Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
127/10.0TBPDL.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
DEVER DE INFORMAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
CONTRA-ORDENAÇÃO
CASO JULGADO
OPONIBILIDADE
CONSTITUCIONAL
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO - INFORMAÇÃO - OFERTAS PÚBLICAS / PROSPECTO ( PROSPETO ) - MERCADOS REGULAMENTADOS.
DIREIRO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- Lopes do Rego, Comentário ao “Código de Processo Civil”, Almedina, Dezembro de 1999, 448.
- Manuel Andrade, Em Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 1963, 26.
- Paulo Câmara, Manual dos Valores Mobiliários, Almedina, 731 e 732.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Volume I, 4.ª edição, 58 e 59.
*
- Parecer n.º 71/76, da P.G.R.,de 8-7-1976, BMJ 263.º, 103.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 3, 371.º, 483.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 579.º, N.º1, 623.º, 682.º, N.º1.
CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CDVM): - ARTIGOS 2.º, 7.º, 243.º, 244.º A 251.º, 379.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.ºS 8/2012, 310/2005 E 247/02, ACESSÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I - O regime do disposto no art. 623.º do CPC não deve ser aplicado em caso de condenação definitiva de um sujeito em processo de contra-ordenação.

II - A violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários.

III - Não constituindo o art. 7.º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha, no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao art. 251.º (com a correspondente remissão para o art. 243.º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários.

IV - Deveriam, pois, aplicar-se à situação os prazos de caducidade definidos no art. 243.º, al. b) (ex vi do art. 251.º do Código de Valores Mobiliários).

V - O art. 243.º do Código de Valores Mobiliários não é inconstitucional.
Decisão Texto Integral:

                                      

                                                           Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                       1-1- AA, …, S.A., propôs a presente acção com processo ordinário contra Banco BB, S.A., sociedade aberta, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 35.162.646,26, acrescida de juros a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

                 Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 20/6/2000, a A. adquiriu à sociedade “CC, SA” que, por sua vez, detinha a “DD, SA”. Entre Fevereiro e Março de 1999, a “DD, SA” adquiriu em bolsa 2.200.000 acções representativas do capital social do BBB (de ora em diante “acções BBB”), escriturais e nominativas, pelo preço total de € 59.851.209,00, através de financiamento concedido pelo Banco EE. Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o EE, a “DD, SA” constituiu, a favor deste Banco, penhor sobre as mencionadas acções e ainda sobre outras acções de que era também titular. Em Novembro de 1999, ocorreu o split das acções, passando a “DD, SA” a deter cinco novas acções por cada uma das antigas, ou seja, passou a deter 11.000.000 «acções BBB». Em Abril de 1999, a “DD, SA” adquiriu mais 188.180 acções representativas do capital social do BBB («acções BBB»), escriturais e nominativas, pelo preço total de € 997.589,18. Em 15/12/2000, obtido o consentimento da ora R., a “DD, SA” transmitiu à ora A. a posição que detinha nos contratos de mútuo acima identificados, bem como as «acções BBB» da sua titularidade, que se mantiveram empenhadas a favor do Banco. Em 2001, no âmbito da “Campanha Accionista 2001”, a A. adquiriu 895.054 «acções BBB», escriturais e nominativas, pelo preço total de € 3.840.743,81, tendo para o efeito celebrado com a R. um contrato de mútuo, com penhor, para garantia do cumprimento do empréstimo concedido. Acontece que, e ao contrário do que foi assegurado por representantes da R. aos administradores e accionistas quer da “DD, SA”, quer da A., as «acções BBB» não só não se valorizaram, como sofreram uma descida abrupta da cotação. O valor da «acção BBB» que, a partir de 2000, se afastou progressivamente do preço de aquisição, combinado com o custo do pagamento pela A. (que assumiu a posição contratual da “DD, SA” nos contratos de financiamento atrás mencionados) dos juros dos empréstimos concedidos para as aquisições, determinou uma enorme fragilidade na situação económica da A. que culminou com a venda em 2007 da totalidade das acções representativas do capital social da A. à “FF – …, SA”. A “FF, SA” acabou por vender ao “Banco GG, SA” todas as «acções BBB» que a A. detinha, com o propósito exclusivo de estancar os prejuízos acumulados pela A. com a aquisição daquelas acções. O preço da venda (€ 34.920.546,26) foi integralmente entregue à R. para pagamento da dívida da A. resultante dos encargos com os empréstimos contraídos para a aquisição das «acções BBB». Ainda assim, a A. continua devedora perante a R. da quantia de € 19.398.528,91, a título de capital, bem como de € 1.621.142,59, a título de juros. Mais alega que a actuação da R. não foi orientada no sentido de considerar os legítimos interesses dos seus clientes e, nomeadamente, os da “DD, S.A.” e os da A., já que a R., sem atender ao perfil da “DD, S.A.”, nem à respectiva situação financeira, e visando apenas angariar novo accionista e vender acções representativas de cerca de 1% do seu capital social, induziu aquela sociedade a comprar «acções BBB», a contrair crédito e a dar de penhor todas as «acções BBB», entretanto adquiridas. A “DD, S.A.”, nunca teria celebrado os contratos de compra, mútuo e penhor se não fossem os argumentos repetidamente usados pela R. para demonstrar e a convencer de que aqueles negócios não apresentavam risco e ofereciam rentabilidade. Por outro lado, segundo a CMVM, na informação divulgada ao público, entre 1999 e 2007, a R. ocultou prejuízos sofridos, evidenciou proveitos indevidos (porque cobrados, mas não pagos) e ocultou a detenção efectiva e por si própria de «acções BBB». Também de acordo com a CMVM, a R. apresentou entre 1998 e 2008, resultados líquidos empolados e sobreavaliados e não revelou a quantidade de acções próprias “parqueadas” nas offshore Cayman e outras. Ao adquirir as «acções BBB», a “DD, S.A.”, e a A. contaram com as flutuações normais do mercado e não com as cotações artificialmente criadas pela R. A valorização das «acções BBB» artificialmente criada pela R. produziu na “DD, S.A.”, e na A. a convicção de que a aquisição de acções BBB era efectivamente um negócio de baixo risco e, sobretudo, um bom investimento. Se a “DD, S.A.”, e a A. houvessem conhecido a cotação real dessas acções, nunca teriam celebrado os contratos de aquisição das «acções BBB». A R. actuou com culpa, ao induzir a “DD, S.A.”, e a A. a adquirirem acções cujo valor de mercado estava ficticiamente empolado e a contraírem empréstimos em ordem a financiar aquelas aquisições. Depois de descontado o montante de € 9.835.799,96, correspondente ao valor dos dividendos obtidos em virtude da detenção das «acções BBB», o dano da A. corresponde à desvalorização das «acções BBB» adquiridas através de financiamentos propostos, negociados ou concedidos pela R. e ao montante dos juros pagos nos termos desses financiamentos, bem como daqueles que ainda terá de pagar. A A. viu-se forçada a alienar as 12.083.234 «acções BBB» que havia adquirido. O preço da alienação foi integralmente utilizado para amortizar a dívida da A. para com a R. O preço médio de compra por «acção BBB», objecto do presente processo, foi de 5,35 €, enquanto o preço médio de venda por acção foi de 2,89 €. Assim, a menos-valia sofrida pela autora foi de 2,46 euros por acção, o que, multiplicado pelas 12.083.234 acções, totaliza € 29.724.755,64. Para além da menos-valia apurada, há ainda que ter em conta os prejuízos consistentes nos juros, pagos e a pagar, pelos empréstimos contraídos com o objectivo de adquirir as «acções BBB». Tais juros ascendem a € 15.273.690,58 (€ 13.652.547,99, de juros pagos, mais € 1.621.142,59, de juros a pagar entre 2010 e 2012). Como referido, a A. recebeu € 9.835.799,96, a título de dividendos, pelo que o prejuízo sofrido pela A., sem embargo do que se vier a apurar em execução de sentença, se cifra em € 35.162.646,26.

                       

                       O R. contestou, tendo, para além do mais, excepcionado a ilegitimidade da A. quanto ao pedido de indemnização, tendo por causa de pedir a “intermediação excessiva”, sustentando que, face ao alegado na petição inicial, é a “DD, SA”, e não a A., a titular do correspondente direito de indemnização, uma vez que quando esta sociedade transmitiu à A. as acções e a posição que detinha nos contratos de mútuo garantidos pelo penhor não lhe transmitiu o direito a qualquer indemnização, nomeadamente o resultante de intermediação excessiva, a prescrição do direito decorrente da alegada informação sem qualidade, por ter já decorrido o prazo previsto no art. 243º, al. b), do CdVM e a prescrição dos demais direitos por terem decorrido mais de três anos sobre o conhecimento por parte da A. do direito invocado.

                       

                       Na réplica, a A. respondeu à matéria das excepções deduzidas, concluindo pela sua improcedência.

                       O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                       Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente condenando-se o R. a pagar à A. a quantia que se vier a apurar em sede de execução da sentença, correspondente à diferença do preço por que a A. adquiriu as 12.083.234 acções aqui em causa e as vendeu, sendo que no preço não se incluirão as taxas de corretagem e bolsa e respectivo imposto de selo. Condenou-se também o R. a pagar à A. a quantia que se vier apurar em sede de execução desta sentença e correspondentes ao juros pagos pela A. relativamente aos contratos de mútuo referidos em 16 e 32 dos factos provados e apenas quanto aos resultantes das prorrogações do pagamento dos mesmo referidos em 39 a 41 dos mesmos factos. Condenou-se ainda o R. no pagamento dos juros, calculados à taxa comercial sobre as quantias apontadas acima e a contar da data da sua liquidação e até integral pagamento. No mais absolveu-se o R. do demais peticionado.             

                       1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o Banco R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 16-6-2015, julgado parcialmente procedente o recurso, considerando-se procedente a excepção da caducidade e, em consequência, absolveu-se o R. do pedido.                

                       

                       1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                      A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        “QUESTÃO PRÉVIA

                       1) Ao alterar o ponto 91 da decisão de facto da Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, donde passou a constar a referência ao EE, deixando de fazer menção à Ré, BBB, o Tribunal da Relação deveria ter especificado nos pontos 92, 93, 97 e 98 daquela decisão que os mesmos se referem ao BBB e não ao EE.

                       2) Por configurar uma inexactidão devida a omissão ou lapso manifesto, deve ser rectificada a actual redacção dos pontos 92, 93, 97 e 98 da decisão de facto, de forma a que deles conste a referência ao BBB.

                       3) Depois de uma Sentença que analisou substancialmente a questão material subjacente ao litígio, proferindo decisão relativa à responsabilidade civil da Ré e desviando-se da senda de julgamentos baseados em questões puramente formais que tanto tem contribuído para o juízo desfavorável que muitas vezes é formulado acerca da aplicação da lei foi com desapontamento que a Autora, ora Recorrente, recebeu a Decisão recorrenda que absolve a Ré com fundamento na excepção de caducidade.

                        4) O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão ora em recurso, fez tábua rasa da apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal de 1ª Instância, modificando a decisão da matéria de facto em todos os pontos impugnados pela Ré, ora Recorrida, à excepção de três.

                        5) Para o fazer satisfez-se, as mais das vezes, com a mera afirmação não justificada ou esclarecida de que os depoimentos que havia seleccionado "impunham" a alteração à decisão do Tribunal de 1.ª Instância sem qualquer especificação minimamente circunstanciada acerca dos fundamentos para tal "imposição".

                        6) No seu incompreensível afã de alterar a matéria de facto, o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa permitiu-se mesmo ir para além do objecto do recurso interposto pela Ré, ora Recorrida, alterando respostas cuja veracidade não havia sido questionada por esta e omitindo os efeitos da declaração confessória da Ré constante do depoimento de parte reduzido a escrito nos autos.

                        7) Para além de decisões erradas e violadoras da lei civil e processual, cuja fundamentação, ou falta dela, justifica um juízo crítico que assaca ao aresto em recurso uma análise superficial e pouco rigorosa das peças processuais, e alimenta dúvidas sobre uma ponderação equilibrada e equitativa dos argumentos aduzidos por ambas as partes, o Acórdão padece de defeitos estruturais graves que integram o objecto do presente recurso.

            DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO

                        8) Só o erro notório e a desconformidade flagrante entre os elementos de prova produzidos nos autos e a decisão da matéria de facto tomada pelo Tribunal da 1.ª Instância habilitava o Tribunal da Relação de Lisboa a alterar a decisão de facto, nos termos em que o fez.

                       9) É entendimento na Doutrina e Jurisprudência que o princípio da livre apreciação da prova restringe fortemente a possibilidade de o Tribunal de recurso modificar a decisão da 1.ª Instância (Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 13-10-2009, in www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-03-2006, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo 1/2006, Coimbra, página 130 e seguintes; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-09-2005 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-04-2010, ambos in www.dgsi.pt.)

                       10) Nos presentes autos, a matéria declarada provada tinha assento na prova produzida e o raciocínio explicativo da convicção do julgador mostrava-se logicamente fundamentado e exposto com clareza, pelo que a alteração pelo Tribunal da Relação era inviável.

                        11) Assim sendo, a Recorrente não pode deixar de invocar as várias nulidades de que o Acórdão enferma, relativas a alguns pontos da decisão da matéria de facto.

                        12) Assim, o Tribunal a quo alterou a decisão quanto aos pontos 84, 85 e 88 da decisão de facto, julgando-os como não provados.

                       13) Todavia, para fundamentar esse juízo, convoca depoimentos de testemunhas que, ao invés de infirmarem a verdade de tais factos, antes os confirmam, o que deveria ter levado à conclusão lógica e necessária de que a decisão da 1.ª Instância quantos aos pontos em questão era correcta.

                        14) A decisão é, pois, ininteligível para as partes, a quem, em face do teor do Acórdão, está vedado o conhecimento e a determinação do que, afinal, fundamentou aquela decisão.

                        15) Por conseguinte, está-se em face de contradição incompreensível entre os fundamentos da decisão e o teor desta, o que determina a nulidade do Acórdão nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                       16) Também os pontos 91, 99, 101 e 102 da decisão de facto sofreram alteração pelo Tribunal a quo, o qual, no entanto, para justificar tal modificação, se limitou a invocar excertos dos depoimentos de algumas testemunhas ouvidas no processo, não especificando de outro modo os fundamentos para a sua decisão.

                       17) Ao cingir-se à afirmação não fundada de que tais depoimentos impunham de per si a tomada de decisão consagrada no aresto, o Tribunal a quo impediu as partes de conhecer o(s) argumento(s) que estiveram na base da resolução de alterar a decisão do Tribunal de l.ª Instância.

                       18) Tal omissão de fundamento determina a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto na alínea b) do n.º l do artigo 615.º do CPC.

                       19) E ainda que se entendesse que a transcrição dos depoimentos é, por si só, suficiente para alicerçar a decisão do Tribunal a quo, o que não se concede, a verdade é que os próprios depoimentos invocados no Acórdão não preconizam minimamente a modificação quanto aos pontos 91, 99, 101 e 102 da decisão de facto e, antes, confirmam o entendimento do Tribunal de 1ª Instância, existindo, nestes termos, uma manifesta discrepância entre os fundamentos e a decisão sobre os factos, o que constitui a nulidade prevista na alínea c) do n.º l do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                       20) Em relação aos pontos 115 e 116 da decisão de facto, foram estes julgados como não provados pelo Tribunal a quo.

                       21) No ponto 115, ficou por esclarecer o que determinou tal decisão, uma vez que o Acórdão é completamente omisso quanto a qualquer explicação, estando por isso em causa as nulidades consagradas nas alíneas b) e c) do citado artigo 615.º.

                       22) Por seu lado, o ponto 116 não foi objecto de impugnação por parte da Recorrida, pelo que não podia o tribunal de recurso reapreciar o julgamento que foi efectuado pelo Julgador de 1.ª Instância, razão pela qual o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto na alínea d) do já citado artigo 615.º.

                       23) A Ré, ora Recorrida, tão-pouco impugnou o ponto 148 da decisão de facto - o que sempre impediria o Tribunal a quo de alterar a decisão que quanto a ele foi tomada pela 1.ª Instância.

                       24) Ademais, resulta expressamente da Decisão recorrenda que a matéria de facto objecto daquele se encontra confirmado pela prova produzida nos autos - o que, em qualquer caso, determinaria uma resposta diferente daquela que foi dada pelo tribunal a quo.

                       25) Assim sendo, o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em excesso de pronúncia, e tornou a Decisão recorrenda ambígua e contraditória, o que justifica, uma vez mais, que a ora Recorrente invoque nesta parte a nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no disposto nas alíneas c) e d) do já citado artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                       26) Em relação ao ponto 149 da decisão de facto, apesar de considerar o mesmo "irrelevante" para a decisão de mérito, a Ré apenas se insurgiu com o facto de ter sido dada como provada a identidade do adquirente das acções, pelo que estava o Tribunal a quo impedido de tomar a decisão que adoptou.

                       27) Acresce que a resposta dada pelo Tribunal a quo não configura nem uma resposta positiva nem negativa ao quesito em questão, mas antes uma alteração à matéria de facto que nele se inseria, excedendo assim os limites da alegação levada a cabo pela Autora.

                        28) Está-se, portanto, em face de excesso de pronúncia pelo Tribunal a quo, o que determina obrigatoriamente a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto na alínea d) do já citado artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                        29) Mas não é só a referida nulidade que está em causa, uma vez que a decisão do Tribunal a quo no sentido de alterar a matéria quesitada não foi fundamentada, o que significa que, faltando essa fundamentação, incorre o Acórdão em nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                       30) A veracidade dos factos constantes do ponto 150 da matéria de facto decorre, inelutavelmente, dos pontos 14, 21, 22, 104, 31 e 122 dos factos provados, que permitem uma dedução resultante de meras operações aritméticas.

                       31) Assim, ao julgar como não provada a matéria do ponto 150, o Tribunal a quo modificou a resposta em manifesta oposição com a prova constante dos autos, o que torna o Acórdão ambíguo e ininteligível, determinando a nulidade do mesmo nos termos do disposto na alínea c) do n.º l do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

                       32) Para justificar a decisão do Tribunal a quo em relação ao ponto em questão para justificar a decisão do Tribunal a quo em relação ao ponto em questão, não colhe o argumento de que, como em 26 de Abril de 2007 se alienaram 16.509.365 acções não é possível asseverar que as acções então vendidas (nesta última data) foram as adquiridas entre 1999 e 2001.

                        33) É que, quando se dá ordem de compra e de venda de acções em bolsa, não se ordena a aquisição de uma acção específica e individual mas sim de um conjunto, fungível, representativo de determinada percentagem do capital social.

                       34) O que está demonstrado nos autos é que, em 26 de Abril de 2007, foi alienado um número de acções BBB superior àquele que é objecto do presente processo, tanto sendo suficiente para dar como provado o facto constante do ponto 150.

                       35) De qualquer modo, esse debate consubstancia uma questão de direito que não colide com a prova produzida nos autos.

                        36) Deve, assim, entender-se que, por violação do disposto na alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, o Acórdão se encontra ferido de nulidade.

                       37) Finalmente, a Autora, ora Recorrente, invoca a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto na alínea d) do já citado artigo 615.º do Código de Processo Civil, no que respeita ao ponto 151 da decisão de facto, uma vez que, em vez de resposta positiva ou negativa à matéria de facto a que se reportava o correspondente quesito 95, o Tribunal a quo decidiu proceder à respectiva alteração, incorrendo, patentemente, em excesso de pronúncia.

