Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3500/16.7T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
VÍCIOS DA VONTADE
ERRO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPÇÃO DE COMPRA
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, p. 848-856, 857-864 e 798-808;
- Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 492-497, 504-521 e 538.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA B), 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 663.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-03-1949, IN BMJ N.º 12 (MAIO DE 1949);
- DE 16-04-2002, PROCESSO N.º 02B3349;
- DE 17-02-2003, PROCESSO N.º 03B1993;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 4800/05.TBAMD-A.S1;
- DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 190-A/1999.E1.S1;
- DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 289/10.7TBPTB.G1.S1;
- DE 12-06-2012, PROCESSO N.º 521-A/1999.L1.S1;
- DE 13-02-2014, PROCESSO N.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1;
- DE 12-03-2014, PROCESSO N.º 177/03.3TTFAR.E1.S1;
- DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 34/12.2TBLMG.C1.S1;
- DE 24-11-2015, PROCESSO N.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1;
- DE 29-09-2016, PROCESSO N.º 17/13.5TBLSA.C1.S1;
- DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 144/11.3TYLSB.L2.S2;
- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1;
- DE 05-01-2019, PROCESSO N.º 27881/15.0T8LSB-A.L1.A.S1;
- DE 23-01-2019, PROCESSO N.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1.
Sumário :
A improcedência do pedido principal de execução específica de uma promessa de venda prejudica o conhecimento da questão da anulabilidade do contrato, por erro-obstáculo, erro-vício ou incapacidade acidental do promitente-vendedor, deduzida por via de excepção.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO

           


  1. AA - Acabamentos, Lda., propôs acção declarativa de condenação contra BB e CC, pedindo que

   I. — fosse declarada a validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18 de Dezembro de 2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01 de Janeiro de 2015;

  II. — fossem condenados os Réus a celebrar um contrato de compra e venda do prédio arrendado “nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de 160.000,00 euros”;

  III. — fossem condenados os Réus nas custas e demais encargos legais.


  2. Comunicado o falecimento de CC, foi deduzido pela Autora, nos autos apensos, incidente de habilitação de herdeiros e aí proferida decisão que julgou habilitados, como sucessores da falecida Ré, além do réu BB, com quem era casada, os seus filhos, DD, EE, FF, GG, HH e II.


  3. O Réu BB e os Réus habilitados DD, EE, FF, GG e II contestaram, com reconvenção.


  4. O Réu BB suscitou a questão prévia do falecimento da Ré CC; pugnou pela improcedência do pedido deduzido pela Autora; e pediu, a título de reconvenção,

      I. — que a Autora fosse condenada ao pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas desde 8 de Janeiro de 2017 até à entrega do prédio arrendado e ao pagamento de indemnização pela mora na entrega do imóvel;

   II. — que a Autora fosse condenada ao pagamento de indemnização ao Réu pelos danos não patrimoniais, com os respectivos juros de mora vencidos e vincendos.


  5. A Autora AA - Acabamentos, Lda., deduziu réplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos Réus; pugnando pela improcedência do pedido reconvencional; e pedindo, para o caso de o pedido reconvencional proceder, que os Réus reconvintes fossem condenados a pagar à Autora o valor de € 100.000,00 a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas no prédio.


  6. Os Réus habilitados DD, EE, FF, GG e II pugnaram pela improcedência do pedido deduzido pela Autora e pediram, a título de reconvenção,

   I. — que a Autora fosse condenada ao pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas desde 8 de Janeiro de 2017 até à entrega do prédio arrendado e ao pagamento de indemnização pela mora na entrega do imóvel;

  II. — que o contrato de arrendamento fosse declarado resolvido.


  7. A Autora AA - Acabamentos, Lda., deduziu réplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos Réus; pugnando pela improcedência do pedido reconvencional; e pedindo, para o caso de o pedido reconvencional proceder, que os Réus reconvintes fossem condenados a pagar à Autora o valor de € 100.000,00 a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas no prédio.


  8. Foi proferido despacho por que se decidiu:

    I. — rejeitar, por inadmissíveis, os pedidos reconvencionais deduzidos;

   II. — dispensar a audiência prévia, “atenta a admissão nos articulados [de] todos os factos que importam à decisão conscienciosa da causa”.


  9. A 1.ª instância julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos.


  10. inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.


  11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1. A douta sentença recorrida é omissa quanto à descriminação dos factos provados, pelo que padece da nulidade típica prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, a qual expressamente se argui;

2. Sem prescindir, um cônjuge pode, por si só, fazer validamente a promessa de venda de bem imóvel comum (do casal), confiando que obterá o consentimento da mulher, suprindo a dificuldade decorrente do artigo 1682.º-A, n.º 1 do Código Civil;

3. Nestes casos, o promitente vendedor obriga-se a meios.

4. Por seu turno, o promitente-comprador tem a faculdade de se contentar com a promessa de venda de apenas um dos cônjuges, posto que a Lei também lhe confere o recurso aos meios coercivos adequados a “compelir” o promitente-vendedor a obter o necessário consentimento da mulher, designadamente, a sanção pecuniária compulsória (art.º 829.º-A do Código Civil), a indemnização pela mora ou pelo incumprimento definitivo (art.ºs 798.º e 804.º, n.º 1 do Código Civil) e o direito de retenção pelo crédito resultante do incumprimento (art.º 755.º, n.º 1, al. f) do Código Civil);

5. A A. não peticiona a execução específica do contrato, mas apenas a condenação dos RR. a cumpri-lo, celebrando o contrato de compra e venda prometido;

6. A A. não peticiona a prolação de sentença que produza a declaração negocial dos RR. (a execução específica), razão pela qual, mesmo que se entenda que a Ré mulher não pode ser condenada a cumprir o contrato (por não o ter assinado), o certo é que o R. marido (que o assinou) não pode ser absolvido do pedido;

7. Por seu turno, tendo a A. peticionado que se declare a validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18/12/2014, a decisão que vier a ser proferida regulará definitivamente a questão da eficácia e validade da declaração negocial do R. marido, tendo por objecto um bem comum do casal (dos RR.), daí a legitimidade passiva da R. mulher (agora os seus herdeiros) nos presentes Autos.

