Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
701/09.8TTLRS.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: TRANSMISSÃO DA UNIDADE ECONÓMICA
PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS LABORAIS
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / PRÉ-REFORMA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 318.º, N.º 2 E 320.º.
Sumário :
1. A responsabilidade solidária do transmitente apenas abrange as obrigações vencidas até à data da transmissão e já não aquelas que se vençam depois.

2. Com a transmissão de unidade económica cessa a condição de empregador do transmitente, aplicando-se-lhe a partir dessa data o prazo de prescrição previsto na lei para os créditos emergentes da celebração, violação e cessação do contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA, BB, CC e DD interpuseram ação declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra EE, SA, FF, Lda, GG, Lda. e  HH, SA, pedindo: a declaração da nulidade do trespasse comercial realizado entre a Ré EE e a Ré FF; a declaração da responsabilidade solidária das Rés pelos créditos laborais devidos aos Autores; a condenação das Rés a pagar aos Autores a quantia total de € 119.412,05, a título de retribuições, férias, subsídios de férias e indemnização nos termos do artigo 443.º do CT de 2003.

As Rés contestaram, invocando todas elas, e entre outros argumentos, a prescrição dos créditos laborais.

Realizado o julgamento foi proferida sentença com o seguinte teor:

“Por todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente motivo pelo qual condeno as RR FF, Lda, e HH, SA, a pagar:

- ao autor AA o valor de € 21634,21 (vinte e um mil, seiscentos e trinta e quatro euros e vinte e um cêntimos).

- à autora BB o valor de € 11625,50 (onze mil, seiscentos e vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos.

- à autora CC o valor de € 9072,26 (nove mil e setenta e dois euros e vinte e seis cêntimos).

- à autora DD, o valor de € 11771,00 (onze mil, setecentos e setenta e um euros).

No mais, absolvo as RR do pedido.”

Inconformadas as 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés arguiram a nulidade da sentença e recorreram da mesma.

Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação que julgou procedente a apelação das Rés e, em consequência, revogou a sentença recorrida, absolvendo as Rés FF, GG e HH de todos os pedidos.

Os Autores AA, BB, CCe DD, inconformados, vieram interpor recurso de revista com as seguintes Conclusões:
“1. Ao decidir como decidiu, o TRL tomou uma decisão injusta e violadora dos artigos 318.º e 320.º do CT, na versão aplicável aos autos, bem como do artigo 334.º do CC

2. Bem como interpretou de forma errada o artigo 381.º do CT, porquanto os recorrentes tiveram apenas um, e não dois contratos de trabalho, tendo os presentes autos sido intentados dentro do prazo de um ano aí referido.

3. O trespasse do estabelecimento comercial não cria novos vínculos laborais, mas tão só altera subjetivamente a posição da entidade patronal.

4. Pelo que, verificando-se responsabilidade das Recorridas e os motivos que levaram, à cessação de contrato dos Recorrentes sempre terão estas que ser responsabilizadas pelo pagamento da indemnização a estes devida.

5. Sendo essa responsabilização evidente, independentemente da validade formal do trespasse em apreciação nos autos, na medida em que (facto provado) não foram cumpridas todas as normas de informação impostas pelo artigo 320.º do CT, assim se tendo impedido uma reação mais atempada dos Recorrentes.

6. Ao violar os deveres de informação pelo artigo 320.º CT – que a decisão em crise viola – mesmo considerando válido o trespasse – o que na realidade sucedeu, foi um, ainda que encapotado despedimento coletivo, que permitiu às Recorridas livrarem-se dos seus mais antigos e bem pagos funcionários, eximindo-se do pagamento das indemnizações devidas.

7. O que fizeram mediante um trespasse em que se livraram dos trabalhadores que escolheram, mas, conhecedoras da impossibilidade da cessionária em honrar os compromissos assumidos se precaveram reservando para si a propriedade dos equipamentos, que não foram todos, que englobaram em tal trespasse.