            DA VIOLAÇÃO DA LEI NA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

           Da desconsideração pelo Tribunal a quo da existência de declaração confessória

                       38) No recurso da Douta Sentença proferida, a Ré impugnou a decisão quanto aos pontos 108, 109, 110, 111, 112 e 113 da matéria de facto, correspondentes, respectivamente, à resposta aos artigos 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º e 55.º da Base Instrutória.

                       39) O Tribunal da Relação de Lisboa alterou a decisão de facto nos seguintes termos: «Quesito 49° (ponto 108): No âmbito da Campanha Acionista 2001, a ré divulgou "internamente" informações sobre as características da campanha e os seus objetivos. Quesitos 50º, 510, 52º, 53º, 55º e 58º: (pontos 109, 110, 111, 112, 113, 115): Não provados.».

                       40) Tal decisão viola o disposto no n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil, que consubstancia uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, e pode, conforme disposto no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil, ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

                       41) É que, na sessão de julgamento do dia 07 de Outubro de 2013, foi prestado depoimento de parte da Ré, ora Recorrida, o qual versou sobre os artigos 49.º a  59.º da Base Instrutória.

                       42) Ouvida a parte, porque houve confissão, foi o referido depoimento reduzido a escrito, de acordo com o estabelecido no artigo 463.º do Código de Processo Civil, (Cfr. Acta da sessão de julgamento de 07/10/2013, com referência 7961236).

                        43) A Assentada não foi objecto de qualquer reclamação pela Autora ou pela Ré nem tão-pouco alvo de qualquer acção de declaração de nulidade ou anulação da confissão.

                        44) Resulta da Assentada que, em relação aos artigos 49.º, 50.º, 51 º, 52.º, 53.º, 55.º, 57.º, 58.º e 59.º da Base Instrutória, a Ré, ora Recorrida, confirmou a sua veracidade, o que significa que houve confissão judicial escrita quanto aos respectivos factos.

                        45) O n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil dispõe que "A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente”

                       46) E do disposto no artigo 359.º do mesmo Código decorre que essa força probatória plena só pode ser posta em causa com a alegação e prova da existência de um erro ou outro vício do confitente, sendo que este não pode impugnar a confissão provando, simplesmente, que o facto confessado não é verdadeiro.

                        47) Ao modificar a redacção do ponto 108 e ao julgar não provada a matéria dos pontos 109, 110, 111, 112 e 113, alterando o decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal a quo ignorou os efeitos legais da declaração confessória da Ré, ora Recorrida, e incorreu na violação do disposto n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil.

                        48) Nessa medida, e com esse fundamento, a Autora, ora Recorrente, vem impugnar a apreciação das provas levada a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que respeita aos pontos 108, 109, 110, 111, 112 e 113 da matéria de facto, pedindo que a respectiva decisão seja revogada e mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

            Da ilegitimidade do Tribunal a quo para conhecer dos pontos 116, 148 e 149

                       49) Caso se entenda que a decisão do Tribunal a quo quanto aos pontos 116, 148 e 149 da matéria de facto não é qualificável como nulidade por excesso de pronúncia do Tribunal, o que só por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim estava aquele Tribunal impedido de alterar decisão do Tribunal de 1.ª Instância quanto aos mencionados pontos.

                        50) Nos termos do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.

                       51) No entanto, a lei processual (cfr. no artigo 639.º e no n.º 4 (o artigo 635.º do Código de Processo Civil) sujeita o recorrente a dois ónus: i) o ónus de alegar, no cumprimento do qual se exige que o interessado analise e critique a decisão recorrida, argumentando e postulando circunstanciadamente as razões de direito e de facto da sua divergência em relação ao julgado; e ii) o de finalizar essa peça com a formulação sintética de conclusões, onde resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal de recurso altere ou anule a decisão posta em causa.

                       52) As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso e, em consequência, da matéria que o Tribunal superior poderá apreciar (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2013, in www.dgsi.pt).

                       53) Se o Tribunal de recurso se pronunciar sobre questões que não foram suscitadas pelo Recorrente, estar-se-á perante a violação da lei processual.

                       54) No caso em apreço, o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu nessa violação quanto aos pontos 116, 148 e 149 da matéria de facto.

                       55) A Ré, ora Recorrida, não pôs em causa ou de outro modo questionou a matéria de facto provada no ponto 116, limitando-se a tecer um mero comentário sobre o facto em questão e apenas para o considerar irrelevante para a decisão de mérito da causa (cfr. página 122 das Alegações de Recurso, do ponto cii das respectivas conclusões e ponto xxxvii da síntese das conclusões).

                        56) Isto significa que a Ré não pugnou pela alteração de resposta ao quesito em causa de "provado" para "não provado", tendo antes expressamente excluído o mencionado ponto do objecto do seu recurso.

                       57) De igual forma, não foi o ponto 148 da matéria de facto impugnado pela Ré, ora Recorrida, pretendendo esta apenas uma precisão ao nível de formulação, mais concretamente que se substituísse a locução "era previsível" por "era convicção da administração da FF" que ocorreria um agravamento das perdas económicas da autora em face da contínua queda do valor das ações BBB (cfr. página 138 das Alegações de Recurso, ponto cvii das respectivas conclusões e ponto xlii da síntese das conclusões).

                        58) Em relação ao ponto 149, a Ré pretendia apenas e somente que fosse eliminada a referência ao facto de as acções terem sido vendidas ao Banco GG (cfr. página 139 das Alegações de Recurso, ponto cviii das conclusões e ponto xliii da síntese das conclusões).

                       59) Nestes termos, ao considerar os pontos 116 e 148 como não provados e ao não se confinar ao solicitado pela Ré no que respeita ao ponto 149, o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em excesso de pronúncia, violando a lei processual (cfr. no artigo 639.º e no n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil).

                        60) Em face do exposto, deve a violação de lei invocada pela Autora, ora Recorrente, ser reconhecida e, em consequência, revogada a decisão do Tribunal a quo relativamente aos pontos 116, 148 e 149 da matéria de facto, mantendo-se o que sobre os mesmos foi julgado pelo Tribunal de 1ª Instância.

           Da violação dos limites legais na alteração da matéria de facto quanto aos pontos 149, 150 e 151

                       61) Caso se entenda que a decisão do Tribunal a quo quanto aos pontos 149, 150 e 151 da matéria de facto não é qualificável como nulidade por excesso de pronúncia, o que só por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim estava o Tribunal a quo impedido de alterar a decisão do Tribunal de 1ª Instância nos termos em que o fez.

                        62) Nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa", o que significa que o Tribunal da Relação tem poderes para reapreciar a exacta questão que foi decida pelo Tribunal de 1ª Instância, no sentido de apreciar as provas produzidas e, em função dessa nova avaliação, confirmar a decisão de facto ou infirmá-la.

                        63) Relativamente ao ponto 149, na reapreciação que fez das provas constantes dos autos, o Tribunal a quo apenas poderia confirmar que "No dia 26 de Abril de 2007, as 12.083.234 acções BBB, nominativas e escriturais, objecto do presente processo, foram vendidas ao Banco GG, S.A." ou, inversamente, considerar que não havia sido feita prova desse facto ou que apenas haviam sido provados parte(s) do mesmo.

                        64) Porém, no caso sub-judice, o Tribunal da Relação de Lisboa não se limitou a proceder nos termos referidos, uma vez que o ponto 149 refere agora que "foram vendidas 16.509.365 acções do BBB, correspondendo à totalidade das acções BBB de que a autora era naquela data titular ", assim consubstanciando uma alteração à alegação da Autora e à causa de pedir que a mesma invocou, a qual se circunscreve a 12.083.234 acções adquiridas em determinadas datas e não a todas as que a Autora tinha na sua titularidade.

                        65) O mesmo acontece em relação ao ponto 150 da decisão de facto, porquanto, ao dar como provado apenas o que consta do ponto 149, que se refere à data da venda das acções BBB objecto do presente processo, o Tribunal a quo debruça-se, uma vez mais, sobre matéria não alegada no correspondente artigo 84.º da Base Instrutória, o qual tinha apenas que ver com o preço médio de aquisição das acções adquiridas entre 1999 e 2001.

                        66) Também no que respeita ao ponto 151, não se limitou o Tribunal a quo a confirmar que "O preço de alienação das ações foi de 2,89 euros por ação (o que totaliza € 34.920.546,26)" ou a infirmar este facto, tendo, uma vez mais, ignorado a matéria de facto que estava em causa no respectivo quesito.

                        67) O que se inquiria era o preço de alienação por acção - facto que o Tribunal da Relação de Lisboa não pôs em causa e que é constitutivo do direito da Autora - e não o número de acções que foram alienadas em 26 de Abril de 2007, nem o preço total pago pelas mesmas.

                        68) Assim sendo, ao reflectir matérias não questionadas nos referidos pontos, a resposta do Tribunal a quo extravasa os poderes de cognição que lhe são reconhecidos nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil e altera a causa de pedir invocada pela Autora, em clara contradição com o estabelecido no n.º 4 do artigo 5.° e na alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º, todos do Código de Processo Civil.

                       69) Em face do exposto, deve a violação de lei invocada ser reconhecida e, em consequência, revogada a decisão do Tribunal a quo relativamente aos pontos 149, 150 e 151 da matéria de facto, mantendo-se o que sobre os mesmos foi julgado pelo Tribunal de 1.ª Instância.

           DA RECEPÇÃO DA DECISÃO (DE FACTO) PROFERIDA NO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL

                       70) O Tribunal a quo não equacionou nem decidiu ajustadamente a questão suscitada em torno da recepção dos factos constantes da decisão proferida no processo de contra-ordenação n.º 41/2008.

                       71) O que se discute nos presentes autos não é a aplicação de quaisquer princípios do processo penal ao processo contra-ordenacional ou tão-pouco ao processo civil mas, apenas e tão só, se a regra que estatui que o juízo condenatório penal definitivo faz presumir, no processo civil, a existência dos factos que foram pressupostos daquela condenação penal deve estender-se - ou não - à condenação definitiva em processo de contra-ordenação.

                       72) As diferenças que indiscutivelmente existem entre os regimes penal e de mera ordenação social não são suficientes nem adequadas para justificar uma resposta negativa a essa questão, que antes postula e depende da interpretação do artigo 623.º do Código de Processo Civil, para a qual é essencial ter em conta a respectiva teleologia.

                       73) A finalidade desta norma não consiste em hierarquizar os casos julgados em função da sua pretensa eficácia no apuramento da verdade material ou de uma suposta credibilidade e merecimento acrescidos, de modo a colocar no topo a decisão penal e na base a contra-ordenacional, ficando a sentença cível no meio.

                        74) Se o legislador visasse sobrepor a decisão penal à sentença civil, porque aquela era "mais merecedora de confiança ", seria inexplicável a possibilidade de ilisão da presunção e de consequente reapreciação da prova pela instância cível a qual é abertamente consagrada pelo artigo 623.º do Código de Processo Civil.

                       75) A finalidade do artigo 623.º do Código de Processo Civil é assegurar a consistência entre decisões sobre os mesmos factos e, em consequência, a aplicação uniforme do Direito.

                        76) O legislador português atribui relevância significativa à unidade do sistema jurídico, preconizando no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil que o julgador obtenha "uma interpretação e aplicação uniformes do direito ".

                        77) O artigo 623.º do Código de Processo Civil procura assegurar, se e quando possível, a consistência entre decisões penais e civis. Ou, como escreve RUI PINTO, "a coerência decisória entre julgado penal e julgado civil".

                       78) No citado artigo 623.º não está, assim, em causa ordenar as decisões de acordo com um hipotético critério de maior ou menor fiabilidade, mas antes e através de mera presunção juris tantum que permite respeitar a reserva jurisdicional, proporcionar a consistência entre decisões ulteriores que vão recair sobre os mesmos factos constitutivos já apreciados por decisão anterior.

                       79) Em suma: a eficácia probatória extra-processual consagrada no artigo 623.º do Código de Processo Civil visa tão-só, e na medida do possível, garantir a congruência entre decisões, tomadas em momentos diversos, sobre os mesmos pressupostos, assim observando, no plano da realização do Direito, a unidade do sistema jurídico.

                        80) É à luz desta teleologia que há-de ser interpretado o artigo 623.º do Código de Processo Civil em ordem a determinar se é legítima a respectiva interpretação extensiva e a ampliação às decisões contra-ordenacionais que incidam sobre os factos pressupostos da responsabilidade civil.

                       81) O que a interpretação do citado preceito exige é averiguar se a relação entre decisão condenatória penal, fundada na prova dos factos que constituem pressupostos da punição, por um lado, e a sentença civil que recai sobre a prova dos mesmos factos como pressupostos da responsabilidade civil, por outro, é idêntica à relação entre uma decisão contra-ordenacional do mesmo teor e a sentença civil que acolhe a responsabilidade civil com base na mesma factualidade.

                       82) É evidente que a decisão contra-ordenacional sobre factos que representam os pressupostos da contra-ordenação deve valer, em processo cível, como presunção ilidível da verificação daqueles mesmos eventos que correspondam aos requisitos do nascimento da obrigação de indemnizar.

                      83) E isto porque vale a exacta mesma razão que justifica a solução daquele preceito do Código de Processo Civil, sendo que a coerência entre decisões não elimina diferenças, e antes visa garantir, no pressuposto e respeito por estas, a unidade do sistema jurídico.

                       84) Os tribunais superiores têm consagrado uma interpretação extensiva do artigo 623º do Código de Processo Civil, alargando a eficácia probatória às decisões contra-ordenacionais, sem jamais sequer questionar a autonomia dos processos.

                        85) A interpretação contrária, decretada pelo Tribunal a quo, baseada na autonomia entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, baseia-se na argumentação improcedente de uma pseudo hierarquia de jurisdições e ignora, por completo, a telelogia da norma, assim perfilhando interpretação que inobserva o artigo 623.º do Código de Processo Civil.

                        86) Não colhe o argumento de que a letra da lei constitui limite para a interpretação extensiva, porquanto a doutrina, dando prevalência ao elemento teleológico, considera, de há muito tempo a esta parte, que o intérprete pode concluir que a letra da lei diz menos do que pretendia o legislador, ou como enunciavam os antigos lex minus dixit quam voluit.

                        87) É justamente o que se defende no caso em apreço: o pensamento legislativo a que a norma quis dar expressão abarca inquestionavelmente as decisões contra-ordenacionais, dada a necessidade de observar o princípio da unidade do sistema jurídico.

                        88) A interpretação extensiva do artigo 623.º do Código de Processo Civil permite ultrapassar as dificuldades, insuperáveis, de prova por parte dos particulares, assim se protegendo a verdade material.

                       89) Não se defende uma interpretação por integração analógica do artigo 623.º do Código de Processo Civil mas, de qualquer modo, a proibição da aplicação analógica de normas excepcionais não se estende à interpretação extensiva.

                      90) A norma do artigo 623º do Código de Processo Civil não se reveste de carácter excepcional, limitando-se a impor como presunção legal ilídivel a condenação em outro processo, não sendo de modo algum coarctado o poder de livre decisão do juiz.

                        91) Apenas se consagra uma facilitação da prova e não uma liberação da mesma, o que significa que não existe afastamento da apreciação independente da prova pelo juiz e apenas a consagração legal de ilacção que, se não existisse, não deixaria de valer como presunção hominis ou de facto.

                       92) É indiscutível que os factos relativos ao processo de contra-ordenação n.º 41/2008, constantes dos pontos 52 e 53, 2.ª parte, da fundamentação de facto, não podem e não devem ser excluídos do elenco da matéria dada como provada, uma vez que foram objecto de acordo entre as partes e nunca foram objecto de qualquer impugnação.

                       93) A recepção de tais factos por via da presunção consagrada no artigo 623.º do Código de Processo Civil é uma forma diferente de acolher a sua relevância no presente processo.

                       94) O juízo condenatório da CMVM constitui facto provado e assente nos autos.

                       95) Acresce que, estando junto ao processo documento autêntico constituído pela certidão emitida pelo 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, referente ao processo n.º 41/2008, atestando ter a ora Recorrida sido condenada por sentença transitada em julgado, está também assegurada, de acordo com o n.º 2 do artigo 363.º e com o artigo 371.º do Código Civil, a prova plena da existência de tal condenação.

                        96) Os factos relativos ao processo de contra-ordenação nº 41/2008, constantes dos mencionados pontos 52 e 53, 2.ª parte, da fundamentação de facto são aptos para servir de base factual relevante na decisão sobre o mérito da causa porque são susceptíveis de fundamentar a decisão final, no sentido de sustentar a procedência ou improcedência da acção pelo Tribunal.

                       97) Não se vislumbra a razão pela qual o Tribunal a quo afirma que determinados pontos que constam da decisão de facto não poderão, à partida, ser relevantes para a decisão de direito, até porque tal afirmação não é minimamente esclarecida nem fundamentada no Acórdão.

                       98) Para além dos mencionados pontos poderem, em termos abstractos, fundamentar o julgamento do mérito da causa, a realidade é que os mesmos são efectivamente relevantes para esse efeito, uma vez que, se um dos pressupostos do pedido da Autora é a existência de violação de uma norma de protecção, a condenação da Ré no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 41/2008, a que se referem os pontos 52 e 53, 2.ª parte, da decisão de facto, não pode deixar de ser considerada relevante para fundamentar o juízo nesse sentido.

            DA ALEGADA CADUCIDADE

                        99) O Tribunal a quo julgou procedente a excepção de caducidade, o que acabou por ditar, prematuramente e em oposição à correcta aplicação da lei, o desfecho do recurso intentado pela Ré, e a absolvição desta do pedido.

                       100) Carece de fundamento e conduz a solução manifestamente desajustada em face dos interesses que o CdVM visa salvaguardar o entendimento perfilhado no Acórdão recorrendo segundo o qual a norma do artigo 7.° do CdVM é uma norma geral, que não pode deixar de se articular com o disposto nos artigos. 244.º e ss. do mesmo Código, só em conjugação com este sendo aplicável.

                       101) O n.º 1 do artigo 7.º do CdVM é uma norma autónoma, porquanto é suficientemente completa para ser vinculativa e logicamente violável por si só, sem depender de outras normas.

                       102) Porque impõe aos intervenientes no mercado de valores mobiliários um comportamento concreto em matéria de prestação de informação - que a informação prestada seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita - o artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários é também uma norma de resultado.

                       103) Não sendo adoptada conduta que permita prestar informação com as características estabelecidas no n.º 1 do artigo 7.º do CdVM, tal actuação é, por si só, desconforme à lei, gerando um juízo de ilicitude que não pressupõe, por necessidade lógica ou de outra índole, a violação dos artigos 244.º e seguintes do CdVM.

                       104) O que decorre da qualificação da norma consagrada no artigo 7.º do CdVM como norma geral é apenas o facto de a sua aplicação ser transversal sempre que está em causa informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes.

                       105) Os artigos 244.º e seguintes do CdVM consubstanciam regras especiais que disciplinam a informação injuntiva e que não esgotam todas as informações que, de forma pública ou privada, os emitentes podem, em abstracto, transmitir ao mercado ou agentes que nele actuam.

