Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5836/15.5T8VNF-C.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: ARRESTO
CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
PENHORA DE DIREITOS
AÇÃO EXECUTIVA
TERCEIRO
DEVEDOR
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA EMBARGADA E NEGADA A AMPLIAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Por força do disposto no n.º 2 do art.º 391.º do CPC, são de observar no âmbito do arresto todas as disposições relativas à penhora, pelo que, tratando-se do arresto de créditos, aplicam-se as disposições contidas nos art.ºs 773.º e 777.º do CPC, valendo para o arrestante o estabelecido para o exequente.

II. Deste modo, o requerente do arresto de um crédito que venha a ser reconhecido tem inteiras condições para, por si e com estrito fundamento no título executivo consagrado no n.º 3 do art.º 777.º do CPC, instaurar execução contra o terceiro devedor.

III. Esta execução destina-se a constituir por via coerciva a situação que existiria se o terceiro devedor cumprisse voluntariamente a obrigação imposta pelo n.º 1 do art.º 777.º do CPC, isto é, a disponibilidade da quantia correspondente ao crédito arrestado.

IV. A execução prevista no n.º 3 do art.º 777.º do CPC tem uma feição derivada relativamente ao processo em cujo âmbito ocorreu a apreensão (por penhora ou por arresto) do crédito.

V. Por isso, o exequente de uma execução derivada, tendo instaurado também a execução principal (de que o arresto foi preliminar), só deixará de ser pago por essa via se o executado principal deduzir embargos de executado com sucesso, se vier a concluir-se que o crédito invocado pelo exequente está extinto por razões de direito material ou se sobrevierem ocorrências processuais assentes na sua própria vontade incompatíveis com um desfecho traduzido no pagamento por entrega de dinheiro.

VI. O processo especial de revitalização requerido pelo executado original nenhum efeito tem na execução derivada por não estar abrangida pelo art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE.

Decisão Texto Integral:          
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório

O Município da Trofa deduziu os presentes embargos de executado contra a sociedade J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., pedindo a extinção da execução ordinária que esta lhe moveu para pagamento de quantia certa.

Para tanto, alegou, em síntese, a inexistência de título executivo, por ter respondido à notificação para a penhora de créditos e por ter feito o pagamento das quantias que devia directamente à credora primitiva, Construções Europa Ar-Lindo, S.A., na sequência de notificação efectuada pelo Administrador Judicial Provisório para proceder nesse sentido, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), por esta requerido, o qual também  conduziu à extinção da execução contra essa credora e, logo, à extinção das penhoras (designadamente da penhora de créditos) e, bem assim, a inexistência do crédito cuja natureza não permite a sua penhora.

A exequente/embargada apresentou contestação, onde, depois de reduzir à quantia exequenda o valor que recebeu noutra execução em que era executada a credora Construções Europa Ar-Lindo, S.A., impugnou parte da factualidade invocada pelo embargante e a totalidade das consequências jurídicas que este lhe atribui. Formulou ainda um pedido de indemnização contra o embargante, estribando-se no artigo 777.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, no valor equivalente ao da quantia exequenda.

Na audiência prévia realizada, a quantia exequenda foi reduzida para 444.509,56 €, foi proferido despacho saneador tabelar, bem como foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.


Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde os embargos foram julgados totalmente improcedentes, tendo sido determinado o normal prosseguimento da execução quanto ao Embargante.


O executado/embargante interpôs recurso de apelação e a embargada ampliou o seu objecto.

O Tribunal da Relação …, por acórdão de 3/12/2020, julgou “a apelação totalmente procedente e a ampliação do recurso totalmente improcedente” e, em 0consequência, revogou a sentença recorrida e julgou os embargos de executado procedentes,extinguindo-se a execução intentada contra o embargante”.


Inconformada, desta vez, a embargada/exequente interpôs recurso de revista e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente dispõe de título executivo bastante para executar o Município da Trofa, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 777.º do C.P.C, devendo a presente execução prosseguir a sua normal tramitação, em ordem a fazer-se pagar do seu crédito.

2. O título dado à execução nos presentes autos é judicial impróprio e atípico, pela sua peculiar formação, constituído em sede de procedimento cautelar de arresto.

3. O arresto de créditos que um devedor tenha sobre uma terceira entidade implica que esta, dele notificada, fique inibida de realizar quaisquer pagamentos directamente ao seu credor, antes a vinculando, após o vencimento das obrigações inerentes, a disponibilizar as quantias de que é devedora, nos termos do n.º 1 do artigo 777.º do C.P.C..

4. No caso vertente, o Município da Trofa, notificado da ordem judicial de arresto de créditos “vencidos e futuros” de que era titular a Construções Europa Ar-Lindo, S.A. (em 18/06/2014), reconheceu a existência do crédito (em 25/06/2014) e, entre 05 de Agosto de 2014 e 30 de Outubro de 2014, pagou-lhe directamente € 512.932.13 (quinhentos e doze mil novecentos e trinta e dois euros e treze cêntimos).

5. Ao arresto aplicam-se as normas relativas à penhora (artigos 622.º, n.º 2 do C.C. e

391.º, n.º 2 do C.P.C.), in casu, à penhora de créditos (artigo 773.º e seguintes C.P.C.).

6. A obrigação ínsita no n.º 1 do artigo 777.º do C.P.C. é independente da evolução processual do arresto ou da penhora, pelo que, uma vez constituída (e não sobrevindo causa impeditiva ou extintiva), persiste na esfera jurídica do seu obrigado, com o inerente risco de execução.

7. O Município da Trofa, terceiro devedor, submeteu-se à execução que lhe foi instaurada em virtude do reconhecimento do crédito e do incumprimento da notificação que lhe foi dirigida, impeditiva da realização de pagamentos à sua credora, que assim se têm por ineficazes em relação ao requerente do arresto (artigo 622.º, n.º 1 do C.C.) e não liberatórios da sua execução.

8. A execução prevista no n.º 3 do artigo 777.º do CPC, instaurada contra o terceiro devedor, é instrumental relativamente à primitiva, instrumentalidade que implica, do ponto de vista da segunda execução, cumulada à principal, que possa ser afectada por qualquer vicissitude substantiva que no âmbito da primitiva ocorra, desde que concernente com a própria subsistência do crédito original, determinando a extinção do crédito a extinção da execução (cumulada ou derivada) que estava ao seu serviço.

9. No caso vertente, o crédito da Recorrente sobre a Construções Europa Ar - Lindo, S.A. não está nem nunca foi colocado em crise, posto que esta entidade o reconheceu na confissão de dívida que constitui o título executivo dado à primitiva execução; confessou-o integralmente na execução contra si instaurada, e, inclusivamente, relacionou-o com precisão no âmbito do 2.º PER a que se apresentou.

10. Obstáculo algum existe, face ao sobredito, à execução que a Recorrente, em cumulação com a instaurada contra a sua devedora primitiva, promoveu contra o Município da Trofa, munida que estava e está, de um título executivo regularmente constituído, apenas se concedendo que o dito Município, em sede de embargos, pudesse eximir-se da sua obrigação se houvesse demonstrado que o crédito da Recorrente não existia, ou existia em valor manifestamente inferior ao executado, o que, como dos autos se mostra provado, não sucedeu.

11. Instaurada a execução, o acesso aos valores nesta obtidos, encontra-se sujeito ao

regime do n.º 5 do artigo 777.º do CPC, que remete para os n.ºs 3 e 4 do artigo 779.º do mesmo Código.

12. E a tal não perturba, não obsta nem afecta o 2.º PER a que se apresentou a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., cujos efeitos processuais decorrentes do artigo 17.º-E do CIRE se circunscrevem à devedora revitalizanda.

13. A finalidade última do Processo Especial de Revitalização é evitar a insolvência da

devedora, sempre iminente, mas não desresponsabilizar os (seus) garantes, nem eximir os que, consigo mas de modo autónomo, se tornaram igualmente devedores, como no vertente caso.

14. Concluindo: o Município da Trofa é executado, por razões que lhe são imputáveis,

condição que criou ao incumprir uma ordem judicial, devendo o montante penhorado nesta execução, cuja manutenção e prossecução se pretende, ser afecto à Recorrente, que assim será ressarcida.

15. Ante o que vai dito, mostra-se violado o disposto nos artigos 391.º, 773.º, 777.º, e 779.º do Código de Processo Civil, 622.º do Código Civil e 17.º - E CIRE, devendo o Acórdão recorrido ser revogado.

Por tudo quanto o exposto, entende a Recorrente dever o douto Acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se a decisão da primeira instância, que se deve manter na íntegra,

Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”


O embargante Município contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, e ampliou, a título subsidiário, o objecto do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Os documentos dados à execução pela Recorrida na “cumulação” de execução são constituídos pela decisão de arresto e por uma notificação de penhora de crédito, com a menção de não “depósito” da quantia penhorada, não constituem título executivo - actos provados sob os pontos 6 e 28.

2. O arresto decretado nunca foi convertido em penhora, pelo que não constitui título

executivo para concretização de penhora, como o obriga o artº 762º CPC.

Ampliação do objecto do recurso

3. Extinta a execução, por via do PER, esta obrigação de garantia do Município Embargante também se extingue.

4. A notificação remetida pelo Agente de execução não cumpre os requisitos legais, pois

que refere a indicação do processo como sendo procedimento cautelar de arresto e a ordem comunicada é a penhora de crédito vencido e futuro – factos provados nos pontos 7,13,14,17 e 25 e tem que ser clara e perceptível pra o destinatário, sob pena de não constituir base de título.

5. Os erros de numeração dos processos, a errada notificação para a penhora em vez de arresto de créditos, e o erro de referência a penhora e arresto dirigida ao Embargante das aludidas notificações retira-lhe validade e eficácia e inviabilizam a sua transformação em título executivo (ainda que impróprio).

6. O procedimento cautelar de arresto foi objecto de prolação de despacho julgando a extinção da respeciva instância por inutilidade da lide em virtude da homologação do referido PER, o que determina a ineficácia da decisão de arresto nele proferida, a qual não existe na ordem jurídica.

7. A segunda execução está dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal, devendo beneficiar da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ocorrida no procedimento cautelar de arresto.

8. O PER instaurado pela Executada Construções Europa Ar Lindo, SA foi homologado por sentença transitada em julgado no processo nº 8345/18......., o que determina a insubsistência do putativo título executivo.

9. Extinta a execução, por via do PER, esta obrigação de garantia do Município Embargante também se extingue.

10. O impedimento de o credor propor qualquer acção de cobrança de dívidas, previsto

no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, vigora também no enxerto de execução contra o Embargante.

11. A execução enxertada contra o Embargante é o resultado da primitiva, não uma nova execução.

12. Como consta do ponto 6 dos factos provados o Embargante, em 18/06/2014, foi notificado do «arresto dos créditos vencidos e futuro que a requerida "CONSTRUÇÕES EUROPA AR LINDO, SA" NIF 503335207, detinha sobre ele em consequência dos contratos de empreitada, até ao montante de €599.083,56 e não se remeteu ao silêncio.

13. O Embargante celebrou contratos de empreitada de obra pública com a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., que é sinalagmático e do qual emergem mútuos deveres de prestações com cariz de correspectividade.

14. O Município da Trofa não tinha sobre a executada Europa Ar Lindo, Ldª qualquer

dívida penhorável, nem esta era titular de qualquer direito de crédito penhorável sobre aquele – como consta do ponto 7 dos factos provados.

Nestes termos e com o douto suprimento do omitido deve ser negado provimento ao recurso, de Revista e, se for caso disso, prevenindo a necessidade de sua apreciação, a título

subsidiário, a Recorrente peticiona a ampliação do objecto do recurso.”