8. A douta sentença recorrida viola os art.ºs 397.º, 398.º e 410.º do Código Civil e o art.º 33.º, n.ºs 2 e 3 do CPC.


  12. O Réu BB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.


  13. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


1. A decisão profusamente fundamentada, não merece qualquer censura. Antes constitui um exemplo da administração correcta e profícua da Justiça, escalpelizando inclusivamente Doutrina e Jurisprudência, a propósito.

2. A sentença proferida nos presentes autos não padece de qualquer nulidade, pois Tribunal a quo, na sentença proferida, claramente explana e justifica a decisão proferida, arguindo, para o efeito, os devidos fundamentos de facto e de direito que serviram de razão à decisão proferida.

3. Com o recurso interposto, requer a Autora que sejam os Réus condenados a cumprir o contrato promessa de compra e venda (ou, caso assim não se entenda, pelo menos o Réu marido seja condenado, o que não havia antes sido peticionado) e seja declarada a validade do contrato de arrendamento com opção de compra.

4. Tais preensões nenhum provimento devem merecer.

5. A Ré mulher não assinou qualquer contrato, pelo que, não assumiu qualquer obrigação, não existindo, assim, qualquer fundamento ou justificação para que a mesma seja condenada a celebrar um negócio com o qual não se obrigou.

6. A promessa do Réu marido não pode, ao mesmo tempo e por si só, obrigar a Ré mulher, pois o contrato promessa apenas poderia obrigar a Ré mulher caso a mesma o tivesse assinado, não se podendo condenar alguém a cumprir um contrato ao qual não se vinculou!

7. Acresce que, o referido contrato promessa sempre seria nulo, por falta de forma.

8. Não merece, igualmente, qualquer provimento a pretensão (apenas agora peticionada) de que o Réu marido seja, sozinho, condenado a cumprir o contrato promessa.

9. O prédio é bem comum do casal, pelo que, o Réu marido não pode, sozinho, ser condenado a celebrar contrato de compra e venda, uma vez que apenas a vontade de todos os proprietários poderá produzir os efeitos da compra e venda.

10. Não pode a Autora pretender seja declarada a validade do contrato de arrendamento com opção de compra para, com isso, rogar-se no direito de exigir o cumprimento do contrato promessa de compra e venda.

11. Assim, entende o réu que a presente causa foi exemplar e inatacavelmente julgada, não devendo ser alterada.


  14. O Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedente o recurso, “nos seguintes termos”:

     I. — confirmou a decisão recorrida no que concerne aos Réus que intervêm nos autos como herdeiros habilitados da ré CC, “julgando em relação aos mesmos a acção improcedente, com a consequente absolvição dos pedidos”;

    II. — confirmou a decisão recorrida na parte em que absolveu o Réu BB do pedido de condenação na conclusão do contrato de compra e venda do prédio arrendado, “nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de € 160.000,00”;

    III. — revogou a decisão recorrida na parte em que absolveu o Réu BB, do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18 de Dezembro de 2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01 de Janeiro de 2015, “devendo os autos prosseguir restritos a esta matéria, acima assinalada […], com ulterior prolação de decisão em relação à mesma”.


   15. Inconformados, a Autora AA - Acabamentos, Lda, e os Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II interpuseram recurso de revista.


  16. A Autora AA - Acabamentos, Lda, interpôs recurso de revista excepcional, “nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil”.


  17. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


a) Vem a presente revista interposta do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/11/2018, que julgou parcialmente procedente a Apelação nos seguintes termos:

 

“a) Mantêm a decisão recorrida no que concerne aos réus que intervêm nos autos como herdeiros da ré CC, julgando em relação aos mesmos a acção improcedente, com a consequente absolvição dos pedidos;

b) Mantêm a decisão recorrida no que concerne ao réu BB, na parte em que, julgando em relação ao mesmo a acção improcedente, o absolveu quanto ao pedido de serem os réus condenados a celebrar contrato de compra e venda do prédio arrendado e melhor identificado sob o artigo 1ºda petição inicial, nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de €160.000,00;

c) Revogam a decisão recorrida na parte em que absolveu o réu BB, relativamente aos pedidos de declaração da validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18/12/2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01/01/2015, devendo os autos prosseguir restritos a esta matéria, acima assinalada (artigos 4º a 46º da contestação do réu, em especial o teor dos artigos 4º, 15º a 23º, 27º a 30º, 33º e 39, e nos artigos 9º a 48 da réplica da autora, em especial o teor dos artigos 9º a 12º e 21º a 31º), com ulterior prolação de decisão em relação á mesma”.

b) O douto acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, contraria jurisprudência dos Tribunais da Relação de Évora e de Lisboa, e também do Supremo Tribunal de Justiça, proferida no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

c) Ora, o problema colocado nos autos e no recurso de apelação interposto, era saber se a promessa, solitária, de um dos cônjuges, de vender a coisa comum, só alienável pelos dois, tinha plena validade, uma vez que o promitente vendedor se obrigou a meios, no caso, diligenciando pela obtenção do consentimento do cônjuge não interveniente, na venda futura.

d) Foi defendido que a singularidade de intervenção na promessa de vender não afecta a validade e eficácia da mesma promessa, entre promitente vendedor e promitente compradora;

e) E em que a falta da declaração negocial da ré mulher, configura um cenário característico, todavia imperfeito, inserido no quadro jurídico traçado pelos artigos 410º a 413º, 441º e 442º e 830º, do Código Civil, mas apenas relevando de alguns aspectos, particularmente dos indemnizatórios, resultantes do incumprimento da promessa pelo promitente vendedor e por causa a ele imputável;

f) Nos autos, não foi pedido a prolação de sentença que produza a declaração negocial dos réus – execução especifica.

g) A decisão proferida pela Relação de apreciação da validade do contrato, mostra-se absolutamente prejudicada pela outra decisão inserta no acórdão, no caso, a absolvição do R. marido no cumprimento desse mesmo contrato.