                       106) A sufragar-se a interpretação que o Tribunal da Relação de Lisboa fez quanto à aplicação do artigo 7.º do CdVM, no sentido de esta norma não ter aplicação directa e autónoma, chegar-se-ia à conclusão de que apenas a informação com carácter obrigatório e tipificada no CdVM teria de obedecer aos ditames de qualidade previstos no artigo 7.º do CdVM.

                       107) Tal interpretação não pode ser acolhida porque conduziria a resultado diametralmente oposto à teleologia da norma em causa e, em certos termos, desconforme com o funcionamento do mercado, deixando sem tutela legal os lesados por decisões de investimento tomadas com base em informação errónea, prestada em violação do artigo 7.º do CdVM, sempre que tal informação não fosse enquadrável nos artigos 244.º e seguintes do CdVM.

                        108) Em virtude da sua própria finalidade, o artigo 7.º aplica-se muito para além do fattispecie do artigo 244.º do CdVM.

                        109) As regras especiais tipificadas no CdVM relativas a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes, nomeadamente as estabelecidas nos citados artigos 244.º e seguintes do CdVM, hão-de, harmonizar-se com o estatuído pelo artigo 7.º do CdVM. E não o inverso. Ou seja, se é verdade que o artigo 7.º pode ser conjugado com aquelas normas, é igualmente inquestionável que o mesmo é susceptível de ser aplicado autonomamente.

                       110) Este entendimento é confirmado pelo teor da decisão proferida no âmbito do processo n.º 41/2008, em que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa consideraram que o BBB cometeu seis violações ao dever de prestar informação com qualidade, que se encontra consagrado no mencionado artigo 7.º do CdVM (cfr. pontos 49 e 52 da decisão de facto da decisão).

                       111) Sendo que, de igual forma, o pedido de responsabilidade peticionado pela Autora, ora Recorrente, se fundamenta na ofensa ao disposto no artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários e não na violação dos artigos 244.º e seguintes daquele mesmo Código.

                        112) Também não merece acolhimento a ideia defendida no Acórdão de que o regime da responsabilidade pelo prospecto corresponde a regime especial autónomo e suficiente e que, atento o princípio de que a regra geral é derrogada pela regra especial, a disciplina da responsabilidade civil estatuída no Código Civil não é aplicável à responsabilidade imputável nos termos do artigo 251º do CdVM.

                       113) Não se põe em causa que o regime da responsabilidade por informação deficiente tem a sua matriz na responsabilidade pelo prospecto, consubstanciando este um regime especial, autónomo e auto-suficiente, que se aplica, com as devidas adaptações, à responsabilidade por informação obrigatória nos termos do artigo 251.º do CdVM, quando divulgada em termos contrários aos prescritos na lei.

                        114) Porém, a tutela dos interesses dos investidores e a protecção do mercado não estão confinadas pelo âmbito deste instituto, até porque a responsabilidade pelo prospecto e a responsabilidade por informação obrigatória têm um alcance especificamente circunscrito na sua aplicação que não esgota todas as informações que, por distintas formas e meios de divulgação, os emitentes podem, em abstracto, transmitir ao mercado ou aos agentes que nele actuam.

                       115) Sendo inquestionável que a adopção de uma conduta desconforme ao estabelecido no artigo 7.º do CdVM pode não ser recondutível a uma violação dos deveres prescritos nos 244.º e seguintes do CdVM, resta determinar qual a sanção que deve cominar aquela actuação, sob pena de o lesado se quedar sem protecção legal, o que seria, em face da lei, inaceitável.

                       116) Para responder a esta interrogação basta não perder de vista que a tutela da informação de qualidade é um mecanismo essencial à defesa da racionalidade e confiança do investidor e indispensável ao funcionamento do próprio mercado e que a aplicação alternativa do regime de responsabilidade civil previsto no Código Civil sempre foi a colhida na doutrina.

                        117) A salvaguarda do eficiente funcionamento do mercado como um dos interesses primordiais que a lei visa tutelar configura o artigo 7.º do CdVM como uma típica norma de protecção.

                       118) Existem dois tipos de normas de protecção: as que protegem apenas interesses dos particulares sem lhes conferirem direitos subjectivos e as que protegem primacialmente interesses públicos e indirectamente interesses particulares.

                       119) As normas de protecção concretizam, em matéria da ressarcibilidade dos danos, a distinção entre a protecção indirecta e reflexa dos interesses dos particulares.

                       120) Há protecção indirecta quando o legislador, ao formular um preceito legal, teve em consideração, se não em termos directos e imediatos, pelo menos indirectamente, os interesses dos particulares, interesses que foram devidamente ponderados na elaboração da norma que não se bastou com a protecção do interesse público.

                       121) Se o interesse do particular foi sopesado na feitura da norma, sendo abrangido pelo seu fim, esse interesse é protegido: não através da atribuição de um direito subjectivo que permita ao sujeito exigir o cumprimento da norma - caso de protecção directa; mas através da atribuição do direito a ser indemnizado pelo dano resultante de violação daquela - protecção indirecta.

                       122) O artigo 7.º do CdVM parece não atribuir direitos subjectivos aos particulares que actuam no mercado dos valores mobiliários mas é inquestionável que o referido preceito legal, ao impor determinados deveres às instituições financeiras, visa, directa e imediatamente, proteger o mercado de modo a que este funcione em termos regulares, informados, íntegros e, logo, eficazes.

                        123) Tal objectivo directa e imediatamente prosseguido pelo preceito legal em causa passa por uma actuação esclarecida e livre dos investidores, pelo que se afigura indubitável que o artigo 7.º do CdVM tutela, indirectamente, os interesses particulares dos investidores que intervêm no mercado de valores mobiliários, independentemente de lhes conferir os direitos subjectivos correspectivos.

                       124) A violação de uma norma de protecção equivale à forma de ilicitude prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.

                        125) Tal regime apenas não é aplicável quando a lei expressamente o vedar, nomeadamente através da estatuição de um regime de responsabilidade especial conflituante com aquele, o que não é manifestamente o caso.

                       126) Excluída que parece dever ser a construção defendida no Acórdão objecto do presente recurso segundo a qual o artigo 7.º pressupõe, necessariamente, a violação dos artigos 244.º e seguintes do CdVM e estando assente que a Ré apenas violou aquela primeira norma, deve concluir-se que não é possível aplicar o regime de caducidade previsto no artigo 243.º do CdVM, porquanto o mesmo só se aplica à violação daquelas normas, conforme resulta expressamente do mencionado artigo 251.º daquele diploma.

                       127) À responsabilidade pela informação que, não se reconduzindo aos deveres específicos do artigo 244.° e seguintes do CdVM, não se rege pelo artigo 251.º do mesmo diploma, aplica-se o regime geral da responsabilidade civil traçado no artigo 483.º do Código Civil, o qual, sendo mais exigente para o lesado sobre quem recai o ónus de provar a culpa do autor da informação deficiente, não o deixa, todavia, sem protecção.

                       128) A dualidade de regimes e a diferença entre a responsabilidade agravada que corresponde à informação imperativa taxativamente prevista e a responsabilidade geral a que pode recorrer quem haja sofrido danos por causa de informação a que faltem os atributos exigidos pelo artigo 7.º do CdVM sempre foi reconhecida e a respectiva aplicação alternativa também.

                       129) Estando em causa, no presente processo, o direito à indemnização por violação de norma de protecção, o regime aplicável a esta forma de responsabilidade é o que consta do artigo 498.º do Código Civil e não o aplicado pelo Acórdão objecto do presente recurso.

                       130) Do modo como configurou a presente acção, a Autora, ora Recorrente, não procura a tutela directamente conferida pelas normas do CdVM - caso em que se poderia equacionar a aplicação do regime da caducidade nele previsto - mas a protecção que indirectamente lhe é conferida pela violação dessas normas por força do disposto no artigo 483.º do Código Civil.

                        131) A violação do artigo 7.° do CdVM por parte da Ré foi invocada pela Autora, ora Recorrente, para demonstrar um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual enunciado na segunda parte do n.º 1 do mencionado artigo 483.º do Código Civil: a ilicitude.

                       132) A disciplina legal prevista no CdVM foi estatuída, em primeira linha, para regular a protecção directa concedida pela norma, sendo que o que está em causa nos presentes autos é a salvaguarda, indirecta, concedida pela norma violada a interesses de particulares.

                        133) Como as normas legais em causa foram criadas para assegurar o funcionamento eficiente do mercado, e também para proteger os interesses dos particulares que naquele operam, garantindo uma informação que lhes permita, depois de ajuizar com ponderação o risco da transacção, decidir pela sua efectivação, é-lhes conferida a possibilidade de, autonomamente e sem dependência das entidades públicas reguladoras, exigir responsabilidade aos prevaricadores.

                       134) Esta possibilidade faz nascer uma relação jurídica entre particulares, que tem como fonte o instituto da responsabilidade civil por violação de norma de protecção, sendo que não há razão alguma para que o regime do respectivo incumprimento não seja idêntico ao das restantes relações do mesmo tipo e, designadamente, que não seja regulada pelas disposições do Código Civil. Nestes termos, não faz sentido a aplicação do regime da caducidade previsto no CdVM, em substituição do da prescrição previsto no Código Civil.

                       135) Faz todo o sentido que, sendo o ónus da prova mais pesado para o lesado, que terá de demonstrar não apenas a deficiência da informação, como ainda a culpa do autor da mesma, este possa dispor de mais um ano para fazer valer o seu direito. Já no respeitante ao regime do artigo 243.º do CdVM que consagra uma presunção de culpa pelos danos resultantes de informação defeituosa, se justifica um prazo mais curto para o exercício do direito.

                       136) Mesmo admitindo-se a hipótese de se estar perante a circunstância de uma mesma factualidade ser simultaneamente subsumível ao regime de responsabilidade por prospecto e ao da responsabilidade por violação de norma de protecção estabelecida no artigo 7.º.º do CdVM, entendimento que não foi adoptado pela Recorrente, deveria o lesado poder optar pelo regime que mais lhe conviesse, não resultando de tal direito qualquer sacrifício para os valores em jogo.

                        137) O único regime aplicável à responsabilidade civil por violação de normas de protecção é o que consta do artigo 498.º do Código Civil, nos termos do qual o prazo de prescrição de três anos se inicia na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

                        138) É desde há muito entendimento da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que o lesado tem conhecimento do seu direito "a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, souber ter direito à indemnização pelos danos que sofreu " (Cfr. Ac. do STJ de 06.10.1983, in "BMJ", n.º 330, pág. 495 e ss) e conhecimento do direito à indemnização "equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorreram por virtude de certo facto ou actuação. (...) o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu " (Cfr. Ac. do STJ, publicado na Revista dos Tribunais, n.º 86, pág. 159 e ss).

                       139) Estando em causa um pedido indemnizatório baseado em responsabilidade civil por violação de norma de protecção, é essencial o momento em que o lesado tomou conhecimento de que foi praticado o facto ilícito, ou seja, no caso sub judice, o momento em que a ora Recorrente soube que os prejuízos que suportava tinham na sua origem a violação, pela Ré, da norma de protecção contida no artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários.

                       140) A Autora só no final do mês de Agosto de 2009 teve conhecimento de que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários instaurou o processo n.º 41/2008" (Cfr. ponto 156 da decisão de facto).

                       141) Aquilo que é julgado como ilícito e censurado no âmbito do processo n.º 41/2008 é a ocultação de informação relevante.

                        142) Defender que o prazo de caducidade se inicia a partir da data da omissão, independentemente do seu conhecimento, é, até de um ponto de vista meramente lógico, um contra senso, na medida em que a omissão de informação é ilícita porque, precisamente, impede o conhecimento e torna o exercício do direito, pura e simplesmente, impraticável, inviabilizando-o, o que, para além de ser iníquo, questionaria princípios constitucionais basilares, nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

                       143) Tendo a presente acção sido proposta em 25 de Janeiro de 2010, ainda não havia decorrido o prazo previsto no artigo 498.º, único prazo prescricional aplicável, sendo, por isso, incorrecta a decisão do Tribunal a quo ao considerar procedente a excepção de caducidade invocada pela Ré.

                       144) O Tribunal a quo decidiu que o prazo de caducidade de dois anos se iniciou na data correspondente à compra das acções BBB, ou seja, em 2001, independentemente do conhecimento por parte da Autora da omissão de informação ao mercado que, nesse momento, se verificava em face da conduta do BBB e quando ainda nem tinha sido instaurado o processo de contra-ordenação n.° 41/2008, no âmbito do qual a CMVM veio a considerar ilícita tal actuação e a condenar a Ré por violação do disposto no artigo 7.º do CdVM.

                       145) Essa solução - traduzida na aplicação do disposto na alínea b) do artigo 243.º do CdVM no sentido de que o prazo de caducidade de dois anos se inicia na data da omissão de informação ao mercado, independentemente do conhecimento por parte do lesado - contende com princípios constitucionais basilares, pondo em causa o direito de acesso aos tribunais e o direito e de uma tutela jurisdicional efectiva, nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

                        146) Em face do exposto, e caso se julgue aplicável o prazo de dois anos previsto na alínea b) do artigo 243.º do CdVM, o que ficou por demonstrar, sempre haverá que proceder a uma interpretação do preceito em causa de acordo com a Constituição da Republica Portuguesa e considerar que, na presente acção, o mesmo se inicia com o conhecimento por parte da Autora, ora Recorrente, da ilicitude da conduta da Ré, ou seja, em Agosto de 2009.

                       Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá o recurso interposto ser julgado procedente e, em consequência:

                        1) Serem os pontos 92, 93, 97 e 98 da decisão de facto rectificados nos termos solicitados;

                       2) Serem julgadas procedentes, por provadas, as seguintes nulidades do Acórdão com as demais consequências previstas no Código de Processo Civil:

(i) A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil quanto aos pontos 84, 85 e 88 da decisão de facto;

(ii) As nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n°1 do referido artigo 615.º quanto aos pontos 91, 99, 101 e 102 da decisão de facto;

(iii) As nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615.º quanto ao ponto 115 e a prevista na alínea d) deste mesmo preceito legal quanto ao ponto 116 da decisão de facto;

(iv) As nulidades previstas nas alíneas d) e c) do nº 1 do artigo 615.º quanto ao ponto 148;

(v) As nulidades previstas nas alíneas d) e b) do nº1 do artigo 615.º quanto ao ponto 149 da decisão de facto;

(vi) A nulidade prevista na alínea c) e d) do nº1 do artigo 615.º quanto ao ponto 150; e (vii) A nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 615.º quanto ao ponto 151 da decisão de facto;

                       3) Ser o Acórdão recorrendo revogado e, em consequência, ser ordenado a remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para aí ser conhecido o pedido de responsabilidade civil da Autora, nos termos do disposto no artigo 679.º do Código de Processo Civil.

                       O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil).

                       Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                       - Recepção da decisão (de facto) proferida no processo contra-ordenacional.

                        - Caducidade do direito.

                        - Inconstitucionalidade do art. 243º do CdVM                     

                       

                        2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- A AA, SA., aqui A., é uma sociedade comercial, constituída no dia 17 de Dezembro de 1999, que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

                       2- A A. é a sociedade-mãe de um conjunto de sociedades, por si participadas, comummente conhecido e designado por Grupo HH, sendo sociedades cuja existência, em alguns casos, tem mais de 60 anos;

                        3- O grupo HH é um grupo empresarial do Arquipélago dos Açores, onde desenvolveu e desenvolve, a quase totalidade, da sua actividade;

                        4- A actividade a que o Grupo HH se dedicou e, em parte, ainda se dedica, abrange os sectores da indústria, comércio, distribuição, turismo e promoção imobiliária;

                       5- A maioria dos accionistas das empresas do Grupo HH estava ligada por relações familiares, pertencendo à comummente chamada família II;

                        6- As três subholdings correspondentes às principais áreas de negócio então existentes (indústria, distribuição e comércio) passaram a ser detidas pela A., e a DD, a JJ, e a KK passaram a ser detidas pela subholding CC, SA.;

                        7- Em 20.6.2000, a autora adquiriu 100% da sociedade CC, SA.;

                        8- Em 27.7.2007, a A. vendeu ao BLL as acções representativas da totalidade do capital social da CC, Lda.;

                        9- A DD, SA., é uma sociedade que tem por objecto a produção e o comércio de sabões, óleos industriais, óleos comestíveis, alimentos compostos para animais, adubos, produtos de limpeza e embalagens de plástico;

                       10- Até ao ano de 1999, a DD, SA., não tinha relações comerciais com o Banco EE ou com o R.;

                       11- No ano de 1999, o R. era uma sociedade de referência, em termos de credibilidade, e era considerado pelo público em geral como sendo uma das mais prestigiadas e sólidas instituições financeiras a operar em Portugal;

                        12- O Banco EE, no ano de 1999, já era dominado pelo BBB;

                        13- A DD, SA., entre o dia 24 de Fevereiro e o dia 24 de Março de 1999, solicitou ao Banco EE que, em seu nome, ordenasse a compra de 2.200.000 acções BBB;

                        14- O Banco EE, em nome e em representação da DD, SA., adquiriu 21 lotes de acções durante o período de um mês, num total de 2.200.000 acções BBB, nominativas e escriturais, pelo preço total de € 59.851.209,00 (cinquenta e nove milhões oitocentos e cinquenta e um mil duzentos e nove euros), tendo o preço médio sido de 27,21 euros por acção;

                       15- Por cada ordem de compra era celebrado um contrato, através do qual aquele Banco emprestava à DD, SA., o montante total necessário ao pagamento do preço do lote das acções em causa e no qual esta sociedade, para garantia do cumprimento das suas obrigações, constituía a favor do Banco o penhor das acções que, com esse financiamento, ia adquirir;

                       16- Nesse mesmo período temporal, a DD, SA., celebrou com o Banco EE, em Ponta Delgada (ilha de São Miguel, na Região Autónoma dos Açores) vinte e um contratos, designados por "contrato de mútuo e penhor”, nos termos dos quais este banco emprestou àquela a quantia total de € 59.851.209,00 (cinquenta e nove milhões oitocentos e cinquenta e um mil duzentos e nove euros), conforme se passa a discriminar:

- Contrato com data de 24 de Fevereiro de 1999 - empréstimo no valor de Esc.845.924.306$00, ou seja, €4.219.452,65;

-Contrato com data de 25 de Fevereiro de 1999 - empréstimo no valor de Esc.548.460.452$00, ou seja, €2.735.709,20;

- Contrato com data de 26 de Fevereiro de 1999 - empréstimo no valor de Esc.278.682.813$00, ou seja, €1.390.064,01;

-Contrato com data de 1 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.227.707.989$00, ou seja, €1.135.802,66;

-Contrato com data de 2 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.215.116.759$00, ou seja, €1.072.997,87;

-Contrato com data de 3 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.393.751.894$00, ou seja, €1.964.026,17;

-Contrato com data de 4 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc. 173.016.327$00, ou seja, €863.001,80;

-Contrato com data de 5 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.765.454.974$00, ou seja, €3.818.073,31;

-Contrato com data de 8 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.452.909.774$00, ou seja, €2.259.104,43;

-Contrato com data de 9 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.1.179.789.978$00, ou seja, €5.884.767,60;

-Contrato com data de 10 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.617.757.696$00, ou seja, €3.081.362,40;

-Contrato com data de 11 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.833.556.125$00, ou seja, €4.157.760,42;

-Contrato com data de 12 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc. 1.074.322.599$00, ou seja, €5.358.698,53;