O mesmo embargante interpôs, ainda, recurso subordinado para o caso de se entender que não há lugar à ampliação do objecto do recurso que formulou, afirmando que ele “coincide com o pedido de ampliação do objeto de recurso de Revista da Recorrente J. Soares Correia, Ldª, que foi formulado pelo Município da Trofa nas contra-alegações de Revista”.

A embargada respondeu suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso subordinado e, sendo admissível, pugnando pela sua improcedência.

           

O recurso subordinado foi rejeitado, por não ser legalmente admissível, uma vez que o recorrente não ficou vencido na apelação, podendo apenas ampliar o objecto do recurso de revista, o que aliás fez (cfr. art.ºs 633.º, n.º 1 e 636.º, n.º 1, ambos do CPC).

O recurso interposto pela embargada/apelada foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, nos termos supra referidos e do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:

1. Se foi formado título executivo pelo crédito arrestado, nos termos do art.º 777.º, n.º 3, do CPC, o que pressupõe indagar sobre o regime do arresto de créditos;

2. Quais os efeitos do 2.º PER (a que se apresentou a executada Construções Europa Ar-Lindo, SA.) na execução instaurada contra o embargante Município da Trofa;

3. Subsidiariamente, no âmbito da ampliação deduzida:

a) quais as consequências do 1.º PER no arresto;

b) e se inexistia o crédito arrestado.


II. Fundamentação

1. De facto

No acórdão recorrido, reproduzindo os da sentença (que foram mantidos após reapreciação da matéria de facto impugnada), foram dados como provados os seguintes factos:

1. O Embargante Município da Trofa, na sequência de concurso público, celebrou dois contratos de empreitada de obra pública com um consórcio, do qual fez parte a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., das "Requalificação Urbana dos parques Nª Srª das Dores e Dr. Lima Carneiro" e "Requalificação das margens ribeirinhas do Rio Ave-Parque das Azenhas".

2. A execução dessas obras obedece a um mapa de trabalhos, que são objeto de autos de medição dos respetivos valores com uma periodicidade mensal, bimensal ou trimestral.

3. Após a execução de trabalhos, esses autos de medição dos mesmos são elaborados, após o que ocorre a emissão da inerente (aos mesmos autos) fatura, que deverá ser paga pelo dono da obra (aqui embargante).

4. Embargada/Exequente J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. intentou, em 26 de maio de 2014, contra Construções Europa Ar-Lindo, S.A. o Procedimento Cautelar de Arresto ao qual veio a ser atribuído o n.º 2850/14......., e que correu termos pela ora extinta Vara Competência Mista  ….. – cfr. requerimento inicial a fls. 2-51do agora apenso A.

5. No âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... foi proferida decisão, em 11 de junho de 2014, que julgou procedente a providência e decretou o arresto, ao que ora interessa, dos:

«1-Direito(s) de créditos, vencidos e futuros cujo(s) exacto valor(es) e data(s) de vencimento se desconhecem, que a Requerida detém sobre as seguintes entidades: Câmara Municipal da Trofa, sita da Rua Imaculada Conceição, 4785-684 Trofa» - cfr. fls. 79-83 do agora Apenso A.

6. No dia 17/06/2014 o Sr. (ª) Agente de Execução nomeado no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... remeteu ao Município da Trofa a notificação que se encontra junta ao ora Apenso A, sob a ref.ª 4391054 de 28/06/2014, que este rececionou em 18/06/2014 (cfr. junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554) com o seguinte teor:

«FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO

Fica(m) pela presente formalmente notificado(s) que, nos termos do 773º do Código do Processo Civil (CPC), se considera penhorado o crédito, vencido e futuro, cujo exato valor e data de vencimento se desconhece, que a requerida "CONSTRUÇÕES EUROPA AR LINDO, SA" NIF 503335207, detém sobre V. Exas na sequência de empreitadas, ficando o referido crédito à ordem do signatário, até ao montante de €599.083, 56 tudo conforme ordenado pelo M.mo Juiz de Direito na providência cautelar de arresto supra identificada.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser feitas no ato da notificação, serão as declarações prestadas, por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de DEZ DIAS, prorrogável com fundamento justificado.

Fica(m) advertidos do seguinte:

a) Se nada disser(em), entende-se que reconhece(m) a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora;

b) Se faltar(em) conscientemente à verdade, incorre(m) na responsabilidade do litigante de má fé.

ADVERTÊNCIAS

Mais se adverte que nos termos do nº 3 do artigo 777º do Código Processo Civil, "não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito."»

7. No dia 25/06/2014, o Município da Trofa respondeu à notificação referida no n.º anterior, nos seguintes termos:

«No seguimento do solicitado através da Notificação para Penhora de Crédito no âmbito do Processo 2850/14....... (…), vimos por este meio informar V. Exa., que na presente data existe um crédito no valor de €106.159, 65€, com vencimento no dia 30/07/2014, perante o executado.

No entanto, esse valor já se encontra penhorado na Notificação – Arresto de Créditos no âmbito do Proc. n.º 2073/14......(............ – tribunal Judicial ..º Juízo Cível)» - cfr. requerimento junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554.

8. Na sequência dessa resposta o Sr. (ª) Agente de Execução, em 25/06/2014, remeteu um email ao Município da Trofa esclarecendo que:

«(…) o signatário tem conhecimento que a requerida continua na execução de uma empreitada no vosso município, pelo que, é perfeitamente expectável que os referidos créditos continuem a vencer-se;

(…) os créditos futuros deverão considerar-se arrestados por força do despacho judicial proferido nos autos supra identificados.» - cfr. requerimento junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554.

9. A Executada (primitiva) Construções Europa Ar-Lindo, S.A. apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, com o nº 3729/14....... (1º PER), que corre(u) termos pela Instância Local  ....., Secção Cível J.., tendo sido proferido, em 15/07/2014, despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório – cfr. doc. de fls. 105-106 do apenso A.

10. No dia 22/07/2014 foi remetido ao departamento de contabilidade do Município da Trofa, em nome do Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado à Construções Europa Ar-Lindo, S. A., AA, um email pelo qual informava a pendência do PER acima referido, e do qual constava, designadamente o seguinte:

«foi-nos comunicado pela devedora a retenção de valores de que esta é credora para pagamento de dívida anteriores à data de entrada do PER.

Alerta-se desde já que a retenção de valores, além de ilegítima e ilegal, é passível de colocar em causa o normal prosseguimento da actividade da sociedade, nomeadamente, o pagamento de obrigações em curso e imprescindíveis à reestruturação no âmbito do presente processo.

Assim, deverão ser tomadas as providencias adequadas para que cessem as referidas retenções e se procedam à entrega à empresa Construções Europa Ar-Lindo, S.A. dos valores indevidamente retidos.

Mais se solicita o envio, com a maior urgência, dos posteriores comprovativos de transferência daqueles valores.» - cfr. doc. junto com o req. de 29/11/2018 sob a ref.ª 7917567 fls. 873-874.

11. No dia 01/08/2014 o Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., AA, apresentou, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto 2850/14....... o requerimento sob a ref.ª 4435450 (a fls. 101-107 do apenso A), requerimento pelo qual requereu:

«em face do Processo Especial de Revitalização requerido pela aqui Requerida:

a) seja determinada a suspensão de quaisquer diligências de arresto ou outras providências que atinjam os bens integrantes da devedora;

b) sejam notificadas as entidades junto dos quais havia sido requerido o arresto e/ou apreensão de créditos da devedora no sentido de cessaram as referidas retenções e apreensões e que deverão proceder ao normal pagamentos desses valores à aqui Requerida

12. A Requerente, ora Embargada J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. pronunciou-se, em 04/08/2014, quanto ao requerimento do Sr. Administrador Judicial Provisório, opondo-se à notificação das entidades a quem havia sido comunicado o arresto para o normal pagamento à Requerida (Construções Europa Ar-Lindo, S. A.) dos valores arrestados – cfr. ref.ª 4436525, a fls.

13. No dia 07/11/2014, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto 2850/14....... foi proferido o seguinte despacho:

«Após o decretamento do arresto no âmbito dos presentes autos (decisão da qual a requerida não recorreu nem deduziu oposição) a requerida Construções Europa Ar-Lindo, S.A., apresentou Processo Especial de Revitalização, que corre termos sob o nº 3729/14......., no ..º Juízo Cível deste Tribunal, e no qual foi proferido o despacho a que alude a al. a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE.

De acordo, com o estipulado no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, tal despacho obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade.

Nesta conformidade, determino a suspensão dos presentes autos de arresto, significando tal suspensão que o arresto decretado se mantém, até decisão definitiva no PER.

Pelo exposto, e nos termos requeridos, determina-se a notificação do Município da Trofa (e apenas a este, atendendo à cessão de créditos da Câmara de Lisboa e à cessão da posição contratual de Almada) para que suspenda a realização de qualquer pagamento à Requerida, aguardando-se pelo termo das negociações, para ulterior determinação da entidade receptora dos pagamentos.

Notifique.» – cfr. ref.ª 136...55;

14. Despacho esse que foi notificado ao Município da Trofa em 10/11/2014 – cfr. ref.ª 136...18.

15. Em 05/02/2015 no âmbito do Processo Especial de Revitalização, com o nº 3729/14....... (1º PER) foi proferido despacho de recusa de homologação do Plano de Revitalização apresentado pela Construções Europa Ar-Lindo, S. A., o qual transitou em julgado em 16/06/2015 – cfr. 93 e 94 dos autos.

16. Por despacho proferido em 20/05/2015, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... foi ordenado «Não tendo sido homologado o plano de revitalização da requerida, sendo que o recurso de tal decisão tem efeito meramente devolutivo, determino o prosseguimento dos presentes autos.» - cfr. ref.ª 140254406.

17. Por requerimento junto ao Procedimento Cautelar de Arresto, em 03/06/2015, o Sr.  Agente de Execução informou os autos que, em 22-05-2015, notificou a Câmara Municipal da Trofa para, de imediato, prosseguir com o arresto de créditos, em virtude, do PER não ter sido judicialmente homologado e ter sido ordenado o prosseguimento dos autos, e que o Município da Trofa não respondeu – ref.ª 1783253.

18. Por requerimento de 05/06/2015, junto a fls. 267 do processo físico, a Requerente J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., veio expor e requerer:

«1. Não compreende, nem aceita a Requerente, a falta de resposta da Câmara da Trofa ante o que lhe foi ordenado,

2. Incompreensão tanto maior quanto já sabe aquela entidade que os créditos da Requerida se encontram arrestados desde o ano passado,

3. Impondo-se-lhe agora, tal qual judicialmente determinado, e finda a longa suspensão de pagamentos que lhe foi determinada, proceder à sua imediata entrega a quem de direito.

4. Requer-se, assim, face ao expendido, a V. Exa., ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 773.º do C.P.C., se digne notificar a Câmara da Trofa com a expressa advertência da cominação ínsita em tal artigo, sem prejuízo do estatuído no n.º 5 do mesmo.