h) Pelo que, a decisão constante da aliena b) do acórdão da Relação, é errada e contraria outras decisões jurisprudenciais.

i) No douto Acórdão Revidendo relativamente ao problema central suscitado, os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, como se disse, entenderam que havia a possibilidade e assim o fizeram, de absolver o réu marido do pedido de cumprimento do contrato, estribando-se ou alegando sucintamente o seguinte:

“(…) a questão que se suscita em relação ao cônjuge que outorgou o contrato, no caso, o réu, integra o domínio meramente obrigacional, não estando em causa a oneração ou alienação de um direito real sobre imóvel. Nestas condições, perante a necessária intervenção vinculada da ré que, pelas razões antes mencionadas, não se verifica, é incontroverso que está forçosamente prejudicada a pretensão da autora na parte em que pede que os réus sejam condenados a celebrar o contrato de compra e venda do prédio arrendado e melhor identificado nos autos, nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço de €160.000,00.”

j) Ora, como se alegou, não foi pedida a execução especifica do contrato promessa ou a prolação de sentença que produza a declaração negocial dos réus, mas antes a condenação e neste caso, do réu promitente vendedor, na obrigação e meios, ou seja, a diligenciar pelo cumprimento do contrato sob pena de incorrer em responsabilidade, verificando-se o incumprimento definitivo.

k) Sendo lícito que os demais réus (filhos herdeiros da ré CC), sejam absolvidos do pedido, é certo que, o réu marido e que outorgou o contrato promessa, não poderá ser absolvido de tal pedido. E mais sentido faz esta situação, perante a apreciação da validade do contrato que, entretanto, irá ser feita, como determinou o tribunal.

l) Pois caso o contrato seja considerado válido, como pode o réu ser responsabilizado, dado que por esta decisão ora sob censura, foi absolvido do pedido de cumprimento do contrato (cfr. al. b) da decisão)?

m) A decisão contida no acórdão não está conforme a lei e contraria outras decisões dos tribunais que sufragam o entendimento contrário, quanto à validade do contrato e a responsabilidade do outorgante no seu cumprimento.

n) Pois, o R. naquele contrato promessa, obrigou-se a meios, ou seja, tudo fazer para que o seu cônjuge prestasse o seu consentimento e outorgasse o contrato definitivo. Sendo certo que, apenas perante a impossibilidade absoluta, estaria vinculado ao pagamento da competente indemnização pelo incumprimento.

o) E, nem mesmo a morte da R. cônjuge, impossibilita o R. promitente de ainda poder cumprir o contrato, mantendo-se quanto a este a obrigação de desenvolver todas as diligências para o conseguir, designadamente pela aquisição da totalidade do bem imóvel, na partilha da herança.

p) Pelo que, o afastamento do R. marido, da obrigação de cumprir o contrato promessa, é face à lei errada e como se disse antes, contraria outras decisões jurisprudenciais, designadamente, está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/01/2007 (Proc. 2112/05-3), disponível in dgsi.pt, onde são suscitadas diversas questões, mas para o que aqui interessa, é versada “ - a falta de intervenção do cônjuge do promitente vendedor no contrato promessa, quando o bem era comum, por o regime de bens do casamento ser o de comunhão geral, pelo que seria nulo o contrato.” .

q) Relativamente a esta questão suscitada, o Tribunal da Relação, na sua apreciação disse: “A terceira questão – relativa à falta de intervenção do cônjuge do promitente vendedor no contrato promessa – reporta-se ainda à validade desse contrato, mas também à projecção dessa omissão na possibilidade de execução especifica. (…).”

r) Trata-se, como se vê, da mesma questão fundamental de direito. Sendo certo, como naquele aresto se refere que, no caso estava em causa a inaplicabilidade à promessa de venda de bens imóveis o disposto no artigo 1682º-A do C. Civil, que exige a intervenção de ambos os cônjuges nos contratos de alienação dos bens dessa natureza. Está-se no âmbito do segmento do nº 1 do artigo 410º do C. Civil que consagra as excepções ao principio da equiparação, em particular a que se refere às normas relativas ao contrato prometido que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa. Daqui decorre a plena validade do contrato promessa que seja celebrado por apenas um dos cônjuges, apesar de casados no regime da comunhão geral de bens – o que tem sido reconhecido uniformemente na jurisprudência.

s) Estamos, portanto, do domínio da mesma legislação substantiva.

t) E no dito aresto decidiu-se, sumariando:

“(…); - II – O contrato promessa de compra e venda de bens imóveis comuns efectuado apenas pelo marido sem consentimento da mulher é plenamente válido, pois através do contrato não são alienados ou transmitidos os bens, constituindo-se, tão-só, a obrigação de facto de celebrar futuramente a correspondente escritura pública de compra e venda;- III – Havendo recusa do outro cônjuge na celebração do contrato prometido, não poderá haver execução especifica do mesmo;- IV – Este obstáculo deixa de existir se, por dissolução do casamento, o bem prometido vender vier a integralmente na titularidade do promitente vendedor.”;

u) Assim, pode ler-se no aludido aresto que:

