Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1918/07.5TBACB.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
CARACTERIZAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS ESPECIAIS / PRESTAÇÃO DE CONTAS.
Doutrina:
- Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, p. 410.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 1014.º.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 941.º.
D.L. N.º 231/81, DE 28-7: - ARTIGO 21.º.
Sumário :
I - A associação em participação não é uma sociedade, desde logo, por não existir património comum, nem “affectio societatis”. A associação em participação é caracterizada por três elementos essenciais: a) estrutura associativa; b) actividade económica de uma pessoa em sentido jurídico, [no caso em apreço, duas sociedades comerciais]; c) a participação de outra nos ganhos e perdas daquela actividade. Na associação em participação existe uma contribuição de meios para a actividade exercida por outra pessoa, ficando a primeira com o direito a participar nos lucros ou perdas.

II - Se as partes acordam em construir, em conjunto, um bloco de apartamentos num terreno propriedade da Ré, tendo o valor desse terreno sido considerado “custo da construção”, não pode ela pretender que metade do valor deva ser contabilizado como seu crédito autónomo e correspectivo débito da Autora – em sede de prestação de contas – porque, se assim fosse o valor do terreno onde a obra foi implantada seria contabilizado duplamente como crédito da Ré, que não pagou qualquer valor do terreno por ser seu, o que equivaleria a que a Autora, ao contrário do acordado, suportasse o custo integral do preço.
Decisão Texto Integral:
Proc.1918/07.5TBACB.C1.S1.

R-459[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

                AA, Lda., intentou, em 24.7.2007, no Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, acção especial para prestação de contas que, posteriormente, seguiu a forma de processo ordinário, contra:

 BB, Lda.

Peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe o saldo que viesse a apurar-se entre as receitas obtidas com a venda das fracções do prédio descrito no art. 1.º da petição inicial e as despesas realizadas com a sua construção, nelas se incluindo o valor do terreno onde a mesma foi implantada, responsabilidades com projectos e aquisição da grua à Autora.

Para tal, alegou a Autora que, na sequência de acordo entre si e a Ré, comprometeram-se a levar a cabo determinada obra e agora a Ré está obrigada a prestar contas àquela, encontrando-se valores em dívida desta àquela.

Contestando, a Ré pede a sua absolvição, alegando, em suma, por um lado, que não está obrigada a prestar contas, e por outro, impugna a generalidade dos factos invocados pela Autora.

A Autora respondeu à matéria de excepção, impugnando a factualidade em causa.

No seguimento do que foi produzida prova e proferida a sentença de fls. 138 a 150 a qual decidiu que a Ré está obrigada a prestar contas.

Após o que a Ré apresentou contas sob a forma de conta-corrente, conforme fls. 156 a 175 e 176 a 178.

De tal notificada, a Autora apresentou contestação às contas apresentadas, impugnando algumas das verbas apontadas como “verbas de despesa da obra”, bem como imprecisões no que se refere às receitas.

Na sequência do que os autos seguiram os termos do Processo Ordinário.

            Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fls. 302 a 310, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.


***

Foi proferida a sentença de fls. 311 a 316, na qual se decidiu o seguinte:

“Nos termos e fundamentos expostos:

1. Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,

2. Considero parcialmente justificadas e válidas as contas apresentadas pela Ré e, em consequência:

3. Julgo verificada a receita de € 3.047.250,00 e as despesas de € 2.550.922,05 relativamente à “conta-corrente de obra”, de onde resulta o saldo positivo de € 496.327,95, a dividir em partes iguais para Autora e Ré, o que perfaz a quantia de € 248.163,97 para cada uma destas, de onde resulta por sua vez um crédito a favor da Autora, no referido valor de € 248.163,97;

4. Julgo verificada a contribuição da Ré[2] na quantia de € 904.580,31 e a contribuição da Autora, na quantia de € 811.482,07 relativamente à “conta-corrente financeira”, de onde resulta um saldo positivo e consequente crédito a favor da Ré no valor de € 93.098,24.