5. Mais requer a V. Exa., face à informação constante do requerimento de que, já após a notificação do arresto de créditos foram efetuados pagamentos pela Câmara da Trofa à Requerida, se digne notificar a mesma para que esclareça quais os valores pagos, as respetivas datas de pagamento e quem os ordenou, para os devidos e legais efeitos.»;

19. O que foi deferido, por despacho de 08/06/2015 que ordenou a notificação do Município da Trofa nos exactos termos requeridos, notificação essa que foi efetuada em 09/06/2015 - cfr. ref.ª 140711371 e 140773051;

20. O Município da Trofa não respondeu a tal notificação do Tribunal.

21. Em 06/07/2015, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. intentou contra Construções Europa Ar-Lindo, S.A. a Execução Ordinária para pagamento da quantia de 599.083, 56 € (Quinhentos e Noventa e Nove Mil e Oitenta e Três Euros e Cinquenta e Seis Cêntimos) à qual foi atribuído o n.º 5836/15…… de que os presentes Embargos de Executado constituem apenso (C) – cfr. requerimento executivo junto à execução de que os presentes são apenso.

22. Por despacho de 14/07/2015, foi ordenada a remessa do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... para apensação à Execução n.º 5836/15…… (autos principais), a correr termos na Instância Central – ..ª Secção de Execução, J.., ........, de que passou a constituir o apenso A.

23. No Procedimento Cautelar de Arresto, em 14/09/2015, foi proferido o seguinte despacho:

«Nos termos do disposto no nº 4, do art.773º, do C.P.C., entende-se que a Câmara Municipal da Trofa reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito arrestado.

Notifique-se nos termos e para os efeitos do disposto no art.777º, do C.P.C.

Notifique a Câmara Municipal da Trofa do teor do requerimento de 06.07.2015 para, em 10 dias, se pronunciar sobre a requerida condenação em litigante de má fé.» - cfr. ref.ª 142062865.

24. A Executada (primitiva) Construções Europa Ar-Lindo, S. A. apresentou-se a novo Processo Especial de Revitalização, com o n.º 7422/15....... (2º PER), que corre(u) termos pela Inst. Central de ............., .. Sec. Comércio – J.., tendo sido proferido, em 22/09/2015, despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório – cfr. fls. anúncio junto com o req. de 01/10/2015 sob a ref.ª …… ao apenso A.

25. O Município da Trofa, em requerimento de 28/09/2015, junto ao apenso A, expôs, designadamente, o seguinte:

«O requerido Europa-Arlindo, SA, instaurou um novo PER que corre termos na Comarca de ....., Juiz de Comercio J.., ........ sob o n.º 7422/15.... .

A instauração deste novo PER determina a suspensão de instância do presente Procedimento Cautelar.

Pelo que, Município de Trofa estará legalmente impedido de proceder ao depósito da quantia peticionada nestes autos.

O Requerente cumpriu a ordem judicial de arresto e não procedeu ao pagamento do direito de crédito arrestado ao credor.

O requerente mantém a quantia arrestada na disponibilidade e á ordem do tribunal e até que receba despacho em sentido contrário.

O Requerente solicita a Vª Exª se digne decretar o que por bem entender no tocante à concretização do arresto, em face do aludido processo de PER

26. Em 30/09/2015, a Exequente (ora Embargada) J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. apresentou novo requerimento executivo para cumulação sucessiva com a Execução Ordinária n.º 5836/15……, de que estes embargos são apenso, contra o ora Embargante Município da Trofa e para pagamento da quantia de 599.083, 56 € (Quinhentos e Noventa e Nove Mil e Oitenta e Três Euros e Cinquenta e Seis Cêntimos);

27. Tendo exposto, nesse novo requerimento executivo, os seguintes

«Factos:

1. Por douta sentença proferida nos autos de procedimento cautelar cujos termos correm por apenso à execução a que os presentes se pretendem cumular, sob os autos de Proc. 5836/15…… (Tribunal da Comarca ..... - ............. - Instância Central - ..ª Secção de Execução – J..), foi decretado o arresto de créditos vencidos e futuros que a sociedade "Construções Europa Ar-Lindo, S.A." detém sobre a Câmara Municipal da Trofa, sita na Rua Imaculada Conceição, 4785-684 Trofa.

2. Em 18 de Junho de 2014 a Câmara Municipal da Trofa, órgão executivo colegial do Município da Trofa, foi notificada do arresto de tais créditos - documentos n.ºs 1 e 2.

3. Por fax remetido a 25 de Junho de 2014, junto como documento n.º 3, a Câmara Municipal da Trofa confessa a existência de um débito perante a executada de € 101.159.65 mas informa que tal valor se encontra já penhorado à ordem de um outro processo - documento n.º 3

4. Em 15 de Julho de 2014, a aqui executada Construções Europa Ar-Lindo, S.A., apresentou um PER, cujos termos correram sob os autos n.º 3729/14......., no Tribunal da Comarca de ....., Instância Local - Secção Cível – J.. - e que determinaram, no dito procedimento cautelar de arresto, a sua suspensão, com a subsequente suspensão de qualquer pagamento (à Requerente e à Requerida, bem entendido) até decisão definitiva do PER.

5. Em 05 de Fevereiro de 2015, no âmbito do sobredito PER, foi proferido despacho de recusa de homologação, tendo a devedora/Requerida/Executada Construções Europa Ar-Lindo, S.A. interposto recurso do mesmo, para o Venerando Tribunal da Relação de ……., que, por acórdão de 28 de Maio de 2015, viria a confirmar tal decisão, que transitou definitivamente em julgado em 16 de Junho de 2015 (vide informação do respectivo Tribunal, ora junta como documento n.º 4).

Isto posto,

6. Em resultado do efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso que aquela devedora/Requerida/Executada havia interposto junto do Tribunal da Relação de ……., e como requerido pela aqui Exequente, por despacho datado de 20 de Maio de 2015, foi determinado o prosseguimento dos autos de procedimento cautelar identificados no n.º 1 supra;

7. O que foi notificado, em 22 de Maio de 2015, à Câmara Municipal da Trofa - vide documento n.º 5,

8. Mais se notificando a mesma para, de imediato, proceder ao arresto dos créditos de que aquela devedora/requerida/executada era titular.

9. Devidamente notificada, a Câmara Municipal da Trofa não só nada respondeu como não procedeu ao arresto dos créditos detidos pela Executada Construções Europa Ar-Lindo, S.A., nada depositando à ordem dos autos respectivos,

10. Tal como comunicado ao procedimento cautelar pelo Agente de Execução, por requerimento de 03 de Junho de 2015 - vide documento n.º 5.

11. Face a esta informação e ao requerimento apresentado pela aqui Exequente no seguimento da mesma, no referenciado procedimento cautelar de arresto, por despacho datado de 08 de Junho de 2015, com a referência n.º 140711371, foi novamente a Câmara Municipal da Trofa notificada para proceder ao depósito dos créditos arrestados, com a expressa cominação ínsita nos números 4 e 5 do artigo 773.º do C.P.C.. - documento n.º 6.

12. Porém, não só a Câmara Municipal da Trofa não o fez, como devia, como não justificou a sua omissão.

13. Dúvida alguma subsiste, pelo exposto, que a Câmara Municipal da Trofa reconhece(u) a existência do crédito, como, ademais, foi declarado no dito procedimento cautelar, por despacho datado de 10 de Setembro de 2015, com a referência 142062865 - documento n.º 7.

14. E que, pelo menos, desde 22 de Maio de 2015 se encontrava obrigada a proceder ao depósito do crédito arrestado, tal qual notificada para o efeito (documento n.º 5) em consequência do despacho judicial aludido em 7. supra.

15. Notificação reiterada em resultado de novo despacho datado de 10 de Setembro de 2015, com a ref.ª 142062865.

16. À qual, finalmente, veio responder, alegando não poder dar-lhe cumprimento mercê da apresentação de novo PER por parte da sociedade Construções Europa Ar-Lindo, S.A..

17. Destarte, a Câmara Municipal da Trofa é, ela própria, devedora da Exequente.

18. Na verdade, em resultado do inequívoco reconhecimento do crédito, da notificação que lhe foi efectuada para que procedesse ao pagamento das quantias arrestadas e da sua falta de cumprimento, documentos que acima se juntaram sob os números 1, 2, 3, 5, 6 e 7, e que constituem título executivo nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 777.º do C.P.C., pode a Exequente exigir-lhe a prestação que exige à devedora primitiva – a identificada Construções Europa Ar-Lindo. S.A.,

19. O que equivale a dizer, a quantia de € 599.083, 56 (quinhentos e noventa e nove mil e oitenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos),

20. O que faz por meio da presente execução, que deve ser cumulada aos autos principais, que correm termos sob o n.º 5836/15…… - Tribunal da Comarca ..... - ..... - Instância Central - ….. Secção de Execução – J.., nos termos conjugados do disposto nos artigos 711.º, n.º 1 e 777.º, n.º 3. ambos do C.P.C.,

21. Prosseguindo estes contra o Município da Trofa, como executado, representado pela sua Câmara Municipal da Trofa - aliás, e na senda da jurisprudência do STJ - Ac. de 09.11.1989,

"IV - A função jurisdicional consiste, não apenas em interpretar e aplicar a lei, mas também em interpretar os articulados, não restando dúvidas de que uma Câmara Municipal, ao ser demandada, o é como representante do Município, o que demandar o Município representado pela Câmara Municipal ou demandar a Câmara Municipal como representante do Município tem o mesmo significado jurídico." e Ac. STJ, de 03.10.1991 " A Câmara Municipal, como órgão de uma autarquia, é dotada de personalidade judiciária, para efeitos de demandar ou ser demandada, não obstante carecer de personalidade jurídica.", ambos consultados no sítio www.dgsi.pt.

22. A dívida é certa, líquida e exigível,

23. E as partes são as legítimas.» - cfr. ref.ª 236...964.

28. A Exequente/ Embargada fez acompanhar o requerimento executivo das cópias, designadamente, dos seguintes documentos e peças referentes ao Procedimento Cautelar de Arresto:

- da notificação dirigida à Câmara Municipal da Trofa, em 17/06/2014, e referida em 6 e respetivo A.R.;

- da resposta da Câmara Municipal da Trofa mencionada em 7;

- do requerimento do Sr. (ª) Agente de Execução referido em 17;

- do requerimento mencionado em 18;

- despacho referido em 19 e notificação subsequente;

- do despacho referido em 23.

29. No âmbito do Processo Especial de Revitalização, com o n.º 7422/15....... (2º PER) foi proferida, em 24/06/2016, sentença que homologou o plano de recuperação da devedora Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sentença que transitou em julgado 19/07/2016 – cfr. certidão junta ao Apenso A com o req. de 27/09/2016 sob a ref.ª 4452321.

30. No dia 04/10/2016 foi proferido o seguinte despacho no âmbito do Procedimento Cautelar (apenso A):

«Nos presentes autos de Procedimento Cautelar de Arresto, que seguem termos por apenso aos autos de execução em que é exequente J. Soares Correia – Armazéns de Ferro, S.A. e executada Construções Europa Ar – Lindo, S.A., tendo sido homologado, com trânsito em julgado, o PER a que se apresentou a executada aqui requerida (processo especial de revitalização que corre termos na Comarca  ....., V.N. de Famalicão – Inst. Central – 2º. Secção – Comércio – J2, processo nº 7422/15.......), nos termos do disposto no art.17º-E, nº 1, do CIRE, julgo extinta a instância por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide.» - cfr. 149241771.

31. Já no âmbito da execução (autos principais) foi proferido despacho de 13/10/2015, pelo qual foi ordenada a suspensão da execução, em razão da pendência do (2ª) PER nº 7422/15......., nos termos do disposto no art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE.

32. A Exequente, em 19/10/2015, apresentou nos autos principais o requerimento junto ao processo físico a fls. 64-65, solicitando que não obstante a decretada suspensão da execução quanto à executada Construções Europa Ar-Lindo, S.A., fosse ordenada a prossecução da execução quanto ao “(novo) executado” Município da Trofa.