“Daqui decorre a plena validade do contrato-promessa que seja celebrado apenas por um dos cônjuges, apesar de casados no regime da comunhão geral de bens – o que tem sido reconhecido uniformemente na jurisprudência. Destaque-se, a este propósito, o que se pode ler no Ac. STJ de 21/3/1985 (BMJ, nº 345, pp. 408 ss.): «O contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis comuns efectuado pelo marido sem o consentimento da mulher é plenamente válido (…). Através do contrato (…) não são alienados ou transmitidos bens, constituindo-se, tão-só, a obrigação de facto de celebrar futuramente a correspondente escritura pública de compra e venda (Lopes Cardoso, em Administração dos bens do casal, pág. 160). E parte-se da ideia de que o marido ao intervir sozinho, prometendo vender, se obriga a obter o consentimento da mulher, garantindo, implicitamente, isso mesmo ao promitente-comprador sob pena de ter de o indemnizar (cfr. Vaz Serra, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, a págs. 47). Para a celebração da escritura por via da qual se opera a alienação já se torna necessária a intervenção da mulher no acto ou o consentimento dela prestado de conformidade com o artigo 1684º do citado Código, em obediência à prescrição do nº 1, alínea a), do artigo 1682º-A do mesmo diploma, segundo a qual carecem do consentimento de ambos os cônjuges, se entre eles não vigorar o regime de separação de bens, além de outros negócios jurídicos, aqueles que importem a alienação de bens imóveis próprios ou comuns. Se essa intervenção ou a prestação do consentimento são indispensáveis para a realização da escritura pública por via da qual se transmite a propriedade do imóvel, é evidente que quando um dos cônjuges não haja outorgado no contrato-promessa nem dado o seu assentimento a ele, a execução específica facultada pelo artigo 830º do Código Civil não será exercitável, pois o tribunal poderia, na sentença, substituir o cônjuge contraente que apresentava escusa à celebração do contrato prometido, mas não já o outro cônjuge, que à promessa se não vinculara e que, portanto, não pode ser compelido a acolher decisão que produza o efeito de declaração negocial que não prometeu emitir. Em caso de recusa na outorga da escritura por parte do outro cônjuge, o promitente-comprador apenas terá direito à indemnização devida pelo incumprimento (artigo 442º, nos 2 e 3, na redacção actual, nos 2 e 4).»;

Neste mesmo sentido, v., entre outros, Acs. STJ de 13/1/2005 (Proc. 04B3339, in www.dgsi.pt) e de 1/7/2004 (Proc. 04B1774, idem), Acs. RL de 18/1/96 (Proc. 0009636, idem) e de 17/6/99 (Proc. 0036526, idem), e Ac. RC de 30/1/2001 (proc. 3133-2000, idem).

É, pois, de concluir que, não obstante válido o contrato-promessa em que intervém só um dos cônjuges, já não poderá proceder a execução específica quando no contrato prometido devam intervir ambos os cônjuges. Ou seja, na pendência da comunhão conjugal, e sendo promitente-vendedor apenas um dos cônjuges, só se podem configurar duas hipóteses: ou o cônjuge promitente obtém a cooperação do outro cônjuge para a celebração do contrato prometido, e pode assim cumprir a obrigação por si assumida; ou não consegue convencer o cônjuge a intervir nesse contrato, e torna-se impossível a execução específica, restando ao promitente-comprador, perante o incumprimento do promitente-vendedor, accionar contra este um direito de indemnização. Porém, com a dissolução do casamento, por morte ou divórcio, altera-se o enquadramento jurídico da questão. Extintas as relações patrimoniais inerentes ao casamento em consequência dessa dissolução, deixa de ser aplicável a regra do artº 1682º-A do C.Civil (sobre este tópico, cfr. Ac. STJ de 7/10/93, Proc. 083507, idem). Assim, sobrevivendo (no caso de dissolução do casamento por morte) o cônjuge promitente, e porque a sua obrigação emergente do contrato-promessa se referia à totalidade do bem identificado da promessa, se aquele passar a ser único titular desse bem (ou passar a poder dispor plenamente do mesmo), já se torna possível a execução específica do contrato: se, v.g., ao cônjuge promitente supérstite, enquanto sucessor do cônjuge falecido, se lhe transmitir a parte do bem comum que lhe permite passar a ser proprietário pleno do bem a que se refere a promessa, passa o mesmo a poder cumprir integralmente a obrigação assumida no contrato-promessa – o que já permite accionar a execução específica do contrato contra o promitente-vendedor (sobre um caso paralelo, v. Ac. RP de 20/1/2005, Proc. 0437000, idem).

Em suma, podemos afirmar que improcede a arguição de nulidade do contrato-promessa por falta de intervenção do cônjuge do promitente-vendedor nesse contrato, ao mesmo tempo que daí não resulta, na actualidade, qualquer obstáculo à execução específica do contrato.”;

v) Há contradição evidente entre o julgado em ambos os acórdãos. Porquanto, no acórdão sob censura embora na fundamentação aponte no sentido de emergir apenas responsabilidade obrigacional para o outorgante marido que interveio como promitente vendedor, acaba por afastar essa mesma responsabilidade, ao decidir não estar o R. marido obrigado a cumprir o contrato prometido. Sendo que no acórdão fundamento, a responsabilidade obrigacional é também defendida, mas não cessa essa responsabilidade, mesmo com a morte do cônjuge mulher, na justa medida em que, o cônjuge que se vinculou a meios, sempre poderá ainda desenvolver todos os esforços para atingir o objectivo do cumprimento do contrato a que se obrigou.

w) Salvo melhor opinião, a solução jurídica que deve prevalecer é a sufragada pelo douto aresto do Tribunal da Relação de Évora, já comungada por outros tribunais, como supra se aludiu, nos arestos citados.

x) O douto acórdão revidendo viola, por isso, os artigos 397.º, 398.º e 410.º do Código Civil;

Termos em que deve ser concedida a revista e, em consequência, revogado o douto acórdão revidendo e substituído por outro que ordene a prossecução dos Autos para apreciação de todos os pedidos formulados pela A.

Assim, decidindo, farão V.as Ex.as, Venerando Conselheiros, a habitual JUSTIÇA.


  18. Os Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:


1. O Réu Recorrente não se conforma com o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora.

2. Tal decisão determina que o processo prossiga para, após fixação dos factos provados, seja discutida e apreciada a validade ou não do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos.

3. Uma vez que poderão existir eventuais responsabilidades pelas validades ou invalidades do contrato de arrendamento com opção de compra que foi celebrado com a Autora.

4. Sucede que, nem está colocada em causa a validade do contrato de arrendamento,

5. nem se verifica peticionado pela Autora qualquer pedido de responsabilidade decorrente da outorga do contrato de arrendamento com opção de compra.

