Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1067
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE DELITUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: SJ20080422010671
Data do Acordão: 04/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – A decisão sobre a matéria de facto só se fixa definitivamente depois de passar o crivo de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça.
II – Só pode ser ampliada a base instrutória desde que as partes tenha alegado a factualidade atinente, em homenagem ao princípio dispositivo consagrado no artigo 265º do Código de Processo Civil.
III – O convite ao aperfeiçoamento, consagrado no nº 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil, consagra um poder discricionário do juiz e está apenas dirigido para “as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto”.
IV – O nº 2 do artigo 493º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa na produção dos danos causados por alguém no exercício de uma actividade perigosa. Independentemente da prova sobre a natureza da actividade exercida pela R. (como perigosa ou não perigosa), a falta de alegação de factos integradores da imputação da causa à R. determina, por si só, o insucesso da acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório
AA e marido, BB, CC, DD, EE, FF e GG intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova Gaia, acção ordinária contra
AR e Cª Lª, pedindo a sua condenação na reparação do locado ou, em alternativa, a pagar-lhe o valor dos danos causados a liquidar em incidente.
Para tanto, invocaram danos causados por um incêndio, de origem desconhecida, num prédio seu, sito na Rua ..., nºs 000/007, Vila Nova de Gaia, e que é ocupado pela R., sua actual arrendatária.
Contestou a R., pedindo a improcedência da acção, fazendo notar que o locado estava degradado e que os AA. nunca cumpriram as suas obrigações correspondentes ao asseguramento do gozo do locado para a sua finalidade.

Replicaram os AA. a sublinhar que o incêndio não foi causado pelas más condições do edifício.

Em audiência preliminar, o processo foi saneado e condensado, seguindo, depois, para julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Apelaram os AA., sem qualquer êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.

Continuaram, em face desta decisão, inconformados e, por isso mesmo, pediram revista do aresto proferido a coberto da seguinte síntese conclusiva.
- A condensação do processo deve ter em mente a obtenção da justiça, devendo todos os actos ser conformados em ordem ao direito que as partes pretendem ver acautelado com a decisão; Por tal facto, cabe a quem dirige o processo, ao seleccionar a matéria de facto, acautelar que nessa condensação se consideraram todos os factos de cuja prova depende a verificação do direito que as partes pretendem acautelar.
- Nos presentes autos, não havia na base instrutória qualquer facto cuja prova impendesse sobre os AA., que tivesse o condão de alterar a decisão que veio a ser proferida a final nos autos, razão pela qual, na sua actividade de conformação, ao julgador cabia desde logo, nos termos do artigo 508º do Código de Processo Civil alertar a parte para a necessidade de trazer aos autos novos factos, porquanto se entendia que os alegados levariam a que soçobrasse a acção.