33. Sobre esse requerimento recaiu o despacho proferido em 06/01/2016 com o seguinte teor: «Requerimentos de fls.64 e 66 – Dê conhecimento ao SE para atuar em conformidade com o requerido.».

34. O Embargante Município da Trofa procedeu ao pagamento à Construções Europa Ar-Lindo, SA. das seguintes quantias:

Em 5.08.2014 o valor de 118.451, 82€ - fatura nº 2014/94.

Em 5.08.2014 o valor de 110.258, 96€ - fatura nº 2014/08.

Em 15.09.2014 o valor de 31.878, 97€ - fatura nº 2014/115.

Em 15.09.2014 o valor de 100.756, 93€ - fatura nº 2014/119.

Em 3.10.2014 o valor de 67.477, 25€ - fatura nº 2014/132;

Em 30.10.2014 o valor de 84.108, 20 €– recibo n.º 2014101/35/4;

O que perfaz o total de 512.932,13 € (quinhentos e doze mil novecentos e trinta e dois euros e treze cêntimos).

35. À data da entrada do requerimento executivo para cumulação de execuções, contra o ora Embargante, este tinha ainda em dívida para com a Sociedade Construções Europa Ar- Lindo, S.A., o montante de € 11.925, 22, correspondente à fatura nº …../148 de 30/10/2014.

36. No dia 16.02.2015 o consorciado Alexandre Barbosa Borges, S.A. assumiu perante o Município da Trofa a realização e faturação da totalidade dos trabalhos em falta para conclusão dos trabalhos objeto dos contratos de empreitada e, por via disso, requereu que os mesmos lhe fossem pagos integralmente.

37. Assim e a partir dessa data, a Construções Europa Ar Lindo, SA deixou de executar trabalhos e de os facturar.

38. A Fatura n.º 2014/… de 30/10/2014 no valor de 11.925,22€ foi paga, em 01/10/2018, no âmbito da Notificação para Penhora de Créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP - Processo de Execução Fiscal n.º ......0546.


E foi dado como não provado o seguinte:

- Que o Embargante tivesse ficado com dúvidas sobre a providência (de arresto) ordenada no Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... e de que lhe foi notificado em 18/06/2014;

- Que o administrador judicial provisório houvesse comparecido nas instalações da Câmara Municipal da Trofa para dar instruções quanto ao pagamento dos créditos da Construções Europa Ar- Lindo, S.A.;

- Que, na data da resposta que o Embargante deu ao Agente de execução no âmbito do Procedimento Cautelar (agora apenso A) referida no n.º 6 dos factos provados, os créditos arrestados tinham sido objecto das seguintes notificações de penhora:

a) Penhora da Autoridade Tributária – procº executivo fiscal nº .......1492.

b) Penhora de créditos determinada pelo Agente BB no processo executivo nº 27/14...... do Tribunal de Trabalho...... em que é credor CC.

c) Penhora de créditos determinada por agente de execução DD à ordem do processo executivo nº 2362/14...... em que é credor Antunes e Durães Lda.

d) Penhora da Segurança Social – procº executivo fiscal nº ......3238.


2. De direito


2.1. Do título executivo

Importa começar por relembrar que a execução que a sociedade J. Soares Correia – Armazéns de Ferro, S.A., instaurou contra o Município da Trofa tem na sua génese o arresto de créditos de que a sociedade Construções Europa Ar-Lindo, S.A., era titular, decretado no procedimento cautelar n.º 2850/14....... que agora constitui o apenso A, tendo aquela como base os documentos juntos com o requerimento executivo, a que se faz referência no n.º 28 dos factos provados.

Considerando que está em causa o arresto de créditos, decretado numa providência cautelar de arresto, o qual consiste, nos termos do n.º 2 do art.º 391.º do CPC, “numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora”, é útil tecer aqui algumas considerações sobre a penhora de créditos e só depois sobre o arresto de créditos para saber se ao arresto decretado se aplica o regime da penhora de créditos, tendo em vista a solução do caso concreto.

Para o efeito, seguiremos de perto o “Parecer” junto aos autos, elaborado pelo ilustre Advogado e Prof. Universitário Paulo Pimenta, por concordarmos com ele, ao qual pertencerão as transcrições que vierem a ser feitas sem indicção de outra origem.


2.1.1. Da penhora de créditos

Sobre esta matéria, há que atentar nos art.ºs 773.º a 785.º do CPC, mormente nos art.ºs 773.º e 777.º, bem como no art.º 820.º do Código Civil.

Deles resulta que “a obrigação de depósito que impende sobre o devedor do executado, decorrente da penhora de um crédito deste sobre aquele, é absolutamente independente do que venha a suceder no âmbito da execução propriamente dita, sendo já do estrito âmbito desta definir o concreto destino a dar ao dinheiro assim arrecadado”.

Senão vejamos, servindo-nos do que se escreveu no dito Parecer acerca do “modo de satisfação do crédito exequendo através da quantia depositada pelo terceiro devedor”:

“A penhora de um crédito que o executado tenha sobre terceira entidade implica que esta, uma vez notificada da penhora, fique ciente de que o crédito passa a estar à ordem do agente de execução e de que, por isso mesmo, o crédito deixa de estar na disponibilidade do seu titular, demandado na execução (art. 777º, nº 1, do CPC).

Daí resulta que essa terceira entidade ficará inibida de realizar quaisquer pagamentos directamente ao seu credor (executado), na certeza de que, em fazendo esses pagamentos, não se exonera da obrigação (art. 820.º do CC)[3].

Consumada ou efectuada a penhora do crédito[4] e uma vez vencidas as obrigações inerentes, a entidade notificada fica vinculada a disponibilizar os valores de que é devedora, nos termos prescritos no n.º 1 do art. 777º do CPC.

 A obrigação de entrega de valores prescrita pelo nº 1 do art. 777º do CPC é independente da evolução processual do processo executivo em que a penhora teve lugar.

Quer isto significar que a penhora do crédito visa retirar esse crédito da disponibilidade do executado e visa assegurar que, na altura do vencimento da obrigação, a quantia respectiva passe a estar ao dispor da execução — aqui radica o sentido e a utilidade da obrigação de depósito fixada no nº 1 do art. 777º do CPC.

Por outras palavras, o terceiro que tenha sido notificado na condição de devedor do executado apenas tem de preocupar-se com o (seu) dever de cumprir a obrigação por ocasião do respectivo vencimento, o que, no caso, implica o depósito da quantia à ordem do agente de execução[5].

Cumprida tal obrigação de depósito, o destino da quantia assim obtida será determinado pelo devir do próprio processo executivo.

Concretamente, a utilização dessa quantia para a satisfação do crédito exequendo — que configurará o pagamento por entrega de dinheiro de que trata o art. 798º do CPC —, está sujeita às condições previstas nos nºs 3 e 4 do art. 779º do CPC, por remissão do 5 do art. 777º do CPC.

 Significa isto que, em regra, o exequente só receberá tal dinheiro se o executado não tiver deduzido oposição à execução por embargos ou se, tendo havido embargos, os mesmos forem julgados improcedentes.

Esta solução está em linha, de resto, com o regime que conjuga as finalidades do processo executivo e as garantias de defesa do executado.

Sendo os embargos de executado o meio pelo qual o demandado procura libertar-se da execução contra si instaurada, não pode o exequente ser pago à custa do património do executado enquanto não for seguro que inexiste motivo para o executado se furtar dessa demanda — tal segurança decorre de não terem sido deduzidos embargos de executado ou do facto de tais embargos terem sido julgados improcedentes[6].

Assim sendo, pode dizer-se que, havendo dinheiro disponível na execução e inexistindo obstáculo a tal (por não terem sido deduzidos embargos de executado ou por os mesmos haverem sido julgados improcedentes), esse dinheiro deverá ser entregue ao exequente para satisfação (total ou parcial) do respectivo crédito[7].

Em contrapartida, se forem deduzidos com sucesso embargos de executado e resultando daí a extinção da execução (art. 732º, nº 4, do CPC), é evidente que aquele dinheiro já não será destinado ao exequente, impondo-se, antes, que seja entregue ao próprio executado, ou não se tratasse do produto da cobrança de um crédito seu.

Fora deste quadro, o exequente só deixará de ser pago através das forças da quantia obtida com o depósito imposto pelo nº 1 do art. 777º do CPC se ocorrerem circunstâncias que, à luz do direito material, imponham a conclusão de que o crédito exequendo se extinguiu — com efeito, se o crédito exequendo se extinguiu, o exequente deixou de ser credor, sendo natural que (já) não receba quantia alguma...

Assim sucederá, por exemplo, havendo perdão por banda do credor ou havendo pagamento voluntário extrajudicial — nesses casos, o exequente não poderá ser pago à custa da quantia proveniente do crédito penhorado, seja porque não é (deixou de ser) credor, seja porque está (foi entretanto) pago.

No mais, o crédito exequendo só deixará de ser satisfeito por essa via mediante a verificação de circunstâncias de índole processual (com repercussão substantiva ou não) incompatíveis com a afectação dessa quantia ao exequente.

Assim sucederá com a desistência da instância ou do pedido, mas também com a celebração de acordo de pagamento em prestações — é de notar, porém, que as circunstâncias processuais aqui relevantes radicarão sempre na vontade do próprio exequente, o mesmo é dizer que está na sua disponibilidade (não) aceder à quantia depositado à luz do nº 1 do art. 777º do CPC.”[8]


Relativamente ao incumprimento do dever de depósito pelo terceiro devedor, previsto no n.º 1 do art.º 777.º do CPC, importa esclarecer que o terceiro pode ser executado, nos termos do seu n.º 3, verificadas as seguintes condições:

i) reconhecimento (expresso ou tácito) da obrigação correspondente ao crédito objecto de penhora;

ii) incumprimento da obrigação de depósito da quantia à ordem do agente de execução.

 A execução proposta ao abrigo deste último preceito “é derivada relativamente à acção executiva em que a penhora do crédito teve lugar, que podemos designar por original.

O propósito desta execução derivada é o de, por via coerciva (coercibilidade que é típica do processo executivo), instituir, na execução original, o estado de coisas que existiria se acaso o terceiro notificado tivesse agido em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 777º do CPC, isto é, se tivesse, logo que vencida a dívida, depositado à ordem da execução a quantia de que é devedor face ao executado.

Tal execução derivada culminará, assim o pressupõe a lei, na realização de dinheiro em montante correspondente ao do crédito originariamente penhorado, dinheiro esse que passará, pois, a estar disponível à ordem da execução original[9].”[10]

As condições em que o exequente original (que foi também o exequente derivado) terá acesso à quantia assim obtida são as definidas nos nºs 3 e 4 do art.º 779.º, aplicável por força do disposto no n.º 5 do art.º 777.º, ambos do CPC, ou seja, como já se referiu, é suposto que o executado original não tenha deduzido oposição à execução por embargos ou, pelo menos, que estes tenham sido julgados improcedentes.


Quanto às formalidades do acto e às informações que devem ser transmitidas ao terceiro (suposto devedor do executado), por um lado, bem como às atitudes que o terceiro pode adoptar e ao seu grau de vinculação, por outro, importa referir aqui:

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 157, na nota 1 ao art.º 773.º do CPC, balizam o acto de penhora de créditos da forma seguinte:

 “A posição jurídica creditícia do executado sobre terceiro que tenha valor patrimonial pode ser objeto de penhora, mediante notificação efetuada pelo agente de execução, com as formalidades da citação pessoal e sujeita às formalidades desta (arts. 228º e 246º), sendo esse devedor do executado (debitor debitoris) advertido de que o crédito fica à ordem do agente de execução. A notificação deve conter a indicação expressa do prazo a que alude o nº 3 bem como a cominação do nº 4…”.

