Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
797/18.1PBCLD.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
PENA DE MULTA
ROUBO AGRAVADO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :
I - De acordo com o disposto no art. 78.º do CP, o cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo da última condenação transitada em julgado, se vem a verificar que o arguido, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes que têm conexão temporal com o último a ser julgado.
II - Considerando a data do trânsito em julgado relevante para efeitos do concurso não podiam ter sido incluídas no mesmo cúmulo, penas parcelares que respeitam a crimes cometidos posteriormente à data do trânsito e que já não se consideram em concurso com os cometidos anteriormente a essa data.
III - Para efectuar o cúmulo há que agrupar os crimes em dois concursos distintos – um, relativo ao momento da prática dos factos antes do trânsito em julgado relevante e outro, relativo ao momento da prática dos crimes após aquele trânsito – procedendo a duas operações de cúmulo jurídico, aplicando-se a cada uma delas uma pena única, de cumprimento sucessivo, em conformidade com a lei.
IV - Nos termos do art. 77.º, n.º 3, do CP, as penas de prisão e de multa não se cumulam entre si, não havendo qualquer regra de equivalência entre elas, mesmo quando a multa é convertida em prisão subsidiária, nos termos do art. 49.º do CP. Dito de outro modo, a pena de multa ou a pena de prisão subsidiária resultante da conversão daquela formam cúmulo material e não cúmulo jurídico com as penas parcelares de prisão dos crimes em concurso.
Decisão Texto Integral:


Recurso Penal

Processo: 797/18.1PBCLD.S1

5ª Secção Criminal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

1. AA interpôs recurso do acórdão proferido em 15/06/2022, pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, que efectuou o cúmulo jurídico das penas de prisão, em que o arguido “(…) havia sido condenado, no âmbito dos autos n.º 753/1..., que correram os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte por factos praticados em 12.2018, decisão proferida em 20.07.2018 e oportunamente transitada em julgado em 05.01.2021, como havia sido condenado no âmbito dos autos, que, sob o n.º 437/1... correram termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Peniche, por factos praticados em 28.11.2018, decisão proferida em 12.12.2018 e transitada em julgado em 12.12.2019,”, condenando-o na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de crimes de roubo, furto, detenção de arma proibida e condução sem habilitação legal, nos termos seguintes:

(…) analisadas as datas da prática dos diversos crimes pelos quais o arguido foi condenado verificamos que, no ano de 2018, para o que aqui importa, o arguido praticou os factos respeitantes a 4 crimes de roubo agravado, 1 crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade; 4 crimes de detenção de arma proibida 1 crime de falsificação de documento (chapas de matrícula); 1 crime de furto qualificado, 1 crime de furto simples e de condução sem habilitação legal .

Totalizando em cúmulo material pena superior a 25 anos esse será o limite inultrapassável da pena abstratamente aplicável, sendo o limite mínimo a pena de 7 anos de prisão [ a mais elevada das penas concretamente aplicadas – autos n.º 753/1... ].

Na medida da pena única a fixar serão considerados os critérios e ditames referidos nos art.º 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, levando-se em conta os factos já considerados na decisão condenatória, em especial quanto à situação do arguido, a sua idade e o número de condenações, bem como os que resultam da matéria de facto agora fixada.

Tudo ponderado, consideram os juízes que integram este Tribunal Colectivo que, a gravidade e reiteração das condutas ilícitas-típicas perpetradas pelo arguido, e a perigosidade social de tais condutas), e o alarme social associado a tais condutas, e as consequentes exigências de prevenção geral associadas (que são relevantes); considerando ainda o percurso pessoal do arguido, e a sua insensibilidade à data da prática dos factos, aos valores e normas penais, sociais e éticas por ele anteriormente manifestadas, acentuam as necessidades de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso em apreço.

Tal tradução respaldo encontra no passado criminógeno do arguido, supra elencado e transcrito.

Na consideração dos factos ( do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso ) há que fazer uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique “entre os factos em concurso”

Em qualquer dos casos, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa óptica de conjunto, enquanto imagem global, é elevada tendo em conta a amplitude do leque de danosidade que os comportamentos do arguido abrangem.

Decorre a gravidade dos factos da moldura penal que aos factos cabe revelando a conduta do arguido, igualmente a propensão para a prática ilícitos de natureza vária, lesando bens jurídicos de distinta matriz, donde a irrelevância para o arguido de tais bens jurídicos.

Tudo ponderado, acordam os Juízes que integram este Tribunal Colectivo na condenação do arguido na pena única de 17 [ dezassete ] anos e 6 [ seis ] meses de prisão.”.

2. O Recorrente inconformado com este acórdão, apresentou alegações, com as conclusões seguintes:

1ª As penas elevadas violam o direito à reinserção social e atentam contra os Princípios da Segurança Jurídica e da legalidade; o art. 61 Cód. Penal deve ser conjugado com o artº 1º da Lei Fundamental e a Humanidade das Penas;

2ª A destruição paulatina do ser humano sob CONDIÇÔES PRISIONAIS INDIGNAS, péssima alimentação, frio e humidade que invadem as celas prisionais a ausência de programas laborais na prisão e de reintegração impõem que seja recuperado fora da prisão sob trabalho honesto e vigiado pelo TEP….

3ª O recorrente entende que o cúmulo jurídico deve ser refeito, as penas recalculadas e operada a condenação numa pena unitária global aproximada dos 9 (nove) de prisão face aos artigos 77, 78 e 79 do Código Penal, 1º. 40º do Código Penal, 1º, 30º e 32º da Lei Fundamental;

4ª Salvo o devido respeito a conduta do recorrente deve ser vista como um TODO, sob o prisma global da sua personalidade e conduta unitária.

5ª Os factos ocorreram no espaço de 1 Mês – Dezembro de 2018 e revestem uma conduta homogénea.

6ª O arguido nasceu em 1995, tinha apenas 23 anos à data dos factos que foram fruto de IMATURIDADE, AVENTURA e sem medir as consequências dos actos.

7ª A aplicação de uma pena de 17 anos e 7 meses de prisão ao arguido, pelas razões supra exposta, vai dificultar a sua reinserção social.

Pois,

8ª Entrou no EP com 23 anos de idade e vai sair com mais de 40 anos e aí dificilmente irá conseguir entrar no mercado de trabalho e inserir-se.

9ª O arguido já interiorizou o desvalor da sua conduta e já adoptou uma postura socialmente aceite, sendo um recluso educado e cumpridor.

10ª Estuda e trabalha no EP e mostra profundo arrependimento e vergonha pelo que fez.

Acresce dizer que,

11ª Conjugada a factualidade dada como provada, a pena de prisão aplicada ao recorrente mostra-se excessiva e deve ser reduzida face à ilicitude e ao grau de culpa e às necessidades de prevenção geral e especial.

12ª Na medida em que não foram ponderados nem valorados da forma mais justa nem os factos nem a sua personalidade, conforme determina o artº 70º do Código Penal.

13ª Sendo certo que uma correcta valoração dos factos e da personalidade do arguido se mostram imprescindíveis a uma justa decisão condenatória.

14ª No que respeita à personalidade do agente, a decisão recorrida limitou-se a decalcar as considerações tidas nas decisões singulares, realizando um mero somatório de factos criminosos e respectivas penas, já considerados nas referidas decisões.

15ª Ora, se os factores que determinaram as medidas das penas singulares foram os mesmos que pesaram na determinação da pena conjunta em sede de cúmulo jurídico isso equivale a uma “dupla valoração”, inadmissível no nosso sistema jurídico.

16ª Sendo certo o arguido “homem actual” – se trate da mesma pessoa que praticou os crimes singulares -, no momento em que o Tribunal a quo decide o cúmulo jurídico, é já um “homem transformado” no que respeita à personalidade, transformação essa resultante desde logo da sua submissão ao sistema prisional, com o inerente afastamento comunitário, familiar, etc., o que lhe proporcionou múltiplos momentos de reflexão sobre as suas condutas passadas e a uma planificação do dias que ainda lhe restará viver.

17ª Não tendo sido tecida qualquer consideração, no âmbito da valoração da personalidade do arguido, relativamente aos efeitos que os sistemas jurídicos-penais e jurídicos-prisionais tiveram sobre a personalidade, que personalidade afinal foi considerada? Tão só a personalidade revelada pelos crimes cometidos?

18ª Ficamos sem saber se, por efeito da prisão, o arguido é presentemente mais capaz de conformar o seu agir de acordo com o Direito, pois essa é que é a questão principal a que o sistema prisional tem de dar resposta, a bem do arguido e da comunidade.