8. Neste contexto, a invocação do artigo 381.° n.º 1 do CT, mais ainda quando existiu um e não dois contratos de trabalho, não pode deixar de se considerar um abuso de direito flagrante, mais ainda quando o motivo mais próximo da rescisão dos contratos foi uma conduta violadora da Lei praticada por quem invoca a exceção

9. Sendo  assim evidente que, ao  decidir como  decidiu,  a  sentença  violou,  por os interpretar erradamente, os artigos 381.º do CT e 334.º do CC.

10. Impondo-se, pois, por tudo quanto acima fica exposto, a procedência total do presente Recurso.”

As Rés contra-alegaram, invocando a prescrição e negando a existência de qualquer abuso de direito. Concluíam pedindo que fosse negado provimento ao recurso e confirmado o Acórdão recorrido.

Por despacho proferido a 15 de janeiro de 2019, e depois de ter sido cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 655.º do CPC, foi admitido o recurso apenas em relação ao Autor e Recorrente AA, não se admitindo em relação aos restantes Autores e Recorrentes. Com efeito, só em relação a AA é que estão reunidos os pressupostos para um recurso de revista, atendendo tanto ao valor do pedido (€ 47.644.52), como à sucumbência (que, em relação a este Autor se quantifica em € 21.634,21, sendo superior a metade da alçada do Tribunal da Relação. porquanto foi esse o valor que a sentença de primeira instância condenou as RR a pagarem a este A., sendo que o acórdão do Tribunal da Relação absolveu as RR de todos os pedidos e o Autor pede a revogação do acórdão e a repristinação da sentença de primeira instância). Como o valor da alçada do Tribunal da Relação é de € 30.000,00 (artigo 44.º n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto) os pedidos apresentados pelos Autores e Recorrentes BB, CC e DD ficam aquém da alçada, já que são respetivamente de € 25.905.09, € 20.242,28 e € 26.055,16. pelo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 629.º do CPC não foram admitidos.

O Ministério Público, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT, emitiu Parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.

Fundamentação

De facto

1- O autor AA foi admitido pela Ré FF, em 04-09-1995, para sob a sua direção e fiscalização exercer a função de Impressor, sendo o seu ordenado de € 1.727,33. (A) e 1.BI)

2- A Autora BB foi admitida pela Ré FF, em 02-11-1995, para sob a sua direção e fiscalização exercer a função de Operadora de Máquinas, sendo o seu ordenado de € 930,04. (B) e 2 BI)

3- A Autora CC foi admitida, em 02-12-1997, pela Ré FF, para sob a sua direção e fiscalização exercer a função de Operadora de Máquinas, sendo o seu ordenado de € 873,33. (C) e 3 BI)

4- A Autora DD foi admitida, em 02-11-1995, pela Ré FF, para sob a sua direção e fiscalização exercer a função de Operadora de Máquina, sendo o seu ordenado de € 941,68. (D) e 4 BI)

5- A Ré GG é a única sócia da Ré FF.(E)

6- A Ré HH, S.A. era a única sócia da Ré GG e incorporou‑a por fusão. (F)

7- As Rés FF, GG e HH, mantêm a sua sede na mesma morada. (G)

8- A Gerência da FF e da GG é exercida pela mesma pessoa: II. (H)

9- Em 22-01-2008, os Autores receberam as cartas juntas como Docs. 14,15 e 16 – fls. 115,116 e 177 - subscritas pelo Diretor de Recursos Humanos da Ré FF, informando-os que, por razões de ordem económica, de mercado e tecnológicas, a empresa seria encerrada no final do mês de março de 2008, bem como, que estava a ser negociada a incorporação dos trabalhadores em empresas externas.

10- Em data não concretamente apurado, entre o final de fevereiro e meados de março de 2008, foi entregue aos Autores a comunicação junta como doc. 17 à pi – fls. 118 -, com o seguinte teor:

COMUNICAÇÃO

Aos trabalhadores da Gráfica da FF: Vimos por este meio informar todos os trabalhadores da gráfica da FF que ficaram concluídas hoje as negociações quanto ao trespasse do estabelecimento comercial da gráfica de FF com a empresa EE.