5. Julgo operada a compensação dos referidos créditos entre Autora e Ré e, em consequência,

6. Condeno a Ré BB, Lda., a entregar à Autora AA, Lda., a quantia de € 155.065,73 (cento e cinquenta e cinco mil, sessenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados da citação até efectivo pagamento;

7. Absolvo a Ré do restante pedido.

8. As custas são a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento, levando em conta que a pretensão da Autora, expressa no art. 28.º da P.I., corresponde ao valor da acção – € 490.541,88.”.


***

            Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que por Acórdão de 18.3.2014 – fls. 468 a 471 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada.


***

            Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

            1ª- Como resulta inequivocamente quer dos termos em que os factos foram estruturados nos articulados, quer da totalidade do acervo factual considerado assente, para se apurar o saldo final das contas entre autora/recorrida e a ré/recorrente, impõe-se a realização de três operações:

           

a) - cálculo referente ao terreno, seu valor e pagamentos;

            b) -cálculo referente aos pagamentos feitos pelas partes para suportarem o custo de construção;

c) - cálculo referente aos custos de construção e receitas obtidas com as vendas.

            2ª- O cálculo referente ao terreno, seu valor e pagamentos importa um saldo a favor da Ré/recorrente de € 124.760,39 (€ 249.398,94 (50% do valor do terreno, que a autora/recorrida estava obrigada a pagar à ré/recorrente – factos 3, 4 e 5) - € 124.760.39 (pagamento efectivamente feito a esse título pela autora/recorrida à ré/recorrente – facto 4)).

            3ª- O cálculo referente aos pagamentos feitos pelas partes para suportarem o custo de construção importa um saldo a favor da ré/recorrente de € 217.858.63 (€ 904.580,31 (importância despendida pela ré/recorrente – facto 19) – (€ 536.265,69 (facturas de custos decorrentes da construção que lhe foram apresentadas pela ré/recorrente – facto 9) + € 150.455.99 (custo de fornecedores de materiais e mão-de-obra – facto 10)).

            4ª - O cálculo referente aos custos de construção e receitas obtidas com as vendas importa, pois, um saldo a favor da autora/recorrida de € 248.163,97 (€ 3.047.250,00 (receitas das vendas das fracções recebidas pela ré/recorrente – factos 12 e 17) - € 2.550.922,05 despesas com a construção e custo do terreno – facto 18) = € 496.327,95:2).

            5ª- Assim, o saldo final das contas entre ré/recorrente e a autora/recorrida é de € 94.454,05 (€ 124.760,39 + € 217.858.63 = € 342.619,02) - € 248.163,97) a favor da segunda.

            6ª- Deste modo, o douto acórdão recorrido violou, nomeadamente, o disposto no art. 1014°, segmento final, da anterior versão do Código de Processo Civil (art. 941°, segmento final, da actual versão do Código de Processo Civil), devendo ser revogado e a autora/recorrida condenada a pagar à ré/recorrente a quantia de € 94.454,05,

            Termos em que, deve ser concedida a presente revista, decidindo-se como se propugna nas conclusões.

            A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

            1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a construção civil, obras públicas, permuta, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim [A)].

2. A Ré é uma sociedade comercial cujo objecto é a construção civil, obras públicas, permuta, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim [B)].

3. Em meados do ano de 2001 a Ré pretendeu construir blocos de apartamentos destinados a lojas e habitação, no lote de terreno sito à Rua … em Alcobaça, o qual se mostrava inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial [C)].

4. Em meados do ano de 2001, Autora e Ré acordaram verbalmente que concorreriam de forma concertada, com a sua actividade para a construção indicada em C).

Mais acordaram, que suportariam, na proporção de metade, os custos da respectiva construção e custo do lote de terreno indicado em C) [D)].