19ª Ao ser omissa quanto às referidas questões, a decisão condenatória que o presente recurso, com o devido respeito, critica, fica o sistema jurídico-penal e jurídico-prisional como que desacreditado por ineficaz e, em última análise, por inútil.

20ª Ora, “o homem” relativamente ao qual, o tribunal a quo foi chamado a tomar uma decisão, está longe de ser o mesmo que praticou aqueles crimes.

21ª O Tribunal a quo não considerou na devida medida as actuais circunstâncias pessoais do arguido, que se traduzem em ser um homem melhor, mais ponderado, afável, pacífico, bem comportado e capaz, de futuro, de seguir um itinerário comportamental mais consciencioso e conforme ao Direito, bem diferente do que caracterizou o seu passado, in casu o mês de dezembro de 2018.

22ª A decisão recorrida, salvo o devido respeito por opinião contrária, deu total ênfase aos factos criminosos do passado e nenhuma relevância à transformação da personalidade do agente, para melhor, que decorreu ao longo do seu percurso prisional.

23ª Ora, dispõe o artº 77º do Código Penal que, na medida da pena, são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

24ª Nada refere a lei a quê que deve ser dada mais relevância, mas não restam dúvidas de que a lei considera que ambas são fundamentais para uma correcta e justa decisão.

25ª O Tribunal a quo violou o artigo 1º da Lei Fundamental e a Principio da Humanidade das penas;

26ª Penas elevadas e sem definição global no seu quantum ostracizam a dignidade do ser humano.

27ª Violou os artigos 40 e 41 do Código Penal pois impede a reinserção social atempada destruindo paulatinamente o recorrente.

28ª O principio da unidade das penas sai violado com penas sucessivas e sem limite certo…

29ª Não existe cumprimento do Principio da Reinserção Social face a penas sucessivas.

30º. As exigências de prevenção e o critério de escolha da pena impõem uma dosimetria que atenda sempre à Reinserção Social, numa pena unitária global aproximada dos 9 (nove) de prisão - artigos 70, 71, 40 e 41 do Código Penal.

31ª Pugnar por penas sucessivas, elevadas e incertas na sua função social não traduz JUSTIÇA! A JUSTIÇA NÃO PODE NEM DEVE SER VINGATIVA.”.

3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso defendendo a confirmação do acórdão impugnado, concluindo do seguinte modo:

1. A pena única de 17 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente respeita os critérios legais para a sua determinação, sendo adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto exige.

2. Conhecido o concurso superveniente de penas, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, há que determinar a pena única, cumulando-se as penas parcelares em que o recorrente foi condenado.

3. No âmbito do Processo 753/1..., o recorrente foi condenado pela prática de quatro crimes de roubo agravado, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, um crime de falsificação de documento na forma agravada e três crimes de detenção de arma proibida, nas penas parcelares, respectivas, de: 7 anos, 7 anos, 7 anos, 6 anos, 2 anos e 6 meses, 1 ano, 1 ano e 9 meses, 2 anos e 6 meses e 6 meses, todas de prisão.

4. No âmbito do Processo 797/18.1PBCLD foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de furto simples, nas parcelares, respectivas de 3 anos e 8 meses, todas de prisão.

5. Na moldura abstracta da pena única do caso recorrido, o limite mínimo fixa-se em 7 anos e o limite máximo (porque ultrapassados os 25 anos na soma aritmética), em 25 anos, de prisão.

6. «(…) na determinação da pena conjunta a aplicar a um concurso de infrações, a ponderação dos factos no seu conjunto, mais apropriadamente, dos crimes e das penas parcelares (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes graves contra as pessoas, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.».

7. Não são apenas as finalidades de prevenção especial que norteiam a escolha e a medida da pena;

8. A pena única fixada, foi-o no meio da moldura penal do concurso, reflectindo a globalidade do comportamento, grave, reprovável e violento do recorrente.

9. A pena única de 17 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente pelo Tribunal a quo, revela-se adequada e proporcional, devendo ser mantida na totalidade.”.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pelo MP junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido de“(…) que o recurso não deverá merecer provimento, antes sendo mantida na íntegra a decisão colocada em crise”, considerando essencialmente que:

(…) a discordância do recorrente poderá ter na sua base esta circunstância, ou seja, pensar que o máximo da pena aplicável seria a de 19 anos e 3 meses, perante a qual a aplicada de 17 anos e 6 meses estaria, efetivamente, desajustada por muito próxima do limite máximo.

Mas, sendo atrás referida de 25 anos (e, para mais, quando esta já é uma pena que reduz de forma bem expressa a pena que resultaria da soma aritmética) já isso não sucede.

Diga-se, igualmente, que o alegado bom comportamento prisional do arguido, a continuar, será muito relevante em termos de execução da pena, podendo vir a beneficiar de todas as medidas previstas na lei em termos de flexibilização de cumprimento das penas, a apreciar pelo TEP. Ou seja, e como a dado passo no seu recurso entende que deveria ser, será mesmo este tribunal que terá uma palavra determinante na sua reinserção social, no modo como esta será alcançada, por exemplo através de saídas precárias e outras medidas e regimes existentes em termos de cumprimento de penas.

Não pode é o arguido esperar que a sociedade e os tribunais encarem de forma leve toda a sua atividade criminosa, extremamente gravosa, lesiva de direitos de outros (num dos casos estando próxima de causar a morte aos ofendidos), atividade reveladora de efetiva necessidade de, através da prisão, ser alcançada efetiva ressocialização. As necessidades de prevenção especial são muito fortes atenta a personalidade demonstrada pelo arguido na prática dos factos constitutivos de crime, a insensibilidade aos valores e normas penais, sociais e éticas que demonstrou então possuir e que reclamam, através da aplicação de uma pena de prisão, que se evite a concretização de propensão para o crime que o arguido revelou na prática dos factos.”.

4. O recorrente foi notificado para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público, conforme art.º 417.º, n.º 2 do CPP, nada tendo dito.

5. O recurso foi admitido por despacho judicial de 03/10/2022, nada obstando ao seu conhecimento.

6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTOS

1. De facto

Relativamente ao arguido AA, o acórdão recorrido considerou fixada a seguinte matéria de facto:

A) Factos provados

Processo n.º 753/1...

A condenação do arguido naqueles autos assentou nos seguintes factos:

1. No dia 21 de Dezembro de 2018, entre as 23h30 e as 24h00, os arguidos AA e BB, acompanhados de, pelo menos, mais dois indivíduos, posicionaram-se, com um veículo BMW, de cor escura, que se encontrava na posse do arguido AA - por quem tinha sido disponibilizado - na A8, no sentido ... ..., sendo que um dos indivíduos, integrado no grupo, efectuou dois disparos, comum a arma de fogo, tipo caçadeira, sobre o veículo com a matrícula 00-00-PE, acertando na zona do pneu esquerdo traseiro de tal viatura.

2. Aquele veículo, de matrícula 00-00-PE, encontrava-se a circular, na altura dos disparos, a uma velocidade entre os 80/90 quilómetros por hora, no sentido de marcha seguido pelos arguidos, ao quilómetro 50,600 da referida auto-estrada, na área da comarca de ..., e era conduzido por CC, sendo que, no seu interior, encontravam-se, como ocupantes, DD e EE.

3. A condutora do referido veículo, CC, ao ouvir um som semelhante a um pneu a rebentar, imobilizou o veículo na berma.

4. Naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar, surgiu, no local, o referido veículo de marca BMW, de cor escura, ostentado a matrícula 00-CD-00, que parou sensivelmente de forma paralela à viatura de matrícula 00-00-PE, mas um pouco mais à frente, encontrando-se, no seu interior, os arguidos e os restantes indivíduos acompanhantes encapuzados, com máscaras de esqui, sendo que um dos indivíduos se encontrava munido de uma arma de fogo, tipo caçadeira.

5. Após, dois dos indivíduos, envergando roupas escuras, saíram do veículo BMW, em que se faziam transportar, e dirigiram-se ao veículo onde se encontravam as ofendidas, tendo cada um dos indivíduos aberto uma das portas da frente e de trás do veículo, ordenando às ocupantes: “Dêem-nos tudo”.

6. Acto contínuo, puxaram as malas das ocupantes do veículo, que se encontravam no interior do mesmo, e contra a vontade das ofendidas, levaram consigo, para parte incerta, os seguintes objectos, que fizeram seus:

- quanto aos objectos pertencentes a EE:

. uma mala de camurça de cor morango da marca Lalvin, no valor de 2.500,00€;

. uma bolsa de camurça amarela, com bolsa em pele contendo vários documentos, nomeadamente:

. bilhete de identidade, pelo menos dois cartões de multibanco, cartão de Seguro de Saúde e do SNS e cadernetas do Banco Montepio.