Este trespasse comercial implica que toda a gráfica passa a ser propriedade de EE sendo transferido o seu local de funcionamento para as instalações daquela empresa, em Santo ..., concelho de ....

Neste sentido foi encontrado uma solução para a principal preocupação da administração da HH que pretendia garantir que esta situação tivesse o menor impacto social possível e evitar os despedimentos”.

11- No dia 20 de março de 2008, as Autoras CC e DD, subscreveram um pedido para que lhes fosse entregue um documento que salvaguardasse os respetivos direitos na sequência do trespasse comercial da Ré FF para a Ré EE – … (cfr. Doc. 18). (7.º BI)

12- No dia 01 de abril de 2008, a Autora BB foi chamada ao Departamento de Recursos Humanos da FF, onde lhe propuseram que gozasse 10 dias de férias. (8.º BI)

13- A Autora BB não concordou com tal proposta, tendo aceite gozar apenas 4 dias a título de férias e 4 dias de licença (cfr. Doc. 19). (9.º BI)

14- No dia 07 de abril de 2008, a Autora CC foi chamada ao Departamento de Recursos Humanos, onde lhe propuseram que gozasse 8 dias de férias e 8 dias de licença, com os quais concordou (cfr. Doc. 20). (10.º BI)

15- No dia 08 de abril de 2008, o Autor AA foi chamado ao Departamento de Recursos Humanos, onde lhe propuseram que gozasse um mês de férias. (11.º BI)

16- O Autor AA não concordou com tal proposta, tendo aceite apenas gozar 4 dias de férias (cfr. Doc. 21). (12.º BI)

17- Nos dias 09, 21 e 23 de abril de 2008, os Autores receberam as cartas juntas como documentos n.º 22, 23 e 24 da Ré FF que, aqui se dão por reproduzidas, e que têm o seguinte teor:

(…) Em virtude de nos terem sido colocadas várias questões relativamente à natureza que assume a transferência dos trabalhadores da gráfica, vimos por este meio esclarecer que a referida transferência, enquadra-se nos artigos 318.º e seguintes do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto e ocorre face à necessidade de reorganização empresarial que todas as empresas do Grupo HH atravessam neste momento e ao qual a empresa FF, não é alheia (…)

Mais se esclarece que a transmissão da posição jurídica inerente aos contratos de trabalho dos trabalhadores, não coloca em causa a perda de quaisquer direitos ou regalias adquiridos pelos trabalhadores no âmbito da sua relação laboral com a FFs, Lda, tanto ao nível remuneratório como na sua antiguidade, sendo todas essas questões asseguradas na íntegra pela Empresa EE, agora detentora da posição de Empregador nos contratos de Trabalho. (…)” (cfr. Docs. 22, 23 e 24). (13.º BI)

18- Em 11 de abril de 2008, o Autor AA, subscreveu uma carta que enviou à Ré FF, na qual fez constar a sua oposição quanto à cessação do seu contrato de trabalho, bem como a existência de dívidas da EE para com a Segurança Social e pagamentos de ordenados em atraso (cfr. Doc. 25). (14.º BI)

19- Em resposta a esta carta, a Ré FF enviou uma carta ao A., dizendo-lhe, para além do mais, que “É também nosso dever aconselhá-lo que o melhor é apresentar-se no seu local de trabalho nas instalações da EE. Se insistir em não o fazer, deverá estar consciente das consequências jurídico-laborais desse comportamento (..)” (cfr. doc. 26). (15.º BI)

20- O Autor AA apresentou-se para trabalhar na Ré EE – Artes Gráficas, no dia 14/04/2008. (17.º BI)

21- A Autora BB apresentou-se para trabalhar na Ré EE – Artes Gráficas, no dia 02/05/2008. (18.º BI)