- Ao assim não proceder, o que resultava para as partes era que na demanda, os factos alegados, a serem dados como provados, seriam os suficientes para a procedência ou improcedência de demanda.
- Por tal facto a decisão em causa nos presentes autos, e com os argumentos aduzidos, traduz-se numa decisão surpresa, de todo não prevista pelas partes, considerando os factos levados à base instrutória e seleccionados para prova.
- A presente demanda tem por base uma relação jurídica controvertida que foi trazida aos autos desta forma singela:
- A R. exerce uma actividade perigosa;
- Exerce tal actividade sem ter protecção adequada contra o risco de incêndio;
- Exerce a referida actividade em desobediência à ordem de cessação da entidade administrativa competente;
- No fim de um dia normal do exercício dessa actividade, ocorreu um incêndio nas instalações da R., e na sequência do qual, o edifício ficou destruído;
- As causas concretas do incêndio não foram apuradas, mas este teve lugar nas instalações que a R. utilizava para o exercício da actividade perigosa, e em contravenção com as ordens da autoridade administrativa competente;
- Que por tal facto, se presume culpado pela produção do evento nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
- Ora, salvo o devido respeito, os AA. provaram esta relação assim trazida aos autos, razão pela qual a acção deveria ter sido julgada como procedente, para os devidos e legais efeitos.
- O exercício da actividade em concreto como actividade perigosa, não se reporta apenas ao período de actividade, mas sim a todo o conjunto da actividade em causa, compreendendo esta os tempos mortos de trabalho, dado que em tal período, a actividade não deixa de ser exercida.
Toda a organização de factores se mantém, como se mantém o armazenamento das mercadorias, a guarda das máquinas, dos materiais inflamáveis, etc., e que determinam assim a manutenção do factor de risco acrescido.
- Com efeito, é precisamente para proteger os cidadãos dos factores de risco acrescidos do exercício de determinadas actividades, que se instituiu o regime de presunção de culpa previsto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
- Com efeito, quando perante actividades perigosas, a lei estabelece uma presunção de culpa pelo exercício da actividade, cabe ao lesante demonstrar a relevância negativa da causa virtual como forma de exoneração da sua responsabilidade, ou seja, o que estabelece em concreto a presunção de culpa é o exercício da actividade perigosa, no caso, da indústria exercida pela R., sem protecção pelo risco de incêndio, e contra a ordem da autoridade pública que determinou a cessação da actividade.
- Aliás, o que sucedeu nos autos, foi apenas e só que o risco que pretendia ser prevenido pelas autoridades, veio a verificar-se em concreto – a produção do incêndio nas instalações fabris da R..
- Deve ainda referir-se que no caso em concreto, a prova efectuada pela R. é de todo insuficiente para demonstrar que o evento se teria produzido sem a sua intervenção, ou que empregou todos os esforços para que o evento se não produzisse, o que se afigurava desde logo contrariado pelo facto de a R. estar a laborar contra a ordem de suspensão que lhe tinha sido dada pela autarquia.
- A decisão em recurso viola assim o disposto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil, e 508º do Código de Processo Civil.