6. A decisão proferida pelo Tribunal a quo foi proferida na sequência da motivação do Recurso para o Tribunal da Relação apresentado pela Autora.

7. Sem que tal pedido tenha sido inicialmente formulado nos presentes autos pela Autora nos seus articulados, nem que tenha sido dado direito de defesa ao Réu Recorrente, pelo que, não poderá o mesmo ser condenado em objeto diverso do que foi pedido.

8. Sempre deveria o Tribunal conhecer do pedido formulado no que concerne à validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18/12/2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01/01/2015, pois resulta dos autos que não é válida a alegada opção de compra e, no que respeita ao contrato de arrendamento, a sua validade não foi colocada em causa.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, ALTERANDO O ACÓRDÃO PROFERIDO EM CONFORMIDADE E ABSOLVENDO-SE INTEIRAMENTE O RÉU DO PEDIDO, FARÃO V. EXAS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA !!!


  19. Notificados do recurso interposto pela Autora AA - Acabamentos, Lda,, os Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II contra-alegaram, pugnando pela sua improcedência.


  20. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:


DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO:

1. Não se verifica que exista qualquer contradição de decisões entre o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo e o Acórdão preferido pelo Tribunal da Relação de Évora.

2. Pois, o primeiro decidiu absolver os Réus "quanto ao pedido de serem os Réus condenados a celebrar contrato de compra e venda do prédio [...)" e o segundo considerou que "não poderá proceder a execução especifica quando no contrato prometido devam intervir ambos os cônjuges".

3. Acresce que, pretende a Recorrente que o Tribunal ad quem se pronuncie quanto à validade ou não do contrato promessa, o que não está em causa na decisão impugnada.

4. Assim, deverá julgar-se inadmissível o Recurso apresentado pela Autora por não existir contradição entre as decisões expostas.

5. E por existir decisão que confirma a decisão proferida na Primeira Instância, verificando-se a ocorrência de "dupla conforme”.

DOS FUNDAMENTOS DA RECORRENTE:

6. Nos presentes autos, a Autora peticionou fossem "os réus condenados celebrar contrato de compra e venda do prédio', pretendendo, agora, indicar que "não foi pedida a execução específica do contrato promessa ou a prolação de sentença que produza a declaração negocial dos réus, mas antes a condenação e neste caso, do réu promitente vendedor, na obrigação e meios, ou seja, a diligenciar pelo cumprimento do contrato sob pena de incorrer em responsabilidade, verificando-se o incumprimento definitivo’.

7. Ora, não foi peticionado fosse o Réu condenado "a diligenciar pelo cumprimento do contrato', mas antes que o mesmo fosse condenado à celebração do contrato promessa.

8. Não poderá alterar-se o pedido, por forma a que o Réu seja obrigado a "diligenciar pelo cumprimento do contrato sob pena de incorrer em responsabilidade”.

9. Ora, o Réu não poderá, sozinho, ser condenado a celebrar o contrato de compra e venda, uma vez que o prédio é bem comum do casal e, como proprietários do mesmo, apenas a vontade de todos os proprietários poderá produzir os efeitos da compra e venda.

10. Para além disto, não poderá o Réu ser condenado, nos presentes autos, por qualquer eventual obrigação de indemnização por violação das obrigações assumidas para além do peticionado pela Autora.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, JULGANDO IMPROCEDENTE O RECUSO APRESENTADO PELA AUTORA, FARÃO V. EXAS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA !!!


  21. Notificados do recurso interposto pelos Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II. a Autora AA - Acabamentos, Lda,, contra-alegou, pugnando pela sua improcedência.


  22. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

a) O Recorrente não se conformando com a decisão proferida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/11/2018, que julgou parcialmente procedente a Apelação da A. aqui Recorrida, mormente quanto à parte que revogou a decisão da 1ª Instância, na parte em que absolveu o réu BB relativamente ao pedido de declaração da validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18/12/2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01/01/2015, e ordenou o prosseguimento dos autos restritos a esta matéria, no caso, para apreciação dos factos insertos sob os artigos 4º a 46º da contestação do réu, em especial o teor dos artigos 4º, 15º a 23º, 27º a 30º, 33º e 39, e nos artigos 9º a 48 da réplica da autora, em especial o teor dos artigos 9º a 12º e 21º a 31º), com ulterior prolação de decisão em relação á mesma;

b) Porém, o entendimento do Recorrente é errado e não tem fundamento. Pois a apreciação da validade do contrato é necessária, decorre dos factos alegados nos autos e constitui uma imposição legal;

c) Pelo que, nesta parte, o Tribunal da Relação observou bem a situação e ao ordenar o prosseguimento dos autos para aferir da validade do contrato e consequente responsabilidade do R. BB, fê-lo de forma adequada e legalmente admissível;

d) Atendendo aos pedidos tais como se encontram formulados na petição inicial e à causa de pedir, resulta que o acórdão recorrido interpretou o pedido formulado na al. a) do petitório, tendo em conta a respectiva causa de pedir, proferindo, a final, aquela decisão que consta da al. c) do dispositivo do acórdão;

e) E do confronto entre o peticionado e o segmento dispositivo do acórdão recorrido extrai-se, de um ponto de vista estritamente quantitativo, que neste até se decretou menos do que aquilo que fora pedido em juízo. Aliás, o que motivou o recurso interposto pela A. aqui recorrido. Pois impõe-se também a condenação do R. BB, a cumprir o contrato promessa, até para que a decisão que agora é posta em causa neste recurso tenha efectivo efeito útil;

f) Diversamente ao entendido pelo Recorrente, pode concluir-se que a sua condenação do aqui Recorrente não ocorreu para além do que fora pedido, nem mesmo em objecto diverso do pedido;

g) A exposição do raciocínio empreendido pela Relação permite considerar que o pedido formulado foi interpretado de modo a compreender a validade do contrato com a consequente responsabilização civil do R. outorgante, ocorrendo o seu incumprimento, o que se revela ajustado com o regime jurídico segundo o qual, tendo o promitente vendedor se obrigado a meios, incumbe-lhe desenvolver todas as diligencias necessárias à obtenção desses meios e dessa forma cumprir o contrato;

h) Sem prescindir, considera-se que a decisão do Tribunal da Relação sempre se poderia situar no plano da qualificação jurídica permitida ao juiz pelo nº 3, do art. 5º do CPC, inexistindo por isso a suscitada nulidade, quanto àquela parte decisória;

i) O douto acórdão, pelo menos na parte que o recorrente põe em causa, não viola as disposições legais citadas;

Termos em que não deve ser concedida a revista e, em consequência, deve manter-se o douto acórdão na parte ora posta em causa.

Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerando Conselheiros, a habitual, JUSTIÇA.


  23. Em 14 de Março de 2019, os autos foram remetidos à Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil, para que se pronunciasse sobre a admissibilidade da revista excepcional interposto pela Autora AA - Acabamentos, Lda.


  24. Em 11 de Abril de 2019, a Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil não admitiu a revista excepcional interposta pela Autora e determinou a remessa dos autos ao presente relator, para que o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciasse sobre a revista normal interposta pelos Réus.


 25. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


  26. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é tão-só a de determinar se a decisão do Tribunal da Relação do Porto sobre o pedido de condenação dos Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II ao cumprimento do contrato-promessa prejudica, ou não, o conhecimento do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18 de Dezembro de 2014.

       A questão suscitada pelos Réus, agora Recorridos, BB, DD, EE, FF, GG, HH e II, de determinar se o processo deve prosseguir para que seja apreciada e decidida a questão da validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio é, tão-só, um corolário da questão — de alcance mais amplo — da relação de prejudicialidade entre os dois pedidos.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


            OS FACTOS


  27. O acórdão recorrido pronuncia-se sobre os factos dados como provados no seguinte trecho: 


“A leitura da peça processual que é objecto do presente recurso e que acima se deixou transcrita evidencia que na mesma não é destacada de forma exemplar a formulação dos factos que aí se consideram provados e em relação aos quais se procede à apreciação de direito, como fundamentos da decisão que é proferida a final.

Afigura-se, no entanto, que não pode afirmar-se a sua omissão, nos termos e com as implicações do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, antes citado – o que não se confunde com a apreciação de critérios de suficiência ou insuficiência dessa matéria de facto.

Na verdade, como se salienta no ulterior despacho proferido em primeira instância em relação à arguição de nulidade, a decisão recorrida não deixa de conter os factos que considera provados e relevantes para a apreciação de direito a que procede. É assim que, fazendo o enquadramento das questões a apreciar, aí se afirma em relação aos pressupostos factuais que está em causa o cumprimento pelos réus de promessa emergente de contrato que apenas foi assinado pelo réu marido, sendo o regime de bens do casamento, nos termos que confessada e documentalmente emergem dos autos, o da comunhão geral e o imóvel propriedade de ambos os cônjuges. Reporta-se ao contrato denominado de ‘contrato de arrendamento com opção de compra’, cuja cópia integra os autos.

Perante estes factos, definem-se depois como questões a afrontar nessa decisão os reflexos da falta, no documento que materializa o contrato, da assinatura da ré mulher inicialmente demandada, sobre o mérito do pedido e o seu eventual suprimento pelo alegado conhecimento e pretendido consequente consentimento da mesma ré”.


  28. Face ao trecho transcrito, pode dar-se como provado que, em 18 de Dezembro de 2014, a Autora AA - Acabamentos, Lda., celebrou com os Réus BB e CC um contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado; que o contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado só foi assinado pelo Réu BB; que o regime de bens do casamento entre os Réus BB e CC é o de comunhão geral; e que o prédio arrendado é propriedade de ambos os cônjuges.


            O DIREITO


   29. O objecto do recurso é a relação de prejudicialidade entre dois segmentos do dispositivo do acórdão recorrido: I. — aquele em que se confirmou a decisão da 1.ª instância na parte em que absolveu o Réu BB do pedido de condenação na conclusão do contrato de compra e venda do prédio arrendado, “nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de € 160.000,00”, e II. — aquele em que se revogou a decisão da 1.ª instância na parte em que absolveu o Réu BB, do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18 de Dezembro de 2014 e cujos efeitos se iniciaram em 01 de Janeiro de 2015, e em que, em consequência da revogação da decisão de 1.ª instância, se determinou a prossecução dos autos, ainda “restritos a esta matéria, acima assinalada […], com ulterior prolação de decisão em relação à mesma”.


  30. O sentido do segmento agora impugnado deve determinar-se relacionando-o com os seus fundamentos — e, entre os fundamentos do acórdão recorrido, relacionando-o com o seguinte trecho:


 “… em relação ao réu, esta conclusão [absolvição do pedido deduzido pela Autora] não é extensível ao pedido de declaração da validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado celebrado em 18 de Dezembro de 2014 e cujos efeitos se iniciaram em 1 de Janeiro de 2015, na medida em que não é inócua a validade ou não do contrato que outorgou com a autora, nomeadamente em termos de eventual responsabilidade.

Na verdade, como se afirma na sentença recorrida, o contrato promessa celebrado pela autora e pelo réu – a que se reportam dos autos – é perfeitamente válido e perfeito, no que concerne ao seu valor formal, obrigando apenas ambos os outorgantes, ainda que ineficaz em relação à ré mulher (agora, aos respectivos herdeiros habilitados nos presentes autos).

No entanto, o réu, na respectiva contestação e como antes se deixou sumariamente mencionado no relatório inicial, questiona a validade do contrato com a invocação de factos que, a provarem-se, configuram a existência de vícios que põem em causa a efectiva validade do contrato. Está em causa a matéria factual alegada nos artigos 4.º a 46.º da contestação do réu BB, em especial o teor dos artigos 4.º, 15.º a 23.º, 27.º a 30.º, 33.º e 39.º, e nos artigos 9.º a 48.º da réplica da autora, em especial o teor dos artigos 9.º a 12.º e 21.º a 31.º.