22- A Autora CC apresentou-se para trabalhar na Ré EE – Artes Gráficas, no dia 22/04/2008. (19.º BI)

23- A Autora DD apresentou-se para trabalhar na Ré EE – …, no dia 02/05/2008. (20.º BI)

24- Enquanto trabalhadores da Ré FF, os AA. recebiam subsídio de refeição. (21.º BI)

25- Quando passaram a laborar na Ré EE – …, esta não lhes pagou subsídio de refeição, fornecendo almoço na cantina. (22.º BI)

26- O ordenado do mês de junho de 2008 foi pago aos AA. nas parcelas e dias seguintes: dia 01 de julho de 2008: € 415,00; dia 31 de julho de 2008: € 365,00; dia 07 de agosto de 2008: € 78,85. (23.º BI)

27- O ordenado do mês de julho de 2008 foi pago aos AA. nas parcelas e dias seguintes: dia 12 de agosto de 2008: € 200,00; dia 20 de agosto de 2008: € 100,00; dia 5 de setembro de 2008: € 250,00; dia 19 de setembro de 2008: € 261,16. (24.º BI)

28- O ordenado referente ao mês de agosto de 2008, foi pago aos AA. parcialmente no dia 23 de setembro de 2008, não tendo sido pago a título de retribuição no mês de agosto de 2008:

- ao autor AA o valor de € 435,00;

- à autora BB o valor de € 255,83;

- à autora CC o valor de € 195,43;

- à autora DD o valor de € 229,74. (25.º BI)

29- Não tendo sido realizado qualquer outro pagamento a partir de 23 de Setembro, no dia 17 de outubro de 2008, o autor AA comunicou à 1.ª ré, por carta junta a fls. 128 (doc. 27) que esta recebeu no dia 20-10-2008, a suspensão do contrato de trabalho a partir de 17-10-2008 por não ter sido pago:

- € 435,09 relativo ao mês do salário de agosto de 2008;

- € 1450,00 relativo ao salário de setembro. (26.º BI)

30- No dia 17 de outubro de 2008, a autora BB comunicou à 1.ª ré, por carta junta a fls. 132 (doc. 31) que esta recebeu no dia 20-10-20108 (doc. 36), a suspensão do contrato de trabalho por não ter sido pago:

- € 255,83 relativo ao mês do salário de agosto de 2008;

- € 858,85 relativo ao salário de setembro. (26.º BI)

31- No dia 17 de outubro de 2008, a autora CC comunicou à 1.ª ré, por carta junta a fls. 140 (doc.38), a suspensão do contrato de trabalho a partir de 17-10-2008 por não ter sido pago:

- € 195,43 relativo ao mês do salário de agosto de 2008;

- € 739,83 relativo ao salário de setembro. (26.º BI)

32- No dia 21 de outubro de 2008, a autora DD comunicou à 1.ª ré, por carta junta a fls. 151 (doc. 49) que esta recebeu no dia 18-11-2008, a suspensão do contrato de trabalho, por não lhe ter sido pago:

- € 229,74 relativo ao mês do salário de agosto de 2008;

- € 801,43 relativo ao salário de Setembro. (26.º BI)

33- Os Autores AA, BB, DD e CC comunicaram à 1.ª Ré a resolução do contrato de trabalho por falta de pagamento das retribuições supra referidas, por cartas juntas a fls. 156/157 (datada de 14-11-2008), 160 (datada de 17- 11-2008), 163 (datada de 17-11-2008), 164 e 165 (14-11-2008). (26.º BI)

34- Os Autores AA, BB e CC, compareceram para trabalhar nas instalações da Ré EE – … até ao dia 24 de Outubro de 2008, e a Autora DD até ao dia 29 de Outubro de 2008. (27.º BI)

35- Enquanto prestavam a sua atividade para a FF, os AA. tinham o local de trabalho em …. (28.º BI)