A parte contrária não apresentou contra-alegações.

II – As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1º Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito na Rua ..., nºs 000/000, Vila Nova de Gaia, o qual, por escritura pública datada de 30/12/63 e outorgada no 3º Cartório Notarial do Porto, o anterior proprietário do imóvel deu de arrendamento à R. o r/c do referido prédio para que esta nele instalasse uma indústria de reparação, transformação e recuperação de desperdício, o que este efectivamente efectuou.
2º A R. continuou a sua laboração no locado após 17/12/02, continuando a utilizar aquele para a sua actividade industrial.
3º Em 14/03/03, pelas 20.30 horas, e após um dia normal de laboração, um incêndio veio a ter lugar no referido estabelecimento industrial por causas ainda não apuradas resultando, por força deste incêndio a destruição parcial do imóvel com queda e destruição da cobertura, pilares, suportes e vigas, reduzindo todo o r/c a escombros e apenas restando as paredes-mestras.
4º Os danos causados são susceptíveis de reparação necessitando dos seguintes trabalhos: remoção do entulho, remoção das paredes não seguras, construção de novas paredes, construção de nova cobertura, reparação do pavimento atingido.
5º Tais danos têm um valor estimado de reparação de cerca de € 184.560,00.
6º O valor final dos trabalhos apenas será possível após a realização efectiva dos mesmos.
7º Contra os AA. está pendente na 1ª Vara Mista deste tribunal a acção ordinária nº 383/02, intentada pela aqui R. e na qual é peticionado, além do mais, que sejam os ora AA. condenados no pagamento e execução de obras consistentes na reparação de todo o telhado e respectivo forro em madeira, reparação de todas as portas e janelas, reparação e pintura do reboco interior das paredes, reparação e reboco exterior das paredes.
8º A acção mencionada foi intentada em 29/04/02 e contestada pela R. AA no dia 14/06/02.
9º A R. estava licenciada desde há mais de 18 anos para exercer a sua actividade no locado.
10º O local trata-se de uma instalação industrial e as intervenções de manutenção da mesma realizadas pela R. não foram suficientes nem aptas a impedir que a instalação se viesse a degradar ao longo do tempo.
11º Em 17/10/02, ocorreu uma vistoria pelo serviço de bombeiros através dos competentes serviços de inspecção tendo este concluído em relatório que a indústria em causa carecia de condições de segurança contra incêndios.
12º Por força de tal relatório, por despacho de 17/12/02, do vereador do pelouro de fiscalização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foi ordenada a cessação da utilização do referido r/c..
13º Tal ordem foi transmitida à R..
14º As chamas tiveram pasto fácil nos materiais existentes no locado atenta a natureza da indústria exercida pela R. e de manuseamento de materiais altamente inflamáveis.
15º Os AA. na sua qualidade de donos e senhorios do imóvel arrendado à R. nunca curaram da sua conservação.
16º A R. enviou carta à A. datada de 01/10/02 em que requeria que a senhoria mandasse fazer reparações urgentes para evitar a infiltração de água no locado já que o imóvel se vinha degradando por acção do tempo e pela sua já vetusta idade sem que qualquer proprietário executasse qualquer obra nos últimos trinta anos e até mais.
17º O travejamento em madeira estava apodrecido, o telhado estava abatido e ameaçava ruir em algumas partes, em consequência do que as telhas se deslocavam e outras partiam, tudo provocando infiltrações de humidade de água pluviais pelo que o forro interior do telhado, sendo em madeira, como era, apodreceu totalmente.
18º As portas exteriores e janelas, com mais de quarenta anos de idade e sem qualquer conservação, estavam igualmente podres e incapazes de segurar os vidros já que os caixilhos «ripes» desapareceram.
19º A R. foi obrigada, pelo referido em 18º, a tapar algumas janelas com plásticos para tentar impedir a entrada de água o que não foi conseguido e outras janelas e portas com tijolos como forma de impedir assaltos.
20º As caleiras apodreceram e ruíram em parte contribuindo quer para o apodrecimento do suporte e travejamento do telhado e seu forro quer para o apodrecimento e deterioração das paredes do imóvel cujo reboco, tanto interior como exterior, caiu em grande parte o que provocou a constante infiltração de água pluviais e humidades o que igualmente se verifica pelo telhado com o consequente perigo de incêndio provocado por curto-circuito na instalação eléctrica.
21º Em consequência dos danos que sofreu pelas apontadas circunstâncias causais, parte da instalação eléctrica teve de ser reparada ou substituída.
22º A R. executou algumas obras tendentes à conservação interior do imóvel.
23º Em 11/04/00, em consequência da recusa de os senhorios procederem a obras de conservação do imóvel, a R. solicitou à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia que compelisse os senhorios a executarem as obras reputadas pela requerente de necessárias e urgentes.
24º Em 01/06/00, a R. deu conhecimento à AA. do requerimento apresentado na Câmara.
25º Em 01/10/02, a R. reiterou junto dos senhorios a sua exigência de obras urgentes.

