).

Este é outro pilar da fiança e do respectivo regime. É ele que permite explicar aspectos onde a acessoriedade não impera; onde a técnica da acessoriedade/dependência é prejudicada pela consideração do fim de segurança do credor, o qual conduz (paradoxalmente ou talvez não) a uma certa emancipação do crédito fidejussório face ao crédito principal.

Não será, em rigor, correcto falar em excepções à acessoriedade mas, antes, na identificação de zonas em que a acessoriedade, como caracterís­tica natural da fiança, não actua. Podemos falar aqui numa pax fideiussoria, uma repartição de influência no terreno da fiança entre a acessoriedade e o fim de garantia.

A fiança, sendo embora, caracteristicamente, a nível de fisionomia e regime, uma garantia de cumprimento, é também uma garantia de solvência do devedor: é uma garantia de consecução do resultado do cumprimento.

Um exemplo dessa consideração do fim de garantia ou de segu­rança está na tendencial insensibilidade dos termos da responsabilidade fidejussória à sobrevinda impotência económica do devedor. Não faria qualquer sentido que o fiador, que garante a solvência do devedor, pudesse escusar-se a satisfazer o crédito no caso de o devedor não estar em condições, por incapacidade económica, de solver o crédito. A fiança seria, então, uma mera figura de decoração que em nada aproveitaria ao credor.

(…) O terceiro pilar do negócio de fiança é a consideração desta como negócio de risco. Com HENSSLER, podemos dizer que a fiança é um dos tipos contratuais que recebem o seu específico sentido e fim (Sinn und Zweck) do elemento risco.

Certo é que todos os negócios envolvem um risco; contudo, o risco que aqui acontece é um risco anormal, já que o fiador pode ter que ser chamado a suportar o esforço de satisfação do credor, sem que lhe possa exigir qualquer correspectivo, correndo, depois, por sua conta, o subsequente esforço de obter, junto do devedor, grosso modo, a reintegração do que rea­lizou, sem ter certezas quanto à respectiva efectivação. O risco que corre o devedor de garantia - mesmo que não sofra da "doença de carácter" (Charakterkrankenheit) de que falava HECK - de ter de cumprir, não é substancialmente diferente daquele que corre o segurador num seguro de créditos.

Falar em negócio de risco é o mesmo que falar em negócio de perigo; interessante a frase de KONDGEN: "Quem garante crédito alheio vive perigosamente" ("Wer frendem Kredit sichert, lebt gefahrlich").” [[5]]

Esquissada, em termos lapidares, as funções e o objecto da fiança (relação fidejussória) e os traços definidores do respectivo regime, incidamos sobre o caso concreto.

Para o aresto revidendo (sic): “É sabido que a questão tem tido soluções jurisprudenciais divergentes. Uns defendem, como fez a sentença recorrida, que o fiador não é um consumidor ou um aderente (considerando o disposto, respectivamente, no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21/09, vigente à data da celebração do contrato, e artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10), pelo que não lhe é aplicável o dever de comunicação e de informação aludido e, consequentemente, não pode invocar o regime das cláusulas contratuais gerais. Outros defendem, como preconizado pelo apelante, que sendo o fiador um terceiro que garante o cumprimento da obrigação a cargo do contraente principal, impõe-se-lhe a extensão do ónus de comunicação e de informação que recai sobre o credor, já que as razões que estiveram na génese da constituição de um regime específico para os contratos onde estão inseridas cláusulas contratuais gerais são inteiramente transponíveis para a prestação de garantias, mormente a fiança, acoplada a tais contratos.

No nosso entender, subscrevemos a segunda posição, por ser aquela que se nos afigura mais consentânea com natureza acessória da garantia prestada, uma vez que o garante se encontra na posição do devedor consumidor/aderente (cfr. artigo 627.º do Código Civil), mormente quando declara, como ocorre no caso em apreço, que presta uma "fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado", e, por outro lado, visando o regime das cláusulas contratuais gerais proteger os destinatários directos das mesmas, independentemente de serem parte principais ou acessórias, impõe-se a aplicação do mesmo regime aos garantes cuja obrigação assumem à imagem da obrigação do devedor principal, ficando igualmente vinculados por força do contrato, seja por intervirem directamente no mesmo ou por subscreverem um documento autónomo, mas que remete para o contrato celebrado entre o credor e o devedor.

Veja-se, assim, à semelhança do que sucede no caso em apreciação, que dos dizeres do "Termo de Fiança" não decorre qual os quais as obrigações concretamente assumidas pelo fiador, remetendo-se no mesmo para os termos do contrato de mútuo com fiança, o qual tem inseridas as referidas cláusulas contratuais gerais a par de outras de carácter específico.