36- Após serem transmitidos para a EE, os AA passaram a ter o local de trabalho em .... (29.º BI)

37- A Ré FF tinha conhecimento que a R. EE – …, em março de 2008, tinha dívidas à segurança social, atrasos de pagamentos a fornecedores e trabalhadores. (30.º BI)

38- O denominado Grupo HH, do qual a Ré HH, SA é a empresa mãe, dedica-se ao ramo editorial. (31.º BI)

39- Desde 2007, o referido grupo adquiriu, entre outras, as sociedades comerciais com objecto social de edição, distribuição e comercialização:

- JJII, SA;

- KK, Lda;

- LL, SA; MM SA;

- NN, Lda;

- OO Lda;

- FF Lda;

- PP SA; e,

- QQ SA. (32.º BI)

40- De todas as sociedades adquiridas apenas a Ré Texto possuía uma gráfica, sem capacidade para imprimir todos os livros publicados pelas diversas empresas do grupo. (33.º BI)

41- As RR. HH e FF decidiram proceder ao encerramento da referida gráfica, optando por outorgar com a 1.ª ré o contrato cuja cópia está junta a fls. 340 a 344, com os anexos de fls. 345 a 350, intitulado “Contrato de Trespasse”, que aqui se dá por reproduzido e do qual constam as seguintes cláusulas: “CONTRATO DE TRESPASSE

Entre

Primeira contraente: FF Lda, (...) adiante designada por FF; Segunda contraente: EE, …  SA (...), adiante designada por “EE”;

Considerando que:

A. A FF é uma sociedade comercial que pertence ao grupo HH e que tem por objeto social a Edição distribuição e venda de livros e outras publicações;

B. A EE uma sociedade comercial tem por objeto social o comércio e indústria de artes gráficas nomeadamente a impressão e acabamento de jornais, revistas e livros, para o prosseguimento a sua atividade torna-se essencial aquisição de uma gráfica;

C. No âmbito da sua atividade, a FF incrementou nas suas instalações uma gráfica, de forma a fazer face às suas necessidades de impressão de livros, que presta serviço ao grupo e a outras empresas do ramo;

D. Tal atividade gráfica, embora totalmente autonomizado não constitui o verdadeiro claro pisos [sic] de FF, pelo que, constituído verdadeiro core business da FF, pelo que, constituindo um verdadeiro estabelecimento comercial, decidiu a gerência transmiti-lo à EE, empresa especializada no ramo.

A primeira e a segunda contraente celebram entre si presente contrato a que se obrigam nas seguintes condições:

Cláusula primeira

Pelo presente contrato, a FF trespassa à EE, e esta aceita, o estabelecimento comercial supra identificado no considerando C.

Cláusula segunda

1. O estabelecimento comercial ora trespassado é transmitido com:

a. Todo o modelo e segredos do negócio, conforme anexo I;

b. Todo o pessoal afeto ao serviço do estabelecimento que consta do anexo II.

c. Toda a clientela do estabelecimento que consta do anexo III.

d. Todo o equipamento que compõe a gráfica, devidamente identificado no anexo I, ao presente contrato;

2. O presente trespasse não inclui a transmissão de qualquer passivo.

Cláusula terceira

O preço do trespasse é de € 642000,00 que a “EE” paga à “FF”, nos termos seguintes:

a) 24 prestações mensais e sucessivas no valor de € 26750;

b) A primeira prestação vence-se a 1 de janeiro de 2010 e a última em 01 de janeiro de 2012.

Cláusula quarta

1. (…)

2. Sem prejuízo da cedência imediata do equipamento constante do anexo IV, a FF reserva para si o direito de propriedade sobre o referido equipamento até ao cumprimento total das obrigações previstas na cláusula terceira pela “EE”.