5. Autora e Ré acordaram em fixar o valor total do terreno indicado em C) em € 498.797,89 [E)].

6. Na mesma altura, Autora e Ré acordaram que os lucros obtidos pela venda das fracções a construir seria repartido por ambas, na proporção de metade para cada uma [F)].

7. A Ré iniciou a construção do edifício em Agosto de 2001 [G)].

8. A Autora entregou à Ré a quantia de € 124.760,39 para liquidação de parte do valor do terreno indicado em C) [H)].

9. A Autora entregou à Ré a quantia de € 536.265,69 referente a facturas que lhe foram apresentadas pela Ré, de custos decorrentes da construção do edifício [I)].

10. A Autora suportou, como custo de fornecedores de materiais e mão-de-obra, a quantia de € 150.455,99 [J)].

11. A Autora suportou ainda, a título de juros e taxas bancárias referentes a crédito que contraiu para fazer face à sua parte dos custos da construção, quantia não superior a € 160.000,00 [K)].

12. A Ré vendeu todas as fracções do edifício indicado em C) [L)].

13. Em Novembro de 2006 a Ré apresentou à Autora um escrito com os seguintes dizeres:

“Resultado da obra (Resultado em 11/2006)

Valor das vendas + 3.047.250

Custo de obras (Custos até 09/2004) – 2.300.000

Custo de obras (Custos de 09/2004 a 11/2006 Folha anexa com despesas 28.647) – 28.647

Resultado final 718.603

Dividido por 2 359.302

Saldo AA com parceria (Balanço demonstrativo AA com parceria)

Estratos Banco 766.126

Livrança Banco 75.000

CCL e) 203.018

Recebimentos 1.044.144

Fornecedores 640.767

Banco 312.299

Pagamentos 953.066

Estratos Banco

Saldo 91.078

Significa que AA recebeu mais dinheiro do que pagou logo deve à parceria.

e) Valores pagos da empresa CCL à AA

Cheques 37.710

Dinheiro 44.000

Transferências 101.618

Letra Pagamento 19.690

Dívida de AA à parceria - 295.000 (Em virtude da empresa AA não ter pago de início o valor do terreno teve que ser a parceria a pagar ao proprietário logo AA deve à parceria os seguintes valores:

Terreno 250.000

Encargos terreno 45.000)

Saldo – 26.777” [M)].

14. Autora e Ré acordaram em contrair, em conjunto, um empréstimo bancário no valor de €1.496.393,60 destinado a financiar a realização do empreendimento indicado em C) [N)].

15. Autora e Ré contactaram o BCC com vista a obterem tal financiamento [O)].

16. O BCC não concedeu o financiamento conjunto à Autora e Ré, tendo proposto, em alternativa dois empréstimos separados, no montante de € 748.196,80, cada, o que foi aceite por Autora e Ré [P)].

17. O valor total do referido em L), ascendeu à quantia global de € 3.047.250,00 [Q)].

18. As despesas com a construção da obra e custo do terreno referidos em C), D), E) e G), ascenderam à quantia total de € 2.550.922,05 (dois milhões, quinhentos e cinquenta mil, novecentos e vinte e dois euros e cinco cêntimos) [1.º].

19. Na sequência dos acordos mencionados nas alíneas D) e E), da matéria de facto assente, a Ré BB, Lda., despendeu a quantia de € 904.580,31 (novecentos e quatro mil, quinhentos e oitenta euros e trinta e um cêntimos) e a Autora AA., Lda., despendeu as quantias já mencionadas nas alíneas H), I) e J) da matéria de facto assente, que perfazem a quantia total de € 811.482,07 (oitocentos e onze mil, quatrocentos e oitenta e dois euros e sete cêntimos) [2.º].

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a Ré é credora da Autora da quantia de € 94. 454,05, saldo que, a seu ver, resulta da prestação de contas.

            “A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se” – art. 1014º do Código de Processo Civil, actualmente art. 941º.