“Esta notificação cumpre, antes de tudo e como é próprio das notificações em geral, uma função informativa, que se traduz em dar a conhecer ao terceiro (suposto devedor do executado) que o crédito que impende sobre si está penhorado à ordem de determinado processo executivo.

Acresce que a notificação se destina a permitir ao terceiro uma tomada de posição relativamente àquilo que lhe foi comunicado”[11].

Sobre os termos dessa notificação, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, na nota 3 ao mesmo art.º 773.º, vol. II, pág. 158 do referido Código, referem:

“O notificado (tido como putativo devedor do executado) pode adotar quatro condutas, com efeitos processuais distintos: a) reconhecer, de forma expressa e sem reservas, que o crédito  existe nos termos em que foi indicado à penhora, cabendo-lhe, logo que a dívida se vença, proceder ao depósito da importância respetiva em instituição de crédito à  ordem do agente de execução e apresentar documento de depósito ao agente de execução (art. 777º, nº 1, als. a) e b)); b) reconhecer, de forma expressa, a existência do crédito mas com a ressalva de que a exigibilidade da obrigação depende de uma prestação do executado, caso em que se seguirá a tramitação do art. 776º; c) negar a existência do crédito, regendo para esta situação o disposto no art. 775º; d) remeter-se a uma posição de inércia, não efetuando quaisquer declarações, nem no ato de notificação, nem por escrito, no prazo de 10 dias (nº 3), caso em que se presume a existência do crédito por ficta confessio, com efeitos intraprocessuais”.

A propósito da função desempenhada por esta notificação ao terceiro (putativo devedor do executado), o Supremo Tribunal de Justiça, no Assento n.º 2/94[12], de 25/11/1993, pronunciou-se assim na sua fundamentação:

“A notificação ao devedor sempre teve uma dupla função:

Produzir a indisponibilidade do crédito, ficando este à ordem do tribunal;

Determinar a sua existência, quantidade, garantias, vencimento e outras circunstâncias que possam interessar”. 

Sobre o grau de vinculação do terceiro face à execução, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, na nota 4 ao mesmo art.º 773.º, pág. 158 do dito Código, escreveram:

“Uma vez assumida, na execução, a existência do crédito, seja por via reconhecimento do terceiro, seja pela sua inação, cabe ao debitor debitoris cumprir o disposto no art. 777º, nº l, sob pena de ser executado a partir do título executivo judicial impróprio constituído pela certificação da anterior notificação feita pelo agente de execução e da falta da declaração (art. 777º, nº 3)”.

Como é salientado no Parecer junto[13], “a este propósito, é muito significativo o que ficou exarado no já citado Assento n.º 2/94, que foi tirado precisamente no contexto da figura da penhora de créditos, tendo-se debruçado, além do mais, sobre o conteúdo da notificação a fazer ao terceiro e sobre a reacção deste face a tal notificação[14].

Sob a epígrafe “elemento histórico de interpretação”, o Assento n.º 2/94 encetou “uma recolha dos textos legais que vigoraram anteriormente, procedendo em seguida à análise destes antecedentes históricos da questão” - sendo que tal análise começou pelo regime consagrado no CPC de 1876, passou pelo CPC de 1939 e culminou no CPC de 1961.

Em síntese, e quanto ao CPC de 1876 (art. 820º), recordou-se o regime seguinte:

“Efectuando-se a penhora em [...] capitaes de que elle era credor, será depositário aquelle que tiver obrigação de pagar ou o seu legítimo representante”.

“O depositário contrahe pelo deposito a obrigação de não pagar sem ordem do juiz da execução, e a de não transigir sobre a responsabilidade que tiver”.

Quanto ao CPC de 1939 (art. 856º), o regime era assim:

“A penhora consistirá na notificação ao devedor de que o crédito fica penhorado”;

“O efeito desta notificação é o de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução, não se exonerando o devedor pelo pagamento ao credor”;

“O devedor será advertido deste efeito no acto da notificação”.

Quanto ao CPC de 1961 (art. 856º), diploma em vigor à data do Assento, ficou dito:

“A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução”.

Procedendo ao cotejo das diversas formulações, das quais decorre uma acentuada simplificação das formalidades do acto da penhora, quanto ao conteúdo da notificação, o Assento nº 2/94, colocou as coisas nestes termos: “O actual art. 856.º, no seu n.º 1, apenas declara que a penhora do crédito consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução”.

Nessa senda, o Assento nº 2/94 socorre-se das explicações insertas nas “Observações ministeriais” (Boletim do Ministério da Justiça, nº 124, pág. 185), que são bem impressivas acerca da evolução do CPC de 1939 para o de 1961:

«Elimina-se da lei não só a noção quase puramente tautológica de penhora de créditos dada na redacção anterior, como a explicitação dos efeitos da penhora — cabida num tratado de direito, mas deslocada num texto legal. Não parece necessária a advertência expressa da consequência legal, do pagamento efectuado ao credor, visto tratar-se da consequência natural, evidente, da violação do efeito pretendido com a penhora e enunciado ao devedor»[15].

Em conformidade, o próprio Assento nº 2/94 prossegue nestes termos:

“De notar que o artigo 820.º do Código Civil de 1966 refere que, «sendo penhorado algum crédito […] a extinção dele por motivo dependente da vontade […] do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente ineficaz em relação ao exequente».

O n.º 2 corresponde substancialmente à segunda parte do art. 856.º do Código de 1939 e o n.º 3 à terceira parte, não se encontrando diferenças que não sejam apenas de redacção”.

           

Do que se deixou dito, fazendo uma síntese do regime da penhora de créditos, quanto às formalidades, ao conteúdo da notificação a dirigir ao terceiro (putativo devedor do executado) e à sua vinculação, podemos concluir, como no Parecer, que:

“- a penhora faz-se por via de notificação dirigida ao terceiro;

- tal notificação realiza-se nos termos e com as formalidades da citação pessoal, com remessa ou entrega da documentação pertinente (documentação que alude ao crédito objecto de penhora);

- a notificação deve advertir o terceiro de que o crédito penhorado fica à ordem do agente de execução;

- a notificação deve indicar expressamente o prazo, referido no nº 3 do art. 773º do CPC, de que o terceiro dispõe para prestar declarações na execução acerca do crédito penhorado;

- a notificação deve indicar expressamente a cominação prevista no nº 4 do art. 773º do CPC, para a eventualidade de o terceiro nada dizer na sequência da penhora;

- firmada na acção executiva a existência do crédito penhorado, seja por ter sido reconhecido expressamente pelo terceiro, seja por este se ter remetido ao silêncio, fica o terceiro obrigado, assim que a dívida se vença, a depositar a respectiva quantia em instituição de crédito à ordem do agente execução e a comprovar esse depósito nos autos, conforme prescreve o nº 1 do art. 777º do CPC;

- caso o terceiro assim não proceda, sujeita-se a ser objecto de execução destinada a obter a quantia cujo depósito omitiu, podendo tal execução (execução derivada) ser instaurada pelo exequente original (ou por quem haja adquirido o crédito, se este já tiver sido vendido ou adjudicado), havendo título executivo nos termos definidos no nº 3 do art. 777º do CPC[16][17].

O quadro acabado de enunciar é totalmente pacífico, tanto na doutrina[18] como na jurisprudência[19].

Nesta conformidade, considerando a própria evolução legislativa de que se deu conta supra, é importante assinalar que “o acto de penhora de créditos na acção executiva não integra:

i) a menção expressa do regime de ineficácia de actos de disposição ou extinção do crédito penhorado[20];

ii) a menção expressa do dever de proceder ao depósito”.

 

2.1.2. Do arresto de créditos e seu confronto com a penhora de direitos

Como já se referiu, o arresto “consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora”.

E o art.º 622.º, n.º 2, do Código Civil dispõe que ao arresto “são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora”.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa fornecem-nos a seguinte formulação acerca do arresto:

“O arresto tanto pode ser requerido por dependência de uma ação declarativa destinada a obter a condenação no cumprimento de obrigação, como de ação executiva cujo objeto seja o cumprimento coercivo de obrigação imposta por sentença ou resultante de qualquer outro título executivo. Consiste numa apreensão judicial de bens do devedor capaz de antecipar os efeitos derivados da penhora, com vista a garantir o efeito útil da sentença condenatória que o credor procurará obter ou dos meios de cumprimento coercivo de obrigações (art. 619º do CC). Para o efeito, uma vez efetuado o arresto, os atos de disposição são ineficazes em relação ao credor e sem prejuízo das regras do registo (art. 622º do CC)”[21].

Abrantes Geraldes assinala (em Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimentos cautelares especificados, IV Vol., 4ª ed., pág. 213), “[d]ecretado o arresto, deve ser feita a apreensão dos bens referidos na decisão. (...) O arresto constitui uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução. Tal como ocorre com os bens penhorados, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao credor (art. 622.º do CC), derivando da apreensão uma situação de indisponibilidade relativa”.

Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., pág. 146), “Ao requerer o arresto, o credor indica os bens do devedor sobre os quais ele deve incidir (art. 392-1), consistindo o arresto na sua apreensão judicial; antecipando a penhora a efetuar na futura ação executiva, o ato de apreensão está sujeito ao regime processual da penhora”.

Para Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., págs. 235-236), o arresto é uma providência “cuja finalidade específica é garantir a realização de uma pretensão e a assegurar a sua execução”, que “consiste na apreensão judicial de bens” e a que “são aplicáveis as disposições relativas à penhora”.

Feitas estas considerações legais e doutrinárias, facilmente se conclui que nenhuma diferença há a considerar entre a penhora de créditos e o arresto de créditos.

Com efeito, sempre que, no âmbito do respectivo procedimento cautelar, seja decretado o arresto de um crédito que o devedor detenha sobre terceiro, tudo se passa aí como se, em vez do arresto e do procedimento cautelar, tivéssemos uma penhora e uma acção executiva.

Num caso e noutro, tudo é igual, como resulta da conjugação do disposto nos art.ºs 773.º, 777.º e 391.º, n.º 2, do CPC com o disposto no art.º 622.º, n.º 2, do C. Civil.

“Na verdade, aquilo que ocorre no âmbito e por efeito da notificação a realizar, seja quanto às formalidades propriamente ditas (observando-se as regras da citação  pessoal), seja quanto ao teor da comunicação a dirigir ao notificando (fazendo-o ciente de que o crédito pendente sobre si fica à ordem do agente de execução), seja quanto às advertências a assinalar (prazo de que o notificando dispõe para responder e cominações em que incorre, se nada disser), bem assim, em havendo reconhecimento da dívida, quanto à vinculação ao dever de depositar a importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução — tudo é exactamente igual, trate-se da penhora de um crédito numa execução, trate-se do arresto de um crédito num procedimento cautelar.

Consequentemente, até por inexistir qualquer razão em contrário, também num e noutro caso será igual a situação em que se encontrará o terceiro notificado quando, nessa decorrência e tendo havido reconhecimento do crédito pendente sobre si, não cumprir o dever de proceder ao depósito prescrito no nº 1 do art. 777º do CPC.

A razão é simples: se tanto o arresto como a penhora do crédito, quando haja reconhecimento desse crédito, importam que, no vencimento da obrigação, o terceiro proceda ao depósito da quantia de que é devedor, é inevitável que o incumprimento dessa obrigação pelo terceiro notificado do arresto do crédito o coloque à mercê da execução regulada no nº 3 do art. 777º do CPC.