Cláusula quarta

Até à entrada em funcionamento dos equipamentos constantes do anexo IV, que desde já se estabelece como data limite a data de 30 de abril de 2008, nas instalações da EE (…) continuará a ser da responsabilidade da FF o pagamento dos salários, duodécimos e demais encargos legais aos trabalhadores. (…)

Cláusula sétima

1. O presente contrato entre a FF Lda, Empresa do Grupo HH e a EE, que transmite o estabelecimento comercial gráfica que a FF Lda possui, faz parte integrante e constitui uma união de contratos com o contrato de adjudicação em regime de exclusividade da impressão e acabamento de produtos celebrado nesta mesma data entre a HH e a EE.

2. A extinção do contrato de impressão e acabamento de produtos gráficos, por iniciativa da HH, sem justa causa, durante o período de vigência inicial do mesmo confere o direito à EE de extinguir o presente contrato e trespasse, mesmo que já tenha sido alienados total parcialmente os equipamentos que compunham o estabelecimento, bem como de ser indemnizada em quantia equivalente ao custo total de todas as indemnizações que seriam devidas aos trabalhadores daquele estabelecimento gráfico se o mesmo tivesse recorrido ao despedimento coletivo dos seus trabalhadores. (…)

Celebrado a 1 de março de 2008, no Cacém. (…)” (34.º BI)

42- Através do referido negócio as partes pretenderam transferir da Ré Texto para a Ré EE:

- os trabalhadores – operadores de máquinas, impressores e auxiliares – do departamento de impressão e papel da FF, SA., id. a fls. 347 e 348 e know-how;

- Os clientes da gráfica id. no anexo III;

- sob reserva de propriedade, até ao pagamento da totalidade do preço, o equipamento que compunha a gráfica e que consta da lista junta a fls. 350; (35.º BI)        

43- A Ré EE possuía instalações próprias onde pretendia incorporar a gráfica da FF. (36.º BI)

44- Foram tidas reuniões com os Trabalhadores e feitas as comunicações referidas em 9., 10. e 17 de forma a explicar o factos 40 a 43. (37.º BI)

45- Foi realizada uma reunião com sindicatos, chamados a intervir à data por alguns trabalhadores. (38.º BI)

46- Foi explicado individualmente a todos os trabalhadores que a FF queria encerrar a Gráfica e que iria celebrar um contrato de trespasse com a Ré EE, o modo como se iria dar a transição e proposto em alguns casos o gozo dos dias de férias em falta com vista a facilitar as contas finais. (39.º BI)

47- A R. EE era uma das maiores gráficas do país. (40.º BI)

48- Após o dia 1 de março de 2008, a Ré EE continuou a imprimir livros para a FF e para outras empresas do grupo HH. (42.º BI)

49- A Ré EE foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 23-05-2012, no âmbito do Processo n.º 1420/10.8TYLSB (que deu entrada em Tribunal no dia 28-10- 2010).

50- A Ré FF reclamou créditos na insolvência da EE, no valor de € 1.279.230,35, por fornecimento de papel, mas condicionado face à devolução do papel objeto dos fornecimentos.

51- Os AA reclamaram no Processo de Insolvência da Ré EE, SA, os créditos peticionados na presente ação, os quais foram reconhecidos na íntegra e graduados como privilegiados. (Cfr. certidão de fls. 731).

52- No processo de insolvência ainda não foi pago qualquer valor aos AA (alterado pelo Tribunal da Relação).

53- Através do referido negócio foram transferidas todas as máquinas, com exceção de uma que foi enviada para uma empresa do Porto onde foi montada (aditado pelo Tribunal da Relação).

De direito

Como já mencionado no Relatório o presente recurso apenas foi admitido relativamente ao Recorrente AA.

Importa, antes de mais, sublinhar que tendo os Autores pedido a declaração de nulidade do trespasse realizado entre as Rés, a sentença de 1.ª instância pronunciou-se pela validade do mesmo, não tendo este segmento sido objeto de recurso, pelo que se pode considerar definitivamente decidida a referida questão. Há, pois, que partir da premissa da validade do trespasse.