Assim, sem conhecimento do concreto teor das referidas cláusulas contratuais gerais, o garante (no caso, fiador) fica sem poder antecipadamente aquilatar da extensão e conteúdo da responsabilidade que assume quando subscreve o termo de fiança. Razão mais do que justificável, quanto mais não fosse, face ao princípio da boa-fé pré-contratual (artigo 277.º do Código Civil), para as mesmas cláusulas contratuais gerais lhe serem comunicadas, nos termos que os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, acabam por concretizar e densificar.”

O fiador, aqui recorrido, contraiu, mediante “termo de fiança”, aposto em anexo às condições específicas do contrato de mútuo - crédito para aquisição de um veículo -, celebrado entre o mutuário, BB e o banco recorrente, “a responsabilidade de garantir o pagamento de todas as obrigações assumidas pelo 1.º R no âmbito do contrato referido.”

O fidejussor não fica responsável pelo cumprimento dívida perante o devedor principal mas sim, como se deixou assinalado supra nas palavras do Professor Januário da Costa Gomes “o fiador, sendo devedor, é-o de uma dívida própria: a dívida de fiança ou dívida fide­jussória, que tem a peculiaridade de, pela técnica da acessoriedade, estar moldada nos termos da dívida principal: ela é moldada per relationem (arts. 631 e 634).” Daí que a sua relação (de interioridade obrigacional) se constitua relativamente ao devedor, este sim o portador da relação principal perante o credor. Embora assumindo uma dívida própria, a dívida da fiança ou dívida fidejussória, que se reverbera ou se molda pela dívida principal, o fiador não assume a qualidade especifica ou qualitativa do fidejussório. A assumpção qualitativa de que fala Giovanni Stela configura uma acepção que atina, não com a qualidade do devedor, mas sim com a qualidade da dívida. De passo, refere este autor, quando se refere ao aspecto ou conteúdo qualitativo da dívida, que a obrigação fidejussória reveste normalmente a característica de uma obrigação pecuniária. Isto é, a qualidade da dívida é referenciada ao conteúdo ou objecto da obrigação ou da prestação a garantir e não à qualidade do devedor na relação com o credor. Daí que, a qualidade em que o devedor assume a dívida perante o credor, não possa ser transmitida ao fidejussor pela simples razão de que este se obriga a prestar, perante o credor, um quantitativo correspondente ao que o devedor se comprometeu a prestar, independentemente, da qualidade em que assumiu a obrigação.            

O recorrido, com fiador, está obrigado a prestar perante o credor o correspondente ao que o devedor se havia comprometido a fazer. O incumprimento por parte do devedor principal da prestação a que ficou adstrito compele ou conculca o fiador a realizar a prestação em falta, nos precisos termos em que essa obrigação deveria ter sido prestada, independentemente da qualidade, ou qualificação jurídico-legal, em que o devedor principal contraiu ou assumiu a dívida principal.     

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista e, em consequência, revogar a decisão recorrida, repondo a decisão de primeira (1.ª) instância.

- Sem custas. 

                                                          

Lisboa, 21 de Janeiro de 2014

                                  

Gabriel Catarino (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Póvoas

__________________
[1] Cfr. Giovanni Stela, “Del Garanzie del Credito – Fideiussione e garantizie autonome”, Tratado di Diritto Privato, a cura de Giovanni Iudica e Paolo Zatti”, Giuffré Editore, Milano, 2010, pág. 4.   

[2] Na jurisprudência veja-se, por todos, o Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 01-07-2008, relatado pelo Conselheiro Alves Gomes, in www.dgsi.pt , em que se escreveu: “A fiança é uma garantia especial que obriga pessoalmente um terceiro, que é o fiador, perante o credor, assumindo aquele uma obrigação da mesma natureza da obrigação principal (art. 627º C. Civil).

Assim, como expressamente se estipula no art. 634º do mesmo Diploma, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou da culpa do devedor.
Colhe-se do preceito que para que se tenha por incumprida a obrigação e verificada a responsabilidade do fiador pelo incumprimento, seja pela mora seja por indemnização fundada no incumprimento culposo do devedor principal, não é necessária a sua interpelação, bastando que esta seja efectuada na pessoa do devedor, salvo se se tiver estipulado diversamente.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 12/12/2002, citado pela Recorrente, “a fiança destina-se a garantir o credor de que obterá o resultado do cumprimento da obrigação principal, pelo que o fiador, tenha ou não atentado devidamente na responsabilidade que contrai, se obriga, se não estipulou coisa diferente, por aquilo a que o devedor está obrigado”.

[3] Cfr. Giovanni Stela, in op. loc. Cit. pág. 10.

[4] cfr. Januário da Costa Gomes, Manuel: “A fiança no quadro das garantias pessoais. Aspectos do Regime”, in “Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977. Direito das Obrigações”, Vol. III, Coimbra Editora, págs. 79 a 119 - (Pág. 83)
[5] Cfr. Januário Costa Gomes, in op. loc. cit., passim de págs. 89 a 97.