-Contrato com data de 15 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.525.734.039$00, ou seja, €2.622.350,33;

-Contrato com data de 17 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.390.464.667$00, ou seja, €1.947.629,55;

-Contrato com data de 18 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.403.274.169$00, ou seja, €2.011.523,07;

-Contrato com data de 18 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.71.212.306$00, ou seja, €355.205,48;

-Contrato com data de 19 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.762.433.510$00, ou seja, €3.803.002,31;

-Contrato com data de 22 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc. 1.093.695.331$00, ou seja, €5.455.329,31;

-Contrato com data de 23 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.543.019.775$00, ou seja, €2.708.571,22;

-Contrato com data de 24 de Março de 1999 - empréstimo no valor de Esc.602.804.639$00, ou seja, €3.006.776,86;

                       17- As partes acordaram o prazo de 10 anos para o reembolso das quantias emprestadas;

                       18- Para além do penhor mencionado em 15 a DD, SA. constituiu a favor do Banco EE, SA., um penhor sobre 512.310 acções representativas do capital social da sociedade MM, SA. - acções de que a DD, SA., era também titular;

                       19- Para garantia daquelas mesmas obrigações, a NN, Lda. - sociedade adquirida pela DD, SA. - deu em penhor a favor do Banco EE, SA., um total de 287.698 acções representativas do capital social da sociedade MM, SA., da sua titularidade;

               20- Os penhores para garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos 21 contratos referidos incidiram sobre as acções e os respectivos dividendos, rendimentos, mais-valias e outros frutos a que estas mesmas dessem direito, conforme se discrimina:

-Contrato com data de 24 de Fevereiro de 1999 - a DD, SA., empenhou 160.000 acções BBB;

-Contrato com data de 25 de Fevereiro de 1999 - a DD, SA., empenhou 103.600 acções BBB;

-Contrato com data de 26 de Fevereiro de 1999 - a DD, SA., empenhou 52.300 acções BBB;

-Contrato com data de 1 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 42.000 acções BBB;

-Contrato com data de 2 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 39.400 acções BBB;

-Contrato com data de 3 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 72.100 acções BBB;

-Contrato com data de 4 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 31.500 acções BBB;

-Contrato com data de 5 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 140.253 acções BBB;

-Contrato com data de 8 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 82.936 acções BBB e 42.563 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 9 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 217.417 acções BBB e 111.578 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 10 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 112.764 acções BBB e 57.870 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 11 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 150.000 acções BBB e 76.980 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 12 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 194.422 acções BBB e 99.777 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 15 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 98.000 acções BBB e 50.294 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 17 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 69.934 acções BBB e 35.890 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 18 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 72.792 acções BBB e 37.358 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 18 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 12.854 acções BBB e a sociedade NN, Lda., empenhou 6.596 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 19 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 136.907 acções BBB e a sociedade NN, Lda., empenhou 70.261 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 22 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 200.000 acções BBB e a sociedade NN, Lda., empenhou 102.640 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 23 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 100.270 acções BBB e a sociedade NN, Lda., empenhou 51.459 acções da sociedade MM, SA.;

-Contrato com data de 24 de Março de 1999 - a DD, SA., empenhou 110.821 acções BBB e a sociedade NN, Lda., empenhou 56.733 acções da sociedade MM, SA.;

                       21- Em Novembro de 1999, ocorreu o split das mencionadas 2.200.000 acções BBB, adquiridas entre 24 de Fevereiro e 24 de Março de 1999, passando a DD, SA., a deter 5 novas acções por cada uma das antigas, num total de 11.000.000 de acções BBB, a que corresponde o valor médio de €5,44;

                       22- Em Abril de 1999, a DD, SA., adquiriu mais 188.180 acções nominativas e escriturais, representativas do capital social do Banco BB;

                       23- Com efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2000, o Banco EE, SA., fundiu-se por incorporação no Banco BB, SA.;

                        24- No dia 15 de Dezembro de 2000, a DD, SA., acordou com a A., entretanto criada, a transmissão da posição que detinha nos contratos acima identificados, bem como das acções BBB da sua titularidade, e que se encontravam empenhadas a favor do R.;

                        25- Esta transmissão veio a efectivar-se, com o consentimento do R., sendo as acções do BBB transmitidas ao preço unitário de € 5,44;

                        26- A A. passou a ser a titular, entre outras, das 11.188.180 acções representativas do capital social do R., objecto do presente processo;

                        27- Em Janeiro de 2001, o R. aprovou uma proposta de aumento do capital social por incorporação de reservas, mediante a emissão de 57.027.325 novas acções, o qual viria a ser concluído em Abril de 2001;

                       28- Em Fevereiro de 2001, o R. aprovou uma proposta de aumento do capital social por exercício de direitos de preferência, o qual viria a ser concluído em Março de 2001, dando lugar à emissão de 168.125.003 novas acções;

                       29- O R. concedeu financiamento a 100% para a aquisição das acções;

                      30- A quase totalidade dos contactos havidos entre o R. e os representantes da Família II e das sociedades do Grupo HH ocorreram em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, nos Açores;

                       31- No dia 21 de Março de 2001, a A. adquiriu mais 895.054 acções do BBB, nominativas e escriturais, tornando-se titular de 12.083.234 (doze milhões oitenta e três mil duzentas e trinta e quatro) acções do BBB;

                        32- Na mesma data de 21 de Março de 2001, a A. celebrou com o R. um contrato designado por "contrato de mútuo e penhor”, nos termos do qual este emprestou à A. a quantia total de Esc.770.000.000$00 (equivalente a €3.840.743,81 euros);

                       33- Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do mencionado contrato, nomeadamente do reembolso da quantia mutuada, a A. constituiu a favor do R. um penhor sobre todas as acções do BBB, nominativas e escriturais, que tinha adquirido, num total de 895.054 acções, bem como sobre os respectivos dividendos, rendimentos, mais-valias e outros frutos a que essas acções dessem direito;

                       34- As partes acordaram no prazo de 3 anos para o reembolso da quantia mutuada;

                        35- A evolução das acções BBB, nos anos em que se mantiveram na titularidade da A., foi a seguinte:



1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Cotação das acções a
31 de Dezembro
5,51
5,65
4,55
2,28
1,77
1,89
2,33
2,80

                       36 - Nos termos dos contratos acima referidos, e à excepção do contrato celebrado em 2001, a quantia emprestada estava sujeita ao vencimento de juros remuneratórios, nos seguintes termos: - Taxa de juro anual: Lisbor (1ano) + 0,375%;

                       37- Quanto ao contrato celebrado a 21 de Março de 2001, eram contados juros remuneratórios, de acordo com a seguinte taxa: Taxa de juro anual: Lisbor (1ano) + 0,45%;

                        38- Nos termos dos contratos mencionados, os juros seriam contados diariamente sobre o capital mutuado e em dívida, e debitados anualmente na data do respectivo vencimento;

                        39- O prazo de 10 anos que havia sido estipulado para o reembolso das quantias emprestadas através dos referidos 21 contratos foi prorrogado por três anos, para um prazo de 13 anos,

                       40- No dia 19 de Março de 2004, a A. e o R. acordaram na alteração ao contrato celebrado no dia 21 de Março de 2001, sendo o prazo estipulado para o reembolso da quantia mutuada, no valor de €3.840.743,81, prorrogado para o dia 21 de Março de 2007;

                       41- No dia 8 de Março de 2007, a A. e o R. acordaram a prorrogação do prazo do vencimento deste empréstimo para o dia 21 de Março de 2008;

                        42- Nos termos da cláusula 7ª dos contratos, a A. só podia alienar as acções do BBB com consentimento do R.;

                        43- A venda das acções representativas do capital social da A. veio a concretizar-se no ano de 2007, tendo a A. sido adquirida pela FF - …, SA., sociedade pertencente ao Grupo OO;

                       44- Após esta aquisição, foi decidida pela nova accionista a alienação, pela A., de todas as acções do BBB que detinha;

                        45- No dia 26 de Abril de 2007, as acções do BBB em causa foram vendidas, tendo o preço da venda sido integralmente entregue pela A. ao R. para pagamento da dívida daquela perante este, resultante dos financiamentos contraídos para a aquisição das acções BBB;

                        46- Apesar de o R. ter recebido a quantia resultante da venda das acções do BBB, a A. ainda ficou devedora das seguintes quantias, resultantes dos empréstimos contraídos para aquisição daqueles títulos:



Empréstimo
Capital em Dívida
….1
4.761.304,83 €
…1
3.088.240,21 €
…1
1.567.652,54 €
…1
1.280.054,94 €
…1
1.209.091,49 €
…1
2.213.267,75 €
…1
972.594,39 €
…1
4.306.322,76 €
TOTAL
19 398 528,91



                       47- A estas quantias acresceram os juros, no valor de € 1.251.303,49;

                       48- A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) instaurou contra o R. o processo de contra-ordenação n°3/2008;

                      49- A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) instaurou contra o R. o processo de contra-ordenação n°41/2008, com fundamento na violação do disposto no art°.7° do Código dos Valores Mobiliários;

                       50- No processo de contra-ordenação n°3/2008, o Conselho Directivo da CMVM deliberou aplicar ao BBB:

I.

a) 1 coima de €1.000.000,00 (um milhão de euros), pela violação, a título doloso, do dever de não praticar intermediação financeira excessiva, nos termos conjugados dos arts. 310°, 397° n°2, al.c) e 388°, n°1, al. a), todos do CdVM;

b) € 2.460.000,00 (dois milhões e quatrocentos e sessenta mil euros), correspondentes ao somatório de 41 coimas de € 60.000,00 (sessenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de evitar conflitos de interesses, por cada uma das 41 infracções indicadas no Anexo II e no Anexo III do presente ato, nos termos conjugados dos arts. 309°, n°.3, 397°, n°2, al. b) e 388°, n°1, al. a), todos do CdVM;

c) €1.995.000,00 (um milhão e novecentos e noventa e cinco mil euros), correspondente ao somatório de 57 coimas de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de conservadoria, por cada uma das 57 infracções indicadas no Anexo IV do presente ato, nos termos conjugados dos art°s.308°, n°.1, 397°, n°.4, al. a) e 388°, n°.1, al. b), todos do CdVM;

d) 1 coima de €200.000,00 (duzentos mil euros), pela violação, a título negligente, do dever de prestar informação de qualidade à entidade de supervisão, nos termos conjugados dos art°s.7°, nº 1, 389°, n°3, al. b) e 388°, n°1, al. b), 402°, n°1, todos do CdVM e do art°.17°, n°4 do DL n°.433/82, de 27/10;

Atentas as circunstâncias, decidiu aquela Comissão, nos termos do art°.19° do DL n°.433/82, de 27/10, na redacção do DFL n°.244/95, de 14/9, proceder ao cúmulo jurídico das sanções e condenar o arguido numa coima única no montante de € 3.000.000,00 (três milhões de euros);

II.

O Conselho Directivo da CMVM deliberou, ao abrigo do disposto no art°.415°, n°.1 e 3, do CdVM, proceder à suspensão parcial da execução de € 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil euros) da coima aplicada, pelo prazo de dois anos, com as condições indicadas a fls.378 a 381 da decisão condenatória que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

                        51- Por sentença proferida em 11 de Março de 2010, pelo 1° Juízo, 1ª secção do tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n°.1557/08.3TFLSB, foi declarado parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional, instaurado pela CMVM, na parte relativa à infracção de intermediação excessiva. Esta decisão judicial foi objecto de recurso;

                       52- No processo de contra-ordenação n°.41/2008, o Conselho Directivo da CMVM deliberou aplicar ao BBB:

I.

a) 1 coima de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al. a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a €25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 31.03.2004;

b) 1 coima de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al. a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a €25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 11.4.2005;

c) 1 coima de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al.a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a € 25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 20.4.2006;

d) 1 coima de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al. a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a €25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 28.6.2007;

e) 1 coima de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al. a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a €25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 6.11.2007;

f) 1 coima de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), nos termos dos art°s.389°, n°.1, al. a) e 388°, n°.1, al. a) do CdVM (contra-ordenação muito grave, punível com coima de €25.000 a €25.500.000), pela divulgação de informação não verdadeira a 23.12.2007;

II.

Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, supra referidas, nos termos do citado art°.19° RGCORD, e atentas as circunstâncias do caso concreto, o Conselho Directivo deliberou aplicar ao arguido a coima única de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros);

III.

O Conselho Directivo da CMVM deliberou, ao abrigo do disposto no art°.415°, n°.1 e 3, do CdVM, proceder à suspensão parcial da execução de €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) da coima aplicada, pelo prazo de dois anos, com as condições indicadas a fls.349 a 352 da decisão condenatória que aqui se dão por integralmente reproduzidas, já transitada em julgado;

                       53- Relativamente ao processo de contra-ordenação n°3/2008, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, destaca-se que a CMVM considerou na sua decisão o seguinte: (pág. 133)

"1. Intermediação Financeira Excessiva - Artigo 310.°, n.° 1 e n.° 2 do CdVM.

260. Tendo em conta os factos supra descritos, verifica-se que o arguido:

a) com base em campanhas assentes em informação não objectiva, pouco clara e enganosa;

b) que não tinham em conta o perfil do investidor alvo, bem como a situação financeira específica destes ou os respectivos conhecimentos sobre o mercado de capitais; e

c) visando a colocação de um grande número de acções próprias, bem como a angariação de um grande número de novos accionistas;

d) realizou uma acção concertada com vista a induzir clientes a celebrar diversos contratos de aquisição de acções próprias, sendo que:

i. o arguido financiava a aquisição de acções próprias pelos seus clientes; e

ii. as acções próprias do arguido, cuja aquisição o próprio financiava, ficavam detidas junto do arguido, a título de penhor, como forma de garantia do pagamento do mútuo, estando os respectivos titulares proibidos de as vender até integral pagamento da dívida.

(...)

270. Em suma:

a) O arguido montou uma máquina operacional que não tinha em conta, nem o perfil dos investidores, nem a respectiva situação financeira, ou conhecimentos sobre o mercado de capitais;

b) Que visava apenas para atingir o fim de colocação de acções próprias e angariação de novos accionistas;

c) Que afectou a situação patrimonial dos clientes que adquiriram acções, contraíram empréstimos e sujeitaram-se a penhores;

d) E perante o agravamento da situação financeira dos clientes, face à impossibilidade de cumprir os contratos de concessão de crédito que os havia induzido a celebrar, impôs sucessivas renegociações das condições de crédito;

e) Toda a máquina operacional montada pelo arguido visava prevalentemente satisfazer os interesses e objectivos do arguido, sendo claramente estranhos aos interesses dos clientes. (...).”

Relativamente ao processo de contra-ordenação n°.41/2008, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, destaca-se que a CMVM considerou na sua decisão:

(pág. 352)

"Síntese:

a) (...)

b) O BBB, entre 1999 e 2006, praticou factos e realizou operações que nunca deu a conhecer ao mercado, comportamento que integrou uma acção planificada e orientada no sentido de alterar o juízo dos investidores em relação à real situação do BBB.

c) (Entre 1999 e 2004) o BBB utilizou um conjunto de 31 sociedades offshore, (17 offshore Cayman que, em diferentes momentos, foram detidas por 6 diferentes offshore, sub-holding e por 2 offshore holding, e 6 offshore PP) por si controladas, com a finalidade de adquirir e transaccionar acções próprias não declaradas como tal.

d) Aquelas sociedades foram financiadas exclusivamente pelo BBB. Por força do registo do financiamento e das operações realizadas pelas sociedades em apreço como se de entidades exteriores ao grupo se tratassem, a informação financeira publicada não reflectia de forma verdadeira a situação do BBB.

e) A informação financeira divulgada pelo BBB reflectia a contabilização de juros e receitas que não correspondiam de facto a proveitos, omitia perdas realizadas e potenciais acções adquiridas pelas referidas sociedades, assim sobreavaliando os resultados líquidos e os capitais próprios.

f) (...) b (...) Porém, em momento algum o BBB assumiu publicamente essas sociedades offshore como próprias e a actuação delas em mercado como sendo uma actuação do próprio BBB.

(pág. 67)

73. Assim, a aquisição de acções BBB, pelas offshore Cayman e PP, permitiu ao BBB:

a) adquirir e controlar acções BBB correspondentes a mais de 5% do seu capital social;

b) manter a estrutura accionista (fragmentária) do BBB - sem que o seu modelo de governação fosse questionado;

c) procurar defender o comportamento das acções BBB no mercado;

d) realidade que não foi dada a conhecer ao mercado.

(pág. 119)

6. As operações e respectivos prejuízos supra descritos foram sucessivamente ocultados das contas do BBB, quer individuais quer consolidadas, referentes aos anos de 1999 a 2006 e 3° trimestre de 2007, divulgadas ao mercado, não reflectindo aquelas a imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e da respectiva performance do BBB em cada uma das datas referidas, em quantias materialmente significativas.

Designadamente, o valor declarado de capitais próprios chegou a estar sobreavaliado em 21% em 2002 e 2003 e em 17% em 2004; (...).

(pág. 121)

4. O facto do BBB:

a) ter apresentado, entre 1998 e 2007, resultados líquidos do exercício e valores de capitais próprios empolados, isto é, sobreavaliados [ao não reflectirem as perdas sofridas pelas offshore Cayman (e suas decorrências) e PP, e ao contabilizarem os juros e comissões cobrados àquelas offshore].”;

                       54- Os factos apurados pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) deram origem à instauração de processos crimes contra cinco antigos administradores do R., a saber, QQ, RR, SS, TT e UU;

                       55- Tais factos determinaram também a abertura de um processo de contra-ordenação por parte do Banco de Portugal contra os administradores do BBB por utilização irregular de offshores e da prestação de informação falsa ao mercado, relacionada com a compra de acções próprias;

                       56- De acordo com o Banco de Portugal, as referidas offshores compraram títulos BBB com financiamento obtido do próprio grupo, não tendo abatido as acções próprias aos capitais próprios, aumentando artificialmente o valor destes;

                       57- O Ministério Público deduziu acusações contra aqueles administradores, com excepção de UU, por alegados crimes de manipulação de mercado, falsificação de contabilidade e burla qualificada;

                        58- Em 3 de Maio de 2001, a A. recebeu um lote de 303.598 acções BBB, no âmbito do aumento de capital por incorporação de reservas que foi realizado pelo R., nesse mesmo ano;

                       59- Em 31 de Março de 2003, no âmbito do aumento de capital realizado pelo BBB, nesse mesmo ano, a A. adquiriu um conjunto de 4.954.732 acções, ao preço de 1 euro por acção;

                        60- Tratava-se de um aumento de capital com subscrição reservada a accionistas, no exercício do direito de preferência;

                       61- No âmbito da Campanha Capital 2005, cujo período de subscrição decorreu entre 9 e 23 de Dezembro de 2002, a A. adquiriu um conjunto de 1.767.801 acções, ao preço de 2,11 euros por acção;

                        62- Tratou-se de uma campanha de subscrição de valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis em acções BBB em que os accionistas tinham direito de preferência, que a A. exerceu. O período de subscrição dos títulos, conforme referido, decorria entre 9 e 23 de Dezembro de 2002, e a data do vencimento, e que se verificava obrigatoriamente aquela conversão, ocorria em 30 de Dezembro de 2005;

                       63- Por conta desta subscrição, a A. recebeu um juro total no valor de € 841.139,00 euros;

                       64- A A. elaborou os balanços de contas relativos aos exercícios a 2000 a 2006, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;

                    65- No balanço e contas relativo ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2001, consta, inter alia, o seguinte teor: "Tal corresponde, de facto, a uma alteração de critério, face ao procedimento seguido em 2000. Naquele exercício, a depreciação era substancialmente inferior e era convicção deste Conselho de Administração que se trataria de uma circunstância conjuntural, suprível a muito curto prazo, o que justificou a opção de não constituir a provisão correspondente. Em 31 de Dezembro de 2001, o elevado montante da depreciação apurada e a expectativa da sua durabilidade, determinaram a opção de constituir tal provisão. (...) As acções do BBB foram transferidas para esta sociedade em Dezembro de 2000, mediante aquisição feita à DD, SA., anterior titular daquele património, pelo valor contabilístico, isto é, sem o apuramento de mais ou menos valias";

                       66- No decurso do ano de 1998, a parte da Família II que administrava as empresas do Grupo HH decidiu preparar e iniciar uma reestruturação do Grupo;

                       67- A negociação de um acordo entre membros da família II provocou dissensões no seio da família (alteração introduzida pela Relação).