III – Quid iuris?
Da leitura das conclusões com que os recorrentes fecharam a sua minuta, resulta que colocaram à nossa consideração duas questões: a primeira relativa à forma como a base instrutória foi organizada, a outra respeitante à aplicação ao caso da regra contida no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
Estas mesmas questões foram colocadas em sede de apelação e receberam por parte do Tribunal da Relação do Porto respostas que não foram satisfatórias para os recorrentes.
Cabe-nos, assim, a tarefa de verificarmos se tais respostas estão ou não conformes com a Lei à luz da factualidade apurada.
E é precisamente por este ponto que a nossa análise deve começar: a razão lógica das coisas assim o impõe.
Antes, porém, importa que se diga, que, vistas bem as cousas, esta questão surge-nos colocada ao abrigo do que preceitua o artigo 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o que nos permite dizer que se nos apresenta como agravo continuado encapotado que, como tal, não é admissível nos termos do nº 2 do artigo 754º do mesmo Código.
O certo, porém, é que, como diremos mais à frente, ao Supremo cabe sempre, em última análise, a verificação da conformação da matéria de facto alegada com vista a emitir juízo sobre a “questão-de-direito” (só resolvida a “questão-de-facto” pode o Tribunal decidir da “questão-de-direito”), não enjeitamos conhecer e decidir o problema em apreciação. É o que passaremos a fazer.
Saber se a base instrutória está ou não bem elaborada é questão que as partes podem colocar ao Tribunal logo em sede de reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 511º, nº 2, do Código de Processo Civil.
A decisão proferida sobre as eventuais reclamações contra a elaboração da base instrutória não forma caso julgado: isso mesmo é patente no nº 3 do artigo citado – “o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final”.
A própria feitura da base instrutória não retira ao juiz a faculdade de, em sede de julgamento, aditar novos quesitos, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 650º do mesmo código.
Que a decisão sobre a matéria de facto nunca transita verdadeiramente (ou, melhor, só transita quando passa pelo crivo final do Supremo) é a ideia que ressai da leitura não só do artigo 712º, nº 4 (poderes da Relação no sentido de ordenar a ampliação da matéria de facto), como também do artigo 729º, nº 3 (poderes do Supremo para ordenar a ampliação da matéria de facto), ambos do Código de Processo Civil.
Mas, em todos estes poderes de ampliação da matéria de facto (desde o juiz que preside ao julgamento, passando pela Relação e até ao Supremo) a ideia que subjaz é esta: só pode ser ampliada a base de instrução desde que as partes tenham alegado a factualidade atinente, em homenagem ao princípio dispositivo consagrado no artigo 264º do diploma adjectivo citado.
Ora, como foi salientado no aresto impugnado, os AA., aqui recorrentes, limitaram-se a pedir a condenação dos RR. em virtude dos danos alegados, fazendo crer que os mesmos se ficaram a dever à actividade da R.-recorrida.
Tudo o que, com interesse para a decisão da causa foi seleccionado, em respeito absoluto pela regra do nº 1 do artigo 511º citado. Vale por dizer que a peça base instrutória foi elaborada, tendo em devida conta a factualidade alegada e as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito.
Não tendo o juiz da 1ª instância, fazedor do saneador, olvidado qualquer dado de facto relevante, carecem os AA. de razão para continuaram a dizer que a base instrutória deveria ter contemplado outros factos.
Mas, quais factos, se outros, para além dos contemplados, não foram alegados?
Com esta pergunta queremos ter respondido à questão da necessidade (desnecessidade, neste caso) de ordenar a ampliação da base instrutória, o mesmo é dizer da total falta de razão em relação à crítica que os recorrentes vieram, desde a decisão final da 1ª Instância, a fazer até aqui.
Mas a nossa intenção vai mais longe. Com ela queremos enfatizar um facto que é deveras importante e que se tivesse sido levado em conta em sede de saneador poderia, desde logo, ter determinado a sorte da lide.
Com efeito, tendo os AA. alegado na petição inicial que o acidente ocorreu por causas não apuradas, isso significaria que a acção, tal como foi desenhada, estava, desde então, condenada ao insucesso.
As pertinentes considerações tecidas na sentença pelo Juiz da 1ª Instância a respeito da falta de prova de um facto voluntário imputável ao agente (à aqui R.), as quais mereceram inteira concordância por parte do Tribunal da Relação, bem poderiam ter sido proferida em tempos anteriores, precisamente em sede de saneador. É que, à míngua de factos alegados no que concerne à imputação do facto ao agente (foram os próprios AA. que alegaram desconhecer as razões pelas quais o incêndio teve lugar), impunham, desde logo, uma decisão de meritis.