. chave da viatura Renault Megane;

. um telemóvel marca Samsung J8, onde operavam os números ...8 e ...8;

. chave de escritório com 3 bonecos (carneiro, sardinha e gato);

. dois óculos, uns graduados e uns de sol de marca Mont Blanc, no valor de 850,00€;

. um molho de chaves da residência contendo dois bonecos (pantera e golfinho),

. um molho de chaves com um porta chaves com o leão do sporting;

. duas bolsas em pele;

- quanto aos objectos pertencentes a CC:

. um porta cartões de cortiça com vários documentos, nomeadamente cartão de cidadão, cédula profissional de advogado, cartão de multibanco da Caixa Geral de Depósitos.

. 75€ (setenta e cinco euros) em notas e moedas;

. uma bolsa de tecido estampado;

. um carregador de telemóvel, marca Huawei;

. uma bolsa com alguns medicamentos e artigos de beleza e higiene;

. um terço com contas de cor pérola;

. uma caixa para óculos de cor preta, marca Ray Ban;

. um porta chaves com um molho de chaves do seu escritório;

- quanto aos objectos pertencentes a DD:

. uma mala pessoal, no valor de cerca de 40,00€;

. um cartão dos serviços sociais da Polícia de Segurança Pública;

. um cartão de identificação da Polícia de Segurança Pública;

. 20,00€ (vinte euros) em numário;

. um porta moedas contendo documentos, nomeadamente cartão de multibanco;

. cadernetas do Banco, juntamente com os códigos de acesso;

. uma chave do veículo Nissan;

. uma carteira, feita na India, contendo vários cartões;

. um cartão de crédito da Caixa Geral de Depósitos;

. um par de óculos, de valor não inferior a 150,00€;

. um canivete suíço;

. um porta chaves em forma de torre Eiffel;

. um bloco de notas.

7. Os referidos indivíduos, munidos daqueles objectos, entraram no veículo que ostentava a matrícula 00-CD-00, e dirigiram-se para a auto-estrada A8, saindo na saída do ..., cerca das 23h53m e, em parte incerta, dividiram o dinheiro que subtraíram.

8. Momentos antes dos factos descritos de 1. a 7., à noite, na localidade de ..., dois indivíduos abeiraram-se do veículo com a matrícula 00-CD-00, que se encontrava estacionado, e dele retiraram as chapas de matrícula e levaram-nas para parte incerta, contra a vontade do seu legítimo proprietário FF.

9. Após, os arguidos AA e BB colocaram as chapas de matrícula, previamente subtraídas, no veículo BMW, modelo “Série 3”, com a matrícula original 00-JJ-00, de cor escura, que se encontrava na posse do arguido AA, e circularam pelos locais dos factos descritos, com aquelas matrículas apostas no veículo.

10. No dia 30 de Dezembro de 2018, por volta das 21h00, o arguido AA, acompanhado de outros indivíduos, pelo menos mais dois, cuja identidade não se logrou apurar, deslocaram-se ao posto de abastecimento de combustíveis da BP, sito na Estrada Nacional ..., ..., ..., ..., num BMW de cor escura, sem matrícula, que se encontrava na posse do arguido AA.

11. Uma vez aí chegados, com a cara tapada, o arguido AA e dois dos referidos indivíduos entraram na zona da loja e pagamento, sendo que um dos indivíduos do grupo exibiu uma arma de fogo, tipo caçadeira e outro dos indivíduos exibiu uma pistola 6,35mm, tendo, nessas circunstâncias, os agentes infractores ordenado à funcionária do posto de abastecimento, GG, que lhes entregasse todas as quantias que se encontrassem no interior da caixa registadora, o que a mesma, atemorizada, fez, tendo, dessa forma, sido entregue aos referidos agentes um total de € 313,48 (trezentos e treze euros e quarenta e oito cêntimos). Após, os agentes infractores ordenaram que a mesma funcionária abrisse o cofre que ali se encontrava, ordem a que a mesma não pôde obedecer por não dispor de chave, tendo, então, o indivíduo, que empunhava a caçadeira, efectuado um disparo contra o cofre, utilizando tal arma, sendo que o cofre, não obstante ter ficado danificado, permaneceu fechado.

12. Os agentes levaram ainda consigo vários brindes, que se encontravam expostos na loja.

13. Após, o arguido AA e os referidos indivíduos entraram no veículo de marca BMW aludido, na posse do dinheiro e dos referidos bens, e deslocaram-se para local incerto.

14. Integrados no grupo de indivíduos, que praticou os factos descritos de 1. a 7., os arguidos AA e BB agiram em comunhão de esforços e intentos, com os restantes indivíduos, nos moldes que resultam descritos, querendo levar a cabo os inerentes comportamentos ali referidos, em execução de um plano congregador de esforços e vontades. Os arguidos AA e BB, juntamente com os restantes indivíduos, actuaram de forma concertada, com o propósito de fazerem seus os objectos subtraídos às ofendidas, não obstante saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam sem autorização e contra a vontade das suas legítimas proprietárias.

15. Para melhor conseguirem os seus intentos, os arguidos AA e BB, juntamente com os restantes indivíduos que os acompanharam, agiram de forma súbita e inesperada para as ofendidas, efectuando dois tiros, com uma caçadeira, direccionados ao pneu do veículo que se encontrava a circular nos termos descritos, assim provocando a imobilização da viatura e a intimidação das ofendidas, bem sabendo que o descrito uso de armas de fogo e a forma como, logo após, abriram as portas do veículo imobilizado, ordenando a entrega dos bens, eram adequadas a produzir, nas ofendidas, medo e sentimento de insegurança, coarctando-as na sua autonomia psicológica e de movimentos.

16. Actuando da forma descrita, ou seja, ao efectuarem dois tiros, com uma caçadeira, direccionados ao pneu de um veículo que se encontra a circular numa auto-estrada a uma velocidade não inferior a 80 Km/hora, os referidos arguidos admitiram como possível que, da sua conduta, pudesse vir a resultar o despiste do veículo e a morte das pessoas que nele se faziam transportar, bem sabendo que aquela actuação era idónea a provocar tal desfecho, e conformaram-se com a ocorrência desse resultado.

17. As consequências da descrita actuação não foram mais gravosas, para as ofendidas, especificamente não ocorrendo o despiste do veículo e a morte das mesmas, por circunstâncias alheias à vontade dos arguidos, nomeadamente por a condutora ter conseguido imobilizar, de forma rápida, a viatura que tripulava, na sequência de tal viatura ter sido atingida, na zona da roda, pelos disparos descritos.

18. Os arguidos AA e BB, ao procederem à alteração da chapa de matrícula, da forma descrita em 9., e ao circularem com o veículo aludido da marca BMW,com as chapas de matrícula 00-CD-00, agiram livre, deliberada e conscientemente, com a intenção de criar a aparência de que aquela matrícula pertencia àquele veículo, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, e que dessa forma, faltando à verdade, lesavam a segurança e confiança no tráfico jurídico.

19. Mais sabiam os referidos arguidos que as chapas de matrícula servem para individualizar e identificar os veículos, a que pertencem, e que as alterações produzidas no veículo BMW, nos termos descritos, não assentavam nas características que lhe foram concedidas, pelos serviços competentes, e que, por isso mesmo, tal viatura não se encontrava em condições de circular pela via pública, com as chapas de matrículas previamente subtraídas nela apostas, nas circunstâncias indicadas.

20. Porém, não obstante, os aludidos arguidos agiram nos termos descritos, bem sabendo que lesavam o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e que punham em causa o valor probatório das chapas de matrícula, nomeadamente a credibilidade e a fé que as mesmas gozam perante o público em geral e as autoridades em particular, prejudicando dessa forma o Estado Português.

21. Integrado no grupo de indivíduos, que praticou os factos descritos de 10. a 12., o arguido AA agiu em comunhão de esforços e intentos, com os restantes indivíduos, nos moldes que resultam descritos, querendo levar a cabo os inerentes comportamentos ali referidos, em execução de um plano congregador de esforços e vontades.

22. O arguido AA, juntamente com os restantes indivíduos, actuou de forma concertada, com o propósito de fazer seus os objectos subtraídos, não obstante saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava sem autorização e contra a vontade da sua legítima proprietária.

23. Para melhor conseguir os seus intentos, o arguido AA, juntamente com os restantes indivíduos que o acompanharam, agiu bem sabendo que a descrita forma de actuação, com recurso ao uso de armas de fogo, era adequada a constranger a funcionária da ofendida a obedecer às ordens de entrega e a não resistir às subtracções de objectos, coarctando a referida funcionária na sua autonomia psicológica e de movimentos.

24. No dia 19 de Março de 2019, pelas 10h45m, o arguido AA detinha na sua residência:

. 1 munição de calibre 9mm Prabellum, de marca Geco;

. uma bolsa de cor vermelha, com a inscrição “3 SUISSES”, devidamente fechada, contendo no seu interior:

. 01 (um) saco de plástico com 100,00€ (cem euros) em notas do BCE;

.15 (quinze) pacotes plásticos de pequenas dimensões, de cor castanha, contendo cerca de 2,463g de heroína, com grau de pureza de 18%, correspondendo a 4 doses individuais.

. 20 (vinte) pacotes plásticos de cor branca, contendo 4,064 gramas de cocaína, comum grau de pureza de 44,2%, correspondente a 9 doses individuais;

25. O arguido AA conhecia a natureza e as características dos produtos referidos em 24., e agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de deter tais bens.

Mais agiu com intenção de deter e ceder as substâncias estupefacientes a terceiros, a troco de uma compensação monetária, bem sabendo que a detenção, uso, distribuição, cedência, oferta e venda das mesmas são actividades proibidas por lei.

26. O arguido AA sabia que, por não ser titular de licença de uso e porte de arma ou de qualquer autorização de detenção de armas, lhe estava vedada a detenção e utilização de armas de fogo ou das respectivas munições.

No entanto, quis agir do modo descrito, o que fez de forma livre e consciente.

27. Os arguidos BB, HH e II nunca foram titulares de qualquer licença de uso e porte de arma ou de qualquer autorização de detenção de armas.

28. Os arguidos BB e AA agiram sempre, ao longo da descrita actuação, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.

29. O arguido AA é natural de ... e tem um irmão mais velho.

30. Os seus progenitores viviam em união de facto, usufruindo de humilde condição socioeconómica e cultural.

31. Durante os primeiros anos de vida, o referido arguido residiu com a família biológica, em ..., num contexto marcado pela problemática de alcoolismo e pelo comportamento violento do pai, especificamente sobre a mãe, enquadramento que determinou a separação do casal, quando o arguido tinha cerca de sete anos de idade, tendo, nessa sequência, ficado, juntamente com o irmão, entregue aos cuidados da figura materna.

32. Não obstante a dissolução do agregado, AA permaneceu a viver em ... e manteve sempre relação próxima com o progenitor, o qual assegurou até ao seu falecimento - há cerca de cinco anos-, apoio no plano económico e afectivo ao arguido, usufruindo da sua companhia durante os fins-de-semana.

33. O progenitor constituiu-se como uma figura de referência afectiva junto de AA.

34. A mãe veio a recompor vida conjugal com novo companheiro, quando o referido arguido tinha cerca de treze anos.

35. Não obstante ter beneficiado de um enquadramento familiar harmonioso e estruturado junto do agregado maritalmente reconstituído pela mãe, o arguido AA manifestou dificuldades ao nível comportamental, tanto na esfera familiar, como escolar, manifestando revolta e inconformismo pela separação dos progenitores.

36. Durante o período da adolescência, o referido arguido associou-se a pares anti- sociais, tendo o seu agregado familiar demonstrado fraca capacidade de regular e supervisionar, de forma contentora, as atitudes disruptivas do arguido.

37. O referido arguido ingressou no sistema de ensino primário em idade regular, apresentando uma trajectória desinvestida no domínio escolar, marcada pela instabilidade comportamental, pela fraca assiduidade e aproveitamento escolar, assinalando várias reprovações.

38. Abandonou o ensino regular durante a frequência do quinto ano.

39. Durante a adolescência, no seu quadro de instabilidade comportamental, o arguido esteve institucionalizado entre os quinze e os dezasseis anos, tendo, durante a sua permanência na instituição, o mesmo concluído o sexto ano de escolaridade com vertente profissional na área de tipografia/informática. Porém, revelou um percurso instável, tendo, após a saída da instituição, regressado ao agregado da mãe e do padrasto, em ..., do qual nunca se chegou a autonomizar, tendo permanecido sem atividade estruturada a nível laboral/formativo até cerca dos dezanove anos, idade em que começou a trabalhar em área indiferenciada, junto de duas fábricas de construção de fornos industriais destinados à construção civil, na zona da ... e no ....

40. Registando um percurso laboral irregular e instável desenvolvido em torno de trabalhos indiferenciados, maioritariamente no sector da construção civil, o referido arguido trabalhou ainda em colaboração com um amigo, numa oficina de mecânica auto, na pintura de jantes de veículos automóveis, durante cerca de um ano, e posteriormente, para diferentes empresas ligadas à construção civil, por períodos de curta duração, com vínculos laborais.”.

Estes autos 797/18.1PBCLD

A condenação do arguido nestes autos assentou nos seguintes factos:

“1. No dia 22/12/2018, os arguidos e outro indivíduo, cuja identificação não se logrou apurar, engendraram um plano para se apoderarem da máquina de tabaco que se achava no estabelecimento C..., sito na Rua ..., em ...., explorado por JJ.

2. Para o efeito, naquele dia cerca das 3 horas, os arguidos e o outro indivíduo de identidade desconhecida, em conjugação de esforços e de vontades e de acordo como plano que haviam delineado, abeiraram-se do veículo da marca Ford, modelo Transit, do ano de 1994, com a matrícula 00-00-HU, pertença de KK e que se achava estacionado na Praceta ..., em ..., local próximo do estabelecimento acima referido e, de modo concretamente não apurado, partiram o vidro da porta do lado direito e, assim, conseguiram aceder ao seu interior.

3. De seguida, os arguidos e o outro indivíduo colocaram, através de ligação directa da ignição, o referido veículo em marcha até junto do estabelecimento acima referido.

4. Aí chegados, pelas 3 h. e 47 m., os arguidos e o outro indivíduo partiram o vidro da porta de entrada do já referido estabelecimento comercial, usando, para o efeito, um vaso de flores e, após, acederam ao seu interior e daí retiraram uma máquina de tabaco da marca Teide, Max, com o n.º de série ...2, no valor de € 1.657,52, a qual continha no seu interior a quantia de € 1.586,68 em numerário e em tabaco, propriedade da sociedade M..., S.A..

5. De imediato, os arguidos e o outro indivíduo colocaram a máquina no veículo de matrícula 00-00-HU e, abandonaram o local no referido veículo e na posse da máquina acima referida, integrando tais bens no seu património.

6. O referido veículo possuía valor comercial superior a € 600,00, desconhecendo-se o valor dos danos que lhe foram causados.

7. Os arguidos e o outro indivíduo causaram danos na porta do estabelecimento acima referido no valor de € 61,50.

8. No decurso da prática dos factos acima referidos, os arguidos usaram gorros, vulgarmente denominados passa montanhas, e luvas.

9. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, de acordo com o plano que previamente tinham engendrado entre si e o outro indivíduo de identidade desconhecida, ao apoderarem-se do veículo e da máquina de tabaco acima referidos da forma supra descrita e contra a vontade dos seus proprietários, apesar de saberem que lhes causavam prejuízo patrimonial nos valores acima referidos, assim como quiseram causar prejuízo patrimonial ao dono do estabelecimento comercial.

10. Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.

Processo n.º 437/1...

A condenação do arguido nestes autos resultou dos seguintes factos:

Sinteticamente, posto que não existe suporte físico da decisão proferida, resultou provado que o arguido efectou a condução de veículo motorizado sem que se mostrasse habilitado para tal.

Agiu de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida porque proibida por lei.

Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão do presente cúmulo jurídico.”.

2. De direito:

2.1. A matéria de facto assim fixada não padece de quaisquer vícios que este Supremo Tribunal pode conhecer tal como prevê o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, nem estes foram arguidos, não se vislumbrando quaisquer nulidades e por isso está definitivamente fixada, pelo que, com base nela se passa a decidir a única questão de direito suscitada e que se prende com a dosimetria da pena única aplicada ao arguido recorrente, em resultado do cúmulo jurídico efectuado.

2.2. Na determinação da pena única contra a qual o recorrente se insurge, decidiu-se no acórdão recorrido o seguinte:

No caso em apreço nos autos, para melhor definir a situação do arguido, deve ter-se em conta o desfasamento entre as datas da prática dos vários crimes e os diversos momentos em que ocorreu o trânsito em julgado, por forma a respeitar-se a “barreira excludente” como limite intransponível.

De referir ainda que, de acordo com a mais recente e largamente maioritária jurisprudência dos tribunais superiores, maxime do Colendo STJ, deverão ser integradas no cúmulo jurídico superveniente de penas as penas de prisão suspensas na sua execução cujo período de suspensão não tenha ainda decorrido à data da realização do cúmulo jurídico.

Neste sentido cfr. Ac. STJ de 21/06/20127, “Pelo mesmo motivo, há que reflectir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art. 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.”

(…)

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se conclui pela inclusão no cúmulo jurídico superveniente a realizar nos presentes autos das penas parcelares aplicadas ao arguido nos autos de processo n.º 437/1..., 753/1... e nestes autos.

Neste conspecto, e para mais fácil apreensão, apresentam-se esquematicamente os factos a considerar no seguinte quadro cronológico:

ProcessoCrimesData dos

factos

Data DecisãoData TrânsitoPena única
437/1...Condução sem

habilitação

legal

28.11.201812.12.201804.02.2019

Trânsito

relevante

146 dias de prisão
753/1...4 crimes de roubo agravado,

1 crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade;

4 crimes de detenção de arma proibida 1 crime de falsificação de documento (chapas de matrícula);

12.201820.07.202005.01.2021Penas parcelares: 7 (sete) anos de prisão pelo crime de roubo agravado de 21 de dezembro de 2018 na pessoa de CC; - 7 (sete) anos de prisão pelo crime de roubo agravado de 21 de dezembro de 2018 na pessoa de DD

7 (sete) anos de prisão pelo crime de roubo agravado de 21 de dezembro de 2018 na pessoa de EE;

- 6 (seis) anos de prisão pelo crime de roubo agravado de 30 de dezembro de 2018;

- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade;

- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por um dos crimes de detenção de arma proibida (o relativo à caçadeira e pistola 6,35mm, armas de fogo com as quais foi cometido o crime de roubo de 30 de dezembro de 2018);

- 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão por outro dos crimes de detenção de arma proibida (o relativo à arma de fogo, tipo caçadeira,

com a qual foram cometidos os 3 crimes de roubo de 21 de dezembro de 2018);

- 1 (um) ano de prisão pelo crime de falsificação de documento (chapas de matrícula);

- 6 (seis) meses de prisão por outro crime ainda de detenção de arma proibida (o relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum apreendida na sua residência).

9 meses de prisão 2 anos de prisão 2 anos de prisão 3 meses de prisão 3 meses de prisão 3 meses de prisão 3 meses de prisão

1 ano e 6 meses de prisão; pena única de 16 anos de prisão.

797/18.1PBCLD1 Crime de furto qualificado,

1 crime de furto simples

22.12.201822.09.202125.10.2021Penas parcelares: pena de 3 [ três ] anos de prisão pela comissão do tipo de crime

de furto qualificado, pena de 8 [ oito ] meses de prião pena única 3 [ anos ] e 3 [ três ] meses de prisão.

Deste modo, e conforme se alcança dos factos provados, o trânsito em julgado da decisão proferida no processo nº 437/1... [ 04.02.2019 ] constitui o marco divisório inultrapassável.

Sendo que os outros crimes praticados pelo arguido e pelos quais foi nos presentes autos condenado o foram em data anterior àquele primeiro trânsito [ praticados no ano de 2018 ], integrarão uma única pena única resultante de um mesmo cúmulo jurídico.

Assim, analisadas as datas da prática dos diversos crimes pelos quais o arguido foi condenado verificamos que, no ano de 2018, para o que aqui importa, o arguido praticou os factos respeitantes a 4 crimes de roubo agravado, 1 crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade; 4 crimes de detenção de arma proibida 1 crime de falsificação de documento (chapas de matrícula); 1 crime de furto qualificado, 1 crime de furto simples e de condução sem habilitação legal .

Totalizando em cúmulo material pena superior a 25 anos esse será o limite inultrapassável da pena abstratamente aplicável, sendo o limite mínimo a pena de 7 anos de prisão [ a mais elevada das penas concretamente aplicadas – autos n.º 753/1... ].

Na medida da pena única a fixar serão considerados os critérios e ditames referidos nos art.º 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, levando-se em conta os factos já considerados na decisão condenatória, em especial quanto à situação do arguido, a sua idade e o número de condenações, bem como os que resultam da matéria de facto agora fixada.

Tudo ponderado, consideram os juízes que integram este Tribunal Colectivo que, a gravidade e reiteração das condutas ilícitas-típicas perpetradas pelo arguido, e a perigosidade social de tais condutas), e o alarme social associado a tais condutas, e as consequentes exigências de prevenção geral associadas (que são relevantes); considerando ainda o percurso pessoal do arguido, e a sua insensibilidade à data da prática dos factos, aos valores e normas penais, sociais e éticas por ele anteriormente manifestadas, acentuam as necessidades de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso em apreço.

Tal tradução respaldo encontra no passado criminógeno do arguido, supra elencado e transcrito.

Na consideração dos factos ( do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso ) há que fazer uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique “entre os factos em concurso.

Em qualquer dos casos, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa óptica de conjunto, enquanto imagem global, é elevada tendo em conta a amplitude do leque de danosidade que os comportamentos do arguido abrangem.

Decorre a gravidade dos factos da moldura penal que aos factos cabe revelando a conduta do arguido, igualmente a propensão para a prática ilícitos de natureza vária, lesando bens jurídicos de distinta matriz, donde a irrelevância para o arguido de tais bens jurídicos.

Tudo ponderado, acordam os Juízes que integram este Tribunal Colectivo na condenação do arguido na pena única de 17 [ dezassete ] anos e 6 [ seis ] meses de prisão.”.

É este juízo e o consequente resultado condenatório na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão que este Supremo Tribunal é chamado a rever, devendo ter-se presente que se trata de recurso interposto unicamente pelo arguido e que a censura que este move ao decidido consiste essencialmente no caracter excessivo da pena única, cuja duração considera desproporcionada face as exigências de prevenção geral e contrária à finalidade de ressoalização, não levando em conta que os factos foram fruto de imaturidade e aventura de uma personalidade ainda jovem, o seu amadurecimento e esforço de integração nos valores comunitários no período de reclusão.

2.3. Sintetizando, como resulta do quadro constante do acórdão recorrido, o arguido sofreu as seguintes condenações penais, todas transitadas em julgado:

A. Proc. n.º 797/18.1PBCLD (os presentes autos)

1. 3 (três) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, cometido em 22.12.2018

2. 8 (oito) meses de prião, pela prática de 1 (um) crime de furto simples, cometido em 22.12.2018

Em cúmulo jurídico destas penas foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 3(três) meses de prisão e a sentença correspondente foi proferida em 22/09/2021 e transitou em julgado em 25/10/2021.

B. Proc. n.º 753/1...

1. 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de roubo agravado, cometido em 21/12/2018, na pessoa de CC;

2. 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de roubo agravado, cometido em 21/12/2018, na pessoa de DD;

3. 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de roubo agravado, cometido em 21/12/2018, na pessoa de EE;

4. 6 (seis) anos de prisão, pelo crime de roubo agravado, cometido em 30/12/2018;

5. 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, com a qual foi cometido o crime de roubo de 30/12/2018;

6. 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, com a qual foram cometidos os três crimes de roubo de 21/12/2018;

7. 1 (um) ano de prisão, pelo crime de falsificação de documentos (chapas de matrícula);

8. 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, apreendida na sua residência em 19/03/2019;

9. 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, apreendida na sua residência no dia 19/03/2019;

Em cúmulo jurídico destas penas foi condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão, e a sentença correspondente foi proferida em 20/07/2020 e transitou em julgado em 05/01/2021.

C. Proc. n.º 437/1...

1. 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), por crime de condução sem habilitação legal, convertida em 146 (cento e quarenta e seis) dias de prisão, pelo crime de condução sem habilitação legal, cometido em 28/11/2018;

A sentença correspondente foi proferida em 12/12/2018 e transitou em julgado, em 04/02/2019. Note-se que esta pena resulta da conversão de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do art.º 49.º do Código Penal.

2.4. No acórdão recorrido refere-se que o arguido foi condenado por “4 crimes de detenção de arma proibida” quando, na verdade, como afirma o Ministério Público na sua resposta ao recurso, o arguido foi condenado por três crimes dessa natureza.

Essa referência constituiu um lapso de escrita, por paralelo com a condenação por quatro crimes de roubo, não tendo qualquer reflexo na fundamentação ou na fixação da pena única, como expressamente resulta da síntese contida no quadro resumo das condenações constante do acórdão e do seu discurso justificativo, dando-se aqui o lapso por corrigido.

2.5. No caso, estamos perante uma situação de conhecimento superveniente do concurso, hipótese perante a qual o art.º 78.º, do CP, impõe que se proceda ao cúmulo jurídico das penas aplicadas, determinando-se uma pena única ou conjunta, mediante os critérios estabelecidos pelo art.º 77.º do mesmo Código para a punição do concurso de crimes.

Como se decidiu no Ac. do STJ de 02/12/2013, Proc. 742/11.5TACTX.E1.S1, em www.dgsi.pt, “A pena conjunta ou única, pena através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, (…). Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena única são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

(…) Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele…”.

Ao mesmo propósito, disse-se no acórdão do STJ, de 17/10/2019, Proc. 71/15.3PDCSC-C.L1.S1, que “ a determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua, agora reavaliada à luz do conhecimento superveniente dos novos factos. Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade, para tanto devendo considerar múltiplos fatores, entre os quais a amplitude temporal da atividade criminosa, a diversidade dos tipos legais praticados, a gravidade dos ilícitos cometidos, a intensidade da atuação criminosa, o número de vítimas, o grau de adesão ao crime como modo de vida, as motivações do agente, as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo”.

2.6. Antes de entrar na apreciação das alegações do recorrente, importa deixar esclarecidas algumas questões prévias pertinentes.

Assim:

2.6.1. O presente recurso foi apenas interposto pelo arguido, pedindo a redução da pena conjunta em que foi condenado, por considerá-la excessiva.

Sucede que, conforme se decidiu no acórdão recorrido e não vem questionado, o primeiro trânsito em julgado ocorrido relativamente aos crimes considerados em concurso foi o da sentença proferida no processo n.º 437/1... (supra C), por factos ocorridos em 28/11/2018. Assim sendo, tendo em consideração essa data do trânsito relevante – 04/02/2019 – os crimes de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida (o relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum), também objecto do Proc. 753/18 ( supra B), não deveriam ter entrado no cúmulo nos termos que foram considerados pelo acórdão recorrido, porquanto os factos correspondentes foram praticados em 19/03/2019, portanto após aquela data de trânsito em julgado.

É seguramente assim porque, superando divergências jurisprudenciais, designadamente quanto à hipótese do chamado “cúmulo por arrastamento”, se encontra firmado o entendimento de que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”, conforme Ac. do STJ, de Fixação de Jurisprudência, n.º 9/2016 - Diário da República n.º 111/2016, Série I de 09/06/2016.

Como se disse no Ac. do STJ, de 07/12/2022, Proc. n.º 1202/21.1T8STR.S1, “Perante a pluralidade de crimes cometidos sucessivamente (…), importa verificar se todos eles tiveram lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles ou, em caso negativo, se há lugar a cúmulos jurídicos sucessivos ou/e a cumprimentos de penas autónomas, por eventualmente não se verificarem os pressupostos do concurso superveniente, aludidos nos arts. 78.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1, do CP. (…) Por sua vez, os crimes que tiverem sido praticados depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação, consoante os casos, tanto podem integrar outro (ou outros) cúmulo(s) jurídico(s), a sancionar com outra(s) pena(s) única(s), desde que se verifiquem os mesmos pressupostos, como, em caso negativo, terão de ser excluídos, mantendo autonomia. Portanto, tudo dependendo da verificação dos respetivos pressupostos, podem os crimes subsequentes integrar outros cúmulos jurídicos e, respetivas penas únicas, de execução sucessiva, funcionando, de todo o modo, o trânsito em julgado da condenação respetiva (que funciona como advertência para o condenado levar uma vida conforme ao direito) como elemento determinante de cada grupo de infrações que integra cada “cúmulo jurídico” de penas.”.

De acordo com o disposto no art.º 78.º do Código Penal, o cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo da última condenação transitada em julgado, se vem a verificar que o arguido, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes que têm conexão temporal com o último a ser julgado. No caso presente, não se trata de saber se era do conhecimento do tribunal a quo que depois das condenações transitadas em julgado seria necessário proceder a novo cúmulo, ignorando a existência de concurso, mas saber se, depois de englobado num cúmulo transitado penas parcelares relativas a crimes que se vem a verificar terem sido cometidos depois da data do trânsito relevante para o novo concurso, se se deve desfazer os cúmulos efectuados e determinar a realização de novos cúmulos, que tenham na conta o conhecimento superveniente do concurso que implica que as penas aplicadas por condenações transitadas em julgado possam ser revogadas e determinar novos cúmulos, agora, sucessivos.

Com efeito, disse-se no Ac. do STJ de 16/12/2015, Proc. n.º 98/12.9PBMTA-B.L1.S1, que “No conhecimento superveniente da necessidade do cúmulo existe uma primeira operação que, basicamente, se reconduz, a uma decomposição das penas parcelares que integraram o cúmulo jurídico efectuado em primeiro lugar e uma recomposição que se consubstancia num novo cúmulo em que estão presentes as penas parcelares anteriormente conhecidas e aquelas cuja apreciação é agora sujeita á apreciação do tribunal.

Tudo se passa como uma repetição das mesmas operações se tratasse voltando de novo a partir de um conjunto de penas parcelares individualmente consideradas para a efectivação de novo cúmulo. A pena conjunta em que o arguido foi previamente condenado perde a sua subsistência, e desaparece, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Porém, se é certo que deixa de ter significado jurídico o cumprimento da pena conjunta previamente alcançada o certo é que a mesma existiu e existiu evidenciando um determinado critério na apreciação da culpa e da personalidade que emergiram da prova produzida.

(…) O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, pelo menos de forma maioritária, que o momento relevante para a determinação do cúmulo jurídico de todas as penas é o trânsito em julgado da primeira condenação. A fronteira intransponível na consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é, assim, o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente.

No caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras, devendo a decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira ou seja se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal deverá proferir duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência.” – sublinhado nosso.

2.6.2. Devendo conhecer oficiosamente de erros de direito que sejam pertinentes ao objecto do recurso e não se encontrem cobertos por trânsito em julgado, este Supremo Tribunal terá de fazer prevalecer a correcta aplicação do direito no âmbito dos seus poderes de cognição, embora sempre com respeito pelas garantias processuais e materiais do arguido, designadamente da proibição da reformatio in pejus.

Ora, analisando todas as condenações sofridas pelo ora recorrente, verifica-se que no acórdão recorrido foram incluídas no cúmulo jurídico as penas parcelares aplicadas no âmbito do processo n.º 753/1... referentes aos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e ao crime de detenção de arma proibida (o relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum), ocorridos em 19/03/2019, na sequência de busca realizada, nessa data, à residência do arguido recorrente. Considerando a data do trânsito em julgado relevante para efeitos do concurso – 04/02/2019 – tais penas parcelares não podiam ter sido incluídas no mesmo cúmulo efectuado pelo acórdão recorrido, porquanto respeitam a crimes cometidos posteriormente à data do trânsito que já não se consideram em concurso com os cometidos anteriormente a essa data.

Efectivamente, a primeira condenação transitada em julgado ocorreu no processo n.º 437/1..., cuja sentença em processo sumário de 12/12/2018, transitou em julgado em 04/02/2019 – constituindo este o trânsito relevante. Os crimes praticados antes daquela data e que com eles integram o concurso para efeitos de aplicação de uma pena única são os relativos ao processo n.º 797/18.1PBCLD, cujos factos ocorreram em 22/12/2018 e os relativos ao Proc. n.º 753/1..., mas, apenas, quanto aos factos praticados nos dias 21/12/2018 e 30/12/2018, assim se procedendo à aplicação de uma pena única.

No momento seguinte, há a considerar o que releva dos crimes em concurso entre si, praticados após o trânsito em julgado relevante, ou seja, após 04/02/2019. Tais crimes são os referentes ao mesmo processo 753/1..., mas praticados no dia 19/03/2019, que compreendem os crimes de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida (o relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum) e que são abrangidos neste segundo cúmulo jurídico, nele se operando nova pena de concurso. Ou seja, há que agrupar os crimes em dois concursos distintos – um, relativo ao momento da prática dos factos antes do trânsito em julgado relevante e outro, relativo ao momento da prática dos crimes após aquele trânsito – procedendo a duas operações de cúmulo jurídico, aplicando-se a cada uma delas uma pena única, de cumprimento sucessivo, em conformidade com a lei.

O cúmulo efectuado pelo Ac. do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, de 20/07/2020, no Proc. 753/1... (conforme certidão de 16/02/2022), foi confirmado integralmente pelo Ac. do TRL de 03/12/2020, que transitou em 05/01/2021. Porém, “(…) o trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no artº. 77.º” – Ac. do STJ, de 22-04-2004, Proc. n.º 04P132. Como se doutrina neste último acórdão, na operação de reformulação de um cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de outro(s) crime(s) em relação de concurso, o tribunal tem necessariamente de “desfazer” o concurso anterior para formar um novo concurso e determinar a pena desse concurso. Por isso mesmo, nos temos do n.º 1 do art.º 78.º do CP, o cúmulo jurídico anterior não tem um verdadeiro efeito de caso julgado quanto aos crimes que conformam o concurso, no sentido da sua inalterabilidade.

2.6.3. Por outro lado, uma vez que também está em concurso um crime de condução sem habilitação legal, punido com uma pena de multa de 220 dias, convertida numa pena subsidiária de prisão, ao abrigo do art.º 49.º, do CP, e, em face disso, determinado o cumprimento de 146 (cento e quarenta e seis) dias de prisão, coloca-se o problema dos termos da sua inclusão no cúmulo, aplicada no processo n.º 437/1....

Com efeito, o acórdão recorrido não teve em consideração que a pena de 146 dias de prisão, aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 437/1..., resultou da aplicação de uma pena de multa de 220 (duzentos e vinte) dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), por crime de condução sem habilitação legal, cometido em 28/11/2018, nem que, no âmbito desse processo, se procedeu ao desconto de um dia, atenta a detenção.

Nos termos do art.º 77.º, n.º 3, do CP, as penas de prisão e de multa não se cumulam entre si, não havendo qualquer regra de equivalência entre elas, “(…) pois a conversão da multa em prisão subsidiária pelo tempo determinado reduzido a 2/3 é uma regra estipulada expressamente (e exclusivamente) para esse fim: criar uma “sanção de constrangimento” para a execução da pena de multa (…)as penas de prisão e as de multa mantêm-se autónomas umas das outras, cumulando-se apenas entre si. (…) .” – tal como se afirmou no já referenciado Ac. do STJ de 13/07/2017 –, mesmo quando a multa é convertida em prisão subsidiária, nos termos do art.º 49.º do CP. Dito de outro modo, a pena de multa ou a pena de prisão subsidiária resultante da conversão daquela formam cúmulo material e não cúmulo jurídico com as penas parcelares de prisão dos crimes em concurso.

Efectivamente, na sequência do não pagamento da referida multa, por sentença proferida em 01/06/2021, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de multa aplicada ao arguido foi convertida em pena de prisão subsidiária, mantendo, porém, a sua natureza diversa das penas parcelares de prisão aplicadas, a título principal, aos restantes crimes com que está em concurso efectivo.

2.6.4. Por último e como já se deixou entredito, há um limite relevante aos poderes decisórios do tribunal superior em via de recurso que importa salvaguardar. Consiste em que, tendo o recurso sido interposto, unicamente pelo arguido, este não pode ver agravada a situação punitiva decorrente da decisão recorrida. Na verdade, conforme disposto no art.º 409.º, n.º 1, do CPP, o princípio da proibição da reformatio in pejus prescreve que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em seu prejuízo.

Esta medida protectora do direito de recurso em favor do arguido vale para o agravamento da pena conjunta bem como para o conjunto global das sanções de cumprimento sucessivo em caso de desdobramento. E, impõe-se -se que o princípio se estenda, no caso de reenvio do processo pelo tribunal superior para a instância inferior, “(…) como um princípio geral de direito de processo penal, enquanto direito de defesa, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, o princípio, em nome do direito a um processo justo, actua com maior latitude, e, assim, no caso de anulação ou reenvio do processo para novo julgamento, em 1.ª instância, o princípio não se esvai – é aplicada a reformatio in pejus indirecta –, limitando, igualmente, o poder decisório do tribunal inferior, que não pode em tal caso agravar a situação do arguido. – neste sentido, veja-se os Acs. do STJ de 13/07/2017, Proc. n.º 240/12.0PCSTB.S1 e de 14/09/2011, Proc. n.º 138/08.6TALRA.C1.S1.

3.Tendo presentes estas observações preliminares, cumpre agora proceder à apreciação da argumentação do recorrente.

Como resulta do que antecede, num primeiro momento, há que verificar os pressupostos que determinaram a aplicação da pena conjunta, conhecendo-se apenas as infrações cometidas pelo arguido recorrente, antes da data do trânsito relevante, 04/02/2019. Com efeito, a primeira condenação transitada em julgado verificou-se no processo n.º 437/1..., cuja sentença em processo sumário de 12/12/2018, transitou em julgado em 04/02/2019 – constituindo este o trânsito relevante. Os crimes que foram praticados antes daquela data são os relativos a esse processo n.º 437/1... e aos processos n.º 797/18.1PBCLD, cujos factos ocorreram em 22/12/2018 e ao n.º 753/1..., mas deste, apenas, entram no concurso os crimes correspondentes aos factos praticados nos dias 21/12/2018 e 30/12/2018, assim se procedendo à aplicação de uma pena única.

No momento seguinte há a considerar o que releva dos crimes que foram praticados após o trânsito em julgado relevante, ou seja, após 04/02/2019. Tais crimes são referentes ao mesmo processo 753/1..., mas ocorridos no dia 19/03/2019, isto é, os crimes de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida (o relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum) e que são abrangidos neste segundo cúmulo jurídico, nele se operando nova pena de concurso. Ou seja, agrupando-se os crimes em dois concursos distintos – um, relativo ao momento da prática dos factos antes do trânsito em julgado relevante e outro, relativo ao momento da prática dos crimes após aquele trânsito – o que ocorre são duas operações de cúmulo, aplicando-se a cada uma delas uma pena única, de cumprimento sucessivo, em conformidade com a lei.

Porém, relativamente a este segundo momento haverá que reenviar os autos para o tribunal de 1ª instância com vista a ali se proceder à apreciação dos factos e efectuar a operação de recomposição do cúmulo, aplicando-se a pena única resultante dessa operação. Não obstante, o tribunal de 1ª instância não poderá agravar a situação punitiva resultante do primeiro julgamento, devendo para isso ter em consideração o somatório das duas penas únicas ou conjuntas, de modo a não ultrapassar o limite de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo por referência o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, conforme art.º 409.º do CPP.

3.1. Visto o que dispõe o n.º 2, do art.º 77.º, do Código Penal, a pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos, tratando-se de pena de prisão e os 900 dias, tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. E, tendo sido aplicadas penas de prisão e penas de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério, conforme o n.º 3, do mesmo preceito legal.

4.Determinação das penas dos concursos de crimes verificados.

4.1. Quanto ao concurso por referência aos factos praticados antes da data do trânsito relevante – 04/02/2019

Quanto à pena única aplicada pelo acórdão recorrido, alegou o arguido recorrente que o cúmulo jurídico deve ser refeito e as penas recalculadas, operando a sua condenação numa pena única aproximada dos 9 (nove) anos de prisão face ao disposto nos arts.ºs 1.º, 40.º, 77.º e seguintes do Código Penal, e dos arts.ºs 1.º, 30.º e 32.º da Lei Fundamental, ou seja da Constituição da República, pois que entende não ter o tribunal recorrido considerado “as actuais circunstâncias pessoais do arguido”, nem ponderado que os factos ocorreram no espaço de um mês – Dezembro de 2018 – e revestem uma conduta homogénea, não relevou que à data dos factos tinha “apenas 23 anos” e que toda a sua actuação foi “fruto de IMATURIDADE, AVENTURA e sem medir as consequências dos actos”.

O arguido foi punido com uma pena única de 17 anos e 3 meses de prisão, tendo este cúmulo jurídico sido contaminado por inclusão das penas aplicadas por factos praticados depois do trânsito em julgado relevante. Assim, excluindo do cálculo da pena de concurso, as penas relativas ao crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão – e ao crime de detenção de arma proibida, relativo à detenção da munição de calibre 9mm Prabellum – 6 (seis) meses de prisão – em causa está o concurso de 4 (quatro) crimes de roubo agravado, cometidos com arma de fogo, 2 (dois) crimes de detenção de arma proibida, 1 (um) crime de furto qualificado, 1(um) crime de furto simples, 1(um) crime de falsificação de documento e 1(um) crime de condução sem habilitação legal, todos cometidos no espaço de tempo compreendido entre o dia 28 de Novembro de 2018 e o dia 30 de Dezembro de 2018.

As penas de prisão aplicadas ao arguido, pela prática destes crimes totaliza em cúmulo material de 35 (trinta e cinco) anos e 11 (onze) meses de prisão.

Por força do disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso e não pode ultrapassar os 25 anos de prisão e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso, ou seja, 7 (sete) anos de prisão. O mesmo é dizer que a moldura do concurso se situa entre os 7 (sete) anos de prisão e os 25 anos prisão.

O conjunto dos factos revelam uma personalidade criminosa do recorrente contrária a valores fundamentais da ordem jurídica, manifestada no desprezo que revelou na comissão dos crimes pela segurança de pessoas e bens, evidenciado pela elevada gravidade e o modo violento como o arguido os cometeu, acompanhado por outros indivíduos, exibindo armas de fogo, deslocando-se em viatura automóvel, com disfarce de matrícula do automóvel e utilizando máscaras faciais para impedir o seu reconhecimento.

Efectivamente, nos termos do art.º 1.º, als. j) e l), do CPP, os crimes de roubo agravado cometidos pelo arguido recorrente – p. e p. nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1 e 2, al. b) por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f) do CP – integram o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, caracterizada por condutas dirigidas contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e que forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 (oito) anos de prisão.

Certo é que o arguido actuou com dolo directo intenso e que assumem grande relevo as necessidades de prevenção geral, visto o alarme social e o sentimento de elevada insegurança que a prática de crimes de roubo (simples ou agravado), provoca na comunidade local em particular e na sociedade em geral. Mais grave e assustador, pelo pânico que causa, se torna esse tipo de ilícito criminal quando cometido em co-autoria com outros agentes do crime, com recurso a armas de fogo efectivamente utilizadas (o disparo de dois tiros que atingiram e fizeram rebentar um dos pneus da viatura onde seguiam as vítimas), de noite e em plena autoestrada, lugar onde é consabido ser isolado e onde as vítimas terão poucas hipóteses de se defenderem.

E, apesar da sua idade (nasceu em 1995), considerando a natureza e o número de crimes praticados, como resulta expressivamente dos factos julgados e do seu certificado de registo criminal, o arguido revelou com o seu comportamento consubstanciado no conjunto de crimes agora considerados possuir uma personalidade desajustada aos valores sociais e à comunidade em que se insere, manifestando indiferença pelos bens jurídicos violados e revelando propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos de forma reiterada e fazendo deles modo de vida, sendo por isso muito acentuadas as razões de prevenção especial.

Por outro lado, não procede a crítica de que esta ponderação no momento da determinação da pena única traduz “dupla valoração” de factos e circunstâncias já valorados em desfavor do agente no momento da fixação das penas parcelares. A medida concreta da pena do concurso, construída a partir das penas aplicadas nos diversos crimes englobados, é determinada também em função da culpa e das exigências de prevenção, tal como a das penas parcelares, embora segundo um critério específico: o conjunto dos factos e da personalidade do arguido. Mas não pode prescindir da valoração do conjunto dos factos e do seu potencial ofensivo para os bens jurídicos protegidos pela incriminação e dos seus efeitos na expectativa comunitária da sua protecção, por um lado, e do seu significado objectivo na exteriorização da personalidade unitária do agente contrária ou indiferente a esses bens ou valores da vida em comunidade, de cuja defesa os tipos penais preenchidos constituem a ultima ratio.

Alega, ainda, o arguido recorrente que o tribunal recorrido não relevou a “transformação da personalidade do agente, para melhor, que decorreu ao longo do seu percurso prisional”. Ora, como bem se salientou no parecer proferido pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, “(…) o alegado bom comportamento prisional do arguido, a continuar, será muito relevante em termos de execução da pena, podendo vir a beneficiar de todas as medidas previstas na lei em termos de flexibilização de cumprimento das penas, a apreciar pelo TEP. (…) Não pode é o arguido esperar que a sociedade e os tribunais encarem de forma leve toda a sua atividade criminosa, extremamente gravosa, lesiva de direitos de outros (num dos casos estando próxima de causar a morte aos ofendidos), atividade reveladora de efetiva necessidade de, através da prisão, ser alcançada efetiva ressocialização.”.

Na realidade, além do seu comportamento anterior e posterior aos factos, no acórdão recorrido apurou-se em relação às suas condições pessoais, familiares, profissionais, sociais e económicas que, apesar de tudo, revelam as dificuldades pelas quais foi passando desde a fase de crescimento, mas que, tal como muitos outros cidadãos, não o impediam de ter escolhido uma vida conforme ao direito. Por isso, são muito fortes as exigências preventivas gerais, atendendo ao tipo de condutas associadas ao roubo com arma de fogo e ao justificado alarme social que provocam na comunidade em geral, sobretudo pelo sentimento de insegurança que transmite à generalidade das pessoas, e em particular às pessoas que circulam de noite em autoestrada ou que trabalham de noite em estabelecimentos isolados, como são as lojas das bombas de combustível.

Assim, ponderados todos os factores a que a lei manda atender e que supra se enunciaram, numa apreciação global da conduta criminosa e daquilo que ficou provado quanto à personalidade e circunstâncias de vida do arguido e da sua conduta criminal pregressa, afigura-se que a prisão do arguido teve algum reflexo favorável no seu comportamento, como resulta do modo como se tem conduzido em meio prisional, satisfazendo assim as exigências de prevenção geral positiva. Por outro lado, considerando a idade do arguido e as potencialidades de ressocialização do mesmo, as suas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da pena única a aplicar sobre o seu comportamento futuro, que não é impeditiva da sua reinserção, entende-se que o arguido deve aproveitar o tempo de reclusão para preparar o seu regresso à sua comunidade e reflectir o modo de vida que pretende seguir.

Com efeito, a nível pessoal e individual verifica-se que o arguido agiu com culpa intensa, revelando uma inequívoca tendência criminosa. E, quanto à sua personalidade o arguido revela fragilidades de formação e de socialização, mostrando-se o seu futuro comportamento em liberdade como uma incógnita, o que demonstra que o mesmo necessita de efectuar um esforço de melhoria do seu comportamento criminal, sob pena de não mais ter oportunidade de retorno a uma vida compatível com os valores e compromissos sociais, que resultam do benefício do apoio social e das oportunidades de reabilitação que poderá encontrar no decurso da sua permanência no sistema prisional, designadamente estudando e obtendo formação profissional.

Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade do arguido recorrente, e vista a moldura do concurso que se situa entre os 7 (sete) anos de prisão e os 25 anos prisão, entende-se que, em face da necessidade de recompor o cúmulo, se justifica formular um juízo mais favorável e efectuar uma diminuição da pena única aplicada no acórdão recorrido e, justa, adequada e proporcionalmente condenar o arguido na pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), pena esta convertida em 146 dias de prisão subsidiária, assim conservando a pena de multa a sua autonomia.

4.2. Quanto ao concurso por referência aos factos praticados em 19/03/2019, ou seja, após a data do trânsito relevante – 04/02/2019

Como já se identificou, nesta segunda operação de cúmulo jurídico, estão em causa os crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade punido com a pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de detenção de arma proibida (relativo à detenção da munição de calibre 9mm Parabellum), punido com a pena parcelar de 6 (seis) meses de prisão, ambos ocorridos em 19/03/2019, na sequência de busca realizada, nessa data, à residência do arguido recorrente.

Relativamente a este segundo momento resultante do desdobramento do cúmulo efectuado pelo acórdão recorrido, por força do disposto no art.º 78.º do CP, há que reenviar os autos para o tribunal de 1ª instância, com vista a ali se proceder à apreciação dos factos e efectuar a operação de cúmulo jurídico correspondente, aplicando-se a pena única resultante dessa operação. Ressalvando que o tribunal não poderá agravar a situação punitiva global resultante do primeiro julgamento, devendo para isso ter em consideração o somatório do conjunto das penas únicas aplicadas a cada concurso, de modo a não ultrapassar o limite de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo por referência o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, conforme art.º 409.º do CPP.

As penas de conjunto assim recompostas serão de cumprimento sucessivo. Nesse sentido, procedem as alegações do recorrente e se impõe conceder parcial provimento ao recurso.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:

a. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA, quanto à pena de concurso, revogando-se o acórdão recorrido e condená-lo na pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à taxa de cinco euros por dia, esta convertida em 146 dias de prisão subsidiária, abrangendo as penas parcelares aplicadas nos processos n.º 437/1..., cujos factos ocorreram em 28/11/2018, n.º 797/18.1PBCLD, cujos factos ocorreram em 22/12/2018 e n.º 753/1..., mas, apenas, quanto aos factos praticados nos dias 21/12/2018 e 30/12/2018;

b. Determinar o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância, com vista a proceder ao cúmulo jurídico abrangendo as penas parcelares aplicadas no processo n.º 753/1..., quanto aos factos foram praticados em 19/03/2019, a cumprir sucessivamente à primeira pena de concurso, ora aplicada.

1. Sem custas.

Lisboa, 09 de Março de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relatora)

Agostinho Torres (Adjunto)

Helena Moniz (Adjunta) – Declaração de voto: aceito a decisão tendo em conta a posição unânime da jurisprudência, pese embora tenha dúvidas, perante a redação do art. 77.º, n.º 3, do CP, quanto à acumulação material da pena única de prisão com a prisão subsidiária.