                       68- Apesar de uma grande estabilidade económica, as empresas começaram a viver um certo mal-estar ao nível da gestão, resultante do descontentamento de parte dos seus accionistas;

                       69- A reestruturação das empresas do grupo Nicolau II concretizou-se (alteração introduzida pela Relação).

                       70- Passando o Grupo HH a ficar ordenado nas três subholdings referidas em 5;

                       71- Pontualmente e no âmbito do exercício da sua actividade operacional, a DD, SA. pedia financiamentos a instituições bancárias;

                        72- No exercício da sua actividade, para a liquidação de importações de matérias-primas, a DD, SA., recorria maioritariamente ao Banco VV e à Caixa XX com vista a obter financiamentos bancários;

                       73- Até o ano de 1999, o valor médio da dívida da DD, SA., rondava os 10 milhões de euros;

                       74- A administração daquela sociedade mantinha aquele valor médio de dívida bancária;

                       75- Optou por contratar financiamentos com vários Bancos, para evitar dependência económica em relação a uma só instituição bancária;

                        76- Nunca adquirira acções em Bolsa;

                       77- No início do ano de 1999, das cerca de dez empresas que integravam o Grupo HH, a DD, SA., era, a seguir à sociedade MM SA., aquela que apresentava melhores resultados de exploração;

                       78- No início do ano de 1999, o Dr. RR, na qualidade de vice-presidente do Banco BB, reuniu-se, na sequência de contacto feito pela direcção comercial do R., com o Engenheiro ZZ e o Engenheiro BBB, ambos membros da Família II e administradores da DD, SA. e das empresas do Grupo HH;

                        79- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                       80- Essa compra era representativa de pouco mais de 1% daquele capital social;

                        81, 82 e 83 -Posteriormente à realização da reunião referida no ponto 78, dos factos provados, houve vários contactos, em Ponta Delgada, entre o Dr. BBB (director regional do BBB nos Açores) e o Dr. CCC (director financeiro das empresa do grupo HH), em que se debateram aspectos, meramente técnicos, relativos à aquisição de acções do BBB. O Dr. RR, na reunião aludida no ponto 78, dos factos provados, explicou aos engenheiros ZZ e AAA que um accionista do BBB, designadamente no caso de ter uma posição que o qualificasse para ser membro do conselho superior do Banco, passaria a ter o seu nome a figurar na lista dos corpos sociais do Banco, publicado em relatório, e que as empresas pertencentes a membros do conselho superior recebiam a classificação automática de melhor risco de crédito do Banco (alteração introduzida pela Relação).

                       84, 85, 86, 87, e 88- Não provados  (alteração introduzida pela Relação).

                        89- Na reunião referida no ponto 78, dos factos provados, o Dr. RR informou os Engs. ZZ e AAA que, se a aquisição de acções não fosse concretizada até à assembleia geral do BBB, a realizar em Março de 1999, o Eng.º ZZ só poderia ser eleito para o Conselho Superior do Banco no ano seguinte (alteração introduzida pela Relação).

                        90-Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                       91 e 102-  Provado apenas que o EE financiou a 100% a aquisição de acções representativas do capital social do BBB pela DD, SA., referidas no ponto 101, dos factos provados (alteração introduzida pela Relação).

                        92- Não levantou qualquer obstáculo a esse financiamento;

                       93- Não formulou reservas quanto à rentabilidade do investimento, mencionando que os dividendos futuros das acções pagariam, pelo menos parcialmente, o investimento;

                        94- Convergindo as partes para que o negócio se concretizasse com a DD, SA., porquanto esta era uma empresa integralmente detida pelo grupo, forte e com bons resultados de exploração;

                        95- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                        96- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                       97- Não mencionou qualquer possível desvantagem do negócio nem apontou qualquer risco na compra das acções, avançando ainda com a possibilidade de um dos representantes dos accionistas Família II, passar a ter assento no Conselho Superior do BBB, o que se concretizou;

                       98- Sublinhando que seria muito prestigiante para aquele Grupo empresarial deter uma participação considerável no maior banco privado nacional e por via disso um lugar no Conselho Superior;

                        99- Provado apenas que os representantes da família II envolvidos na negociação do financiamento para a aquisição das acções do BBB estavam convencidos de que a compra de acções do BBB era um negócio “rentável” e de “baixo risco” (alteração introduzida pela Relação).

                        100- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                       101- Provado apenas que a DD adquiriu em bolsa ações representativas de cerca de 1% do capital social do BBB (alteração introduzida pela Relação).

                       102- Provado apenas que para a aquisição das acções referidas no ponto 101, a DD SA contraiu empréstimos junto do EE., o que levou a Administração e os accionistas da DD, SA. a convencerem-se a adquirir em bolsa acções BBB, representativas de cerca de pouco mais de 1% do seu capital social (alteração introduzida pela Relação).

                       103- Por indicação do R., a operação de aquisição das acções, o mútuo e o penhor deviam ser tratados com o Banco EE;

                        104- A aquisição das acções a que se refere 22 (Abril de 1999), foi efectuada pelo preço total de € 997.589,18 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e oitenta e nove euros e dezoito cêntimos euros), o que corresponde a um valor médio de 5,30 euros por acção e no qual se incluem as taxas de corretagem e bolsa e imposto de selo;

                        105- O R. realizou uma campanha comercial de colocação de acções e de angariação de novos accionistas: a Campanha Accionista BBB 2001;

                       106- A campanha accionista BBB 2001, tal como a realizada em 2000, visava a troca das acções detidas pelos accionistas do Banco EE, do Banco DDD, Banco EEE de Seguros FFF, integrados no BBB no ano 2000, por acções do BBB (alteração introduzida pela Relação).

                        107- A Campanha Comercial de 2001 visava "o incremento da base accionista com um significativo aumento do número de accionistas” e "o aumento de capital colocado junto do público”;

            108- No âmbito da Campanha Accionista 2001, a R. divulgou “internamente” informações sobre as características da campanha e os seus objectivos (alteração introduzida pela Relação).

                      109, 110, 111, 112, 113 Não provados (alteração introduzida pela Relação).

                       114- A R. elaborou diapositivos contendo informação sobre a «campanha 2001» (alteração introduzida pela Relação).

                        115- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                        116- Não provado (alteração introduzida pela Relação).

                        117,118- Não provados (alteração introduzida pela Relação).

                       119- O EE financiou a 100% a aquisição de acções representativas do capital social do BBB pela A. (alteração introduzida pela Relação).

                       120- Prometendo a concessão de condições especiais ao nível da taxa de juro anual e ao spread aplicáveis ao financiamento a conceder pelo Banco;

                       121- No dia 21.3.2001 a A. adquiriu as acções referidas em 31, convencida de que estava em causa um negócio de baixo risco;

                        122- As acções adquiridas a 21.3.2001, referidas no ponto 31, foram vendidas pelo preço total de EUR 3.808.925,68, nele se incluindo as despesas constantes do documento de fls. 2912, o que corresponde a um valor médio de EUR 4,29 por acção (alteração introduzida pela Relação).

                       123- A cotação das acções BBB atingiu, a partir do 1° trimestre de 2002, valores muito abaixo dos price targets apontados aos clientes do R., na Campanha 2001;

                       124- A evolução do PSI-20 nos anos de 2001 a 2006 foi oposta à evolução das acções do BBB, nos seguintes termos:



2001
2002
2003
2004
2005
2006
Cotação do
PSI-20
a 31 de
Dezembro

7.831,49

5.824,70

6.747,41

7.600,16

8.618,67

11.197,60


                       125 - No período de 2001 a 2006, as acções BBB tiveram uma quebra na ordem dos 40%;

                        126- No mesmo período, o índice do PSI-20 teve uma valorização na ordem dos 43%, incluindo o título BBB;

                        127- Os títulos referentes a outras entidades bancárias representadas no PSI-20 tiveram as seguintes cotações;



2001
2002
2003
2004
2005
2006
Cotação
do LL a
31 de
Dezembro

2,065

2,095

2,806

2,864

3,710

5,68

2001
2002
2003
2004
2005
2006
Cotação
do GG a
31 de
Dezembro

14,47

12,50

13,00

13,30

13,60

13,62

                       128- Os balanços da DD, SA., referentes aos exercícios de 1997 e de 1998, mostram que o seu grau de solvabilidade (Capital Próprio/Passivo total) era de 97,5% e 92,3%, respectivamente;[1]

                        130- O activo era financiado em cerca de 50% por Capitais Próprios;

                       131- O resultado líquido daquela sociedade foi de €1.127.342,00 (226.011.801 escudos) e €3.289.015,00 (659.388.377 escudos), respectivamente;

                       132- Em 1998, o valor total do passivo era de € 13.294.934,00 (2.664.570.638 escudos);

                       133- A DD, SA., e, posteriormente, a A., continuaram a pagar os juros remuneratórios, nas datas de vencimento e nos termos acordados, após a queda da cotação das acções;

                        134- Por causa da descida brusca da cotação das acções BBB e da falta de liquidez que o Grupo HH começou a sentir, no dia 17 de Fevereiro de 2003 a A. e o R. acordaram na alteração aos 21 contratos de mútuo acima referidos;

                        135- Pelos fundamentos referidos em 134, no dia 19 de Março de 2004, a A. e o R. acordaram na alteração ao contrato de mútuo, celebrado no dia 21 de Março de 2001;

                        136- Pelos fundamentos referidos em 134, no dia 8 de Março de 2007, a A. e o R. acordaram, mais uma vez, a prorrogação do prazo do vencimento deste empréstimo para o dia 21 de Março de 2008;

                       137- Em consequência dos contratos de mútuo que celebrou e tendo em conta as mencionadas prorrogações do prazo dos contratos celebrados em 1999 e em 2001, a A. teve de pagar ao R. o total de €13.652.547,99 a título de juros remuneratórios;

                       138- A A. pagou além dos mencionados em 137 os juros remuneratório até 2012 no valor global de € 1.251.303,49;

                        139- Como no final de cada ano, a cotação da acção BBB era inferior ao valor da cotação do ano anterior, a A., pelas regras contabilísticas aplicáveis, contabilizava essa diferença como custo nas suas demonstrações de resultados, e registava essa desvalorização nos seus balanços de 2000 a 2006;

                        140- A A., a partir de 2001, passou a ter um passivo elevado por força de ter assumido a posição contratual da DD, SA., nos contratos de financiamento celebrados com o R.;

                       141- Em 2004, a A. tinha um passivo total no valor de € 95.751.617,00 euros, o que correspondia a um endividamento na ordem dos 90% (total do Passivo/total do Capital Próprio + Passivo);

                        142- Do passivo acima referido, €71.733.238,00 euros reportavam-se aos empréstimos contraídos para o financiamento das aquisições de acções BBB;

                       143- Estes empréstimos tinham um peso de 75% no total do passivo da A.;

                       144- Em 2005, os empréstimos contraídos para a aquisição das acções tinham um peso de 67% e, em 2006, de 63% no total do Passivo da A.;

                        145- O reduzido valor da acção BBB e o custo do pagamento pela A. dos juros dos empréstimos concedidos para as aquisições, determinou uma situação económica muito difícil da A. e do Grupo HH;

                       146- Por força da situação descrita em 141 a 145, no ano de 2006, a família II decidiu vender as acções representativas do capital social da A., deixando de ser accionista de uma sociedade por ela dirigida há muitas décadas e que tinha o respectivo nome na denominação social;

                       147- A decisão de alienação das acções BBB foi tomada pela Administração da FF - …, SA., com o propósito exclusivo de estancar os prejuízos sofridos devido à aquisição pela A. das acções BBB;

                       148- Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 91º (anterior ponto - alteração introduzida pela Relação).

                       149- No dia 26/4/2007 foram vendidas 16.509.365 acções do BBB, correspondendo à totalidade das acções do BBB de que a autora era naquela data titular (alteração introduzida pela Relação).

                       150- Provado apenas o que consta do ponto 149, dos factos provados (alteração introduzida pela Relação).

                       151- As acções referidas no ponto 149 foram vendidas por EUR 47.656.521,61, sendo o valor médio por acção de EUR 2,890972 (alteração introduzida pela Relação).

                        152- Em 31 de Dezembro de 2007, a acção BBB estava cotada em 2,92 euros;

                        153- Em 31 de Dezembro de 2008, a acção BBB estava cotada em 0,815 euros;

                        154- Em 31 de Dezembro de 2009, a acção BBB estava cotada em 0,845 euros;

                       155- No final do mês de Agosto de 2008, a autora tomou conhecimento de que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) instaurou um processo de contra-ordenação (processo n°.3/2008) contra o R.;

                       156- No final do mês de Agosto de 2009 a A. tomou conhecimento de que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) instaurou um novo processo de contra-ordenação contra o R. no processo nº 41/2008;

                       157- A A. não teve que pagar qualquer preço pela atribuição das acções referidas em 58;

                        158- Os valores referidos em 62 eram remunerados mediante o pagamento trimestral de juros, calculados a 9% (TANB) sobre o valor nominal;

                       159- Em 6 de Março de 2001 a GG, divulgou uma recomendação de compra das acções BBB apresentando um price target de 6,30 euros;

                       160- Pelo menos em Dezembro de 2001 a A. sabia já que a decisão de aquisição das acções do R. lhe causou prejuízos;

                       161- Em 26 de Junho de 2007 a acção BBB valia 4,22 euros. --------------

                       2-2- Como se vê, pese embora a Relação tenha alterado amplamente a matéria de facto dada como assente na 1ª instância, o certo é que acabou por declarar procedente a excepção da caducidade (do “direito indemnizatório invocado pela autora, fundado na violação das correspondentes normas do Código de Valores Mobiliários que impõem determinados deveres de informação”), em razão de ter decorrido, pelo menos, o prazo de dois anos previsto no artigo 243º, al. b) no Código dos Valores Mobiliários (CdVM), sem necessidade de se socorrer das alterações introduzidas na matéria de facto. Concedeu provimento ao recurso, absolvendo a R. do pedido, não conhecendo do mérito da acção.

                        Na apreciação da excepção, foi considerada a infracção pelo Banco R. do disposto no art. 7º CdVM (qualidade da informação), sendo que a responsabilidade decorrente da violação do dispositivo, segundo o douto acórdão recorrido, deve ser integrada, quanto aos prazos de exercício do direito, no que referem as disposições combinadas dos arts. 251º e 243º al. b) do mesmo diploma.

                        Porque se trata da apreciação de uma excepção peremptória (art. 579º nº 1 do C.P.Civil), a sua análise deverá preceder todos os outros temas suscitados pela recorrente. A proceder a excepção, a absolvição da R., com a extinção do direito invocado pela A., deveria ser declarada (e, assim, confirmar-se, o acórdão recorrido). Evidentemente que a improcedência da excepção, desencadearia a apreciação dos outros assuntos invocados pela recorrente na presente revista, o que se efectuaria se se se considerasse necessário[2].

                       De sublinhar, desde logo, que a este STJ, como tribunal de revista, compete aplicar o regime jurídico adequado, como resulta do disposto no art. 682º nº 1 do C.P.Civil, não podendo a decisão proferida, quanto à matéria de facto, ser alterada, “salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º” (caso de prova vinculada)[3] – nº 2 do mesmo dispositivo -. Serve isto para dizer que será face ao circunstancialismo material assente pelas instâncias que este Supremo Tribunal terá de aplicar o direito.

                       O tribunal de 1ª instância considerou dever proceder-se à recepção dos factos constantes da decisão contra-ordenacional definitiva, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo 41/2008[4]. É que, no seu entender, a recepção dos factos provenientes de decisões contra-ordenacionais deve fazer-se, nos termos do art. 623º do C.P.Civil, já que não existe qualquer razão para as distinguir das decisões definitivas proferidas no processo penal, porque “a confiança de que a sentença penal é merecedora aplica-se de igual forma à sentença contraordenacional …pois este processo é norteado por idênticos princípios aplicáveis ao processo penal e tutelados constitucionalmente, sendo que ao arguido são conferidos mecanismos de defesa e de impugnação equivalentes em face das sanções em causa. As diferenças que existem nos respectivos regimes não são suficientes para fundamentar o afastamento da decisão contraordenacional do regime previsto no art. 623º”.

                        Sublinhe-se que, no que respeita à apreciação da excepção da caducidade do direito indemnizatório por violação das normas do Código de Valores Mobiliários, designadamente do disposto no art. 7º nº 1 do CdVM (que impõe, à entidade emitente, o dever de uma informação “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”), os factos provados acima referenciados, por si só, não são susceptíveis de denunciar a correspondente violação (como iremos ver melhor mais à frente). O mesmo sucede em relação à manipulação do mercado (art. 379º do CdVM). Segundo cremos, foi por isso que a sentença de 1ª instância se teve de socorrer dos factos demonstrados no dito processo de contra-ordenação nº 41/2008 a fim de, através da respectiva recepção de harmonia com o disposto no art. 623º do C.P.Civil, os considerar também aqui provados e deles inferir a violação do dever de informação pelo Banco R.[5]

                      Na apelação o recorrente, BBB, insurgiu-se contra este entendimento e decisão pois, no seu prisma, em razão da autonomia material entre os dois ramos do direito e da inadmissibilidade da interpretação extensiva ou por analogia do art. 623º do CPC, os factos dados como provados na decisão proferida pela CMVM no dito processo contra-ordenacional (nº 41/2008) não podem fazer parte do acervo dos factos provados na presente acção.

                       Respondendo ao tema o douto acórdão recorrido afirmou que “marcado pela autonomia entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, seja a nível constitucional, seja a nível infraconstitucional, e por diferenças estruturantes (substantivas e formais) de cada um dos regimes, entendemos que está vedada a interpretação da norma excecional contida no art. 623º, do CPC (cf. o art. 11º, do CC) no sentido de se atribuir à decisão contraordenacional a eficácia probatória que aquele preceito do CPC confere à sentença penal condenatória”, pelo que decidiu que “a factualidade dada como provada na decisão contraordenacional não poderá servir de base factual relevante, na decisão sobre o mérito da causa, na presente ação”. Ou seja, defendeu e decidiu no sentido de que os factos provados no processo de contra-ordenação, em contrário da factualidade assente em processo penal, não podem ser levados em linha de conta numa acção cível.