Nestas circunstâncias, impõe-se que, prosseguindo o processo, concretizada a prova e fixados os factos provados, se discutam e apreciem perante estes factos as razões invocadas pelo réu em relação ao aludido contrato de arrendamento, de modo a afirmar a sua validade ou concluir em sentido contrário”.


   31. Ora os arts. 4.º a 46.º da contestação do Réu BB suscitam a questão da validade de uma cláusula, da cláusula de opção de compra, com três fundamentos.

      Os arts. 4.º a 34.º da contestação relacionam a questão da validade da cláusula de opção de compra com o regime da divergência entre a vontade e a declaração; dos vícios na formulação da vontade; e, em particular, do erro na declaração (art. 247.º do Código Civil); os arts. 35.º a 46.º da contestação, esses, relacionam a questão da validade da cláusula de opção de compra com o regime dos vícios na formação da vontade e, em particular, com o regime do erro nos motivos (art. 251.º do Código Civil) e com o regime da incapacidade acidental (art. 257.º do Código Civil) [1] [2].


   32. Os Réus, agora Recorrentes, BB, DD, EE, FF, GG, HH e II alegam que nunca foi colocada em causa a validade do contrato de arrendamento e que a Autora, agora Recorrida, AA - Acabamentos, Lda., nunca pediu que os Réus fossem responsabilizados pela conclusão do contrato de arrendamento com opção de compra.


   33. A Autora, agora Recorrida, AA - Acabamentos, Lda., alega que sim — que


 “[a] exposição do raciocínio empreendido pela Relação permite considerar que o pedido formulado foi interpretado de modo a compreender a validade do contrato com a consequente responsabilização civil do R. outorgante, ocorrendo o seu incumprimento, o que se revela ajustado com o regime jurídico segundo o qual, tendo o promitente vendedor se obrigado a meios, incumbe-lhe desenvolver todas as diligências necessárias à obtenção desses meios e dessa forma cumprir o contrato” [cf. conclusão g) das alegações de recurso].


  34. Interpretado o segmento agora impugnado, chega-se a uma tripla delimitação da questão de validade cujo conhecimento poderá estar, ou não, prejudicado pela absolvição dos Réus do pedido de condenação no cumprimento da promessa de venda do prédio:

  I. — está em causa, tão-só, a invalidade — e não a responsabilidade do Réu BB pelo não cumprimento de um contrato válido; II. — está em causa, tão-só, uma invalidade parcial — e não a invalidade total do contrato de arrendamento com opção de compra; III. — está em causa, tão-só, uma invalidade parcial do contrato de arrendamento com opção de compra com fundamento em erro na declaração, erro nos motivos ou incapacidade acidental.

   A questão da validade formal e a questão da validade substancial, relacionada com a circunstância de a cláusula de opção de compra sobre um bem comum ter sido subscrita por um, e só por um, dos cônjuges, foram apreciadas pelas instâncias, não foram objecto do recurso de apelação e não são objecto do recurso de revista. Excluída a questão da validade formal e excluída a questão da validade substancial, relacionada com a circunstância de a cláusula de opção de compra sobre um bem comum ter sido subscrita por um, e só por um, dos cônjuges, pergunta-se duas coisas:

     I. — se a decisão de 1.ª instância conheceu do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra; II. — se, tenha ou não a decisão de 1.ª instância conhecido do pedido de declaração de validade, o processo deve prosseguir para que seja apreciada a invalidade do contrato por erro na declaração, erro nos motivos ou incapacidade acidental.


  35. A primeira pergunta — se a decisão de 1.ª instância conheceu do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra — relaciona-se com a interpretação do dispositivo da sentença e, em tema de interpretação das sentenças, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que o dispositivo de uma decisão judicial deve conjugar-se com os seus fundamentos [3] — como se diz, p. ex., nos acórdãos de 28 de Janeiro de 1997, de 5 de Novembro de 2009 ou de 5 de Janeiro de 2019, citando Carnelutti, a sentença não é “nem dispositivo sem motivos, nem motivos sem dispositivo, mas a fusão deste com aqueles”.


  36. O dispositivo da decisão de 1.º instância é do seguinte teor:


 “Julgo, pois, a acção improcedente, absolvendo os RR dos pedidos”.


     Como o dispositivo deve conjugar-se com os fundamentos, deve atender-se ao seguinte.

    A 1.ª instância admitiu que o contrato de arrendamento com opção de compra fosse plenamente válido [4]; considerou que, ainda que o contrato de arrendamento com opção de compra fosse plenamente válido, não procederia o pedido formulado pela Autora de que os Réus fossem condenados a celebrar um contrato de compra e venda do prédio arrendado “nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de 160.000,00 euros” [5]; e concluiu que ficava prejudicada a questão da invalidade do contrato de arrendamento com opção de compra por erro na declaração, erro nos motivos ou incapacidade acidental [6].

     O resultado da interpretação do dispositivo da sentença de 1.ª instância é o de que absolveu os Réus dos pedidos de condenação e, em especial, do pedido de condenação na conclusão de um contrato de compra e venda do prédio arrendado “nos termos e condições definidas no contrato, designadamente pelo preço fixado de 160.000,00 euros” e o de que não conheceu do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra, por considerar as questões do erro na declaração, do erro nos motivos e da incapacidade acidental prejudicadas pela “impossibilidade de condenação dos Réus ao cumprimento definitivo da promessa”.

    Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1, dir-se-á que “a decisão não tem, atendendo à fundamentação, o alcance que o seu teor literal sugere, de absolvição”.


   37. Esclarecida a resposta à primeira pergunta — esclarecido que a decisão de 1.ª instância não conheceu do pedido de declaração de validade do contrato de arrendamento com opção de compra —, deve formular-se a segunda: o processo deve prosseguir para que seja apreciada a invalidade do contrato por erro na declaração, erro nos motivos ou incapacidade acidental.

    A resposta é — terá de ser — negativa por, pelo menos, duas razões:

    I. — Em primeiro lugar, o meio processual adequado para a impugnação da sentença que não conheceu de questões de que devesse conhecer seria a arguição da nulidade por omissão de pronúncia [cf. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil].