Tal execução - que, como dito anteriormente, será uma execução derivada - terá em vista gerar, por via coerciva, o estado de coisas que existiria nos autos (de execução ou de procedimento cautelar) se acaso o terceiro notificado tivesse cumprido voluntariamente e, assim, tivesse colocado ao dispor dos autos a quantia de que é devedor”.

Assim sendo, se tal desiderato não foi alcançado voluntariamente, então poderá sê-lo coercivamente, mediante o impulso adequado, não fazendo sequer sentido equacionar outra hipótese.

“Aliás, mal se compreenderia que, para a mesma situação - incumprimento do dever de depositar à ordem do agente de execução quantia correspondente à dívida cujo crédito foi apreendido em processo judicial -, houvesse regimes diferentes, conforme se tratasse de um arresto ou de uma penhora.

Seria incompreensível que, apreendido judicialmente determinado crédito e notificado o devedor nos termos e para os efeitos acima analisados, o incumprimento  do dever de depositar a quantia correspondente - incumprimento que sempre teria a mesma natureza e significado - ficasse sujeito a distintos regimes.

E ainda mais incompreensível seria se tivermos presente que, em ambos os casos, o interesse a proteger é o mesmo: tanto o arresto como a penhora estão (ao) serviço do credor que requereu o procedimento ou que instaurou a execução”[22].

Nem se argumente, em sentido contrário, com a provisoriedade do arresto, nem com a necessidade da sua conversão em penhora nos termos do art.º 762.º do CPC[23].

 É que, como vimos, nada distingue um arresto de crédito de uma penhora de crédito, salvo o meio processual em que cada um tem lugar, pois esta última ocorre no âmbito de uma acção executiva, enquanto o primeiro surge num procedimento cautelar, sendo que é a própria lei a submeter o arresto às disposições da penhora (art.º 391.º, n.º 2, do CPC), o que leva a melhor doutrina a qualificá-lo como uma “penhora antecipada”[24].

A provisoriedade do arresto não deve ser critério, pois o legislador não o quis, face ao teor do art.º 777.º, n.º 3, do CPC.

Ao contrário do que pode parecer, a “conversão do arresto em penhora a que alude o art.º 762.º do CPC tem um significado essencialmente formal, sendo um mero expediente técnico destinado a submeter à designação processual correspondente (penhora) a situação (de apreensão) em que os bens já se encontram (desde que foram arrestados).

Como expediente que é, destina-se a assinalar que a apreensão de bens já existente na ordem jurídica passa a estar sob os autos da execução, à qual é apenso o arresto nos termos do art.º 364.º, n.º 2, do CPC.

E todos os efeitos inerentes à penhora retroagem à data do arresto (n.º 2 do art.º 822.º do Código Civil), com as legais consequências, nomeadamente na questão da prioridade no pagamento (n.º 1 do mesmo artigo) – “assim se confirmando, pois, que o arresto é uma penhora antecipada”.

É forçada a tentativa de fazer uma discriminação entre o arresto do crédito e penhora de crédito, tratando de modo diferente situações que são absolutamente similares.

É, pois, de rejeitar o entendimento segundo o qual a conversão do arresto em penhora é condição da formação do título executivo previsto no n.º 3 do art.º 777.º do CPC, jamais sendo exigível um requisito de exequibilidade que a própria lei não prevê, nem o legislador quis prever.


Em face do que se deixou dito, é possível assentar no seguinte regime do arresto de créditos:

1.º- o arresto de um crédito faz-se por via da notificação ao terceiro (pretenso) devedor do requerido no procedimento cautelar, com a indicação de que o crédito fica à ordem do agente de execução;

2.º - tal notificação é realizada com as formalidades da citação pessoal;

3.º - o terceiro é advertido do prazo de que dispõe para prestar declarações nos autos em que o arresto ocorreu;

4.º - o terceiro é advertido das consequências do seu silêncio;

5.º - uma vez reconhecido nos autos (por via expressa ou por via da falta de resposta) o crédito arrestado, fica o terceiro obrigado, assim que se vença a obrigação, a proceder ao depósito da respectiva quantia em instituição de crédito à ordem do agente de execução;

6.º - em caso de incumprimento desse dever, isto é, se não proceder a tal depósito, o terceiro poderá ser alvo de uma execução destinada a exigir a prestação em falta;

7.º - tal execução fundar-se-á no título executivo formado nos termos definidos no n.º 3 do art.º 777.º ex vi n.º 2 do art.º 391.º, ambos do CPC.

Ora, foi precisamente no título assim formado que se baseou a execução a que respeitam os presentes embargos.

Vejamos, pois, o caso dos autos, reapreciando o acórdão recorrido, tendo em vista a resolução da 1.ª questão suscitada no recurso.


2.1.3. O caso dos autos

Procedendo ao encadeamento lógico e cronológico dos factos provados com interesse para a decisão, importa realçar aqui que deles consta, resumidamente, o seguinte:

- em 26 de Maio de 2014, a J. Soares Correia- Armazéns de Ferro, S.A., instaurou um procedimento cautelar de arresto contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A. (n.º 4);

-  nesse procedimento, foi determinado, em 11/6/2014, o arresto de créditos (vencidos e   futuros) da Construções Europa Ar-Lindo sobre o Município da Trofa (n.º 5);

- em 18 de Junho de 2014, o Município da Trofa foi notificado do arresto, mediante comunicação do Agente de Execução, com indicação precisa do procedimento em causa e de tudo o mais pertinente (n.º 6);

- tal notificação foi feita respeitando as formalidades da citação pessoal;

- o Município da Trofa foi advertido de que se consideravam arrestados os créditos, vencidos e futuros, da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sobre o Município da Trofa, ficando tais créditos à ordem do Agente de Execução, até ao montante de 599.083,56 €[25];

- o mesmo Município foi advertido do prazo (10 dias) de que dispunha para prestar declarações nos autos em face dessa notificação;

- o Município da Trofa foi advertido de que, nada dizendo, se entendia que reconhecia a existência da obrigação;

- o Município foi, ainda, advertido do teor do n.º 3 do art.º 777.º do CPC, no sentido de que, não sendo cumprida a obrigação, poderia vir a ser alvo de execução fundada em título executivo formado nos termos referidos nesse preceito e reproduzidos na notificação;

- o Município da Trofa respondeu e reconheceu a existência de crédito da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sobre si (n.º 7);

- nessa sequência, em 25/6/2014, o Agente de Execução dirigiu nova notificação ao Município da Trofa, salientando expressamente que os créditos futuros estavam arrestados (n.º 8);

- apesar de ter sido devidamente notificado e advertido no âmbito do arresto acima referido, o Município da Trofa não cumpriu aquilo que lhe foi determinado;

- por um lado, à medida que se foram vencendo os créditos da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sobre si, o Município não deu cumprimento ao n.º 1 do art.º 777.º e, portanto, não depositou os valores correspondentes à ordem do Agente de Execução;

-  por outro lado, no período decorrido entre 5/8/2014 e 30/10/2014, o Município da Trofa fez seis pagamentos à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., os quais totalizaram 512.932,13 € (n.º 34);

- todos esses pagamentos ocorreram depois de consumado o arresto e sem que nos autos de arresto tivesse sido dirigida ao Município qualquer notificação no sentido de que o arresto tinha sido levantado.


Em face destes factos, é possível tecer as seguintes considerações:

- o arresto de créditos da sociedade Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sobre o Município da Trofa teve lugar em 17/6/2014, tendo-se consumado pela notificação remetida, nessa data, pelo Agente de Execução, a que seguiu ainda nova notificação, enviada a 25/6/2014;

  - a notificação foi perfeitamente regular, seja quanto às formalidades observadas, seja quanto ao teor das informações transmitidas ao Município, nos termos supra referidos;

- em virtude dessa notificação, o Município da Trofa ficou ciente de que:

- os créditos (presentes e futuros) da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., sobre si estavam arrestados;

- tais créditos passavam a estar à ordem do Agente de Execução;

- tais créditos deixavam de estar na disponibilidade da Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

- o Município estava inibido de realizar quaisquer pagamentos à Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

- eventuais pagamentos feitos nessa sequência à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., não exoneravam o Município da Trofa da sua obrigação;

- vencidas as obrigações relativas aos créditos arrestados, o Município deveria disponibilizar as respectivas quantias, depositando-as à ordem do Agente de Execução;

- incumprindo esse dever de depósito, o Município da Trofa colocava-se em posição de vir a ser executado, destinando-se tal execução à obtenção dos valores deixados de depositar.

- ao proceder como procedeu, e não depositando à ordem do Agente de Execução as quantias que se venceram entretanto (entre 5/8/2014 e 30/10/2014), o Município da Trofa violou a notificação do arresto que lhe foi dirigida e não cumpriu o n.º 1 do art.º 777do CPC[26];

- devido a esse procedimento, o Município da Trofa colocou-se na contingência de vir a ser executado, havendo título executivo para tal, nos termos do n.º 3 do art.º 777.º do CPC[27].

Como já se referiu, o título executivo previsto nesse normativo constitui-se ipso iure, nos termos aí definidos, sendo errado o entendimento do acórdão recorrido, na senda de Lebre de Freitas, de que só haveria título depois de instaurada a execução e depois de convertido o arresto em penhora, o que configura uma exigência absurda e totalmente contrária à lei.

Concluímos, assim, pela existência de título executivo, contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, pelo que procede esta questão.


2.2. Do 2.º PER

Para melhor compreensão, atentemos no que consta/resulta dos factos provados relativamente a esta questão:

- em 6/7/2015, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., instaurou acção executiva contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., para a cobrança de 599.083,56 €;

- nos embargos de executado que deduziu após a sua citação, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., confessou integralmente o crédito invocado nessa execução pela credora J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A.;

- por despacho de 14/7/2015, foi ordenada apensação dos autos de arresto a tal acção executiva;

- em 30/9/2015, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., instaurou execução contra o Município da Trofa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 777.º do CPC;

- a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., deu entrada a novo PER (doravante, 2.º PER), em cujo âmbito veio a ser nomeado, em 22/9/2015, Administrador Judicial Provisório;

- nesse 2.º PER, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A, relacionou sob o n.º 155 da respectiva lista, e pelo montante de 599.083,56 €, o crédito da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., (sendo que tal montante corresponde à quantia peticionada na execução instaurada por esta contra aquela em 6/7/2015);

- em 13/10/2015, foi decretada a suspensão da execução da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., em virtude desse 2.º PER, mais concretamente da nomeação de Administrador Judicial Provisório;

- em 24/6/2016, foi proferida sentença de homologação do plano de recuperação no âmbito desse 2.º PER requerido pela Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

- em 4/10/2016, foi proferido despacho a julgar extinta a instância do procedimento cautelar em que era requerida a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., a pretexto da mencionada homologação do plano de recuperação;

- em 19/10/2015, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., requereu que a execução por si instaurada contra o Município da Trofa prosseguisse os seus termos;

- tal requerimento foi deferido por despacho de 6/1/2016, tendo sido determinado que o Agente de Execução fosse notificado para actuar em conformidade.


No acórdão recorrido considerou-se que:

- a homologação do plano de recuperação no 2.º PER põe termo à execução proposta pela J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

- essa extinção da execução estende-se ao procedimento de arresto requerido pela J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., e que estava apenso à referida execução;

- estes efeitos extintivos repercutem-se sobre a execução proposta pela J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra o Município da Trofa porque:

- a execução contra o Município é dependente daquela outra;

- a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., só poderia executar o Município da Trofa depois de executar a Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

- a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., não tem título executivo contra o Município da Trofa;

- a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., só obteria esse título depois de, na execução contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., penhorar o crédito desta sobre o Município da Trofa e, assim, ter lugar a conversão do arresto em penhora;

- tal conversão do arresto em penhora não chegou a ocorrer e já não é mais possível;

- é que, com a extinção da execução da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., determinada pelo n.º 1 do art.º 17.º-E do CIRE, fica prejudicado qualquer desenvolvimento processual.


Com o devido respeito por tal entendimento, afigura-se-nos que o acórdão recorrido padece de vários equívocos, como resulta do confronto com o que dissemos anteriormente, quanto à dimensão do arresto de créditos, ao seu regime, aos seus efeitos, à sua natureza de penhora antecipada e às circunstâncias em que opera o regime do n.º 3 do art.º 777.º do CPC.

O requerente do arresto de um crédito que venha a ser reconhecido tem inteiras condições para, por si e com estrito fundamento no título executivo consagrado no n.º 3 do citado art.º 777.º, “instaurar execução contra o terceiro devedor, não sendo exigível que esteja já pendente a execução principal, tão-pouco que ocorra a conversão do arresto em penhora”.

Acresce que, no caso, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., até propôs a execução contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., ocorrendo a conversão do arresto em penhora[28].

Acresce, ainda, que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., propôs execução contra o Município da Trofa com base no título executivo que se formou contra este nos termos definidos no n.º 3 do art.º 777.º do CPC.

Tendo sido proposta tal execução, o dinheiro nela obtido só deixaria de ser destinado à a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., (exequente e anteriormente arrestante) “numa estrita condição”: se no confronto da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., com a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., - titular do crédito que pendia sobre o Município da Trofa e que foi objecto de arresto -, “fosse de concluir que aquela, afinal, não é (já não é ou deixou de ser) credora desta ou, ao menos, se houvesse qualquer motivo para concluir que não lhe podia ser atribuída tal quantia.

Com efeito, o dinheiro obtido por via do arresto passou a estar ao dispor da execução e destinava-se a ser entregue à exequente, nos termos previstos no art.º 798.º do CPC.

Tal não sucederia, atento o disposto no art.º 779.º, n.ºs 3 e 4, aplicável ex vi do art.º 777.º, n.º 5, ambos do CPC, se fossem julgados procedentes embargos da executada.

A exequente só deixaria de ser paga através da quantia assim obtida se ocorressem circunstâncias que, à luz do direito material, impusessem a conclusão de que o crédito exequendo se extinguiu – por exemplo, por ter havido perdão da dívida ou já ter sido paga, caso em que deixaria de ser credora.

Ora, é inequívoca e indiscutível a dívida da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., perante a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., tendo sido, aliás, confessada por aquela.

Isto quer dizer que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., sempre seria paga do seu crédito na execução que instaurou contra a Construções Europa Ar-Lindo, S.A..

Acontece, porém, que esse pagamento passará a ser feito através da execução derivada que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., instaurou contra o Município da Trofa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 777.º do CPC, em virtude de este não ter cumprido a obrigação de depósito previsto no n.º 1 do mesmo preceito.

Será que esta execução derivada está abrangida pelos efeitos do 2.º PER?

Afigura-se-nos que a resposta só pode ser negativa.

Desde logo, porque a devedora inicial Construções Europa Ar-Lindo, S.A., não é parte na execução derivada, não se vislumbrando o motivo por que há-de estar abrangida pela previsão do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE. O acórdão recorrido também não o diz, apesar de falar em execução derivada por referência à execução original (esta, sim, extinta em virtude da aprovação e homologação do plano de recuperação daquela devedora nos termos do invocado preceito).

O art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE apenas “obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Este regime abrange somente os processos de cobrança que digam respeito à “empresa” que requereu o processo especial de revitalização – no caso a Construções Europa Ar-Lindo, S.A. -, não sendo próprio nem conforme à lei alargá-lo a outros processos de cobrança que visem outras entidades.

A execução derivada foi instaurada contra o Município da Trofa, que não está, obviamente, abrangido por aquele regime.

A circunstância de ela ter na sua génese um crédito que a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., tinha sobre aquele Município não passa disso mesmo – uma mera circunstância.

Acresce que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., consolidou na sua esfera jurídica o direito de ser paga pelo crédito sobre a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., através da execução que instaurou contra o Município da Trofa, nos termos já referidos.

O desenvolvimento e o desfecho dessa execução em nada beliscam o mencionado PER e o plano de recuperação aí homologado.

O sentido do n.º 1 do art.º 17.º, n.º 1, acima citado e parcialmente transcrito, é somente focado na entidade sobre que versa e é o seguinte: “num primeiro momento, obstar ao prosseguimento dos processos  de cobrança, evitando a perturbação das negociações a encetar; num segundo momento, se for aprovado o plano de recuperação, sujeitar os credores a esse plano e impedir a sua frustração mediante investidas contra o património do devedor.”

Nenhum destes riscos se coloca pelo facto de correr termos a execução entre a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., e o Município da Trofa.

Acrescem, ainda, mais duas particularidades, também ignoradas no acórdão recorrido.

Por um lado, sendo paga do seu crédito sobre a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., por via da execução que intentou contra o Município, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. até deixará de concorrer com os demais credores da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., submetidos ao plano de recuperação homologado e expectantes de que o mesmo seja honrado por esta.

E deixando a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., de “constar” do elenco de credores, os demais ficam numa posição melhor do que teriam no caso inverso.

Por outro lado, importa ter presente que aquilo que o regime do PER consagra é um plano de recuperação. Nada mais.

Nesse domínio, “não há qualquer definição no que respeita à cobrança de activos de que seja titular a entidade objecto do PER, contrariamente ao que sucede na insolvência, em que se providencia também pela cobrança dos valores devidos à massa insolvente”.

De nada serve pensar que, num plano de boa gestão, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., cuidaria de cobrar o seu crédito sobre o Município, obtendo condições económicas que poderiam contribuir para o melhor cumprimento do plano de recuperação.

É que, conforme consta do n.º 34 dos factos provados, o Município da Trofa, violando ostensivamente os termos do arresto, fez entregas à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., no montante de 512.932,13 €, alegadamente para pagar facturas relativas a serviços realizados por esta.

Quer isto dizer que, ainda que o Município da Trofa haja pago indevidamente esses valores, o certo é que a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., os recebeu, pelo que está afastada qualquer veleidade de esse montante vir a ser novamente cobrado e usado para cumprir o plano de recuperação e as condições de reembolso nele fixadas.

E não se diga que o Município da Trofa já cumpriu a sua obrigação, pelo que não deve ser objecto da execução que lhe foi movida pela J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A..

Nada permite fazer tal afirmação.

Na verdade, tal como foi exemplarmente explanado na sentença de 1.ª instância, “não se encontra qualquer norma que possa sustentar a posição assumida pelo embargante [Município] de proceder ao pagamento de créditos directamente à  credora [Ar-Lindo], quando, por força do arresto, os mesmos se consideram apreendidos à ordem do procedimento cautelar respectivo”.

Agindo como agiu, violando os termos do arresto de que foi regularmente notificado, o Município da Trofa mais não tem do que se sujeitar às inerentes consequências.

Aliás, é seguro e resulta da conjugação do disposto no n.º 2 do art.º 622.º com o art.º 820.º, ambos do Código Civil, que “a extinção de algum crédito penhorado (ou arrestado) por causa dependente da vontade do executado (ou requerido no procedimento de arresto) ou do seu devedor, verificada depois da penhora (ou depois do arresto) é inoponível à execução (ou ao arresto)”.

De resto, a censurabilidade da conduta do Município, que fez sujeitá-lo à execução que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., instaurou contra si, não se limitou à violação dos termos do arresto e da inerente obrigação de depósito das quantias, conforme se foram vencendo.

O Município da Trofa foi mais longe, declarando falsamente, no apenso A, em 28/9/2015, que:

i) cumpriu a ordem judicial de arresto e não procedeu ao pagamento do direito de crédito arrestado ao credor;

ii) mantinha a quantia arrestada na disponibilidade e à ordem do tribunal, até que recebesse despacho em sentido contrário (cfr. n.º 25 dos factos provados).


Resulta do exposto que o referido Município jamais poderia beneficiar da recuperação da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., ao abrigo do regime do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE, nem do pagamento que fez directamente à mesma, em manifesta violação da obrigação decorrente do arresto e com afronta à lei e ao Tribunal, pelo que procede esta questão.


2.3. Do 1.º PER

Partindo, mais uma vez, dos factos provados para apreciar a ampliação do objecto do recurso, requerida pelo recorrido, importa recordar aqui que deles consta o seguinte:

- depois de decretado o arresto dos seus créditos, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., deu início a um PER (doravante, 1.º PER), em cujo âmbito veio a ser nomeado Administrador Judicial Provisório;

- nos autos de arresto, em face da notícia da nomeação de Administrador Judicial Provisório, foi proferido despacho a suspender os respectivos termos, sendo tal despacho explícito quanto ao facto de o arresto de créditos se manter e, por isso, o Município dever abster-se de efectuar qualquer pagamento à Construções Europa Ar-Lindo, S.A.;

 - os autos do arresto vieram a retomar a sua marcha, já que o plano de revitalização da Construções Europa Ar-Lindo, S.A., não foi homologado.

- aliás, foi proferido despacho a decretar o prosseguimento dos autos de arresto e, nessa sequência, o Agente de Execução notificou o Município da Trofa em conformidade.


Embora a nomeação de Administrador Judicial Provisório tivesse efeito suspensivo sobre processos de cobrança de dívida (incluindo os procedimentos de arresto), nos termos do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE, este 1.º PER acabou por se tornar inócuo.

Com efeito, depois de ter havido um momento inicial de suspensão nos termos do arresto, tal suspensão cessou, já que não foi homologado qualquer plano de revitalização, o que determinou o encerramento do processo especial de revitalização e a extinção de todos os seus efeitos (cfr. art.º 17.º-G, n.ºs 1 e 2, do CIRE).

Assim, para todos os efeitos, incluindo os referidos sobre esta matéria, tudo se passa como se o 1.º PER nunca tivesse sido requerido.


Improcede, sem necessidade de mais considerações, esta questão.


2.4. Do crédito arrestado

O recorrido sustenta que inexistia o crédito arrestado, reconhecendo apenas o montante de 106.159,65 €, com vencimento no dia 30/7/2014, o qual já se encontrava penhorado à ordem doutro processo.

Porém, sem razão.

Como resulta do que se disse supra, o título executivo foi formado nos termos do n.º 3 do art.º 777.º do CPC e resultou da violação pelo Município da Trofa da notificação do arresto que havia sido decretado e que lhe fora dirigida, não depositando à ordem do Agente de Execução as quantias que se venceram entre 5/8/2014 e 30/10/2014, não cumprindo o disposto no n.º 1 daquele preceito.

Tal título executivo constituiu-se ipso iure, nos termos definidos naquele preceito legal.

Como tal, é irrelevante o invocado contrato de empreitada celebrado entre o Município e a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., tal como o é/são o(s) vencimento(s) de outro(s) crédito(s) anterior(es).

Relevantes são os créditos que se venceram após as notificações de 17/6/2014 e 25/6/2014, sobretudo esta, onde foi salientado expressamente que os créditos futuros estavam arrestados.

E, quanto a estes, é inegável a sua existência, tanto mais que o mesmo Município fez seis pagamentos à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., no valor total de 512.932,13 €, no período decorrido entre 5/8/2014 e 30/10/2014, em clara violação da obrigação de depósito e desrespeito do que lhe fora ordenado.

Aliás, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A, no 2.º PER que requereu, relacionou sob o n.º 155 da respectiva lista, e pelo montante de 599.083,56 €, o crédito da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., (sendo que tal montante corresponde à quantia peticionada na execução instaurada por esta contra aquela em 6/7/2015).

Ao assim proceder, a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., confessou que tinha a correspondente dívida para com a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., com o inerente crédito desta.

Este crédito arrestado, nos termos em que se deixaram ditos, só deixaria de ser pago à J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., através da execução, se:

- a Construções Europa Ar-Lindo, S.A, deduzisse embargos de executado com sucesso, resultando deles que não assistia à J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., o direito de ser paga;

- se viesse a concluir-se que o invocado crédito da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., estava extinto, por razões de direito material (v.g. perdão ou pagamento);

- em virtude de ocorrências processuais assentes na própria vontade da J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., quando essas circunstâncias fossem incompatíveis com um desfecho traduzido no pagamento por entrega de dinheiro (v.g. desistência da instância ou do pedido ou acordo de pagamento em prestações).

Ora, no presente caso, no confronto entre a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. e a Construções Europa Ar-Lindo, S.A, não ocorre, nem se vislumbra, qualquer litígio acerca da existência do crédito daquela sobre esta.

Daqui resulta que a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., poderá ser paga do seu crédito sobre a Construções Europa Ar-Lindo, S.A, podendo tal pagamento operar-se através da execução derivada proposta pela credora J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., contra o Município da Trofa.

Tal crédito já está definido pelos termos em que foi instaurada a execução derivada.

O mesmo é, assim, inequívoco e indiscutível.

E não se mostra extinto.

Por isso, por via do arresto, continua a pertencer à J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., (exequente e anterior arrestante), uma vez que o dinheiro que passou a estar à disposição da execução, por si instaurada, se destinava a ser-lhe entregue, nos termos previstos no art.º 798.º do CPC.

Improcede, assim e sem mais considerações, esta questão.


As restantes questões abordadas na ampliação – atinentes à formalidade do acto e informações que deviam ser prestadas ao terceiro aquando do arresto e as consequências da apresentação dos PERs -, já foram tratadas a propósito do recurso de revista, por estarem conexionadas e serem dele indissociáveis, não merecendo aqui qualquer autonomia.

Improcede, deste modo, a ampliação deduzida.


Sumário:

1. Por força do disposto no n.º 2 do art.º 391.º do CPC, são de observar no âmbito do arresto todas as disposições relativas à penhora, pelo que, tratando-se do arresto de créditos, aplicam-se as disposições contidas nos art.ºs 773.º e 777.º do CPC, valendo para o arrestante o estabelecido para o exequente.

2. Deste modo, o requerente do arresto de um crédito que venha a ser reconhecido tem inteiras condições para, por si e com estrito fundamento no título executivo consagrado no n.º 3 do art.º 777.º do CPC, instaurar execução contra o terceiro devedor.

3. Esta execução destina-se a constituir por via coerciva a situação que existiria se o terceiro devedor cumprisse voluntariamente a obrigação imposta pelo n.º 1 do art.º 777.º do CPC, isto é, a disponibilidade da quantia correspondente ao crédito arrestado.

4. A execução prevista no n.º 3 do art.º 777.º do CPC tem uma feição derivada relativamente ao processo em cujo âmbito ocorreu a apreensão (por penhora ou por arresto) do crédito.

5. Por isso, o exequente de uma execução derivada, tendo instaurado também a execução principal (de que o arresto foi preliminar), só deixará de ser pago por essa via se o executado principal deduzir embargos de executado com sucesso, se vier a concluir-se que o crédito invocado pelo exequente está extinto por razões de direito material ou se sobrevierem ocorrências processuais assentes na sua própria vontade incompatíveis com um desfecho traduzido no pagamento por entrega de dinheiro.

6. O processo especial de revitalização requerido pelo executado original nenhum efeito tem na execução derivada por não estar abrangida pelo art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE.


III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em:

1. Conceder a revista no que se refere à oposição à execução por embargos, que se julga improcedente, com a consequente revogação do acórdão recorrido, quanto a ela, assim repristinando a sentença;

2. Julgar improcedente a ampliação do recurso deduzida, confirmando o acórdão recorrido, nessa parte.


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Custas do recurso e dos embargos pelo recorrido/embargante (art.º 527.º. n.º 1, do CPC).

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Lisboa, 22 de Junho de 2021

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Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, para os efeitos do disposto no art.º 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que compõem este colectivo e que não podem assinar.

Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)


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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca .... – Juízo de Execução …. – Juiz ...
[2] Relator: Juiz Conselheiro Dr. Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Muito elucidativamente, CASTRO MENDES (Direito Processual Civil, IIIº Vol., págs. 383-384) explicava o seguinte: “A extinção da obrigação por algum acto de devedor ou credor (executado), que não coloque o objecto da prestação à disposição do tribunal, é inoponível na acção executiva. Será o caso de o executado perdoar a dívida, ou de o devedor notificado a pagar ao executado”.
[4] Conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, e assim ficou exarado no sumário do acórdão de 26/5/1994 (CJ - STJ, II, pág. 120), “A penhora considera-se efectuada no momento em que o devedor é notificado", e não noutro momento qualquer.
[5] Como é evidente, o que aqui se diz acerca da “preocupação” que deve nortear o terceiro devedor é na pressuposição de que está reconhecida a sua obrigação perante o executado, seja porque a obrigação foi confirmada expressamente pelo terceiro, seja porque este se remeteu ao silêncio e gerou aquele reconhecimento.
[6] Critério e cautela semelhantes perpassam pelo disposto no nº 4 do art. 733º do CPC, evitando o pagamento na pendência dos embargos de executado, salvo havendo caução. Também assim no nº 5 do art. 785º do CPC, no campo, mais restrito, da oposição à penhora. Igualmente no nº 3 do art.  704º do CPC, para a execução de sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
[7]   Desde que asseguradas as despesas da execução (como se exige nos ditos nos 3 e 4 do art. 779º do CPC) e desde que não haja algum credor privilegiado a considerar (hipótese esta ressalvada no nº 1 do art. 798º do CPC).
[8] Cfr. págs. 8 a 11.
[9] Essa execução derivada seguirá os termos gerais. Nesse contexto, o executado derivado - aquele que era devedor do executado original - pode deduzir embargos, sendo mesmo admitido a intentar demonstrar que, afinal, inexistia o crédito penhorado na execução original e que se presumiu existir por força do seu silêncio aquando da notificação da penhora desse crédito - é o que estabelece o no 4 do art. 777º do CPC, questão que aqui não releva. De resto, para efeito da análise vertente, basta raciocinar na pressuposicão de que a execução derivada é bem sucedida, logrando-se realizar valor correspondente ao crédito penhorado.
[10] Citado parecer, pág. 13.
[11] Citado parecer, pág. 15.
[12] Publicado no DR – Série I-A, de 8/2/94, com o seguinte teor: “Quando o devedor de crédito penhorado não tiver prestado, no acto da notificação da penhora, declarações sobre a existência do crédito, as garantias que o acompanham, a data de vencimento e outras circunstâncias que interessem à execução, deve fazê-lo no prazo geral de cinco dias, sob a cominação de se haver como reconhecida a existência da obrigação nos termos em que o crédito foi nomeado à penhora”.
Embora tirado por referência ao CPC de 1961, a sua doutrina mantém inteira actualidade e pertinência.
[13] Págs. 17 a 20.
[14] Embora esse Assento tenha sido motivado pela dúvida acerca do prazo de que dispunha o terceiro notificado para prestar declarações acerca do crédito penhorado, quando não o tivesse feito no próprio acto da penhora, a verdade é que a reflexão então desenvolvida contém pistas muito significativas acerca da própria matéria da penhora de créditos, que se mostram pertinentes para o presente caso.
[15] Aludindo também a isto e referindo que o regime legal de pretérito (o de 1939) foi “considerado desnecessário e até descabido”, LOPES-CARDOSO (Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, reimpressão, p. 436, nota de rodapé 1).
[16]  Este título executivo consagrado no nº 3 do art. 777º do CPC costuma ser designado por judicial imprório, porquanto, formado embora em ambiente judicial, não configura uma decisão — cfr., entre outros, LEBRE DE FREITAS (A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., pág. 79) e PAULO PIMENTA (Processo Civil Declarativo, 3 ed., pág. 57).
[17] Parecer, págs. 20-22.
[18]  Na doutrina, além de ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUIS FILIPE de SOUSA, já citados, pode ver-se: EURICO LOPES CARDOSO (Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressa, págs. 436-443), LEBRE DE FREITAS (A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., págs. 285-288), MIGUEL TEIXEIRA, DE SOUSA (Acção Executiva Singular, págs. 264-273, e Reforma da Acção Executiva, págs. 155-156), FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (Curso de Processo de Execução, 13ª edição, págs. 252-257) e REMÉDIO MARQUES (Curso de Processo Executivo Comum à face do Código revisto, págs. 239-241).
[19] Cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 22/2/2018, processo n.º 329/14.0TBPSR-E.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Por isso, com o devido respeito, afigura-se-nos ser com excesso que LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, pág. 445) sustentam que deve ser indicado ao terceiro devedor “o regime de ineficácia a que os actos dispositivos e extintivos (…) ficam sujeitos”. Pelas razões salientadas no Assento n.º 2/94, esta menção está excluída do teor da notificação que consubstancia a penhora de um crédito em execução. Logo, a sua (natural) omissão é inócua.
[21] In Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 1.ª edição, pág. 464 e 2.ª edição, pág. 484, nota 4).
[22] Parecer, págs. 25-27.
[23] Como fazem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 146, onde abordam esta temática, e Lebre de Freitas, O silêncio do terceiro devedor, ROA, ano 62, II, pág. 394.
[24] O “arresto consiste numa penhora antecipada”. É precisamente esta a formulação de Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimentos cautelares especificados, IV vol., 4.ª ed., pág. 213).
[25] Apesar de, nessa notificação, ter sido usada a formulação “penhorado o crédito”, em vez de “arrestado o crédito”, daí não resultou, nem podia resultar, qualquer vício para o acto. Com efeito, o aspecto nuclear - a nota de apreensão do crédito e a sua colocação à ordem do Agente de Execução - é o mesmo em qualquer dos casos. De resto, a 1.ª e a 2.ª instâncias abordaram esta questão e ambas se pronunciaram neste sentido, o que significa que há dupla conforme quanto à regularidade desta notificação, impedindo o Município da Trofa de suscitar esta questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, pois a isso obsta o n.º 3 do art.º 671.º do CPC.
[26] Ao contrário do que supõe o acórdão recorrido, na informação a transmitir ao terceiro notificado do arresto não se inclui a menção à obrigação de depósito da quantia objecto do crédito arrestado (o que a lei impõe, como se referiu e foi incumprido, é a indicação de que o crédito fica à ordem do Agente de Execução). Daí que não tenha cabimento a particular ênfase que deu a este aspecto, tirando indevidas e erradas consequências de uma pretensa omissão que não existe, pois só pode falar-se em omissão de alguma coisa quando esta deva existir!
[27] Recorda-se que o título executivo previsto no n.º 3 do art.º 777.º do CPC constitui-se ipso iure, nos termos aí definidos, sendo errado o entendimento do acórdão recorrido, na senda de LEBRE DE FREITAS, de que só haveria título depois de instaurada a execução e depois de convertido o arresto em penhora, o que configura uma exigência absurda e totalmente contrária à lei.
[28] Na certeza de que tal conversão não passa de uma mera formalidade, sem qualquer natureza constitutiva ou outra que obste ao que aqui se defende, e não sendo, em qualquer caso, condição para se constituir sobre o Município o título executivo previsto no n.º 3 do art.º 777.º do CPC.