                        A recorrente discorda deste entendimento, pois continua a sustentar que os factos dados como demonstrados no dito processo contra-ordenacional, devem ser considerados como provados nesta acção cível, por força do dito art. 623º.                           Diga-se, desde logo, que a decisão sobre esta questão é imprescindível para a apreciação da excepção da caducidade. É que se concluir que os factos dados como demonstrados no dito processo não podem ser recepcionados nos presentes autos, então ficaremos sem matéria factual suficiente para a decisão da violação pelo Banco R. do dever de informação e, por isso, não se poderá, sequer, colocar a questão da caducidade do direito. Não existindo direito, a hipótese da sua caducidade não se pode logicamente colocar. Repete-se, os factos demonstrados acima referenciados não dão para afirmar (e concluir) a violação pelo R., como entidade emitente, do dever de informação de qualidade.

                        Sobre o tema defende, mais concretamente, a recorrente, em favor da sua tese, que as diferenças que indiscutivelmente existem entre os regimes penal e de mera ordenação social não são suficientes nem adequadas para justificar uma resposta negativa à questão, que antes postula e depende da interpretação do art. 623º do C.P.Civil, para a qual é essencial ter em conta a respectiva teleologia. A finalidade desta norma não consiste em hierarquizar os casos julgados em função da sua pretensa eficácia no apuramento da verdade material ou de uma suposta credibilidade e merecimento acrescidos, de modo a colocar no topo a decisão penal e na base a contra-ordenacional, ficando a sentença cível no meio. Se o legislador visasse sobrepor a decisão penal à sentença civil, porque aquela era "mais merecedora de confiança", seria inexplicável a possibilidade de ilisão da presunção e de consequente reapreciação da prova pela instância cível a qual é abertamente consagrada pelo dito art. 623º. A finalidade deste dispositivo é assegurar a consistência entre decisões sobre os mesmos factos e, em consequência, a aplicação uniforme do Direito. O legislador português atribui relevância significativa à unidade do sistema jurídico, preconizando no nº 3 do art. 8º do C. Civil. O art. 623º procura assegurar, se e quando possível, a consistência entre decisões penais e civis, não estando nele em causa ordenar as decisões de acordo com um hipotético critério de maior ou menor fiabilidade, mas antes e através de mera presunção juris tantum que permite respeitar a reserva jurisdicional, proporcionar a consistência entre decisões ulteriores que vão recair sobre os mesmos factos constitutivos já apreciados por decisão anterior. A eficácia probatória extra-processual consagrada no artigo 623º visa, pois, e na medida do possível, garantir a congruência entre decisões, tomadas em momentos diversos, sobre os mesmos pressupostos, assim observando, no plano da realização do Direito, a unidade do sistema jurídico. É à luz desta teleologia que há-de ser interpretado o dispositivo em ordem a determinar se é legítima a respectiva interpretação extensiva e a ampliação às decisões contra-ordenacionais que incidam sobre os factos pressupostos da responsabilidade civil. O que a interpretação do preceito exige é averiguar se a relação entre decisão condenatória penal, fundada na prova dos factos que constituem pressupostos da punição, por um lado, e a sentença civil que recai sobre a prova dos mesmos factos como pressupostos da responsabilidade civil, por outro, é idêntica à relação entre uma decisão contra-ordenacional do mesmo teor e a sentença civil que acolhe a responsabilidade civil com base na mesma factualidade. É evidente que a decisão contra-ordenacional sobre factos que representam os pressupostos da contra-ordenação deve valer, em processo cível, como presunção ilidível da verificação daqueles mesmos eventos que correspondam aos requisitos do nascimento da obrigação de indemnizar. E isto porque vale a exacta mesma razão que justifica a solução daquele preceito do Código de Processo Civil, sendo que a coerência entre decisões não elimina diferenças, e antes visa garantir, no pressuposto e respeito por estas, a unidade do sistema jurídico. A interpretação contrária, decretada pelo Tribunal a quo, baseada na autonomia entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, baseia-se na argumentação improcedente de uma pseudo hierarquia de jurisdições e ignora, por completo, a teleologia da norma, assim perfilhando interpretação que inobserva o art. 623º. Não colhe o argumento de que a letra da lei constitui limite para a interpretação extensiva, porquanto a doutrina, dando prevalência ao elemento teleológico, considera, de há muito tempo a esta parte, que o intérprete pode concluir que a letra da lei diz menos do que pretendia o legislador, ou como enunciavam os antigos lex minus dixit quam voluit. É justamente o que se defende no caso em apreço: o pensamento legislativo a que a norma quis dar expressão abarca inquestionavelmente as decisões contra-ordenacionais, dada a necessidade de observar o princípio da unidade do sistema jurídico. A interpretação extensiva do artigo permite ultrapassar as dificuldades, insuperáveis, de prova por parte dos particulares, assim se protegendo a verdade material. Não se defende uma interpretação por integração analógica do art. 623º mas, de qualquer modo, a proibição da aplicação analógica de normas excepcionais não se estende à interpretação extensiva. A norma do art. 623º não se reveste de carácter excepcional, limitando-se a impor como presunção legal ilídivel a condenação em outro processo, não sendo de modo algum coarctado o poder de livre decisão do juiz. Apenas se consagra uma facilitação da prova e não uma liberação da mesma, o que significa que não existe afastamento da apreciação independente da prova pelo juiz e apenas a consagração legal de ilacção que, se não existisse, não deixaria de valer como presunção hominis ou de facto. É indiscutível que os factos relativos ao processo de contra-ordenação n.º 41/2008, constantes dos pontos 52 e 53, 2.ª parte, da fundamentação de facto, não podem e não devem ser excluídos do elenco da matéria dada como provada, uma vez que foram objecto de acordo entre as partes e nunca foram objecto de qualquer impugnação. A recepção de tais factos por via da presunção consagrada no art. 623º é uma forma diferente de acolher a sua relevância no presente processo. O juízo condenatório da CMVM constitui facto provado e assente nos autos. Acresce que, estando junto ao processo documento autêntico constituído pela certidão emitida pelo 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, referente ao processo nº 41/2008, atestando ter a ora Recorrida sido condenada por sentença transitada em julgado, está também assegurada, de acordo com o n.º 2 do artigo 363º e com o artigo 371º do Código Civil, a prova plena da existência de tal condenação. Os factos relativos ao processo de contra-ordenação nº 41/2008, constantes dos mencionados pontos 52 e 53, 2.ª parte, da fundamentação de facto são aptos para servir de base factual relevante na decisão sobre o mérito da causa porque são susceptíveis de fundamentar a decisão final, no sentido de sustentar a procedência ou improcedência da acção pelo Tribunal. Não se vislumbra a razão pela qual o Tribunal a quo afirma que determinados pontos que constam da decisão de facto não poderão, à partida, ser relevantes para a decisão de direito, até porque tal afirmação não é minimamente esclarecida nem fundamentada no acórdão. Para além dos mencionados pontos poderem, em termos abstractos, fundamentar o julgamento do mérito da causa, a realidade é que os mesmos são efectivamente relevantes para esse efeito, uma vez que, se um dos pressupostos do pedido da A. é a existência de violação de uma norma de protecção, a condenação da R. no âmbito do processo de contra-ordenação nº 41/2008, a que se referem os pontos 52 e 53, 2.ª parte, da decisão de facto, não pode deixar de ser considerada relevante para fundamentar o juízo nesse sentido.

                        A esta argumentação responde o Banco recorrido sustentando, em síntese, não poder fazer-se a equiparação entre decisões penais e contra-ordenacionais, dadas as profundas diferenças entre o direito penal e o direito de mera ordenação social. A solução legal do art. 623° tem por fundamento razões de ordem teleológica, de onde avulta a superior confiança da qual a decisão proferida em processo penal é merecedora.

                        Vejamos:

                       Estabelece o 623º do C.P.Civil que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”.

                        Ou seja, perante este dispositivo e para o que aqui importa, fica claro que com a condenação definitiva em processo penal se estabelece, em relação a terceiros, uma presunção (ilidível) quanto à existência dos factos apurados nesse processo, nos termos definidos na disposição. Fixa-se, assim, na norma os termos em que determinados factos provados no processo penal podem ser aproveitados no processo cível.

                       O dispositivo diz respeito aos factos decorrentes de uma condenação definitiva proferida em processo penal. A questão que se coloca, no presente caso, é a de se saber se esta disposição deve ser aplicada em caso de condenação definitiva de um sujeito em processo de contra-ordenação. E, como se viu, sobre o tema existe patente controvérsia, pronunciando-se pela equiparação das situações a sentença de 1ª instância e a A., ora recorrente, e em sentido contrário o acórdão e o Banco recorridos.

                       Segundo cremos, sem grandes dúvidas, a razão está do lado do douto acórdão recorrido e do Banco R..

                       Em sede de interpretação de lei, nos termos do art. 9º do C.Civil, o intérprete deve tentar reconstituir a mens legislatoris, sendo que a vontade do legislador só poderá ser tida em conta em termos de interpretação da lei, quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto. Além disso, deve pressupor que elegeu as soluções mais criteriosas e exprimiu o seu pensamento em termos apropriados. Em relação ao art. 9º, Pires de Lima e Antunes Varela escrevem que “resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do nº 3[6]

                        Ainda a propósito de interpretações de leis refere Manuel Andrade “daqui procede que interpretar, quando de leis de trata, significa algo diverso de interpretar em outros casos: interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentre várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva … O pensamento da lei é, pois, todo e qualquer pensamento que pode estar nas suas palavras, deste modo podendo a lei encerrar em si dois, três, cinco dez pensamentos que à escolha podem valer como verdadeiros. Os princípios de interpretação devem, por consequência, dar-nos não só a possibilidade de atrás das palavras encontrarmos os pensamentos possíveis, mas também a de entre os pensamentos descobrirmos o verdadeiro[7].

                       Tentando reconstruir o pensamento legislativo, compulsámos o preâmbulo do Dec-Lei 329A/95 12/12 que introduziu o dispositivo em causa no processo civil (então sob o art. 674º A), referindo-se, quanto a esta introdução que “no que se refere à disciplina dos efeitos da sentença assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando do Código de Processo penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se todavia o âmbito da eficácia «erga omnes» da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção ilidível por terceiros, da existência do facto e da respectiva autoria”.

                       Ou seja, na justificação da introdução do dispositivo no sistema legal, o legislador sublinhou a adequação da decisão penal condenatória (e só desta) ao âmbito de eficácia «erga omnes».

                       No art. 623º fala-se expressamente em “condenação definitiva proferida no processo penal”. A disposição, que foi introduzida no processo civil na reforma de 1995, passou, na sua formulação, incólume nas diversas reformas de processo civil ocorridas posteriormente. Daqui, segundo cremos, é lícito concluir que o legislador ao empregar a expressão “processo penal” quis dar-lhe um significado técnico preciso e, patentemente, que a aí não quis incluir o processo de contra-ordenação, sabendo-se, como se sabe, que já na altura da reforma processual de 1995 existia o processo contra-ordenacional (foi introduzido no nosso sistema legal pelo DL nº 232/79, de 24/7). Certamente que não deixaria de aí se referir ao processo de contra-ordenação se fosse sua intenção aplicar o regime em causa a esse tipo de processos.

                       Nos termos do art. 9º nº 3 do C.Civil “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, donde decorre que quando o legislador se referiu, no dito art. 623º, ao processo penal, só a este se quis referir. Não é compreensível, se fosse intenção do legislador integrar na dita disposição a decisão proferida no processo de contra-ordenação, não lhe tivesse feito uma referência expressa, tanto mais que nas diversas reformas ocorridas posteriormente à introdução do dispositivo no sistema legal, não diligenciou por qualquer modificação nesse sentido (inserindo aí as decisões contra-ordenacionais). Ou seja, o que o legislador quis dizer na formulação do art. 623º foi precisamente o que disse, o que serve para excluir qualquer a interpretação extensiva da norma[8], visto que esta só terá lugar, como é sabido, quando se conclua “pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit voluit”) in Parecer nº 71/76 da PGR de 8-7-1976, BMJ 263º, 103-. A interpretação extensiva só deverá, pois, ter lugar quando o intérprete, ao reconstruir o texto da lei segundo os critérios estabelecidos no art. 9º do C.Civil, reconheça que o legislador, ao elaborar a norma, disse menos do queria e, por isso, será necessário alargar o âmbito do texto legal, o que não ocorre no caso, pois, repete-se, o legislador quis dizer o que, na realidade afirmou.

                        Quer isto dizer que a interpretação sobre o alcance a dar ao dito art. 623º, excluindo dele as decisões proferidas em processo de contra-ordenação, foi certa.

                        Mas há mais.

                       Existem, a nosso ver, fundamentos fortes para distinguir as decisões proferidas no âmbito processual penal das decisões emitidas em processo de contra-ordenação, dada a natureza de umas e de outras.

                        Como se afirma no preâmbulo do Dec-Lei nº 232/79, de 24/7 “O direito de mera ordenação social tem sido, na última década, objecto de cuidada e persistente reflexão tanto por parte da doutrina estrangeira como da doutrina portuguesa. Por isso é que, a par de alguns pontos de controvérsias que persistem, se registam já consideráveis áreas de consenso ou mesmo de unanimidade. Como acontece, manifestamente, quanto à distinção entre o direito de mera ordenação social e o direito penal. Hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contra-ordenação «é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal» (…) Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. (…) A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridades administrativas, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas colectivas e adoptar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade”. Logo por aqui se vê que próprio legislador distingue o direito de mera ordenação social, do direito penal sendo que entre os dois ramos de direito “medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza”, sendo que a sanção (normal) da contra-ordenação é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridades administrativas (com o sentido dissuasor, de uma advertência social), o que não sucede, como se sabe, no processo penal. Além disso, no processo de contra-ordenação, em divergência com o processo penal, adopta-se “um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade”.

                        Pode-se, assim, afirmar que o direito contra-ordenacional não se identifica, nem material nem formalmente com o processo penal.

                       Esta mesma diferença acentua-se, no relatório inicial do Dec-Lei 433/82, de 27/10 (que revogou o anterior diploma - Dec-Lei nº 232/79, de 24/7-), ao afirmar-se que “a necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções. Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal.” (…) No sentido da “urgência de conferir efectividade ao direito de ordenação social, distinto e autónomo do direito penal, apontam as transformações operadas ou em vias de concretização no ordenamento jurídico português, a começar pelas transformações do quadro jurídico-constitucional.” “Com a revisão constitucional aprovada pela Assembleia da República o direito das contra-ordenações virá a receber expresso reconhecimento constitucional (cf. v. g. os textos aprovados para os novos artigos 168.º, n.º 1, alínea d), e 282.º, n.º 3). Por outro lado, o texto aprovado para o artigo 18.º, n.º 2, consagra expressamente o princípio em nome do qual a doutrina penal vem sustentando o princípio da subsidiariedade do direito criminal. Segundo ele, o direito criminal deve apenas ser utilizado como a última ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal”. Quer dizer, mais uma vez o legislador separa e diversifica o direito penal do direito contra-ordenacional. Os princípios que distinguem o processo penal do processo contra-ordenacional são evidentes a começar pela circunstância de a decisão penal ser da competência exclusiva de um tribunal, enquanto, a decisão no processo contra-ordenacional ser atribuída à administração[9]. Seria, por isso, inaceitável e intolerável impor ao tribunal cível, nos termos do dispositivo em questão, a apreciação de prova e a decisão proferida por uma autoridade administrativa.

                       A este propósito não será demais focar que, estando o processo penal imbuído do objectivo primacial da descoberta da verdade material (o que não sucede com o processo de mera ordenação social, que postula e sanciona meras regras de convivência social, decorrentes do crescente intervencionismo do Estado)[10], compreende-se que à sentença penal seja atribuída uma peculiar segurança e que, por isso, o legislador de 1995 lhe tenha conferido a confiança necessária de forma a estabelecer a presunção a que alude o dito dispositivo, “no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal”. Isto é, o legislador entendeu existirem condições para o juiz cível confiar e acreditar no julgamento efectuado no processo penal, quanto aos ditos elementos. O juiz, no processo penal, com base no princípio inquisitório, tem amplos poderes de investigar e determinar a real veracidade dos factos, de chegar ao âmago ou essência da realidade. Isto justifica a atribuição da excepcional força probatória às decisões proferidas no processo penal em relação aos factos imputados ao visado. Como se refere no parecer de Nuno Brandão junto aos autos de fls. 3212 e segs., invocando Jean Pardel “a repercussão do juízo penal no civil fundamenta-se, sobretudo, na circunstância de se considerar que os processos criminais “são guardiães de ordem pública e decidem da vida, da honra e da liberdade dos cidadãos, enquanto os tribunais cíveis apenas decidem interesses privados, sobretudo patrimoniais” e “o juiz penal tem meios de investigação superiores ao do processo civil e melhor colocado para obter a verdade”.

                       A propósito da disposição em análise, afirma Lopes do Rego que (in Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, Dezembro de 1999, 448), “estabelece-se neste preceito a relevância “reflexa” do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza civil, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente em conta, que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza “prática” de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada (sublinhado nosso) (…). A eficácia «erga omnes» da decisão penal condenatória, é, deste modo, temperada com a possibilidade de os titulares de relações civis conexas – terceiros relativamente ao processo penal – ilidirem a presunção de que o arguido cometeu efectivamente os factos integradores da infracção que ditou a sua condenação”.

                       Significa isto que, atendendo aos princípios de segurança, no sentido da descoberta da verdade material, de que enferma o processo penal, o legislador entendeu atribuir à decisão penal a presunção (ilidível) quanto à existência dos factos determinantes da condenação criminal. As razões desta presunção legal, repete-se, resultam do entendimento sedimentado de que o processo penal buscando a verdade material, pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, com vista ao estabelecimento da certeza de que o arguido cometeu a infracção que lhe é imputada. Por isso, considerando-se que o processo penal oferece garantias de indagação superiores às do processo civil, considerou-se adequado o estabelecimento da presunção quanto à existência dos factos a que alude o dispositivo.

                       Este Supremo foi chamado, ao que sabemos, uma única vez a pronunciar-se sobre o alcance a dar ao disposto no art. 623º do C.P.Civil, tendo decidido que “I - O art. 623.º do NCPC, referindo-se à condenação definitiva proferida no processo penal, somente em relação a esta estabelece a presunção, que se impõe ao juiz cível, e que é ilidível, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime. II - A decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa proferida no âmbito do art. 104.º, n.º 4, da LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14-09, não se equipara a sentença penal a que possa aplicar-se o disposto no art. 623.º do NCPC. III - Limitando-se o efeito do caso julgado da decisão homologatória à concordância dada por todos os intervenientes relativamente à medida tutelar educativa proposta pelo MP, não podem nele incluir-se os factos qualificados na lei como crime e imputados ao menor como justificativos da sua aplicação”.

                       Quer dizer, em paralelismo com a situação vertente, também se considerou, por se tratar da homologação de uma decisão num processo tutelar educativo, que os fins e as garantias dos processos, tutelar e penal, são distintas, pelo que se decidiu não ser de aplicar o disposto no art. 623º do C.P.Civil quanto a uma decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa.

                       Defende ainda a recorrente que, estando junto ao processo documento autêntico constituído pela certidão emitida pelo 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, referente ao processo nº 41/2008, atestando ter a ora recorrida sido condenada por sentença transitada em julgado, está também assegurada, de acordo com o nº 2 do artigo 363.º e com o artigo 371º do Código Civil, a prova plena da existência de tal condenação.

                       Evidentemente que a certidão em causa demonstra a condenação do Banco R. Mas nada mais. Designadamente, não prova a ocorrência da factualidade material que determinou a condenação. É que nos termos do disposto no artigo 371º do C.Civil, a circunstância de a decisão da CMVM constituir um documento autêntico apenas faz prova plena quanto aos factos que tenham sido praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e quanto aos factos cuja ocorrência tenha sido atestada pela entidade documentadora com base na sua própria percepção. Mas, como nos parece claro, já não faz prova plena dos factos que constituem o objecto dos processos de contra-ordenação em causa, dado que esses factos não foram praticados pela autoridade ou oficial público respectivo nem a sua ocorrência foi atestada pela entidade documentadora com base na sua própria percepção. Isto mesmo se referiu no douto acórdão recorrido ao afirmar-se que “não está em causa que a decisão proferida no processo contraordenacional (e cuja certidão foi junta aos autos) é um documento autêntico. Todavia, atento o disposto no art. 371º do CC., a sua força probatória respeita apenas aos factos nela referidos como tendo sido praticados pelo decisor, bem como aos atestados com base nas suas perceções…. É, assim, evidente que os factos, objeto de produção de prova, e que foram dados como provados no processo de contraordenação não estão abrangidos pela força probatória (plena) de que goza, no sentido atrás apontado, a decisão proferida naquele processo”.

                       Significa isto tudo que a factualidade mencionada nos processos de contra-ordenação, especialmente a do nº 48/2008 acima referenciado, não pode ser aqui utilizada para a aplicação do direito.

                       

                       A sentença de 1ª instância referiu (ainda) que “está ainda demonstrado que a cotação das acções da R. atingiu, a partir do 1º trimestre de 2002, valores muito abaixo do price target apontados aos clientes do R., na Campanha de 2001; que no período de 2001 a 2006, as acções BBB tiveram uma quebra na ordem dos 40%. Provou-se ainda que no mesmo período, o índice do PSI-20 teve uma valorização na ordem dos 43%, incluindo o título do BBB e que as acções BLL e BGG tiveram uma evolução regular e coincidente com a performance do PSi-20. Ao contrário as acções do R. caíram abruptamente e não acompanharam e performance dos demais títulos e do PSI-20 … o que demonstra que o seu valor não era alcançado através do regular funcionamento do mercado. Os factos acima demonstrados demandaram a condenação do R. em processo contraordenacional, pela violação das normas de protecção acima identificadas … o que para aqui releva uma vez que nada infirma esse juízo. Demonstrou-se, pois, que o R. agiu à margem do regular funcionamento do mercado financeiro”.

                        Para além dos factos que foram dados como assentes no aludido processo de contra-ordenação[11], provaram-se, para o que aqui importa, os factos acima referenciados sob os nºs 123, 124, 125, 126[12], ou seja, que a cotação das acções BBB atingiu, a partir do 1° trimestre de 2002, valores muito abaixo dos price targets apontados aos clientes do R., na Campanha 2001, sendo que a evolução do PSI-20 nos anos de 2001 a 2006 foi oposta à evolução das acções do BBB, nos termos acima indicados. No período de 2001 a 2006, as acções BBB tiveram uma quebra na ordem dos 40%, sendo certo que no mesmo período, o índice do PSI-20 teve uma valorização na ordem dos 43%, incluindo o título BBB.

                       A nosso ver e suprimindo a materialidade que a sentença de 1ª instância deu como assente proveniente do processo contra-ordenacional, estes factos não são susceptíveis de indiciar a violação das normas a que aludem os arts. 7º (qualidade da informação) e 379º (manipulação do mercado[13]), não sendo lícito inferir-se face aos factos provados, como faz a sentença de 1ª instância, que o valor das acções não tenha sido alcançado através do regular funcionamento do mercado. Como é notório o price targets não constitui mais que uma indicação do valor que poderão atingir as acções, sabendo-se que esse valor poderá não vir a ser alcançado no volátil mercado financeiro.

                       Não podendo a factualidade mencionada no processo de contra-ordenação nº 48/2008 servir de base factual relevante neste processo, não existem factos demonstrados que levem a concluir a violação pelo Banco R. das ditas normas, especialmente do art. 7º do dito CdVM, o que leva, desde já à improcedência da acção.

                        Mas mesmo que assim não fosse e para que não fiquem dúvidas, ocorreria a caducidade do direito invocado pela A., como o douto acórdão recorrido decidiu e como iremos ver.

                       Como já acima dissemos, a factualidade necessária à apreciação desta excepção foi (desde logo) assente na 1ª instância[14], pelo que a apreciação (e alteração da matéria de facto) feita pela Relação resulta inútil e desnecessária para análise de tal matéria. Desta circunstância advém que todas as objecções e irregularidades invocadas pela recorrente em relação à matéria de facto dada como demonstrada no acórdão recorrido, resultam (agora) improficientes.

                        Vejamos então:

                       No douto acórdão recorrido sobre o tema em discussão referiu-se, de essencial para o que aqui importa, que “em sede de responsabilidade civil por deficiente informação, o atual CdVM definiu todos os pressupostos do instituto: a ilicitude, a culpa ou imputação objetiva, as causas de exclusão da responsabilidade, o dano, o nexo de causalidade entre o dano e o ato lesivo, o prazo do exercício do direito. Na verdade, em diversos preceitos indica os responsáveis, regula a ilicitude e a culpa (art. 149º), define o critério de apreciação da culpa (art. 149º, nº2 impõe a solidariedade dos responsáveis (art. 151º), prevê causas de exclusão da responsabilidade (art. 149º, nº3) e casos de responsabilidade objetiva (art. 150º), estabelece as regras sobre a medida do dano indemnizável (art. 152º) e os prazos de exercício do direito (arts. 153º e 243º) e impõe a imperatividade das respectivas normas (art. 154º). Por sua vez, elegeu como matriz da responsabilidade por informações deficientes, relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, o regime da responsabilidade pelo prospeto, figurando como paradigma relativamente a outras matérias. Na verdade, para além de outras áreas em que serve como modelo, este regime aplica-se, com as devidas adaptações, à responsabilidade por informação periódica e factos relevantes (art. 251º, do CdVM), quando divulgada em termos contrários aos prescritos na lei. Em razão destes pressupostos conclui afirmando que “atendendo às especificidades do mercado de valores mobiliários, no âmbito da responsabilidade civil por violação de deveres de informação, o legislador consagrou um regime especial, autónomo e autossuficiente, afastando claramente a integração (v.g. da tutela indemnizatória) em qualquer outro sistema de responsabilidade civil”. Nesta perspectiva e porque a regra geral deverá ser derrogada pela regra especial, arremata afirmando que em matéria de responsabilidade civil se deve aplicar o disposto no art. 251º do CdVM. Assim, para o exercício dos direitos de indemnização devem aplicar-se os prazos curtos a que alude o já referido art. 243º al. b) (prazos de caducidade de harmonia com o art. 298º nº 2 do C.Civil), sendo que o prazo de 6 meses previsto naquele art. 243º al. b) só começa contar após o conhecimento do lesado, mas o prazo de 2 anos previsto no mesmo dispositivo começa a contar com a divulgação desconforme, actuando como prazo limite, “cessando o direito “em qualquer caso, dois anos após a sua divulgação”. Aplicando estes princípios ao caso vertente afirmou o aresto recorrido que “estando em causa a violação de deveres de informação que, segundo alegado, influenciou decisivamente a aquisição de «ações do BBB» pela DD, SA, durante o ano de 1999, bem como pela autora, em 2001, a informação desconforme, susceptível de fundar a pretensão indemnizatória da autora, não poderia deixar de ter sido publicada (ou omitida) no período em causa, isto é, no máximo até 2001, o que significa que, na data em que ação foi proposta (25/1/2010) já tinha decorrido o prazo-limite de dois anos a que alude o art. 243º, al. b), do CdVM (aplicável ao caso dos autos, por força do art. 251º)”. Por isso, considerou procedente a excepção de caducidade invocada.

                       Significa isto que o douto acórdão recorrido depois de considerar dever aplicar ao caso, por violação do dever de informar, o regime de responsabilidade civil a que aludem os arts. 251º e 243º do CdVM, entendeu que os prazos aí estabelecidos são de caducidade, sendo que o prazo de 6 meses só começa a contar após o conhecimento do lesado, mas o outro prazo previsto no artigo, 2 anos, seja qual for o momento em que o lesado tenha tido conhecimento da deficiência da informação, começa a contar com a divulgação da informação desconforme.

                       A este entendimento contrapõe a recorrente dizendo que o nº 1 do artigo 7º do CdVM é uma norma autónoma, porquanto é suficientemente completa para ser vinculativa e logicamente violável por si só, sem depender de outras normas. Não sendo adoptada conduta que permita prestar informação com as características estabelecidas neste artigo, tal actuação é, por si só, desconforme à lei, gerando um juízo de ilicitude que não pressupõe, por necessidade lógica ou de outra índole, a violação dos artigos 244º e seguintes do CdVM. O que decorre da qualificação da norma consagrada no dito art. 7º como norma geral, é apenas o facto de a sua aplicação ser transversal sempre que está em causa informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes. Os arts. 244º e seguintes do CdVM consubstanciam regras especiais que disciplinam a informação injuntiva e que não esgotam todas as informações que, de forma pública ou privada, os emitentes podem, em abstracto, transmitir ao mercado ou agentes que nele actuam. A sufragar-se a interpretação que o Tribunal da Relação de Lisboa fez quanto à aplicação do art. 7º do CdVM, no sentido de esta norma não ter aplicação directa e autónoma, chegar-se-ia à conclusão de que apenas a informação com carácter obrigatório e tipificada no CdVM teria de obedecer aos ditames de qualidade previstos nesse art. 7º. Tal interpretação não pode ser acolhida porque conduziria a resultado diametralmente oposto à teleologia da norma em causa e, em certos termos, desconforme com o funcionamento do mercado, deixando sem tutela legal os lesados por decisões de investimento tomadas com base em informação errónea, prestada em violação do art. 7º, sempre que tal informação não fosse enquadrável nos artigos 244º e seguintes do CdVM. Em virtude da sua própria finalidade, o art. 7º aplica-se muito para além do fattispecie do art. 244º do CdVM. As regras especiais tipificadas no CdVM relativas a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes, nomeadamente as estabelecidas nos citados arts. 244.º e seguintes do CdVM, hão-de, harmonizar-se com o estatuído pelo art. 7º. E não o inverso. Ou seja, se é verdade que o art. 7º pode ser conjugado com aquelas normas, é igualmente inquestionável que o mesmo é susceptível de ser aplicado autonomamente. Sendo que, de igual forma, o pedido de responsabilidade peticionado pela A., ora Recorrente, se fundamenta na ofensa ao disposto no artigo 7º do CdVM e não na violação dos artigos 244º e seguintes daquele mesmo Código. Também não merece acolhimento a ideia defendida no acórdão de que o regime da responsabilidade pelo prospecto corresponde a regime especial autónomo e suficiente e que, atento o princípio de que a regra geral é derrogada pela regra especial, a disciplina da responsabilidade civil estatuída no Código Civil não é aplicável à responsabilidade imputável nos termos do art. 251º do CdVM. Não se põe em causa que o regime da responsabilidade por informação deficiente tem a sua matriz na responsabilidade pelo prospecto, consubstanciando este um regime especial, autónomo e auto-suficiente, que se aplica, com as devidas adaptações, à responsabilidade por informação obrigatória nos termos do artigo 251º do CdVM, quando divulgada em termos contrários aos prescritos na lei. Porém, a tutela dos interesses dos investidores e a protecção do mercado não estão confinadas pelo âmbito deste instituto, até porque a responsabilidade pelo prospecto e a responsabilidade por informação obrigatória têm um alcance especificamente circunscrito na sua aplicação que não esgota todas as informações que, por distintas formas e meios de divulgação, os emitentes podem, em abstracto, transmitir ao mercado ou aos agentes que nele actuam. Sendo inquestionável que a adopção de uma conduta desconforme ao estabelecido no art. 7º pode não ser reconduzível a uma violação dos deveres prescritos nos 244º e seguintes do CdVM, resta determinar qual a sanção que deve cominar aquela actuação, sob pena de o lesado se quedar sem protecção legal, o que seria, em face da lei, inaceitável. Para responder a esta interrogação basta não perder de vista que a tutela da informação de qualidade é um mecanismo essencial à defesa da racionalidade e confiança do investidor e indispensável ao funcionamento do próprio mercado e que a aplicação alternativa do regime de responsabilidade civil previsto no Código Civil sempre foi a colhida na doutrina. A salvaguarda do eficiente funcionamento do mercado como um dos interesses primordiais que a lei visa tutelar configura o art. 7º como uma típica norma de protecção. Existem dois tipos de normas de protecção: as que protegem apenas interesses dos particulares sem lhes conferirem direitos subjectivos e as que protegem primacialmente interesses públicos e indirectamente interesses particulares. As normas de protecção concretizam, em matéria da ressarcibilidade dos danos, a distinção entre a protecção indirecta e reflexa dos interesses dos particulares. Há protecção indirecta quando o legislador, ao formular um preceito legal, teve em consideração, se não em termos directos e imediatos, pelo menos indirectamente, os interesses dos particulares, interesses que foram devidamente ponderados na elaboração da norma que não se bastou com a protecção do interesse público. Se o interesse do particular foi sopesado na feitura da norma, sendo abrangido pelo seu fim, esse interesse é protegido: não através da atribuição de um direito subjectivo que permita ao sujeito exigir o cumprimento da norma - caso de protecção directa; mas através da atribuição do direito a ser indemnizado pelo dano resultante de violação daquela - protecção indirecta. O art. 7º parece não atribuir direitos subjectivos aos particulares que actuam no mercado dos valores mobiliários mas é inquestionável que o referido preceito legal, ao impor determinados deveres às instituições financeiras, visa, directa e imediatamente, proteger o mercado de modo a que este funcione em termos regulares, informados, íntegros e, logo, eficazes. Tal objectivo directa e imediatamente prosseguido pelo preceito legal em causa passa por uma actuação esclarecida e livre dos investidores, pelo que se afigura indubitável que o art. 7º tutela, indirectamente, os interesses particulares dos investidores que intervêm no mercado de valores mobiliários, independentemente de lhes conferir os direitos subjectivos correspectivos. A violação de uma norma de protecção equivale à forma de ilicitude prevista na segunda parte do nº 1 do art. 483.º do Código Civil. Tal regime apenas não é aplicável quando a lei expressamente o vedar, nomeadamente através da estatuição de um regime de responsabilidade especial conflituante com aquele, o que não é manifestamente o caso. Conclui, assim, afirmando que se deve ter como excluída a construção defendida no acórdão recorrido segundo a qual o art. 7º pressupõe, necessariamente, a violação dos artigos 244º e seguintes do CdVM. Estando assente que a R. apenas violou aquela primeira norma, deve concluir-se que não é possível aplicar o regime de caducidade previsto no artigo 243º do CdVM, porquanto o mesmo só se aplica à violação daquelas normas, conforme resulta expressamente do mencionado art. 251.º daquele diploma. À responsabilidade pela informação deve aplicar-se o regime geral da responsabilidade civil traçado no artigo 483º do Código Civil e não o regime de responsabilidade aplicado pelo acórdão recorrido. Mesmo admitindo-se a hipótese de se estar perante a circunstância de uma mesma factualidade ser simultaneamente subsumível ao regime de responsabilidade por prospecto e ao da responsabilidade por violação de norma de protecção estabelecida no artigo 7º do CdVM, entendimento que não foi adoptado pela recorrente, deveria o lesado poder optar pelo regime que mais lhe conviesse, não resultando de tal direito qualquer sacrifício para os valores em jogo. Estando em causa um pedido indemnizatório baseado em responsabilidade civil por violação de norma de protecção, é essencial o momento em que o lesado tomou conhecimento de que foi praticado o facto ilícito, ou seja, no caso, o momento em que a ora recorrente soube que os prejuízos que suportava tinham na sua origem a violação, pela R., da norma de protecção contida no artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários, sendo que a A. só no final do mês de Agosto de 2009 teve conhecimento de que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários instaurou o processo nº 41/2008". Aquilo que é julgado como ilícito e censurado no âmbito do processo n.º 41/2008 é a ocultação de informação relevante. Defender que o prazo de caducidade se inicia a partir da data da omissão, independentemente do seu conhecimento é, até de um ponto de vista meramente lógico, um contra senso, na medida em que a omissão de informação é ilícita porque, precisamente, impede o conhecimento e torna o exercício do direito, pura e simplesmente, impraticável, inviabilizando-o, o que, para além de ser iníquo, questionaria princípios constitucionais basilares, nos termos do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Tendo a presente acção sido proposta em 25 de Janeiro de 2010, ainda não havia decorrido o prazo previsto no artigo 498º, único prazo prescricional aplicável, sendo, por isso, incorrecta a decisão do tribunal recorrido ao considerar procedente a excepção de caducidade invocada pela R. O Tribunal a quo decidiu que o prazo de caducidade de dois anos se iniciou na data correspondente à compra das acções BBB, ou seja, em 2001, independentemente do conhecimento por parte da A. da omissão de informação ao mercado que, nesse momento, se verificava em face da conduta do BBB e quando ainda nem tinha sido instaurado o processo de contra-ordenação nº 41/2008, no âmbito do qual a CMVM veio a considerar ilícita tal actuação e a condenar a R. por violação do disposto no art. 7º do CdVM. Essa solução - traduzida na aplicação do disposto na alínea b) do artigo 243º do CdVM no sentido de que o prazo de caducidade de dois anos se inicia na data da omissão de informação ao mercado, independentemente do conhecimento por parte do lesado - contende com princípios constitucionais basilares, pondo em causa o direito de acesso aos tribunais e o direito e de uma tutela jurisdicional efectiva, nos termos do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Caso se julgue aplicável o prazo de dois anos previsto na alínea b) do artigo 243º do CdVM, o que ficou por demonstrar, sempre haverá que proceder a uma interpretação do preceito em causa de acordo com a Constituição da Republica Portuguesa e considerar que, na presente acção, o mesmo se inicia com o conhecimento por parte da A., ora recorrente, da ilicitude da conduta da R., ou seja, em Agosto de 2009.

                        Dados os contornos da decisão recorrida (e da condenação efectuada em 1ª instância), o que aqui está em causa é o direito indemnizatório invocado pela A., decorrente da violação pela R. do dever de informação a que o art. 7º do CdVM alude.

                       Estabelece este art. 7º no seu nº 1 que “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, acrescentando o nº 2 que “o disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco” e o nº 3 que “o requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários”.

                        Deste dispositivo e para o que aqui interessa, resulta que a informação, em relação à oferta pública de valores mobiliários (e nestes devem ser incluídas as acções, como decorre do art. 1º do mesmo Código) a efectuar pela emitente, deve ser “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.

                       O art. 7º ao impor determinados deveres às instituições financeiras, visa, directa e imediatamente, proteger o mercado de modo a que este funcione em termos informados e exactos, visando uma actuação esclarecida dos investidores, pelo que se afigura indubitável que o dispositivo tutela, por um lado, o interesse do mercado mobiliário e pelo outro os interesses particulares dos investidores. A violação desta disposição poderá fazer incorrer a entidade prevaricadora numa pena criminal, como decorre do disposto no art. 379º nº 1 (manipulação do mercado) do mesmo CdVM. Trata-se, a nosso ver, de uma norma de protecção que visa o funcionamento esclarecido do mercado de valores mobiliários, protegendo, simultaneamente, os destinários da informação. Uma norma de protecção, por essência, depende de a respectiva tutela abranger não só a generalidade dos indivíduos, mas também grupos e pessoas individualmente consideradas.

                       A informação constitui, na lógica do Código dos Valores Mobiliários, um valor essencial a observar pelos diversos agentes que se encontram sujeitos à sua disciplina. Conforme refere Paulo Câmara, as regras sobre informação procuram servir uma quádrupla função: prosseguir objectivos de protecção dos investidores, de robustecimento da governação, de defesa do mercado e de prevenção de ilícitos. As regras informativas constituem um instrumento de protecção dos investidores, de forma e eles poderem avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento. Paralelamente, a maximização da informação constitui uma trave mestra do sistema de governação dos emitentes na medida em que a transparência das decisões empresariais e a divulgação imediata dos indicadores de desempenho servem de base para o escrutínio da gestão. Também os deveres de prestação de informação salvaguardam o regular e eficiente funcionamento dos mercados, cumprindo o objectivo de assegurar uma igualdade de oportunidades na realização de decisões de investimento e contribuir para uma adequada formação dos preços. Finalmente, cumprem uma finalidade preventiva de irregularidades e ilícitos na medida em que a informação pode projectar no comportamento dos agentes do mercado uma contra-motivação para a prática de actos ilícitos ou irregulares (cfr. Manual dos Valores Mobiliários, Almedina, págs. 731 e 732).

                       Concretizações da obrigação de informação de qualidade por parte do emitente podem ser encontradas ao longo de todo o Código da Valores Mobiliários. Com efeito, para além de aí se prever um quadro sancionatório derivado da violação deste dever (art. 389º), disciplina-se de forma específica a qualidade da informação a prestar pelos emitentes de valores mobiliários admitidos a negociação em mercado regulamentado. É, assim, a propósito do prospecto, visto como paradigma geral dos deveres de informação dos emitentes, que se encontram regulados, designadamente, os princípios gerais a que se encontra sujeita a informação que deve ser prestada (art. 135º), quem são os responsáveis pelos danos causados pela desconformidade do seu conteúdo (art. 149º), o regime e natureza dessa responsabilidade (arts. 150º e 151º), quais os danos indemnizáveis (art. 152º) e o regime de cessação do direito à indemnização (art. 153º).

                        O regime de responsabilidade pelo prospecto caracteriza-se, deste modo, por constituir um regime especial, na medida em que identifica os responsáveis pela publicação da informação desconforme, manda apreciar a culpa, que se presume, por elevados padrões de diligência profissional, exclui a responsabilidade em caso de culpa do lesado com conhecimento da deficiência da informação, prevê em certos casos uma responsabilidade objectiva, impõe a solidariedade dos responsáveis, prevê uma limitação à forma de cálculo do dano indemnizável e contém regras próprias a respeito da tempestividade do exercício do direito indemnizatório (vide arts. 149º a 153º e Parecer do Prof. Paulo Mota Pinto a fls. 1779).

                       Este regime, a nosso ver, directamente ou por força da remissão operada pelos arts. 243º e 251º, aplica-se, nas suas linhas gerais, não só aos deveres de informação através do prospecto (quer seja um prospecto de oferta ou de admissão à negociação), como também aos diversos deveres de informação relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, previstos nos arts. 244º a 251º. Conforme sintetiza o Prof. Paulo Mota Pinto no seu parecer junto aos autos (fls. 1675), para além dos deveres de informação relacionados com o prospecto, os emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação estão sujeitos a deveres mais exigentes de informação periódica sobre os seus documentos de prestação de contas, quer no que se refere ao conteúdo dos documentos a divulgar, quer no que se refere à maior periodicidade da informação, a qual, além dos documentos de prestação de contas anuais (art. 245º), abrange também informação semestral (art. 246º) e até trimestral, para as empresas de maior dimensão (art. 246º-A), como é o caso da R.. A par destes deveres periódicos de prestação de informação, emerge um permanente dever de informação privilegiada (art. 248º) relativamente a toda a informação que diga directamente respeito aos emitentes de valores mobiliários ou aos valores mobiliários por eles emitidos que tenha carácter preciso, que não tenha sido tornada pública, e que, se lhe fosse dada publicidade, seria idónea para influenciar de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.

                       Como ficou assente, com interesse para apreciação da excepção da caducidade do direito, a A., no final do mês de Agosto de 2008 e no final de 2009, tomou conhecimento que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) instaurou, respectivamente, os processos de contra-ordenação nºs 3/2008 e 41/2008 contra o R. (factos referidos sob os nºs 155 e 156).

                       Como já se disse acima, somente a decisão do nº 41/2008 transitou em julgado. Nesse processo, como os factos assentes indicam, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) deliberou aplicar ao BBB diversas coimas, tendo considerado, em síntese, que o R., entre 1999 e 2006, praticou factos e realizou operações que nunca deu a conhecer ao mercado, comportamento que integrou uma acção planificada e orientada no sentido de alterar o juízo dos investidores em relação à real situação do BBB, sendo que a informação financeira divulgada pelo Banco reflectia a contabilização de juros e receitas que não correspondiam de facto a proveitos, omitia perdas realizadas e potenciais acções adquiridas pelas referidas sociedades, assim sobreavaliando os resultados líquidos e os capitais próprios. Além disso, em momento algum o BBB assumiu publicamente essas sociedades offshore como próprias e a actuação delas em mercado como sendo uma actuação do próprio BBB, assim a aquisição de acções BBB, pelas offshore Cayman e PP, permitiu ao BBB, adquirir e controlar acções BBB correspondentes a mais de 5% do seu capital social, manter a estrutura accionista (fragmentária) do BBB - sem que o seu modelo de governação fosse questionado, procurar defender o comportamento das acções BBB no mercado, realidade que não foi dada a conhecer ao mercado. As operações e respectivos prejuízos supra descritos foram sucessivamente ocultados das contas do BBB, quer individuais quer consolidadas, referentes aos anos de 1999 a 2006 e 3° trimestre de 2007, divulgadas ao mercado, não reflectindo aquelas a imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e da respectiva performance do BBB em cada uma das datas referidas, em quantias materialmente significativas, designadamente, o valor declarado de capitais próprios chegou a estar sobreavaliado em 21% em 2002 e 2003 e em 17% em 2004 (vide factos referidos acima sob os nºs 48 a 54).

                       Quer dizer, no dito processo de contra-ordenação, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) deliberou aplicar ao BBB diversas coimas, derivadas de o R., entre 1999 e 2006, ter omitido o dever de informar o mercado, de forma “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, prosseguindo o propósito de se dar uma imagem de desempenho melhor do que tinha na realidade e com isso sobreavaliar os resultados líquidos e os capitais próprios.

                        Já vimos que não têm valia, para o presente processo cível, as deliberações e decisões do dito processo de contra-ordenação (não será possível recepcionar neste processo cível, nos termos do art. 623º do C.P.Civil, os factos dados como demonstrados no processo de contra-ordenação nº 41/2008). Como também já dissemos só para dissipar algumas dúvidas é se irá apreciar a excepção da caducidade, atendendo a essa factualidade.

                        Foi considerado na sentença de 1ª instância que a A. apenas em Agosto de 2008 teve conhecimento da violação pelo Banco R. do dever de prestar informação de qualidade, altura em que terá sabido publicamente das acusações que eram imputadas ao BBB. Foi neste pressuposto e por considerar dever aplicar à situação o disposto no art. 498º nº 1 do C.Civil (e não o do art. 251º do CdVM),[15] que a excepção (que reputou como prescrição) foi julgada improcedente.

                        Muito embora não conste directamente da factualidade provada, admite-se que ao ter conhecimento da instauração dos processos de contra-ordenação pela CMVM, a A., como particularmente interessada, ficou então ciente da acusação que esta entidade imputava ao Banco R., ou seja, uma informação deficiente e sem qualidade. É uma dedução que a factualidade provada induz, que as instâncias consideraram e que este STJ deve aceitar.

                        O douto acórdão recorrido entendeu aplicar à situação (violação do dever de informação) o disposto no art. 251º do CdVM e como tal, tendo considerado o disposto no art. 243º al. b) do mesmo diploma (para onde remete aquela norma), considerou a caducidade do direito invocado pela A..

                       Estabelece este art. 243º que “à responsabilidade pelo conteúdo do prospecto aplica-se o disposto nos artigos 149º a 154º, com as devidas adaptações e as seguintes especialidades: a) São responsáveis as pessoas referidas nas alíneas c), d), f) e h) do n.º 1 do artigo 149.º; b) O direito à indemnização deve ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência do prospecto ou da sua alteração e cessa, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do prospecto de admissão ou da alteração que contém a informação ou previsão desconforme”.

                       Determina, por sua vez, o art. 251º que “à responsabilidade pelo conteúdo da informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no art. 243º”.

                        Quer dizer, este dispositivo expressamente remete a responsabilidade pela informação dos emitentes, para o regime afirmado no art. 243º. Daqui resulta que aplicando a disposição com as devidas adaptações, dever-se-á ter como substituída a palavra “prospecto” constante no art. 243º por “informação desconforme” e, assim, para o que aqui interessa, considerar que o direito à indemnização, por essa informação deficiente, deve ser exercido nos prazos indicados na al. b) da norma.

                       Segundo cremos, não existem dúvidas quanto a esta interpretação. A controvérsia reside quanto a saber-se a que informação se refere o art. 251º, sustentando a recorrente que tal sucede (somente) em relação ao disposto nos arts. 244º e seguintes que consubstanciam regras especiais que disciplinam a informação injuntiva. No seu entender, o art. 7º nº 1 é uma norma autónoma, porquanto é suficientemente completa para ser vinculativa e logicamente violável por si só, sem depender de outras normas, não se lhe aplicando, assim, o disposto nos arts. 251º e 243º, mas sim o regime geral da responsabilidade civil estabelecido no C.Civil, e assim, o prazo de prescrição a que se refere o art. 498º.

                       Numa primeira aproximação à resolução da questão diremos que ao referir-se no art. 251º “informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores”, o legislador não excluiu o que dispõe o art. 7º já que este antecede tal norma. Mas será que ao referir-se como o fez no art. 251º, o legislador se quis referir (somente) às normas que imediatamente precedem a disposição, ou seja, aos arts. 244º e segs., como defende a recorrente?

                        O regime de responsabilidade do emitente aplica-se, nas suas linhas gerais, não só aos deveres de informação através do prospecto (quer seja um prospecto de oferta ou de admissão à negociação), como também aos diversos deveres de informação relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, previstos nos arts. 244º a 251º.

                        A nosso ver, a violação dos deveres de informação, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal da norma. Assim, se deve concluir que as imputações dirigidas à R. nos referidos processos contra-ordenacionais estariam abrangidas pelo regime especial dos deveres de informação que vimos analisando, designadamente o disposto no art. 7º do CdVM e, consequentemente, deve concluir-se que o art. 251º se refere a toda a falta de informação. Aquela norma tem como vocação a aplicação transversal a todo o âmbito de aplicação material do Código de Valores Mobiliários, como decorre do disposto do art. 2º do mesmo Código.

                       Por outro lado, não constituindo o art. 7º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha, no Código de Valores Mobiliários essa norma de imputação. E assim teremos de chegar ao art. 251º (com a correspondente remissão para o art. 243º), já que constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários. Constitui uma norma autónoma e auto-suficiente para essa imputação. Neste sentido refere-se adequadamente no douto acórdão recorrido que “atendendo às especificidades do mercado de valores mobiliários, no âmbito da responsabilidade civil por violação de deveres de informação, o legislador consagrou um regime especial, autónomo e autossuficiente, afastando claramente a integração (v.g. da tutela indemnizatória) em qualquer outro sistema de responsabilidade civil”.  

                       Claro que existindo esta norma no Código de Valores Mobiliários não vê necessidade de ir buscar a norma (geral) de imputação de responsabilidade civil constante no C.Civil. Como refere o Prof. Carlos Ferreira de Almeida no seu parecer a fls. 3826 “enquanto norma especial o regime do artigo 251º do Código de Valores Mobiliários prevalece sobre o regime geral de responsabilidade civil”.

                        Aplicando-se à situação os prazos de caducidade a que alude o art. 243º al. b) (por força do referido art. 251º), concluiu-se que se consagraram, para o mercado mobiliário, prazos mais curtos que os estabelecidos na lei geral. Mas o legislador pretendeu, precisamente, o encurtamento de prazo neste mercado. Neste sentido entende o Prof. Pinto Monteiro serão os riscos múltiplos e a necessidade de rápida estabilização das situações jurídicas sempre reclamada no mundo mercantil que justificam a existência deste regime próprio, sendo a fixação de prazos curtos para o exercício do direito à indemnização a contrapartida dos amplos e exigentes deveres de informação que o Código impõe (parecer junto aos autos a fls. 1603 a 1605). No mesmo sentido o Prof. Paulo Mota Pinto salienta as razões ligadas à protecção dos emitentes mas, sobretudo, a protecção da confiança dos futuros investidores no mercado como a razão para o legislador ter consagrado prazos de exercício do direito à indemnização bem mais curtos do que o prazo geral de responsabilidade civil (Parecer junto aos autos a fls. 1812). Daí que se compreenda que relativamente à cessação do direito à indemnização tenha o legislador estabelecido prazos curtos de caducidade[16].

                       Esse é, precisamente, o caso dos prazos previstos no art. 251º que (por força da remissão para o art. 243º), dispõe que relativamente ao conteúdo da informação periódica ou eventual que os emitentes estão obrigados a publicar nos termos dos preceitos antecedentes, se aplica o prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência da informação, cessando o direito à indemnização, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da data em que foi ou devia ter sido divulgada a informação desconforme.

                       Significa isto tudo que ainda que nos autos houvesse matéria de facto suficiente que pudesse sustentar um juízo valorativo conclusivo da violação do dever de informação, sempre se teria de entender como verificada a excepção de caducidade deduzida. É que estando em causa informações desconformes reportadas a períodos ou acontecimentos ocorridos, necessariamente, dois anos antes da propositura da presente acção[17], que deu entrada em juízo em 2010, o direito à indemnização derivado das violações do dever de informação imputadas à R. (no âmbito dos processos contra-ordenacionais), deveria ter-se como caducado.

                        A decisão recorrida seria, por conseguinte, confirmada.

                        Sustenta a recorrente que defendendo-se que o prazo de caducidade, por a aplicação do disposto nos arts. 251º e 243º do CdVM, se inicia a partir da data da omissão, independentemente do seu conhecimento pelo interessado, essa posição ofende princípios constitucionais basilares, nos termos do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

                        Mais uma vez a recorrente carece de razão visto que se deve concluir pela não inconstitucionalidade da norma, já que se encontra justificada, pela natureza dos interesses em confronto, a fixação de um prazo de caducidade mais curto, pelo que não se gera qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), sendo que o legislador infra-constitucional actuou dentro da sua margem de liberdade de conformação, conforme já decidiu o Tribunal Constitucional noutras situações similares, designadamente nos acórdãos nºs 8/2012[18], 310/2005 e 247/02 (acessíveis no site do T. Constitucional).

                       Quer isto tudo dizer que, se bem que por estas razões, o acórdão recorrido merece confirmação.

 

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do C.P.Civil):

                       - O regime do disposto no art. 623º não deve ser aplicado em caso de condenação definitiva de um sujeito em processo de contra-ordenação.

                       - A violação dos deveres de informação do emitente títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7º.

                       Não constituindo o art. 7º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao art. 251º (com a correspondente remissão para o art. 243º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários.

                        Deveriam, pois, aplicar-se à situação os prazos de caducidade definidos no art. 243º al. b) (ex vi do art. 251º do CdVM).

                        O art. 243º do CdVM não é inconstitucional.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Abril de 2016

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Martins de Sousa

__________________________
[1] Do elenco dos factos provados não consta o nº 129. Manter-se-á, apesar disso, a numeração original para não dificultar a análise dos factos.
[2] Como se vai ver, a decisão do pleito vai ser determinada pela ausência de factos conducentes a considerar-se violado o dever de informação, por parte do Banco R.
[3] Sem aplicação aqui.
[4] Segundo a mesma sentença, o outro processo de contra-ordenação (nº 3/2008) não terá transitado em julgado.
[5] Vide sentença de 1ª instância, mais concretamente a fls. 3271, 3272, 3278 a 3280. De notar que quanto à violação do art. 379º do CdVM a sentença não é muito clara no sentido de evidenciar a correspondente infracção
[6] Em C.Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, págs. 58 e 59.
[7] Em Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 1963, pág. 26
[8] No caso, porque se trata (o art. 623º) de disposição excepcional (visto que subjacente ao processo civil, em divergência com a presunção estabelecida na norma, estão os princípios da imediação e da livre apreciação da prova o que leva a que a decisão da matéria de facto seja proferida por quem assistiu à produção da respectiva prova), não é susceptível de aplicação analógica (art. 11º do C.Civil).
[9] A este propósito refere o art. 33º do Dec-Lei 433/82, de 27/10 que “o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma”.
[10] Como se afirma no preâmbulo do Dec-Lei 433/82, esclarecendo a razão de ser dos os ilícitos de mera ordenação social “o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc. Tal característica, comum à generalidade dos Estados das modernas sociedades técnicas, ganha entre nós uma acentuação particular por força das profundas e conhecidas transformações dos últimos anos, que encontraram eco na Lei Fundamental de 1976. A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções. Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal. Isto significaria, para além de uma manifesta degradação do direito penal, com a consequente e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção, a impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas da prevenção e repressão da criminalidade mais grave. Ora é esta que de forma mais drástica põe em causa a segurança dos cidadãos, a integridade das suas vidas e bens e, de um modo geral, a sua qualidade de vida.
[11] Não relevantes para aqui.
[12] Estes factos não sofreram qualquer alteração na Relação.
[13] Esta norma, como se afirma no acórdão recorrido, está em conjugação com o dito art. 7º, já que “concretiza as condutas que são proibidas e os deveres que impõe para a qualidade da informação, possa também ser configurada como norma de protecção, permitindo fundar pretensões indemnizatórias, pela sua violação, por parte dos investidores, beneficiando, além disso, de tipicidade penal”.
[14] Designadamente deu-se como assente a materialidade decorrente do processo de contra-ordenação transitado em julgado em que foi arguido o Banco R. (processo nº 41/2008)
[15] Sendo certo, igualmente, que acção deu entrada em Janeiro de 2010 (e a R. foi citada em 5-2-2010 fls. 480 e 481)
[16] Não se prevendo na lei a prescrição, vale a regra do art. 298º nº 2 do C.Civil que manda aplicar as ao prazo as regras da caducidade de carácter mais curto.
[17] Estão em causa factos reportados a 2007 ou a anos anteriores (factualidade provada sob nº 52)
[18] Nesta acórdão expressamente se afirmou que “tem o Tribunal Constitucional geralmente entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a interposição de ações em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores que a Constituição inscreve, em última análise, no seu artigo 20.º.