Em boa verdade, estando as partes de perfeito acordo que “no dia 14 de Março de 2003, pelas 20,30 horas, após um dia normal de laboração, um incêndio veio a ter lugar no referido estabelecimento industrial, por causas ainda não apuradas” (facto constante da alínea C dos factos assentes), não descortinamos a razão pela qual a acção se eternizou ao longo de todo este tempo com sucessivos actos, todos eles inúteis, precisamente porque, faltando um dos pressupostos constitutivos da responsabilidade civil (certo que era aos AA. que competia a sua alegação e subsequente prova), tudo o mais estava prejudicado.
Ao longo do processo, tanto na apelação como ora na revista, insistem os AA. em violação do artigo 508º do Código de Processo Civil. Sem qualquer razão, porém.
Na verdade, o nº 3 deste preceito legal permite que o juiz convide as partes a suprir irregularidades dos articulados, mas não cabe aqui a sua aplicação. Para além de consagrar um mero poder discricionário do juiz, o mesmo é dizer que nada o obrigava ao convite para aperfeiçoamento, é importante dizer que está apenas dirigido para “as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto”, o que torna evidente a sua inaplicabilidade ao caso a partir do momento em que são os próprios AA. a alegar desconhecerem as causas do incêndio. Vale por dizer que ignoram se o mesmo foi provocado pela R.. Ora, não podendo ser imputada a esta a prática dos actos causadores do incêndio, a tese dos AA. estava, ab initio, naturalmente, condenada ao fracasso.
Dever-se-á, no entanto, dizer que, mesmo na perspectiva (errada) que os recorrentes parecem defender (tradutora de poder vinculado do juiz no convite ao aperfeiçoamento dos articulados e não meramente discricionário) a omissão cometida teria gerado nulidade, entretanto definitivamente sanada não só por terem sido eles próprios a darem causa à mesma, mas também pelo decurso do tempo (artigos 203º, nº 2 e 205º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).
Aqui chegados, poderíamos terminar, dizendo que a pretensão dos recorrentes não pode proceder, ancorando-nos, para tanto no disposto no nº 2 do artigo 660º, ex vi artigos 713º, nº 2 e 726º, todos do Código de Processo Civil.
Diremos, no entanto, algo (pouco mesmo) sobre a outra questão que nos foi colocada com o intuito apenas de ajudar a esclarecer as partes da bondade da decisão recorrida.
A decisão da 1ª Instância, considerando a falta de factos que permitissem imputar à R. a responsabilidade na produção do acidente (“há um facto – incêndio -, cuja voluntariedade não logramos imputar à R.”) e que só a culpa não integrava o seu ónus probatório, rematou pela improcedência da acção.
A Relação pouco ou nada acresceu a estes considerandos e limitou-se a confirmar o julgado.
Insistem, no entanto, os AA. em violação do disposto no artigo 493º, nº 2 do Código Civil.
Mas também aqui a razão não está do seu lado.
Vejamos.
O nº 2 do artigo 493º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa na produção dos danos causados por alguém no exercício de uma actividade perigosa. Nesta hipótese, ao contrário do que os recorrentes pretendem fazer crer, não releva negativamente a causa virtual, o mesmo é dizer que “o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição -, pág. 496).
Compreende-se que assim seja: “se a responsabilidade assenta, …, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, a presunção recai em cheio sobre a pessoa que detém a coisa” com dever de a vigiar (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol. I – 8ª edição -, pág. 604 e 605).
Mas, mesmo que se considere que a R. exercia uma actividade perigosa – (quod erat demonstradum…) apenas ficou provado que exercia a indústria de reparação, transformação e recuperação de desperdício (alínea A dos factos assentes) e que as chamas tiveram pasto fácil nos materiais existentes no locado atenta a natureza da indústria exercida pela R. e do manuseamento de materiais altamente inflamáveis (resposta ao ponto 5º) –, e que a R. não cumpriu o seu ónus de alegação com vista a exonerar-se da responsabilidade, nos termos supra referidos, o certo é que, como o afirmaram as instâncias, não lograram os AA. provar dos demais elementos constitutivos da responsabilidade da R., o que, como já ficou dito e redito, afasta definitivamente a responsabilidade desta.

Em suma, não assiste aos recorrentes a mínima razão na queixa apresentada: por um lado, foram considerados os factos alegados (certo que só estes podiam e deviam ser considerados); por outro, não foram sequer provados os que a eles, enquanto autores e portadores do ónus correspondente, competia provar.
Bem andou, portanto, o Tribunal da Relação do Porto ao confirmar a absolvição da R. decretada pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.

IV – Decisão
Nega-se a revista e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas devidas.

Lisboa, aos 22 de Abril de 2008
Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Mário Cruz