    Ora a Autora AA - Acabamentos, Lda., arguiu a nulidade da sentença por falta de fundamentação [cf. art. 615.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil]; dentro da falta de fundamentação, arguiu a nuilidade da sentença por falta de especificação dos factos provados e não provados — não arguiu nunca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

   II. — Em segundo lugar, ainda que o meio processual adequado para a impugnação da sentença fosse o recurso — de apelação ou de revista —, a decisão da questão da validade do contrato de arrendamento com opção de compra estava prejudicada pela solução dada à questão da possibilidade ou impossibilidade de cumprimento da promessa contida na opção de compra.

   O pedido de declaração da validade do contrato de arrendamento com opção de compra celebrado em 18 de Dezembro de 2014 não é em rigor um pedido autónomo — a validade do contrato de arrendamento com opção de compra é, simplesmente, um pressuposto da procedência do pedido de condenação dos Réus BB e CC à conclusão do contrato de compra e venda; em consequência, a questão da validade do contrato de arrendamento com opção de compra é, simplesmente, uma questão prévia para que pudesse conhecer-se da questão principal da condenação dos Réus ao cumprimento da promessa contida na opção de compra.

         O art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” — como a questão principal da condenação dos Réus ao cumprimento da promessa estivesse resolvida, e resolvida no sentido da condenação, a decisão da questão prévia estava prejudicada pela solução dada à questão principal.


   38. Em todo o caso, o efeito do erro na declaração, do erro nos motivos ou da incapacidade acidental é a anulabilidade do negócio jurídico (cf. arts. 247.º, 251.º e 257.º do Código Civil) — e a anulabilidade só pode ser invocada pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (cf. art. 287.º, n.º 1, do Código Civil); ora a pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade por erro, na declaração ou nos motivos, é o errante e a pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade por incapacidade acidental é o incapaz — em concreto, o Réu BB.

    O comportamento processual do Réu BB — em especial, ao concluir as alegações de recurso de apelação pedindo que fosse confirmada a sentença recorrida e ao concluir as alegações de recurso de revista pedindo que fosse revogado o acórdão recorrido, na parte em que se determina que os autos prossigam, “ainda que restritos à questão da validade do contrato de arrendamento com opção de compra celebrado em 18 de Dezembro de 2014” — só pode significar que não pretende arguir a anulabilidade da cláusula de opção de compra ou, pelo menos, que não pretende que o processo prossiga, para que a arguição da anulabilidade seja apreciada e decidida.

           

III. — DECISÃO


     Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelos Réus BB, DD, EE, FF, GG, HH e II, e revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que considerou que o conhecimento da questão da validade do contrato-promessa não era prejudicada pela absolvição dos Réus no pedido de condenação ao cumprimento da promessa de venda e em que, em consequência, determinou que os autos prosseguissem, ainda que restritos à questão da validade do contrato de arrendamento com opção de compra do prédio arrendado.

        Custas em todas as instância pela Autora AA - Acabamentos, Lda.


Lisboa, 19 de Junho de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Paula Sá Fernandes

Maria dos Prazeres Beleza

__________

[1] Embora a contestação não fale, expressamente, de incapacidade acidental, a figura estará implícita em afirmações como as dos arts. 28.º, 29.º e 30.º: “28.º Em 2014, o Réu JOAQUIM DA SILVA não estava em condições de saúde e mentais para ler e perceber devidamente, sozinho, a integralidade do contrato e o que tinha sido acordado, com a devida atenção aos pormenores e clausulado no contrato, como o de arrendamento dos presentes autos, salvo se aquela Suzana (ou outro destinatário das suas relações/comunicações) tivesse a devida atenção e cuidado de esclarecimento ao Réu Joaquim. 29.° Pois, há cerca de 15 anos que ouve muito mal, o que vem piorando. 30.° Patologias que eram do conhecimento dos representantes da Autora”.

[2] Sobre o erro na declaração, o erro nos motivos e a incapacidade acidental, vide por todos Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 492-497, 504-521 e 538, respectivamente; ou António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II — Parte geral. Negócio jurídico. — Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, págs. 848-856, 857-864 e 798-808, respectivamente.

[3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 11 de Março de 1949, in: Boletim do Ministério da Justiça n.º 12 (Maio de 1949); de 16 de Abril de 2002 — processo n.º 02B3349 —; de 17 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 03B1993 —; de de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 —; de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 —; de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 —; de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 —; de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —; de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 —; de 17 de Novembro de 2015 — processo n.º 34/12.2TBLMG.C1.S1 —; de 24 de Novembro de 2015 — processo n.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1 —; de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 17/13.5TBLSA.C1.S1 —; de 20 de Dezembro de 2017 — processo n.º 144/11.3TYLSB.L2.S2 —; de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1 —; de 5 de Janeiro de 2019 — processo n.º 27881/15.0T8LSB-A.L1.A.S1 —; e de 23 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1.

[4] Entre os fundamentos de direito da decisão da 1.ª instância estar o de que “[o] contrato promessa celebrado pela A[utora] e pelo R[éu] — a que se reportam dos autos — é perfeitamente válido e perfeito (no aspecto que ora nos ocupa, já que suscitada ademais a questão do vício da vontade do Réu marido outorgante), obrigando apenas ambos os outorgantes, ainda que ineficaz em relação à Ré mulher”.

[5] Entre os fundamentos da decisão da 1.ª instância está o de que, “seja por via da ausência mesma de promessa pela Ré mulher, seja-o em função da invalidade formal da sua vinculação, [ë] ilegítima a pretensão de cumprimento do contrato, que, nos termos expostos, tinha de sê-lo por ambos os proprietários”.

[6] Entre os fundamentos da decisão da 1.ª instância está o de que “as demais questões suscitadas em sede defensional ficam prejudicadas face à impossibilidade de condenação dos RR ao cumprimento definitivo da promessa, resultante da não vinculação do cônjuge-mulher aos respectivos termos, tal como deixámos dito”.