Tendo em atenção a referida premissa, terá o Recorrente que resolveu o contrato com justa causa direito a ser indemnizado pela 2.ª e 3.ª Rés?

Face aos factos provados, verificou-se uma transmissão de unidade económica, tendo-se o Recorrente AA apresentado para trabalhar na Ré EE – …, no dia 14/04/2008 (facto 20). Como o Tribunal de Justiça teve já ocasião de sublinhar a data em que ocorre a transmissão não é necessariamente a data do trespasse, mas antes a data em que o transmissário passou de facto a exercer os poderes próprios do empregador o que, face aos factos provados, terá ocorrido em abril de 2008.

O Recorrente que exerceu o seu direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa face ao seu empregador (o transmissário) pretende que o transmitente o indemnize.

Em primeiro lugar, a lei vigente à época, o Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto, estabelecia, no seu artigo 318.º, n.º 2, que “[d]urante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão”. Decorre inequivocamente da lei que esta responsabilidade solidária do transmitente apenas abrange as obrigações vencidas até à data da transmissão e já não aquelas que se vençam depois, como ocorre com a obrigação de indemnizar resultante da resolução com justa causa operada pelo trabalhador após aquela data da transmissão e respeitante a um incumprimento do contrato de trabalho posterior à referida data.

É certo que já a Lei n.º 99/2003 impunha no seu artigo 320.º uma obrigação de informação ao transmitente, em tempo útil, aos representantes dos trabalhadores e na sua falta aos próprios trabalhadores sobre a data e motivo da transmissão, bem como sobre “as suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e das medidas projetadas em relação a estes” (n.º 1 do artigo 320.º). Tal obrigação deveria ser cumprida em conformidade com o princípio da boa fé. Pode afirmar-se que não o foi, tanto à luz do facto 37, como da circunstância de a comunicação referida no n.º 10 afirmar que “toda a Gráfica passa a ser propriedade de EE”, quando na realidade o equipamento que compunha a gráfica foi abrangido por uma cláusula de reserva de propriedade (facto 42) e “uma das máquinas foi enviada para uma empresa do Porto onde foi montada” (facto 53).

Admite-se que este incumprimento do dever de informação poderia dar azo a uma obrigação de indemnizar por conta do transmitente. Contudo, trata-se de um dever do empregador, ainda que de fonte legal, o que implica que está sujeito à regra sobre a prescrição, contida, à época, no n.º 1 do artigo 381.º da Lei n.º 99/2003 e segundo a qual “todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, sendo certo que a prescrição foi alegada pelas Rés. Ora, ocorrendo a transmissão de unidade económica em abril de 2008 e tendo a ação sido proposta pelo trabalhador em 13 de julho de 2009, é forçoso concluir que os créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, face ao transmitente, já prescreveram.

O Recorrente aduz, no entanto, dois argumentos em sentido oposto. Em primeiro lugar, refere que o seu contrato de trabalho não cessou em abril de 2008, mas prosseguiu com o transmissário. Em segundo lugar, invoca o abuso do direito.

É exato que o contrato de trabalho não cessou em abril de 2008, mas a transmissão de unidade económica implica que o transmitente deixou de ser o empregador desde a data da transmissão, saiu da relação contratual a partir desse momento. Em suma, em relação ao transmitente tudo se passa como se para ele o contrato de trabalho tivesse cessado nessa data e não se vê razão para não aplicar a regra especial sobre a prescrição dos créditos emergentes da celebração, violação e cessação do contrato de trabalho. E quanto à invocação do abuso de direito – não sendo líquido qual o direito que estaria a ser abusivamente exercido, se o direito de transmissão da unidade económica, se a faculdade de invocar a prescrição… – há que dar razão ao Acórdão recorrido quando afirma que a matéria de facto dada como provada no processo não permite afirmar a existência de um abuso de direito.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido, relativamente ao deliberado quanto ao Autor e Recorrente AA.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 30 de abril de 2019.

Júlio Gome (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto