Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9200/15.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ABANDONO DO TRABALHO
DEVER DE ASSIDUIDADE
LOCAL DE TRABALHO
PRESUNÇÃO IURIS TANTUM
ÓNUS DA PROVA
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR / DENÚNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR / ABANDONO DO TRABALHO.
Doutrina:
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2016, Almedina, p. 391;
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 1072/1073;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, 6ª edição, p. 957 e 958.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 403.º, N.ºS 1, 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-03-2008, PROCESSO N.º 07S2715, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-10-2008, PROCESSO N.º 08S2273, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-11-2012, PROCESSO N.º 499/10.7TTFUN.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-12-2016, PROCESSO N.º 592/11.9TTFAR.L1.S1;
- DE 06-03-2017, PROCESSO N.º 294/12.3TTPTG.E1. S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 581/96, DE 31-10-1995, PROCESSOS N.ºS 407/88 E 134/89, IN DR, Iª SÉRIE-A, DE 22-01-1996, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.



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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 16-07-1984, PROCESSO N.º 0018917.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
- DE 14-07-1998.
Sumário :

I. O aspeto essencial do abandono do trabalho é a conduta do trabalhador e esta tanto pode ser real como presumida.

II. Para que haja abandono do trabalho propriamente dito, nos termos do artigo 403º, n.º 1, do CT, são necessários dois requisitos:

- Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja, pela sua não comparência voluntária e injustificada no local e tempo de trabalho a que estava obrigado;

- Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, pela intenção de não comparência definitiva no local de trabalho.

III. No abandono presumido compete ao empregador o ónus de alegar e de provar os factos integradores da presunção “iuris tantum”, estabelecida no artigo 403º, n.º 2, do CT, ou seja, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não receção de comunicação do motivo da ausência.

IV. O trabalhador para ilidir esta presunção terá que provar que a comunicação da sua ausência só não foi expedida ou só não chegou ao conhecimento do empregador por ter ocorrido um acontecimento inevitável e imprevisível, natural e/ou devido a determinada conduta de um terceiro, que não lhe é imputável.

V. A comunicação prevista no n.º 3, do artigo 403º, da CT, não se traduz num facto constitutivo da extinção do contrato, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.

VI. Verificando-se a cessação do contrato de trabalho por abandono presumido, o que equivale à sua denúncia, nada impede que o empregador, por mera cautela e para sua segurança, instaure ao trabalhador um procedimento disciplinar, por factos diversos, e lhe aplique a sanção de despedimento com justa causa, informando-o que considerava cessado o respetivo contrato por abandono do trabalho e que, por isso, os efeitos úteis da sanção disciplinar aplicada só se verificariam caso se apresentasse ao serviço e justificasse “de forma plausível” a sua ausência.                                                             

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 9200/15.8T8LSB.L1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

            1) - Relatório[2]:

                1. AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento contra “BB de Investimento, S. A.”, hojeCC S. A.”, com a apresentação do formulário a que aludem os artigos 387º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho[3], 98º-C e 98º-D, estes do Código do Processo do Trabalho[4], em 01 de abril de 2015, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho – Juiz 3, pedindo que seja declarada a sua ilicitude ou  a sua irregularidade com as consequências legais.

              Juntou a decisão do seu Empregador em que o despede, alegando, para o efeito, justa causa.

               2. Realizou-se a audiência de partes, não tendo havido conciliação.

               3. Notificado, o Banco Empregador juntou o respetivo procedimento disciplinar e contestando, em síntese, alegou:

                - Em 12 de fevereiro de 2007 celebrou um contrato individual de trabalho com o Trabalhador AA, nos termos do qual este foi admitido para desempenhar a funções de Subdiretor no “BB Investimento”;

              - Em 31 de julho de 2008 por “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, foi o Trabalhador AA cedido ao “BB do Oriente”, com sede em ..., para aí desempenhar as funções de Diretor, sendo que esse contrato se iniciou em 1 de outubro de 2008;

               - Por carta datada de 28 de agosto de 2014, entregue em mão ao Trabalhador AA, o “BB do Oriente, S.A., ao abrigo da “Cláusula Terceira do dito Acordo” denunciou o contrato de cedência;

               - Findo o contrato de cedência o Trabalhador não se apresentou no “BB Investimento em Lisboa” [BBI], o que deveria ter feito em 29 de setembro de 2014;

               - Apesar das tentativas para o contactar, o que não conseguiu, o “BBI” em 21 de outubro de 2014, remeteu-lhe uma carta solicitando que se apresentasse no local de trabalho em Lisboa com a maior urgência possível;

               - O Trabalhador nunca se apresentou ao trabalho e nunca justificou a sua ausência, pelo que o “BBI”, por carta datada de 13 de novembro de 2014, que dirigiu ao Trabalhador, invocou o abandono do trabalho, nos termos do artigo 403º, n.º 3, do CT, sendo que o Autor não ilidiu a presunção a que alude o nº 4 do referido preceito;

               - Ainda que considerasse cessado o contrato de trabalho, face à gravidade dos factos que constatou, não podia o Empregador deixar de tomar uma posição sobre os mesmos, pelo que em 27 de outubro de 2015 instaurou-lhe procedimento disciplinar.

               - O Trabalhador nunca pôs em causa que o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho e, por isso, o processo próprio para pôr em causa essa extinção do vínculo laboral é o processo comum e não o presente processo, verificando-se, assim, erro na forma de processo, devendo o “BBI” ser absolvido da instância;

                - Ainda que, assim não se entenda, caducou o direito de ação do Trabalhador posto que a decisão de despedimento chegou à sua residência no dia 22 de janeiro de 2015, e não, como ele alega, em 17 de março de 2015;

                Reafirmando os factos constantes da nota de culpa, concluiu o Empregador “BBI” que o comportamento do trabalhador traduz uma clara violação dos deveres de respeito, urbanidade, de probidade, de lealdade e de boa-fé, previstos nos artigos 128º, alíneas a) e f) do n.º 1, e 126º, ambos do CT, como dos usos laborais, além de consubstanciarem crime de injúrias e de violação do segredo profissional, constituindo fundamento para despedimento com justa causa nos termos do artigo 351º, n.ºs 1 e 2 alíneas e), j) e g), do CT.

               Por fim, invocando que o Trabalhador ocupa um cargo de direção, e tendo em conta os factos praticados, alega verificar-se a impossibilidade do seu regresso pelo que requereu que o tribunal exclua a sua reintegração.

           4. O Trabalhador AA contestou dizendo, em suma, o seguinte:

- Não recebeu a carta datada de 28 de agosto de 2014 e que o próprio Presidente do “DD”, Sr. Dr. EE, o informou, no decurso do mês de setembro, que tinha sido decidido manter em vigor o referido acordo de cedência, pelo que este acordo não foi “denunciado” pela referida carta;

 - Uma vez que se encontrava ao serviço do “DD” com o acordo de cedência em vigor, permaneceu em ..., como era seu dever contratual;

- Logo, o facto de não ter comparecido nas instalações do “BBI! em Lisboa, “em 29 de setembro de 2014, além de ser fisicamente impossível atenta a distância entre Lisboa e ..., não constitui abandono do trabalho;

- Não estava incontactável e não recebeu a carta que o “BBI” alega ter-lhe enviado em 21 de outubro de 2014, a qual foi enviada para a Rua ..., em ..., Portugal, apesar do “BBI” bem saber que, na altura, se encontrava em ..., onde vivia com o seu agregado familiar.

- Nunca abandonou o seu posto de trabalho, pelo que não tinha de justificar quaisquer faltas e só deixou de se apresentar ao trabalho quando foi impedido de entrar e permanecer nas instalações da sua entidade patronal;

- A questão da extinção do vínculo laboral por “abandono do posto de trabalho/denúncia” carece de qualquer relevância jurídica, dado que, já depois de terem ocorrido os factos que o “BBI” qualifica como abandono do posto de trabalho com notificação ao trabalhador nos termos do disposto no artigo 403º, n.º 3, do CT, este Banco instaurou-lhe um procedimento disciplinar, em cuja nota de culpa conclui ser sua intenção proceder ao seu despedimento, pelo que este processo especial é o aplicável e não o processo comum;

- A carta do “BBI” datada de 9 de janeiro de 2015 foi devolvida ao remetente, não tendo recebido tal carta nem a decisão final, tendo aquela sido enviada sob registo simples, sem aviso de receção, além de ter sido endereçada para uma morada que não coincide exatamente com a sua morada em ...;

- Só teve conhecimento da decisão final proferida no procedimento disciplinar em 17 de março de 2015, data em que a sua mandatária lha enviou por e-mail, depois de, a seu pedido, a ter recebido, na mesma data e pela mesma via, do Senhor Instrutor do processo, pelo que não se verifica a alegada caducidade do direito de ação;

- O procedimento disciplinar é inválido porque:


a) - O “BBI”, proferiu a decisão final do seu despedimento sem aguardar a sua defesa, constante da sua resposta, tendo-o, na prática, impedido de examinar e impugnar os documentos invocados na nota de culpa, que desconhece se estariam integrados no procedimento disciplinar;
b) - A decisão de despedimento foi proferida sem que fossem realizadas quaisquer diligências probatórias e nem sequer analisadas criticamente e valoradas quaisquer provas;
c) A instauração e a conclusão do procedimento disciplinar não foi notificada à Comissão de Trabalhadores, o que impediu esta entidade de proceder ao controle da legalidade do mesmo.

- Por manifesta invalidade do procedimento disciplinar, deverá o seu despedimento ser declarado ilícito, com as inerentes consequências legais.

- Quanto aos factos que lhe imputados, o “BBI” limita-se a fazer afirmações vagas, não procedendo à descrição das circunstâncias essenciais relativas ao tempo, ao local e ao modo da sua ocorrência, fazendo referência a uma mensagem de correio eletrónico que não é reproduzida, no todo ou em parte, na nota de culpa, nem dela faz parte integrante, nem nela é sequer dada como reproduzida, omissão factual que constitui nulidade insuprível que inquina o procedimento disciplinar e tem como consequência a nulidade do despedimento;

- A remuneração base anual líquida do Autor foi fixada em 1.080.000,00 MOP (Patacas de ...) a que corresponde o valor mensal de 90.000,00 MOP, desde 01.06.2008 (início da vigência do acordo de cedência ao DD), a que corresponde o contravalor de € 118.960,00, sendo o valor mensal de € 9.913,30, acrescendo ao vencimento base os benefícios que identifica;

- Ficou acordado entre o “BBI” e o “DD”, no acordo de cedência do trabalhador, que o “BBI” suportaria metade da remuneração e demais benefícios e custos inerentes ao trabalhador;

- Em 25 de maio de 2015 encontram-se em dívida créditos laborais, já vencidos, num total de € 250.197,00, que identifica, a que acresce a indemnização por antiguidade, contando-se esta desde 11.05.2005 conforme ficou estabelecido entre as partes no contrato de trabalho e devendo considerar-‑se o valor de 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade.

5. Pede a final, que:


a) Sejam julgadas totalmente improcedentes as exceções deduzidas pelo “BBI”;
b) Seja o procedimento disciplinar considerado inválido por não ter sido respeitado o seu direito a consultar o processo e a responder à nota de culpa;
c) Seja o procedimento disciplinar considerado nulo por não constar da nota de culpa a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, ou,
d) Seja considerado que os “factos” constantes da nota de culpa não consubstanciam fundamento para o seu despedimento; e
e) Em qualquer dos casos, seja declarada a ilicitude do despedimento;
f) Seja o Empregador, “BBI”, condenado a pagar-lhe as seguintes quantias:
- € 125.098,50 (cento e vinte e cinco mil noventa e oito euros e cinquenta cêntimos) correspondente a metade dos € 250.197,00 de créditos laborais vencidos na presente data (25/05/2015);
- € 127.000,00 (cento e vinte sete mil euros) correspondente a metade de 254.000,00 a título de indemnização por antiguidade - 60 dias de remuneração base por cada ano de antiguidade, em função do elevado grau de ilicitude e da exclusão da reintegração já requerida pelo Empregador, nos termos das disposições dos artigos 391º, n.º 1, e 392º, n.º 3, ambos do Código do Trabalho;
- € 6.350,00 (seis mil trezentos e cinquenta euros) correspondente a metade da compensação de € 12.700,00, de vencimento base mais € 1.377,00 (mil trezentos e setenta e sete euros) correspondente a metade das despesas de alojamento de € 2.754,00 por cada mês que passe desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
- Juros vencidos e os vincendos até integral pagamento;
- € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) de danos não patrimoniais;
g) Metade das quantias, a liquidar em execução de sentença, correspondentes aos complementos salariais fixados na cláusula Quinta do documento 2:
- Custos da viagem anual a Lisboa em classe executiva, por avião para si e agregado familiar, relativa aos anos de 2014 e 2015;
- Transporte dos bens pessoais aquando do regresso definitivo a Portugal;
- Custos da viagem de regresso definitivo a Portugal do trabalhador e agregado familiar;
- Os encargos fiscais inerentes a remuneração e benefícios adicionais;
h) Custas e procuradoria.

6. O Empregador respondeu invocando que a pretensão do Trabalhador não pode proceder porque o contrato de trabalho cessou nos termos artigo 340º, alínea h), do CT.

Assim sendo, o direito de ação do Trabalhador caducou, o procedimento disciplinar não enferma de qualquer vício e que, caso assim não se entenda, desconhece a generalidade do que vem alegado na Contestação do Trabalhador, não sendo responsável pelo pagamento de qualquer crédito perante o Trabalhador com exceção dos encargos decorrentes do Fundo de Pensões do “CC”.

Acresce que os créditos laborais reclamados, a existirem, são devidos pelo “DD”, nos termos da Cláusula Quinta, que posteriormente, e se assim o entender, os faturará em 50% ao ora Empregador, nos termos da Cláusula Sétima e que, atendendo ao elevado valor da sua retribuição e ao baixo grau de ilicitude, o tribunal deverá fixar a indemnização em 30 dias.

Conclui pedindo que seja declarado lícito o processo disciplinar e negado provimento à reconvenção.

7. O Trabalhador respondeu invocando que não deduziu exceção a nenhuma das matérias alegadas no articulado motivador do despedimento, limitando-se a deduzir a sua defesa por impugnação, pelo que deverá ser considerada inadmissível e consequentemente como não escrita a Réplica em tudo o que extravasar a resposta ao pedido reconvencional, ou seja, todo o alegado nos artigos 1º a 25º da Réplica, bem com deve considerar-se extemporânea e inadmissível a apresentação de documentos pelo Réu.

8. O Autor apresentou requerimento de desistência da instância relativamente ao “DD, S.A.” que foi indeferido.

9. Foi proferido despacho que absolveu a sociedade “DD, S.A.” da instância do qual foi interposto recurso, vindo tal despacho a ser confirmado por Decisão Sumária proferida pelo Tribunal da Relação em 28.09.2015.

10. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que relegou para a decisão final o conhecimento da invocada nulidade do erro na forma do processo e a exceção da caducidade do direito de ação, abstendo-se o Tribunal a quo de enunciar os factos assentes e de fixar a base instrutória.

11. Procedeu-se à audiência de julgamento.

12. Após, foi proferida sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o que se deixou dito, nos termos das disposições legais citadas, declaro ilícito o despedimento do trabalhador e, em consequência, condeno a empregadora, “CC, S.A.”:
a) - A pagar ao trabalhador uma indemnização correspondente a 20 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, esta reportada a 12/02/2007, acrescida de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
b) A pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da presente sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
c)  A pagar ao trabalhador 50% das seguintes retribuições:
- € 101.509,12, de remuneração base (12.688,64 x 8 meses - outubro 2014 a abril 2015;
- € 12.688,64, de férias vencidas em 01/01/2014;
- € 12.688,64, de subsídio de férias vencido em 01/01/2014;
- € 12.688,64, de subsídio de Natal de 2014;
- € 12.688,64, de férias vencidas em 01/01/2015;
- € 12.688,64, de subsídio de férias vencido em 01/01/2015;
- € 3.172,16, de 3/12 de férias do ano da cessação;
- € 3.172,16, de 3/12 do subsídio de férias do ano da cessação;
- € 3.172,16, de 3/12 do subsídio de Natal de 2015;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, a partir dos respetivos vencimentos e até integral pagamento;
d) A pagar ao trabalhador a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento.”

II

                Inconformado com esta decisão, o Empregador “CC, S. A.”, interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e alegando, nomeadamente, que se verificou erro sobre a forma de processo por ter havido abandono do lugar por parte do Trabalhador, que havia caducado o direito de ação do Trabalhador e que existiam fundamentos para a licitude do seu despedimento.

                Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de abril de 2018:

         - Julgou-se parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, eliminando-se os factos ínsitos nas alíneas AL), AM), AU) e AW), por os das duas primeiras serem somente matéria conclusiva, e os das outras duas por não se terem provado, e alterando-se a redação da alínea AP), que ficou da seguinte forma:

               “AP - De janeiro a setembro de 2014, a remuneração base mensal do trabalhador foi de 110.900,00 MOP.”

 - Julgou-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declarou-se a ação improcedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento e condenou o Réu a pagar ao Trabalhador as quantias a que aludem as alíneas a), b) e d) do dispositivo;

               - Julgou-se parcialmente procedente a reconvenção e condenou-se o Empregador “CC, S.A.” a pagar ao Trabalhador 50% das seguintes quantias:
- € 12.688,64, de férias vencidas em 01/01/2014;
- € 12.688,64, de subsídio de férias vencido em 01/01/2014;
- € 9.516,48, relativos a 9/12 de férias do ano da cessação;
- € 9.516,48, relativos a 9/12 do subsídio de férias do ano da cessação;
- € 9.516,48, relativos a 9/12 do subsídio de Natal do ano da cessação;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, a partir dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.

               - Absolveu-se o Empregador do pagamento das demais quantias a que alude a alínea c) do dispositivo - (€ 101.509,12 de remuneração base (12.688,64 x 8 meses - outubro 2014 a abril 2015); € 12.688,64, de férias vencidas em 01/01/2015; € 12.688,64, de subsídio de férias vencido em 01/01/2015; € 3.172,16 de 3/12, de férias do ano da cessação; € 3.172,16 de 3/12, do subsídio de férias do ano da cessação; - € 3.172,16 de 3/12 do subsídio de Natal de 2015).

III

               Inconformado ficou, agora, o Trabalhador AA, que recorreu de revista, concluindo a sua alegação da seguinte forma[5]:


1) A douta decisão recorrida fundamenta-se no entendimento segundo o qual o contrato de trabalho em causa nos presentes autos cessou por abandono do trabalho por ausência do Autor ao serviço, que, após comunicação da presunção de abandono por parte do Réu, não ilidiu a presunção prevista no n.º 2 do artigo 403° do Código do Trabalho de 2009.
2) Porém, o contrato de trabalho não cessou por abandono do trabalho, mas sim por despedimento ilícito do Trabalhador, ora Autor.
3) O douto acórdão recorrido, para alcançar o entendimento de que o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalhador, partiu do ENORME EQUIVOCO de considerar que o local de trabalho do Autor era em Lisboa, quando, na realidade, o local de trabalho do Autor era em ..., como ficou provado nos autos, designadamente, no "Acordo de Cedência Ocasional de Trabalho", dado como provado na alínea C) dos Factos Provados e do próprio teor da mesma alínea C).
4) Aliás, o próprio Réu, na carta que dirigiu ao Autor em 17/11/2014, dada como reproduzida na alínea G) dos Factos Provados, escreveu o seguinte: "2 - Efetivamente, V.ª Exa. deixou de se apresentar ao serviço no BB ORIENTE, SA (entidade onde exercia funções ao abrigo de contrato de cedência ocasional), no dia 24 de setembro de 2014, sem justificar as suas faltas."
5) Além disso, está documentado nos autos que o local de trabalho do Autor à data do alegado abandono era em ..., na sede do BB DO ORIENTE, S.A., também pelo facto de o Réu indicar como data em que o Autor deixou de se apresentar ao serviço o dia 24 de setembro de 2014 e a denúncia do Acordo de Cedência referido em C) só ter produzido efeitos no dia 28 de setembro de 2014, [alíneas D) e E) dos Factos Provados].
6) Logo, é o próprio Réu quem demonstra que, quando o Autor deixou "de se apresentar" no seu local de trabalho, ainda estava ao serviço do BB DO ORIENTE, S.A., em ..., ao abrigo do Acordo de Cedência, que só viria a cessar 4 dias depois.
7) Por outro lado, o Autor "só deixou de se apresentar ao trabalho em ... quando foi impedido de entrar nas instalações do "BB do Oriente, S.A., em finais de setembro de 2014." [alínea AJ) dos Factos Provados].
8) Assim, o Autor compareceu no seu local de trabalho, mas foi impedido de prestar o seu trabalho, o que, em caso algum, pode configurar uma situação de abandono, pelo contrário, é bem revelador da intenção do trabalhador de retomar o trabalho, que só não retomou porque foi impedido.
9) Como é óbvio, o regime da cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalhador só funciona relativamente à não comparência do trabalhador no seu local de trabalho à data dos factos e não à sua não comparência em qualquer outro local que a entidade patronal, sem o acordo do trabalhador, entenda que passará a ser o local de trabalho do mesmo.
10) A questão da não apresentação do serviço no Autor "ao BB INVESTIMENTO", em Lisboa, "sem justificação da correspondente ininterrupta falta...", não configura uma situação de abandono do trabalho, mas sim uma situação de eventuais "faltas não justificadas ao trabalho", como, aliás, o Réu a bem qualifica, na nota de culpa que enviou ao trabalhador, ora Autor [cfr. alínea O) dos Factos Provados], à qual o Trabalhador respondeu nos termos constantes da sua defesa, dada por reproduzida na alínea U) do Factos Provados.
11) Trata-se, portanto, de uma questão controvertida, que deveria ter sido debatida no âmbito do procedimento disciplinar e só não foi porque o Réu não respeitou o prazo legal de defesa do Autor, tendo proferido a decisão final no procedimento disciplinar antes de ter decorrido o prazo para o Trabalhador apresentar a sua resposta/defesa (cfr. douta sentença proferida em 1ª instância).
12) Voltando à questão do abandono do trabalho, como ficou demonstrado, o Autor compareceu no seu local de trabalho, onde só deixou de se apresentar quando foi impedido de entrar nas instalações, logo, logicamente, não é possível tirar desse facto a ilação de ter o trabalhador abandonado o trabalho.
13) Mesmo quando, por mera hipótese, mas sem conceder, se entendesse que o local de trabalho do Autor era em Lisboa, a presunção sempre seria incompatível com a instauração simultânea do procedimento disciplinar ao Trabalhador, como aliás foi entendido na douta sentença proferida em 1ª instância.
14) Na verdade, a instauração pela entidade patronal de um procedimento disciplinar ao trabalhador implica aquela considerar em vigor o contrato de trabalho, não fazendo, por isso, qualquer sentido invocar a presunção de abandono, que implica, necessariamente, ter cessado o mesmo contrato de trabalho.
15) Assim, ao instaurar o procedimento disciplinar, o Réu, ele próprio, afastou presunção de abandono do trabalho pelo trabalhador, sendo certo no presente caso que, quando foi enviada ao Autor a carta do abandono (17/11/2014), já o procedimento disciplinar estava instaurado e tinha sido enviada ao Autor a carta com a nota de culpa (14/11/2014).
16) Além disso, era do perfeito conhecimento do Réu que o Autor não tinha intenção de abandonar o trabalho, não só porque o Autor nunca aceitou a rescisão unilateral do Acordo de Cedência pelo BB do Oriente, S.A, como também pelo que resultou provado nos autos, designadamente, nas alíneas AH), AJ), AK), AS) e AT) dos Factos Provados.
17) Resulta da prova produzida que o Réu tinha conhecimento que a ausência do Trabalhador em Lisboa - tal como no seu posto de trabalho em ... - não se devia à vontade de terminar o contrato, mas sim a outros motivos, bem conhecidos do Réu.
18) Pelo que, também por esta razão, o Réu estava impedido de invocar o abandono do trabalho pelo Trabalhador.
19) No caso dos presentes autos, deveria ter sido entendido - pelas razões antes expostas - que o contrato de trabalho do Autor não cessou por abandono do trabalho.
20) O douto acórdão recorrido, com o devido respeito e salvo melhor opinião, fez errada interpretação do disposto nos artigos 193° e 403° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n°. 7/2009, de 12 de fevereiro.
21) Fundamento específico da recorribilidade: recurso de acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheceu do mérito da causa (art.º 671°do CPC).

               

               Termina pedindo que seja proferido acórdão que, concedendo a revista, revogue o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que confirme a sentença proferida em 1.ª instância, com as inerentes consequências legais.

///

               O Empregador “CC, S. A.” contra-alegou e pediu a ampliação do objeto do recurso.

               A). Termina a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


1) Foi celebrado um Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador entre o então BB de Investimento, S.A. (ora CC, S.A.), o BB do Oriente, S.A, (ora DD, S.A.) e o trabalhador.
2) Ao abrigo desse Acordo, o trabalhador deixou de exercer funções no BB Investimento, em Lisboa, passando a exercer atividade em ..., nas instalações e sob orientação do BB Oriente.
3) Esse acordo de cedência cessou validamente, através de rescisão unilateral operada pelo então BB do Oriente e comunicada ao Recorrente - vide factos provados C, D, E e F.
4) O local de trabalho do Recorrente, após a cessação do Acordo de Cedência, passou a ser em Lisboa.
5) O Recorrente pretende que este Venerando Tribunal se pronuncie sobre matéria de facto assente, não estando em causa nenhuma das exceções legalmente previstas para que tal possa ocorrer.
6) O presente recurso é, assim, manifestamente inadmissível.
7) Sem prescindir, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concede, sempre seria negado provimento ao recurso de revista subjudice.
8) A fundamentação do Recorrente parte de três premissas: a) que o Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador não teria cessado; b) que o Recorrente apenas deixou de se apresentar ao trabalho quando foi impedido de entrar nas instalações do BB do Oriente, pelo que nunca existiu abandono do trabalho; c) e que, ainda que assim não se entendesse, que a presunção do abandono sempre teria sido afastada pelo ora Recorrido CC.
9) O acordo de cedência cessou no dia 28 de agosto de 2014, nos termos da sua Cláusula Nona, por carta entregue em mãos ao trabalhador.
10) O trabalhador nunca impugnou judicialmente, como lhe competia se assim entendia ser seu direito, a validade ou eficácia da denúncia do Acordo de Cedência Ocasional.
11) Se todos os intervenientes no Acordo de Cedência acordaram que qualquer um deles era livre de fazer cessar unilateralmente o Acordo, não pode agora o Autor alegar que o acordo nunca poderia cessar por declaração unilateral.
12) E cessado o Acordo de Cessão Ocasional (facto provado D, não impugnado), o BB Oriente deixou de ser o local de trabalho do Autor e foi por esse motivo que foi impedido de entrar nas instalações.
13) Foi comunicado ao trabalhador, em diversas circunstâncias, que se deveria apresentar nas instalações do BB Investimento, em Lisboa - este sim, o seu local de trabalho.
14) Desde 29/09/2014, data em que produziu efeitos a denúncia do Acordo de Cessão, que a única relação contratual de trabalho que o Recorrente tinha era com o ora Recorrido.
15) O local de trabalho do Recorrente era, também para efeitos do previsto no artigo 193. ° do Código do Trabalho, na Rua …, n.º …, em Lisboa.
16) A obrigação de se apresentar ao trabalho em Lisboa resulta não só do Acordo de Cedência Ocasional, como ainda da própria lei (n, ° 2 do Artigo 290. ° do Código do Trabalho e n.º 7 da Cláusula 44-A do ACT do Sector Bancário) e do mais elementar senso comum: se o trabalhador foi cedido a outra entidade empregadora, terminando o acordo de cedência, o trabalhador tem de regressar à entidade cedente.
17) O ora Recorrido entendeu, ainda assim, e para que não existissem equívocos, enviar uma carta ao Recorrente, já em finais de Outubro de 2014, convocando-o para comparecer ao trabalho ao qual continuava a faltar injustificadamente - Facto provado AB.
18) O Recorrido, na qualidade de empregador do Recorrente, fez a comunicação prevista nos termos de n.º 3 do artigo 403. ° do Código do Trabalho, invocando o abandono do trabalho, através de carta registada com aviso de receção que o trabalhador recebeu, como resulta dos factos provados G, H e I.
19) Pelo que apenas o trabalhador poderia ilidir essa presunção, mediante prova a ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
20) O CC nunca ilidiu a presunção do abandono do trabalho pelo Recorrente (esta assunção nem faz tecnicamente sentido/ quem teria de a ilidir era o trabalhador); antes pelo contrário, sempre fez questão de sublinhar, nas comunicações que lhe foi enviando, que o processo disciplinar apenas produziria os seus efeitos caso o trabalhador justificasse a sua ausência e os motivos de força maior que o impediram de comunicar a sua ausência.
21) Durante os meses de outubro e novembro de 2014, o trabalhador encontrava-se a faltar ao trabalho e, cumulativamente, corria o prazo para o empregador instaurar o competente procedimento disciplinar no seguimento das mensagens de correio eletrónico por aquele enviadas em setembro do mesmo ano - como resulta da conjugação dos Factos Provados AC, AD e AE.
22) Pelo que nunca se poderia afirmar, como fez a douta sentença proferida em 1ª instância, que teria sido o próprio empregador a afastar a presunção do abandono — fazendo tábua rasa de tudo o que foi nitidamente invocado nas comunicações enviadas ao trabalhador a esse propósito.
23) Da jurisprudência e da própria letra da lei resulta que só o trabalhador pode ilidir a presunção do abandono. E só o pode fazer provando a existência de um motivo de força maior que o impediu de comunicar a causa da ausência.

///

B). Por sua vez, ao abrigo do artigo 636º, do CPC, requereu a ampliação do objeto do recurso, isto é, na hipótese da revista ser concedida, pretende que seja julgada e decidida, a título subsidiário, o segundo pedido que formulara, consistente em se ter verificado a caducidade do direito de ação do Trabalhador, por inobservância do prazo a que se refere o artigo 387º, do CT.

               Respondendo a este requerimento o Trabalhador pede que seja proferido acórdão que o julgue improcedente e que confirme a sentença proferida em 1ª instância, na parte em que a mesma julgou improcedente a exceção da caducidade do seu direito de ação.

            Ora, no recurso de apelação, o “CC” colocou efetivamente a mencionada questão pedindo que a mesma fosse julgada procedente.

               Todavia, tendo-se julgado provado que o contrato havia cessado por abandono do posto de trabalho, decidiu-se que ficava prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso”.

          Por sua vez, determina o artigo 636º, n.º 1, do CPC, que no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

               Como se disse, a exceção da caducidade do direito de ação do Trabalhador não foi conhecida no acórdão recorrido apenas por ter ficado prejudicado o seu conhecimento pela solução que se deu ao litígio.

                Acresce que a norma do artigo 665º, n, º 2, do CPC, não é aplicável ao recurso de revista, dado o disposto no artigo 679º, do CPC ao afastar a remissão para o mesmo.

               Assim, por despacho, do ora, Relator, de 27 de julho de 2018, não foi admitida a ampliação do objeto do recurso, por, no caso em apreço, não se estar perante um decaimento do Banco.

              C). Deste modo, se o acórdão recorrido for revogado, impõe-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que, nesta, sejam apreciadas em primeira mão as questões que não foram conhecidas por se terem considerado prejudicadas.

IV

            Parecer do Ministério Público:

           Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

                Segundo ela, a alegação do recorrente de que o seu local de trabalho continuou a ser em ..., mesmo depois de cessado acordo da sua cedência, e a alegação de que a instauração do procedimento disciplinar era incompatível com a presunção de abandono do lugar não têm “suporte na matéria de facto provada”.

               Termina o seu parecer dizendo que “[a] apreciação e subsunção jurídica da factualidade apurada à figura do abandono do trabalho prevista no artigo 403º, do Código do Trabalho, efetuada pelo acórdão recorrido é, em nosso entender, inteiramente correta e não merece censura”.

            Notificado às partes, não foi apresentada qualquer pronúncia.       

            Da revista:

            Enquadramento jurídico adjetivo:

               Tendo a instância se iniciado em 01 de abril de 2015 e o acórdão recorrido sido proferido em 26 de abril de 2018, são aqui aplicáveis o Código de Processo Civil [CPC], na sua versão atual, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo de Trabalho [CPT], também na sua versão atual, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de novembro, e alterado pelos Decretos-leis n.º 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 08 de março (retificado apela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e n.º 480/99, de 09 de novembro, e alterado Decreto-Lei n.º 285/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

                Questões colocadas:
- Saber se o contrato de trabalho em causa cessou por abandono do lugar por parte do trabalhador;
- Saber se o Empregador ao instaurar procedimento disciplinar afasta, ele próprio, a presunção de abandono do trabalho por parte daquele.

            2) . Fundamentação:

            Da matéria de facto:

         As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[6]:


A) Em 12 de fevereiro de 2007, foi celebrado entre o “BB DE INVESTIMENTO, S.A.” e o trabalhador o “Contrato Individual de Trabalho” cuja cópia consta de fls. 54 a 58 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
B) Nos termos do contrato, referido em A), o trabalhador foi admitido para desempenhar as funções de Subdiretor no “BB INVESTIMENTO”.
C) Em 31 de julho de 2008, foi celebrado entre o “BB DE INVESTIMENTO, S.A.”, o “BB DO ORIENTE, S.A.” e o trabalhador, o “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, cuja cópia consta de fls. 60 a 64 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, através do qual o trabalhador foi cedido ao “BB do Oriente, S.A.”, com sede em ..., para aí desempenhar as funções de Diretor.
D) Por carta datada de 28 de agosto de 2014, cuja cópia consta de fls. 66 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o “BB do Oriente, S.A.”, denunciou o contrato de cedência, referido em C).
E) Na carta, referida em D), era dito, além do mais

(“…)
O BB do Oriente, S. A. (…) vem rescindir unilateralmente o contrato de cedência ocasional de trabalhador, celebrado no passado dia 31 de julho de 2008 (…) nos termos e ao abrigo da sua cláusula nona.
A presente rescisão produzirá efeitos 30 dias após a data desta missiva, sendo eficaz a partir do dia 28 de setembro de 2014”.
F) A carta, referida em D), foi entregue em mão ao trabalhador em 28 de agosto de 2014.
G) Em 17/11/2014, o “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, registada e com aviso de receção, para a morada …, …, n.º …, Rua .., ..., a carta cuja cópia consta de fls. 3 e 4 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 13/11/2014, assinada pelo Diretor Central de Recursos Humanos, Sr. Dr. GG, e pelo Responsável do Departamento de Recursos Humanos, Sr. Dr. HH.
H) A carta, referida em G), tinha o seguinte teor:

- “(…)
Lisboa, 13 de novembro de 2014
Exmo. Senhor,
1) A ausência de V. Exa. ao serviço, ininterruptamente, desde 24 de setembro de 2014 até à presente data, sem qualquer comunicação que a justifique, subsume-se no disposto no art.º 403. °, do Código do Trabalho.
2) Efetivamente, V. Exa. deixou de se apresentar ao serviço no BB ORIENTE, SA. (entidade onde exercia funções ao abrigo de contrato de cedência ocasional), no dia 24 de setembro de 2014, sem justificar as suas faltas.
3) Identicamente, cessado o acordo de cedência com efeitos a partir de 28 de setembro, também sem qualquer justificação, não se apresentou ao serviço no BB INVESTIMENTO, nem justificou a correspondente ininterrupta falta. Verdadeiramente, não realizou qualquer contacto com esta instituição, entidade patronal de V. Exa., que foi totalmente ignorada.
4) Acresce, ainda, um quadro factual/circunstancial rico em indícios complementares de que V. Exa. abandonou o trabalho.
5) Face ao exposto, serve a presente, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 403. ° do Código do Trabalho, para comunicar a V. Exa. que consideramos ter-se verificado o abandono do trabalho.
6) Consequentemente, cessou o contrato de trabalho celebrado entre V. Exa e esta sociedade no passado dia 25 de setembro de 2014.
7) Dirigimos a presente carta para a morada supra indicada, porque, ao que parece, é aquela onde atualmente residirá. Identicamente, enviámos segunda via desta carta para a morada de V. Exa. que consta dos nossos registos e que se manteve, sempre, inalterada. Ou seja, V. Exa. não procedeu, como lhe incumbia, à atualização da morada junto desta instituição. Desconhecemos qualquer outro paradeiro eventual de V. Exa.
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
(…)”.

I) O trabalhador recebeu a carta, referida em G), em 26/12/2014, conforme aviso de receção de fls. 1 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
J) Em 17/11/2014, o “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, registada e com aviso de receção, para a morada Rua ... … ..., a carta cuja cópia consta de fls. 10 e 11 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 13/11/2014, com o mesmo teor da carta referida em G).
K) A carta, referida em J), foi devolvida ao remetente com a menção “Não Atendeu”.
L) Em 14/11/2014, o “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, carta registada e com aviso de receção, para a morada …, n.º …, Rua …, a carta cuja cópia consta de fls. 18 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 13/11/2014, assinada pelo Diretor Central de Recursos Humanos, Sr. Dr. GG, e pelo Responsável do Departamento de Recursos Humanos, Sr. Dr. HH
M) A carta, referida em L), tinha o seguinte teor:

- “(…)
Lisboa, 13 de novembro de 2014
ASSUNTO: Notificação da abertura de procedimento disciplinar/Nota de culpa
Exmo. Senhor,
1) Face aos atos recentemente praticados por V. Exa., foi decidido instaurar-lhe um procedimento disciplinar, cuja nota de culpa se junta.
2) A partir da presente notificação, V. Exa. dispõe de um prazo de 10 dias úteis para, querendo, apresentar a sua defesa por escrito e solicitar qualquer diligência probatória.
3) O processo encontra-se ao dispor de V. Exa, para consulta, no Departamento de Recursos Humanos do BB de Investimento, S.A., sito na Rua …n.º …, Lisboa.
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
(…)”.
N) Em 13/11/2014, foi elaborada a nota de culpa de fls. 19 a 25 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, assinada pelo Diretor Central de Recursos Humanos, Sr. Dr. GG, e pelo Responsável do Departamento de Recursos Humanos, Sr. Dr. HH.
O) A nota de culpa, referida em N), tem o seguinte teor:
- “(…)
Nota de Culpa
1) O trabalhador celebrou, em 12 de fevereiro de 2007, um contrato individual de trabalho sem termo com o “BB de Investimento, SA.”.
2) Em 31 de julho de 2008 foi celebrado “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador” entre o “BB de Investimento, SA.”, o “BB do Oriente, S.A.” e AA.
3) À data da celebração do referido acordo, o trabalhador integrava a categoria de Subdiretor, por contrato de trabalho sem termo celebrado com o “BB de Investimento, SA.”".
4) Nos termos do identificado acordo, o trabalhador deslocou-se para ..., onde passou a desempenhar as suas funções junto do “BB do Oriente, S.A.”.
5) Tanto do contrato de trabalho, como do acordo de cedência, resulta a existência de deveres para o trabalhador, decorrentes quer dos artigos 126.º e 128.º do Código do Trabalho, quer da Cláusula 34. ° do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário.
6) O trabalhador, na perspetiva da entidade patronal, ignorou essas obrigações, violando-as grosseiramente: faltou culposamente ao cumprimento dos mais elementares deveres emergentes dos contratos supra identificados. O quadro factual que adiante se descreve, manifesta uma violação de deveres essenciais (elementares), pois que se prendem com a confiança e respeito que, inevitavelmente, alicerçam a relação laboral.
7) Os factos que motivaram o exercício do presente procedimento disciplinar são os que se passam a descrever:
a) Facto ocorrido em 15 de setembro de 2014
8) Em 15 de setembro de 2014, o Trabalhador enviou uma mensagem de correio eletrónica dirigida ao Sr. Dr. II, à data Presidente Executivo do “BB, S.A.”.
9) Nessa mensagem, o Trabalhador/Arguido realizou - em moldes claramente desrespeitosos, maxime, olhando à posição hierárquica relativa de cada um interlocutor - ao Dr. II, uma série de afirmações de carácter injurioso e depreciativo as suas qualidades de gestor. Imputa-lhe omissões e comissões falsas, na sua existência e nas suas, alegadamente, gravíssimas consequências. Ou seja, verdadeiramente, acusa o Sr. Dr. II de realizar uma gestão contrária aos interesses do DD e das entidades por si dominadas (in casu, BB Oriente). A competência profissional e honradez do Sr. Dr. II é colocada injuriosamente em causa pelas afirmações do Trabalhador/Arguido.
10) O Trabalhador/Arguido, identicamente, injuria em moldes análogos, a equipa de gestão do Sr. Dr. II: seriam todos inaptos, ineptos e incompetentes. Todos eles, estariam a destruir o BB ORIENTE como que movidos por pérfidos desígnios.
11) A conduta do Trabalhador/Arguido consiste numa clara falta de respeito e urbanidade pela autoridade e pela disciplina. Consiste, ainda, numa gravíssima deslealdade para com os colegas e hierarquia.
12) O trabalhador ocorreu na violação do dever de respeito, urbanidade e probidade a que está obrigado, tanto por força do artigo 128.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, como dos usos laborais, conforme artigo 1.º do mesmo diploma.
13) A imputação de factos a uma pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, e o uso de palavras ofensivas da honra e consideração, consubstanciam o crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º e 182.º do Código Penal.
14) O trabalhador agiu livremente e com culpa, sabendo que o seu comportamento era proibido por lei, criando um ambiente inóspito no seu local de trabalho, e deixando de ser pessoa merecedora da confiança dos seus colegas e dos seus superiores hierárquicos.
15) Os factos ora imputados ao trabalhador são graves, por si só e nas suas consequências que dele advieram e podem ainda advir, não sendo apenas inexigível como também impossível a manutenção do seu contrato de trabalho, consubstanciando justa causa de despedimento, nos termos do n.º l do artigo 351.º do Código do Trabalho.
16) A prática, no âmbito da empresa, de injúrias punidas por lei, sobre um elemento dos seus corpos sociais, constitui justa causa de despedimento, como vem previsto na alínea i) do n.º 2 do artigo 351.º do mesmo diploma.
b) Facto ocorrido em 17 de setembro de 2014
17) No dia 17 de setembro de 2014, o Trabalhador/Arguido reenviou a mesma mensagem eletrónica, referida na alínea supra, para o Exmo. Sr. Presidente da República, para o Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, para a Exma. Sra. Ministra de Estado e das Finanças e para o Exmo. Sr. Governador do Banco de Portugal.
18) Nessa mensagem, o trabalhador descreveu, com o detalhe que conhecia ou conjeturava, factos e imputações que apenas chegaram ao seu conhecimento devido à função que este desempenhava, nessa época, junto do “BB do Oriente, S.A.”.
19) Para além do facto de enunciar o que julgou serem erros de gestão, em substância e forma já supra analisados, dirigiu-os a pessoas que pelo seu relevo institucional e pela sua relação, identicamente institucional, com a entidade patronal, não deveria, desde logo, por ele serem endereçadas nos moldes em que o fez. Difamando a hierarquia, deprimindo-a perante os destinatários (Presidente da República, Primeiro Ministro, Ministra de Estado e das Finanças e Governador do Banco de Portugal).
20) O Arguido/Trabalhador, serviu-se, ainda, de informações sujeitas a sigilo profissional, divulgando a identidade de cliente do “BB do Oriente, S.A.”, do montante dos depósitos por estes detidos no banco, bem como de algumas das movimentações a débitos realizadas pelo cliente.
21) O comportamento descrito viola o dever de segredo profissional, a que o trabalhador está sujeito, previsto e punido pelo artigo 195.º do Código Penal, pelo artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e pela Cláusula 34.º, n.º 1, alínea c) do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário.
22) O facto de os comportamentos descritos preencherem um ilícito penal, infla [sic] de uma maneira excecional a sua gravidade, sendo completamente inconcebível e inexigível a qualquer empregador manter a relação laboral.
23) Mais uma vez, o trabalhador agiu de forma consciente e culposa, sabendo que o seu comportamento era proibido por lei e pelos usos da prática bancária, os quais eram do seu pleno conhecimento, atentando ao seu cargo e aos seus anos de trabalho na área da banca.
24) O trabalhador quebrou, de forma irremediável, ao divulgar informação privilegiada sobre a gestão do banco e dos seus clientes, a confiança que em si tinha sido depositada, não só pela administração do banco, como também pelos seus clientes: a base fundamental de toda a atividade bancária.
25) Nestes termos, o trabalhador violou culposamente e de forma grosseira o dever de lealdade e de boa-fé, aos quais está obrigado, constituindo fundamento para despedimento com justa causa, nos termos dos artigos 126.º, n.º 1 e 128.º, n.º 1, alínea f) conjugados com o artigo 351.º n.ºs 1 e 2 alínea e).
c) Facto ocorrido em 28 de setembro de 2014
26) Em 28 de agosto de 2014, o “BB do Oriente, SA.” procedeu à denúncia do acordo de cedência ocasional de trabalhador, enviando, para tanto, um pré-aviso, aos restantes outorgantes, entre os quais o trabalhador, como previa a Cláusula Nona do acordo.
27) O trabalhador deveria, no dia 28 de setembro, ter-se apresentado nas instalações do “BB de Investimento, S.A.”, o que não fez.
28) Na realidade, o trabalhador nunca se chegou a apresentar ao serviço, nunca entrou em contacto com a sua entidade patronal e não respondeu a nenhuma das suas tentativas de contacto.
29) Situação, essa, que se verifica ainda presentemente. Ou seja, o Trabalhador encontra-se a faltar injustificadamente ao Trabalho desde 28 de setembro de 2014; nunca prestou qualquer justificação, nunca contactou a sua hierarquia, nunca se dignou contactar ou mandar contactar o Departamento de Recursos Humanos.
30) Resulta da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, que as faltas não justificadas, cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, constituem justa causa de despedimento.
d) Síntese Final
31) O trabalhador praticou atos que, pela sua gravidade, pela sua irreversibilidade e pelos danos produzidos e os que podem ainda a vir ser causados, tanto à imagem das instituições envolvidas como dos seus órgãos de administração, tomam uma relação laboral insustentável e inexigível.
32) O próprio trabalhador assim parece reconhecê-lo, tanto que não voltou a comunicar com a sua entidade patronal, não regressou ao seu posto de trabalho, pura e simplesmente deixou de cumprir com o seu contrato de trabalho. Tudo indica que tenha ocorrido um abandono do posto de trabalho o que, a consolidar-se juridicamente, tomará, aparentemente, inútil o presente processo disciplinar.
33) Os factos descritos e imputados ao trabalhador têm como único resultado aceitável o seu despedimento com justa causa, intenção que desde já se manifesta, nos termos e para os efeitos do artigo 353.º do Código do Trabalho.
Termos em que dispõe V/ Exa. de um prazo de 10 (dez) dias úteis para, querendo, consultar o processo e responder à presente Nota de Culpa, deduzindo por escrito os elementos que considerar relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Lisboa, 13 de novembro de 2014
(…)”.

P) O trabalhador recebeu a carta e a nota de culpa, referidas em L) e N), em 26/12/2014, conforme aviso de receção de fls. 16 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Q) Em 14/11/2014, o “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, registada e com aviso de receção, para a morada Rua ... … ..., a carta cuja cópia consta de fls. 31 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 13/11/2014, com o mesmo teor da carta referida em L).
R) A carta, referida em Q), foi devolvida ao remetente com a menção “Não Atendeu”.
S) O “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, registada e com aviso de receção, para a morada Rua ... … ..., a carta cuja cópia consta de fls. 43 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 21/10/2014, com o seguinte teor:
- “(…)
Lisboa, 21 de outubro de 2014
ASSUNTO: Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador/ BB do Oriente, S.A./ Denúncia (rescisão)
Exmo. Senhor,
1) O BB do Oriente procedeu à rescisão do “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, celebrado com V. Exa. e com esta instituição em 31 de julho de 2008 (vide carta em anexo).
2) A rescisão foi efetuada ao abrigo da cláusula 9.ª do indicado acordo e produziu efeitos no dia 28 de setembro de 2014.
3) V. Exa. deveria ter-se apresentado ao trabalho no dia 29 de setembro, nas nossas instalações o que, incompreensivelmente, não ocorreu. Ou seja, injustificadamente falta ao trabalho desde então.
4) Para que não existam dúvidas ou equívocos: V. Exa. deverá apresentar-se ao trabalho, nas instalações do BB Investimento, em Lisboa, na …, “...”, n.º …, com a maior urgência possível e manter-se-á em situação faltosa enquanto isso não ocorrer.
5) Informamos ainda que V. Exa. exercerá funções no Departamento de Project Finance e o seu superior hierárquico será o Exmo. Senhor Dr. JJ.
6) A remuneração de V. Exa. é a correspondente à média das remunerações do Banco para os colaboradores da sua categoria à data da saída que era e será a de Subdiretor.
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
(…)”.

T) A carta, referida em S), foi devolvida ao remetente com a menção “Não Atendeu”.
U) O trabalhador respondeu à nota de culpa, referida em N), nos termos expressos no articulado de fls. 47 a 49 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 12/01/2015.
V) A resposta à nota de culpa, referida em U), foi recebida pela empregadora em 26/01/2015, conforme carimbo aposto no rosto da mesma.
W) Em 09/01/2015, foi proferida a decisão final, que consta de fls. 55 a 59 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, assinada pelo Diretor Central de Recursos Humanos, Sr. Dr. GG, e pelo Responsável do Departamento de Recursos Humanos, Sr. Dr. HH, que aplicou ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento, alegando justa causa.
X) A decisão final, referida em W), tem o seguinte teor:
“(…)
DECISÃO
1) Foi V. Exa. informado, através de carta registada com aviso de receção datada de 13 de novembro de 2014, da abertura de processo disciplinar, enviada juntamente com a correspondente Nota de Culpa.
2) Nos termos e para os efeitos do artigo 355. ° do Código do Trabalho, concedeu-se um prazo de dez dias úteis para que pudesse, querendo, “consultar o processo e responder à presente nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considerar relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.
3) Findo o prazo legalmente estabelecido, concluiu-se que V. Exa. optou por não responder à Nota de Culpa, nem requerer quaisquer diligências probatória.
4) Não foram igualmente juntos quaisquer documentos.
5) Deste modo, tendo unicamente por base a Nota de Culpa, dão-se como provados os seguintes factos:
I. O Arguido celebrou, em 12 de fevereiro de 2007, um contrato individual de trabalho sem termo com o “BB de Investimento, SA.”;
II. Em 31 de julho de 2008 foi celebrado “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador” entre o “BB de Investimento, SA.”, o “BB do Oriente, SA.” e o Arguido;
III. À data da celebração do referido acordo, o Arguido integrava a categoria de Subdiretor;
IV. Nos termos do identificado acordo, o Arguido deslocou-se para ..., onde passou a desempenhar as suas funções junto do “BB do Oriente, SA.”;
V. Em 15 de setembro de 2014, o Arguido enviou uma mensagem de correio eletrónica dirigida ao Sr. Dr. II, à data Presidente Executivo do “DD, SA.”;
VI. Nessa mensagem, o Arguido realizou afirmações de carácter injurioso e depreciativo às qualidades de gestor do Dr. II (dá-se como integralmente provado o conteúdo dessa mensagem);
VII. O Arguido imputou omissões e comissões falsas, na sua existência e nas suas, alegadamente, gravíssimas consequências, acusando o Sr. Dr. II de realizar uma gestão contrária aos interesses do DD e das entidades por si dominadas (in casu, BBOriente);
VIII. A competência profissional e honradez do Sr. Dr. II foram colocadas injuriosamente em causa pelas afirmações do Arguido;
IX. O Arguido, identicamente, injuriou em moldes análogos a equipa de gestão do Sr. Dr. II;
X. No dia 17 de setembro de 2014, o Arguido reenviou a mesma mensagem eletrónica, para o Exmo. Sr. Presidente da República, para o Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, para a Exma. Sra. Ministra de Estado e das Finanças e para o Exmo. Sr. Governador do Banco de Portugal (dá-se identicamente como integralmente provado o conteúdo dessa mensagem);
XI. O Arguido descreveu - com o detalhe que conhecia ou conjeturava – factos e imputações que apenas chegaram ao seu conhecimento devido à função que desempenhava, nessa época, junto do “BB do Oriente, SA.”;
XII. O Arguido enunciou o que julgou serem erros de gestão, dirigindo-os a pessoas que pelo seu relevo institucional e pela sua relação, identicamente institucional, com a entidade patronal, não deveria, desde logo, por ele serem endereçadas nos moldes em que o fez. O Arguido difamou a hierarquia, deprimindo-a perante os destinatários da mensagem (Presidente da República, Primeiro Ministro, Ministra de Estado e das Finanças e Governador do Banco de Portugal);
XIII. O Arguido serviu-se, ainda, de informações sujeitas a sigilo profissional, divulgando a identidade de cliente do “BB do Oriente, SA.”, do montante dos depósitos por estes detidos no banco, bem como de movimentações a débito realizadas pelo cliente;
XIV. Em 28 de agosto de 2014, o “BB do Oriente, SA.” procedeu à denúncia do acordo de cedência ocasional de trabalhador, enviando, para tanto, um pré-aviso, aos restantes outorgantes, entre os quais o trabalhador, ora Arguido, como previa a Cláusula Nona do acordo;
XV. O Arguido deveria, no dia 28 de setembro, ter-se apresentado nas instalações do “BB de Investimento, SA.”, o que não fez;
XVI. O Arguido nunca se chegou a apresentar ao serviço, nunca entrou em contacto com a sua entidade patronal e não respondeu a nenhuma das suas tentativas de contacto;
XVII. A 13 de novembro de 2014, o Arguido encontrava-se a faltar injustificadamente ao trabalho desde 28 de setembro de 2014, não prestando qualquer justificação, não contactando nem mandando contactar a sua hierarquia ou o Departamento de Recursos Humanos.
6) O Arguido agiu de forma livre e consciente, com culpa, sabendo que o seu comportamento, os seus atos e omissões eram proibidos por lei, e criando, com os seus colegas e superiores hierárquicos, um ambiente relacional humanamente insustentável, deixando de ser pessoa merecedora de confiança e credibilidade. Ao fazê-lo, o Arguido violou o dever de respeito, urbanidade e probidade a que estava obrigado por força dos artigos 1.º e 128.º, n.º 1, al a) do Código do Trabalho.
7) O Arguido imputou factos falsos a uma pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, fazendo, igualmente, uso de palavras ofensivas da sua honra e consideração, o que consubstancia o crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º e 182.º do Código Penal. Ora a prática, no âmbito de uma empresa, de factos que constituam o crime de injúria sobre elementos dos seus corpos sociais, é motivadora de justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351.º do Código do Trabalho.
8) Resulta ainda dos factos provados que o Arguido violou culposamente e de forma grosseira o dever de lealdade e de boa-fé, aos quais está obrigado, constituindo fundamento para despedimento com justa causa, nos termos dos artigos 126.º, n.º 1 e 128.º, n.º 1, alínea f) conjugados com o artigo 351.º n.ºs 1 e 2 alínea e).
9) Acresce provado, da mesma forma, o facto de o Arguido ter violado o dever de segredo profissional a que estava sujeito, previsto e punido pelo artigo 195.º do Código Penal, pelo artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e pela Cláusula 34.º, n.º 1, alínea c) do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário.
10) Extrai-se ainda dos factos provados que o Arguido quebrou, de forma irremediável, ao divulgar informação privilegiada sobre a gestão do banco e dos seus clientes, a confiança que em si tinha sido depositada, não só pela administração do banco, como também pelos seus clientes: a base fundamental de toda a atividade bancária.
11) O facto de os comportamentos descritos preencherem ilícitos penais, infla de uma maneira excecional a sua gravidade, sendo inexigível ao empregador manter a relação laboral.
12) Decide-se assim, nos termos dos artigos 328. ° n.º 1 f) e 351.º do Código do Trabalho, proceder ao despedimento sem indemnização ou compensação por se verificarem os requisitos do despedimento com justa causa.
Lisboa, 9 de janeiro de 2015
(…)”.

Y) Em 12/01/2015, o “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, registada e com aviso de receção, para a morada ..., n.º …, Rua …, ..., a carta cuja cópia consta de fls. 54 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 09/01/2015, assinada pelo Diretor Central de Recursos Humanos, Sr. Dr. GG, e pelo Responsável do Departamento de Recursos Humanos, Sr. Dr. HH.
Z) A carta, referida em Y), tinha o seguinte teor:

“(…)
Lisboa, 9 de janeiro de 2015
ASSUNTO: Decisão do procedimento disciplinar
Exmo. Senhor,
1) No seguimento do procedimento disciplinar instaurado contra V. Exa. e com base no artigo 357.º do Código do Trabalho, vimos pela presente comunicar-lhe que o BB Investimento decidiu proceder ao seu despedimento com justa causa, nos termos e com os fundamentos da decisão que se junta.
2) Como é do conhecimento de V. Exa., o contrato de trabalho celebrado com o BB Investimento cessou no passado dia 25 de setembro de 2014, por abandono do trabalho.
3) Os efeitos úteis deste despedimento só se verificarão se V. Exa se apresentar ao serviço, justificando - de forma plausível - a sua prolongada ausência.
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
(…)”.

AA) - A carta, referida em Y), foi devolvida ao remetente com a menção “Não Reclamado”.
AB) - O “BB de Investimento, S.A.” enviou ao trabalhador, para a morada Rua ... ......, a carta cuja cópia consta de fls. 67 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 21/10/2014, a qual veio devolvida.
AC) – O trabalhador nunca se apresentou ao trabalho nas instalações da empregadora e nunca justificou a sua ausência.
AD) - Em 15 de setembro de 2014, o trabalhador enviou ao Sr. Dr. II, à data Presidente Executivo do “DD, S.A.”, a mensagem de correio eletrónico cuja cópia consta de fls. 634 e 635 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
AE) – No dia 17 de setembro de 2014, o trabalhador reenviou a mensagem de correio eletrónico, referida em AD), para o Sr. Presidente da República, para o Sr. Primeiro-Ministro, para a Sra. Ministra de Estado e das Finanças e para o Sr. Governador do Banco de Portugal.
AF) - O acordo de cedência, referido em C), teve início em junho de 2008.
AG) – A cláusula “Terceira” do acordo de cedência, referido em C), tem a seguinte redação:

“O presente contrato tem início a partir da data de obtenção da autorização de residência e de trabalho e por um período de trinta e seis meses, não sendo denunciado com a antecedência de trinta dias, renova-se sucessivamente por períodos de três anos.”.

AH) – No início de setembro de 2014, o “BB do Oriente, S.A.”, tinha em aberto a hipótese da manutenção do trabalhador em funções em ... até dezembro do mesmo ano.
AI) – Em reunião havida em 23 ou 24 de setembro de 2014, foi comunicado, pelo “BB do Oriente, S.A.”, ao trabalhador que tinha deixado de ser ponderada a prorrogação da sua estadia em ....
AJ) – Na data do envio ao trabalhador da carta referida em AB), a empregadora sabia que o trabalhador se encontrava em ..., onde vivia com o seu agregado familiar, constituído pela mulher e duas filhas menores, que ali frequentavam a escola, sendo em ... que o trabalhador tinha centradas todas as atividades inerentes à sua vida profissional, familiar e pessoal.
AK) – O trabalhador só deixou de se apresentar ao trabalho em ... quando foi impedido de entrar nas instalações do “BB do Oriente, S.A.”, em finais de setembro de 2014.
AL) –” Eliminada.
AM) – “Eliminada”.
AN) – No ponto “Um” da cláusula “Quinta” do “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, referido em C), a remuneração anual líquida do trabalhador foi fixada em 1.080.000,00 MOP (Patacas de ...).
AO) - No ponto “Dois” da mesma cláusula “Quinta”, ficou estabelecido que o KK suportaria os custos dos seguintes benefícios atribuídos ao trabalhador:

a) Renda de casa e respetivas despesas de telefone, eletricidade, água e gás até ao limite de 22.500,00 MOP;
b) Um automóvel para uso em serviço e respetiva manutenção;
c) Assistência médica e despesas de saúde;
d) Custos de uma viagem anual de ida e volta a Portugal, em classe executiva, por avião, para o trabalhador e agregado familiar;
e) Transporte dos bens pessoais aquando do regresso definitivo a Portugal;
f) Custos da viagem de regresso definitivo a Portugal do trabalhador e agregado familiar;
g) Os encargos fiscais inerentes a remuneração e benefícios adicionais.


AP) – “Desde janeiro de 2014, a remuneração base mensal do trabalhador passou a ser de 110.900,00 MO”.
AQ) – Na cláusula “Sétima” do “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, referido em C), ficou acordado entre o BBI e o KK que o primeiro suportaria metade da remuneração e demais benefícios e custos inerentes ao trabalhador.
AR) - O agregado familiar do trabalhador é composto por si, pela mulher e por duas filhas menores.
AS) - O trabalhador tem a sua vida pessoal, familiar e profissional centrada em ... desde o ano de 2008, data em que, em virtude do acordo de cedência referido em C), deixou de viver em Lisboa.
AT) - O trabalhador estabeleceu em ... o centro da sua vida pessoal e familiar unicamente em virtude de ter sido cedido ao DD.
AU) – “Eliminada”.
AV) - O trabalhador viu-se involuntariamente envolvido num processo interno de alterações profundas associadas ao BB, ao BBI, ao KK/DD e ao DD.
AW) – “Eliminada”.
AX) - O trabalhador, a mulher e as duas filhas deixaram de viajar e deixaram de passar fins de semana de lazer na companhia de amigos.
AY) - As menores têm sofrido com o ambiente de insegurança e tristeza em que vivem o trabalhador e a mulher.
AZ) – A sociedade “BB DE INVESTIMENTO, S.A.”, alterou a sua firma para “CC, S.A.”, alteração essa levada ao registo comercial em 07/09/2015, como decorre do teor da certidão permanente junta aos autos a fls. 1173 a 1213, que aqui se dá por integralmente reproduzida.


              Do Direito:

          Os factos ocorreram de 28 de agosto de 2014 a 12 de janeiro de 2015, pelo é aplicável o Código do Trabalho de 2009[7], aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
///
              Nos autos está em causa saber se o contrato de trabalho cessou, por iniciativa do Trabalhador, devido à sua ausência do seu local de trabalho ou se o Empregador ao lhe instaurar procedimento disciplinar, em data anterior à da comunicação do abandono, afastou, ele próprio, a presunção de abandono.

             Aduz o Empregador que o contrato de trabalho, celebrado entre as partes, cessou, em 25 de setembro de 2014, nos termos do artigo 403º, do CT.

             Alega, por sua vez, o Trabalhador que o seu contrato de trabalho não terminou por abandono porque: (a) O seu local de trabalho, à data do alegado abandono, era em ..., na sede do “BB do Oriente, S. A.”; (aa) Só deixou de se apresentar em tal local de trabalho, em finais de setembro de 2014, quando foi impedido de entrar nas instalações daquele Banco; (aaa) Mesmo a ter-se como assente que o seu local de trabalho era em Lisboa, como lhe foi instaurado procedimento disciplinar antes de 14 de novembro de 2014 (data em que lhe foi enviada a nota de culpa) e como o Empregador lhe remeteu, em 17 de novembro de 2014, a carta da cessação por abandono, foi ele próprio quem afastou a presunção legal de abandono.

///

             O abandono do trabalho traduz-se num meio de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.
             
              Estabelece o artigo 403º, do CT/2009:

1) Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar;
2) Presume-se abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência;
3) O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste;
4) A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência;
5) Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º.

              O aspeto essencial do abandono é a conduta do trabalhador e esta tanto pode ser real como presumida.
              É o que resulta dos n.ºs 1 e 2, do artigo 403º, do CT, havendo, pois, duas modalidades, ou dois tipos, de abandono do trabalho.
              Assim:

- Abandono do trabalho propriamente dito [como declaração tácita da cessação por comportamento concludente] – n.º 1;
- Abandono do trabalho presumido [como declaração não negocial] – n.º 2.

                1). Abandono do trabalho propriamente dito ou “stricto sensu:

                Determina o n.º 1 da citada norma que se considera abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.

               Para haver abandono do trabalho é, pois, necessária a existência, para além da não comparência do trabalhador no seu local de trabalho, de circunstâncias concludentes que indiciem a sua vontade de não mais regressar ao trabalho e, por consequência, que revelem a sua intenção de dissolver o vínculo laboral.


             Como tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, são, assim, dois os requisitos para haver abandono do trabalho:

a) Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja, a sua não comparência no local e tempo de trabalho a que estava obrigado, não comparência essa voluntária e injustificada,
b) Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de não comparência definitiva ao local de trabalho.
             
              A nível jurisprudencial, o acórdão de 26 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 499/10.7TTFUN.L1.S1[8], decidiu que “o abandono do trabalho analisa-se em dois elementos estruturantes: um, objetivo, consistente no incumprimento voluntário do contrato, que na generalidade dos casos se traduz na ausência/não comparência do trabalhador no local e tempo de serviço (o trabalhador deixa de se manter disponível para prestar o seu trabalho ao empregador, incumprindo o vínculo com a sua ausência voluntária e prolongada); outro, subjetivo, traduzido no animus extintivo, que se capta através de algo que o patenteie ou que se exteriorize em factos que, de acordo com a lei, «com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho»[9]”.

             A nível doutrinário, Maria do Rosário Palma Ramalho,[10] ensina que “[n]os termos do artigo 403º, n.º 1, configura-se uma situação de abandono do trabalho com a verificação de dois requisitos cumulativos: a ausência do trabalhador ao serviço e a verificação de factos que, com toda a probabilidade revelem a sua intenção de não retomar o trabalho.”

             Por outro lado, como sublinha o Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes[11], “[e]ssa intenção [de não retoma do trabalho], há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente uma mera verosimilhança, já que também aqui a vontade de demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca.
             Como destacou entre nós, por exemplo, o Acórdão da Relação de Évora de 14 de julho de 1998 o abandono é não apenas “uma qualificação jurídica que tem de resultar dos factos provados”, mas inclusive uma qualificação jurídica a que não se deve proceder com ligeireza, havendo antes “necessidade de se proceder a uma muito apertada qualificação jurídica dos factos, para não se cair nas facilidades de uma analogia proibida”, dada a natureza excecional da figura».
             Refere, ainda, o mesmo Conselheiro que “[o] empregador pode, pois, ter conhecimento de que a ausência do trabalhador, embora injustificada, não corresponde à intenção deste de fazer cessar o contrato de trabalho. Imagine-se que o empregador sabe que o trabalhador sofre de perturbações psicológicas ou do foro psiquiátrico, que o trabalhador partiu no gozo de férias que erroneamente julgou que lhe tinham sido marcadas ou que acreditou, sem razão, poder marcá-las ele próprio ou, ainda, que o trabalhador não comparece ao novo local de trabalho por entender erradamente que a sua transferência foi ilícita.
              Nestas e noutras situações similares podem existir faltas injustificadas, mas não se poderá falar em abandono”.

             Ora, o abandono do trabalho não é uma resolução contratual por iniciativa do empregador, mas sim uma resolução por iniciativa do trabalhador, valendo como denúncia do contrato.

             Acresce que o abandono só pode ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.

              Esta comunicação, prevista no n.º 3 do artigo 403º do CT, não se traduz num facto constitutivo da extinção do contrato, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.

              Como se referiu, o abandono, nos termos do artigo 403º, n.º 3, do CT, vale como denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador.

             Porém, como refere João Leal Amado[12][s]ó o empregador poderá invocar tal abandono e, ademais, só após ter satisfeito as exigências estabelecidas no n.º 3, do art.º 403º, comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção, para a última morada conhecida deste. Esta comunicação […] não se traduz numa declaração de vontade extintiva proferida pelo empregador, mas sim numa condição de eficácia da extinção do vínculo imputável ao trabalhador.”

             Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho[13], “[u]ma vez verificada a situação de abandono, a cessação do contrato por ela justificada passa ainda por um procedimento a promover pelo empregador.
             Neste sentido o artigo 403º, n.º 3, estabelece que o empregador deve enviar uma comunicação escrita e registada com aviso de receção para a última morada conhecida na qual declare que considera o contrato cessado por abandono.”
                             
             Por fim, como se diz no acórdão de 06.03.2017,[p]ara haver abandono do trabalho não basta a verificação das faltas injustificadas [elemento objetivo] sendo, também, necessário que os factos indiquem que, com toda a probabilidade, o trabalhador não tem a intenção de retomar o trabalho [elemento subjetivo].
             Verificada a situação de abandono, ela não opera automaticamente[14]”. 

             

                2). Abandono do trabalho presumido:

             Consta no n.º 2, do artigo 403º, do CT, que se presume abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.

             Trata-se de uma presunção “iuris tantum” que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência [artigo 403º, n.º 4, do CT].

             O legislador ao imputar ao trabalhador a iniciativa da cessação do contrato de trabalho, nos casos em que se presume existir abandono do trabalho, pretendeu celeridade no processo sem desrespeitar o princípio do contraditório.

             É o que resulta do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 581/96, de 31 de outubro de 1995[15], proferido nos processos n.ºs 407/88 e 134/89, e publicado no Diário da República, Iª Série-A, de 22 de Janeiro de 1996 [de fiscalização sucessiva das normas da Lei n.º 107/88, de 17 de setembro, que autorizava o Governo a rever o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual do Trabalho a Termo e o Regime de Suspensão e Redução da Prestação do Trabalho].

              Consta no mesmo que:
             
         “O artigo 40.º [o artigo relativo ao abandono do trabalho] estabelece uma presunção ilidível de abandono, liga-lhe o efeito de cessação do contrato, e estabelece um procedimento adequado para a invocação dessa cessação (n.º 5).  A ausência do trabalhador sem notícias é valorada como facto mais grave do que o mero cometimento de faltas, pois que ali não há lugar a um procedimento disciplinar. Aos «quinze dias úteis seguidos» de um «virar de costas» do trabalhador o legislador ligou uma presunção que, a não ser afastada, vale como rescisão. Daí, porventura, a razão de o pedido se concentrar no problema da presunção: a presunção, porque afastando o procedimento disciplinar, seria inconstitucional.

              O «valor rescisório» do abandono é inegável e radica-se, afinal, no mesmo fundamento do «valor rescisório» das faltas injustificadas. Trata-se de incumprimento imputável ao trabalhador nos momentos essenciais do contrato, aí que é a própria prestação de trabalho a deixar de ser realizada. Mas o abandono do trabalho constitui uma realidade peculiar. Ele cria uma perspetiva de não retorno que pode fazer emergir a necessidade de a empresa saber definitivamente com o que conta e providenciar sobre a sua própria reorganização. Os destinos do contrato atingiram aí um grau de incerteza que o legislador teve por bem transformar de imediato numa clara situação jurídica (…). O abandono pelo trabalhador sem notícias — e, depois, sem apresentar motivo sério — ultrapassa já o quadro de normalidade das vicissitudes do contrato. Já não existe, em princípio, boa-fé, já não existe nenhuma espécie de relação com a empresa: a situação é em si, como diz Bernardo Xavier, uma «situação extintiva» do contrato (…).

             A natureza da situação leva a concluir que as determinações do artigo 40.º não são materialmente inadequadas. O legislador empreendeu aí uma valoração diferente da que incide sobre a realidade das faltas, dispensando o processo disciplinar para a cessação do contrato. Veio, porventura, reconhecer as dificuldades que se experimentavam na organização desses processos, perante a impossibilidade de contacto direto com os arguidos [dando conta dessas dificuldades, (…). Mas haverá ponderado também outros níveis de justificação que se reconhecem na regulação do artigo 40.º: o abandono, aquele «complexo factual constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da intenção de o não retomar» (Monteiro Fernandes), mostra que o trabalhador já se demitiu da sua «cidadania empresarial», que se distanciou inexoravelmente do programa do contrato e que diluiu ele próprio o nexo de pertença a uma determinada organização produtiva e à sua dimensão social e humana.
             As normas do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 estão, assim, justificadas perante a garantia constitucional de segurança no emprego.”
       
        Quanto ao ónus da prova, cabe ao empregador não só o ónus da prova da ausência do trabalhador, mas, também, o ónus de alegar e de provar que ele não recebeu informação sobre o motivo dessa ausência.

             É esta a orientação jurisprudencial mais recente desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça como resulta do acórdão de 29 de outubro de 2008, proferido no processo n.º 08S2273[16], ao decidir que é ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não receção de comunicação do motivo da ausência.

             Já anteriormente, o acórdão de 26 de março de 2008, proferido no processo n.º 07S2715[17], se havia pronunciado sobre esta questão nos seguintes termos:

             «Nos n.ºs 2 e 3 do art.º 450º [do Código do Trabalho de 2003, agora n.ºs 2 e 3, do artigo 403º, do CT de 2009] prevê-se a figura da presunção do abandono, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
              Ou seja, no fundo, a lei tipifica tais factos (ausência por mais de 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido tal comunicação) como concludentes da intenção, por parte do trabalhador, de fazer cessar o contrato, permitindo, porém, que o trabalhador ilida a presunção, mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
             E como resulta dos princípios gerais aplicáveis nesse domínio e tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência, cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono – como acontece, no caso dos autos – os aludidos factos que suportam a presunção - (…).
             Trata-se, na verdade, do ponto de vista substantivo, de factos integradores ou constitutivos do abandono do trabalho invocado pelo R. como fundamento da cessação do contrato que os ligou, e, na sua projeção processual na presente ação, como factos impeditivos da pretensão nela formulada pelo A. – de reconhecimento da existência de um despedimento ilícito por parte do R., com as inerentes consequências legais, por alegada inverificação desse abandono de trabalho (art.º 342º, n.º 2 do Código Civil).»

              É de manter esta orientação.

             Com efeito, a prova do facto conhecido, base da presunção (artigo 349.º do Código Civil), cabe à parte que a presunção favorece, pelo que é ao empregador que incumbe o ónus de alegar e provar os factos integradores da questionada presunção, isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, mas também a não receção de comunicação do motivo da ausência.
             
        Tem, pois, o empregador que provar que o trabalhador se ausentou do seu local de trabalho, durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem o ter informado ou de lhe ter dado qualquer explicação para o facto.

             Caso seja feita a prova desses factos, presume-se que houve abandono do trabalho, presunção que só pode ser afastada pelo trabalhador através da prova de que foi impedido por motivos de força maior, isto é, por circunstâncias imprevisíveis e estranhas à sua vontade de comunicar a causa justificativa da sua ausência.

             Ou seja, para ilidir essa presunção o trabalhador terá que provar que a comunicação da sua ausência só não foi expedida ou só não chegou ao conhecimento do empregador por ter ocorrido um acontecimento inevitável e imprevisível, natural e/ou devido a determinada conduta de um terceiro, que não lhe seja imputável.

             Para a ilidir, é necessário, ainda, que o trabalhador alegue e prove que, no caso concreto, agiu com a diligência que lhe era exigida, isto é, com aquela diligência que é própria e característica de uma pessoa “normal”, medianamente prudente, avisada e cuidadosa, como um “bonus pater familias”, e que só por razões que não lhe podiam ser imputáveis se viu impedido de cumprir aquele seu dever de comunicação.


            Não é, deste modo, necessário que o trabalhador prove o motivo concreto que levou à sua ausência do trabalho e que a sua intenção não fora a de fazer cessar a relação laboral contratualizada.


             Basta, para o efeito, que prove a ocorrência de um motivo de força maior, impeditivo da comunicação da razão da sua ausência ao empregador.


             Por fim, o abandono presumido também só pode ser invocado pelo empregador, como denúncia do contrato de trabalho após o envio, ao trabalhador, de comunicação da presunção do abandono, através de carta registada com aviso de receção, para a sua última morada conhecida [artigo 403º, n.º 3, última parte, do CT].

///

              No caso concreto:

        Nota Prévia:

        - A sociedade “BB de Investimento, SA”, alterou a sua firma paraCC, SA”, alteração essa levada ao registo comercial em 07/09/2015.

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       O acórdão recorrido decidiu que o contrato de trabalho, celebrado entre as partes, cessou por abandono do trabalho.

             Pretende o Trabalhador que o mesmo seja revogado e substituído por outro que declare que foi despedido ilicitamente.

             

              Para o efeito, invoca que:

- O seu local de trabalho, à data do alegado abandono, era em ..., na sede do “BB do Oriente, S. A.”;

- Só deixou de se apresentar no seu local de trabalho, em finais de setembro de 2014, quando foi impedido de entrar nas instalações daquele Banco.

               Ora, provou-se que, em 12 de fevereiro de 2007, foi celebrado entre o “BB de Investimento” e o Trabalhador um “Contrato Individual de Trabalho”, tendo este sido admitido para nele desempenhar, em Lisboa, as funções de Subdiretor – alínea A), dos factos provados[18].

                Ficou, também, assente que, em 31 de julho de 2008, entre o “BB de Investimento SA”, o “BB do Oriente, SA” e o Trabalhador AA foi celebrado um “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador”, através do qual o Trabalhador foi cedido ao “BB do Oriente, S.A.”, com sede em ..., para aí desempenhar as funções de Diretor – alínea C).

               Por carta datada de 28 de agosto de 2014, e nesse mesmo dia entregue em mão ao Trabalhador, o “BB do Oriente, S.A.”, denunciou o contrato de cedência ocasional, rescindindo-o unilateralmente, e informando que essa rescisão só produziria efeitos 30 dias após a data da carta e que seria eficaz a partir do dia 28 de setembro de 2014 – alíneas D) a F).

                A 17 de novembro de 2014, o “BB do Investimento, SA” enviou ao Trabalhador uma carta, registada e com aviso de receção, para a morada ..., n.º…, ..., comunicando-lhe que se encontrava a faltar ao serviço, ininterruptamente, desde 24 [28] de setembro de 2014[19], sem qualquer comunicação que a justificasse, dando-lhe, assim sendo, conhecimento, nos termos e para os efeitos do n.º 3, do artigo 403º, do CT, que considerava ter-se verificado o abandono do trabalho e cessado o contrato de trabalho celebrado entre ambos – alíneas G) e H).

               O Empregador enviou a carta para ... porque lhe “parecia” que o Trabalhador tinha ali a sua residência bem como remeteu segunda via da mesma para a residência que constava nos seus serviços e que nunca por ele fora alterada.

               

               O Trabalhador recebeu a carta, remetida para ..., em 26/12/2014, e a carta enviada para a morada constante dos registos do Empregador veio devolvida com a menção de “não atendeu” – alíneas I) a k),

                Mais se provou que o Trabalhador nunca se apresentou ao serviço nas instalações da Empregadora e nunca justificou a sua ausência e que, no início de setembro de 2014, o “BB do Oriente, S.A.”, tinha em aberto a hipótese da manutenção do Trabalhador em funções em ... até dezembro do mesmo ano, mas que, em reunião havida em 23 ou 24 de setembro de 2014, foi comunicado ao Trabalhador que tinha deixado de ser ponderada a prorrogação da sua estadia em ... – alíneas AH) a AI).

///

               Ora, tendo cessado em 28 de setembro de 2014 o “Acordo de Cedência Ocasional” do Trabalhador, facto que foi do seu conhecimento, devia o Trabalhador regressar ao serviço do cedente, ou seja, do “BB Investimento, SA”, como dispõe o artigo 290º, n.º 2, do CT[20].

               Contudo, aquele nunca se apresentou ao trabalho nas instalações do Empregador e nunca justificou a sua ausência.

               Provou, pois, o Empregador que o Trabalhador AA deixou de comparecer ao serviço desde 28 de setembro de 2014, ininterruptamente, sem o informar do motivo dessa ausência.

               

               Beneficia, assim, da presunção “iuris tantum” estabelecida no artigo 403º, n.º 2, do CT, valendo o abandono como denúncia do contrato de trabalho.

               

                Mais se provou que o Empregador cumpriu o exigido no n.º 3, do artigo 403º, do CT, comunicando ao Trabalhador, por carta registada, com aviso de receção, remetida quer para a sua última residência conhecida, constante dos seus registos, quer para a sua provável residência em ..., a presunção do seu abandono do trabalho.

                A carta remetida para ... foi por ele recebida – alíneas G) a I).

               Apesar desta comunicação, o Trabalhador não ilidiu a presunção, pois provou-se que nunca justificou a sua ausência.

               Acresce que, tendo sido na reunião de 23 e 24 de setembro de 2014, que o “BB do Oriente, SA” informou o Trabalhador que tinha deixado de ser ponderada a prorrogação da sua cedência até dezembro de 2014, e tendo este a sua residência e vida familiar estabelecidas em ..., não lhe era exigível que se apresentasse no dia 28 de setembro em Lisboa, mas já lhe era exigível que comunicasse essas circunstâncias ao seu Empregador.

                Aliás, a obrigação de se apresentar no “BB de Investimento”, em Lisboa, mantinha-se, sendo certo que se provou nunca ter sido cumprida.

               Obrigação que é de todos os trabalhadores pois, nos termos do artigo 128º, n.º 2, alínea b), do CT, é um dos seus deveres comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, sendo que é, também, sobre eles que recai o dever de comunicar a sua ausência ao serviço, nos termos do artigo 250º, do CT, dada a imperatividade do regime das faltas.

               Por último, ficou, também, assente que o trabalhador só deixou de se apresentar ao trabalho em ... quando foi impedido de entrar nas instalações do “BB do Oriente, S.A.”, em finais de setembro de 2014 – alínea AK).

               Contudo, tal facto não ilide a presunção de abandono do trabalho pois, por um lado, o seu local de trabalho voltou, a partir de 28.09.2014, a ser em Lisboa, como já se viu, e, por outro lado, o ter sido impedido de entrar no “BB do Oriente” deve-se ao facto de que já não estava ao seu serviço e ali não era o seu local de trabalho, por este ter rescindido, unilateralmente, o “Acordo de Cedência Ocasional”.

                 Improcedem, assim, as conclusões 2ª a 12ª da revista.

///

                Para a revogação do acórdão recorrido e para ser declarado que foi ilicitamente despedido, invoca, ainda, o Trabalhador que:

- Tendo-lhe sido instaurado procedimento disciplinar antes de 14 de novembro de 2014 [data em que lhe foi enviada a nota de culpa] e como só a 17 de novembro de 2014 lhe foi remetida a carta da cessação por abandono, a presunção legal foi por ele, Empregador, ilidida.

Ora, provou-se que, por carta datada de 13 de novembro de 2014, o Trabalhador AA foi notificado de que lhe tinha sido instaurado um procedimento disciplinar.

               Juntamente com a notificação foi enviada a respetiva nota de culpa.

 

                Este procedimento disciplinar teve por base factos praticados pelo Trabalhador em 15, 17 e 28 de setembro de 2014, os quais, segundo a nota de culpa, “pela sua gravidade, pela sua irreversibilidade e pelos danos produzidos e os que podem ainda a vir ser causados, tanto à imagem das instituições envolvidas como dos seus órgãos de administração, tomam uma relação laboral insustentável e inexigível”, pelo que o informava que era intenção do Empregador proceder ao seu despedimento com justa causa – alíneas S) a V).

               A respetiva decisão final foi proferida a 09 de janeiro de 2015, tendo-lhe sido aplicada a sanção do seu despedimento com justa causa – alíneas W) a X).

               

               Por fim, a 12 de janeiro de 2015, o Empregador enviou ao Trabalhador, uma carta registada, com aviso de receção, na qual o notificava da decisão tomada de o despedir com justa causa, e na qual o informava, ainda, do seguinte:

- “Como é do conhecimento de V.ª Ex.ª, o contrato de trabalho celebrado com o BES Investimento cessou no passado dia [28] de setembro de 2014, por abandono do trabalho.

- Os efeitos úteis deste despedimento só se verificarão se V.ª Ex.ª se apresentar ao serviço, justificando – de forma plausível – a sua prolongada ausência”.

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               Alega o Trabalhador que o Empregador, com a instauração deste procedimento disciplinar, ilidiu, ele próprio, a presunção do abandono do lugar.

                Não é o que resulta do direito aplicável.   

               Com efeito, resulta da conjugação dos n.ºs 2 e 4, do artigo 403º, do CT, que a presunção neles estabelecida só pode ser ilidida pelo Trabalhador e, apenas, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.

               Se a presunção se verificou, e sendo ela estabelecida em benefício do Empregador, não se antolha como podia ser ilidida por este.

                Na verdade, se o empregador provou todos os factos que são seus ónus e se satisfez a condição, legalmente imposta, para a poder invocar ficou a mesma ativa, operante e eficaz até, eventualmente, ser ilidida pelo trabalhador.
                Como este não a ilidiu, o seu contrato de trabalho cessou por sua iniciativa, ou seja, por abandono do lugar.

               Acresce que como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16.07.1984, “verificado o abandono, o empregador não tem necessidade de despedir o trabalhador, porque o contrato se extinguiu com o próprio abandono.
                No entanto, e para sua segurança, poderá mover-lhe o respetivo processo disciplinar, dada a dificuldade de prova do propósito de abandono, e uma vez que este é uma conduta antijurídica de incumprimento[21].

                E foi isto que o Empregador fez.

                Por mera cautela, instaurou ao Trabalhador um procedimento disciplinar em que o despediu com justa causa, mas informando-o que considerava cessado o respetivo contrato por abandono do trabalho e que, por isso, os seus efeitos úteis só se verificariam caso se apresentasse ao serviço e justificasse “de forma plausível” a sua ausência.

               Improcedem, também, as conclusões 13ª a 19ª das conclusões.
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De tudo o exposto resulta que não existiu um despedimento ilícito promovido pelo Empregador/Recorrido, mas sim a cessação do contrato trabalho por denúncia do Trabalhador/Recorrente.

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            Deliberação:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.
b. Custas pelo Trabalhador/Recorrente, sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário, na modalidade que lhe foi concedida.
c. Notifique.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.

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Lisboa, 2018.09.26

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol


___________________
[1] - Registo n.º 024/2018 - (FP) – CM/PH
[2] - Relatório feito com base no das instâncias
[3] . Doravante CT.
[4] - Doravante CPT.
[5] - “Ipsis verbis”.
[6] - As alterações feitas pelo Tribunal da Relação ficam em itálico e a “bold”. Manteve-se a estrutura da 2ª instância.
[7] - Doravante CT.
[8] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/551ffcceffa2362c80257acc0040e58c?OpenDocument~
[9][9] - No mesmo sentido, o acórdão de 06.12.2016, proferido no processo n.º 592/11.9TTFAR.L1.S1, de que fomos Relator.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/15bb9bd00dcb3a418025808200524ef2?OpenDocument.
[10]- Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina – 6ª edição, página 957.
[11] - Direito do Trabalho – Volume I, Coimbra Editora, 2007, páginas 1072/1073.
[12] - Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2016 – Almedina, página 391.
[13] - Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina – 6ª edição, página 958.
[14] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido de 06.03.2017, proferido no proceeso294/12.3TTPTG.E1. S1, de que fomos Relator.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/513b2226d5a9ba7b802582c8004d770f?OpenDocument
[15] - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950581.html.
[16] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/adaa04207c02c72e802574f200358fd1?OpenDocument.
[17] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56f174efdeeb39328025742000357a4f?OpenDocument.
[18] - Doravante apenas se mencionará a alínea.
[19] - Existe evidente lapso de escrita do Empregador pois o “Acordo de Cedência Ocasional de Trabalhador” só deixou de ser eficaz a partir de 28.09.2014.
[20] - “Em caso de cessação do acordo de cedência ocasional (…), o trabalhador regressa ao serviço do cedente, mantendo os direitos que tinha antes da cedência, cuja duração conta para efeitos de antiguidade”.
[21] - Acórdão da Relação do Porto de 16.07.1984, proferido no processo n.º 0018917.
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2ca663c63037ff858025686b0066c7de?OpenDocument.