            A prestação de contas exigida pela Autora “AA, Lda.” à Ré “BB, Lda.”, ambas sociedades por quotas tendo por objecto social comum a construção civil, teve na sua base a celebração de um contrato de associação em participação – art. 21º do DL. 231/81, de 28.7:

 “1. A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes.

2. É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.

3. As matérias não reguladas nos artigos seguintes serão disciplinadas pelas convenções das partes e pelas disposições reguladoras de outros contratos, conforme a analogia das situações.”

            A associação em participação não é uma verdadeira sociedade, desde logo, por não existir património comum, nem “affectio societatis”. A associação em participação é caracterizada por três elementos essenciais: a estrutura associativa, a actividade económica de uma pessoa em sentido jurídico, no caso sociedades comerciais, e a participação de outra nos ganhos e perdas daquela actividade; na associação em participação existe uma contribuição de meios para a actividade exercida por outra pessoa, ficando a primeira com o direito a participar nos lucros ou perdas.

            Como ensina Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 410:

“Relativamente ao objecto da associação em participação, encontramos dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24.°) e a participação nos lucros e perdas (art. 25.°) por parte do associado.

                 Desde logo, elemento constitutivo da figura contratual é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial assumida pelo associado.

Tal contribuição – que é normal mas não essencial (podendo ser afastada pelos contraentes no caso de o associado participar nas perdas: cfr. art. 24. °, n. °2) – pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja em dinheiro (a contado ou fiduciário), em espécie (v.g., direitos de propriedade ou usufruto de bens móveis ou imóveis, créditos, assunção de dívidas) ou em serviços (“maxime”, trabalho). Em qualquer caso, sempre que tal prestação consista na constituição ou transmissão de um direito (real ou creditício), o contrato tem por efeito a sua transmissão para o património do associante (art.24.°, n. °l, “in fine”).

 Absolutamente nodal, na economia da figura em apreço, é a participação do associado na esfera de risco da empresa do associante, traduzida na sua comunhão nos lucros e perdas”.

               

 Através do referido contrato, a Autora e Ré acordaram, verbalmente, na construção de blocos de apartamentos no terreno propriedade da Ré, e que suportariam, na proporção de metade, os custos da respectiva construção e o custo do lote de terreno.

            Como se provou Autora e Ré acordaram, ainda, em fixar o valor total do terreno em € 498.797,89. Acordaram, também, que os lucros obtidos pela venda das fracções a construir seria repartido por ambas, na proporção de metade.

            A razão da discordância da recorrente baseia-se na diferente interpretação acerca do valor das contribuições pecuniárias prestadas para a execução da obra e sobre o critério de repartição, tendo em conta a regra da metade que estipularam.   

            Trata-se, mais de interpretar os factos provados e respectiva atinência com as operações feitas pelas instâncias, e menos de interpretar os normativos ínsitos no contrato celebrado.

            O objecto do recurso de revista é, no essencial, o mesmo do recurso de apelação.

           

            Sustenta a Ré/recorrente que o saldo final das contas deve ser encontrado com base em três operações:

            a) – cálculo referente ao terreno, seu valor e pagamentos;

            b) – cálculo referente aos pagamentos feitos pelas partes para suportarem o custo de construção;

            c) – cálculo referente aos custos de construção e receitas obtidas com as vendas.

            Ora, as instâncias assim procederam, achando o saldo final a favor da Autora de € 155 065, 73, depois de operada a compensação entre créditos e débitos recíprocos.

            Após a prolação da sentença – fls. 311 a 316 – a Ré alegou ter existido um erro de cálculo, pedindo a respectiva rectificação de modo a que se considerasse ser credora da Autora pela quantia de € 93 098, 23 – ut. fls. 321 a 328, (agora pede que essa quantia seja de € 94 454,05).

            Tal pretensão foi indeferida – ut. despacho de fls.322.

            No recurso de apelação a Ré/recorrente suscitou a questão de saber se deve ser contabilizada a seu favor a quantia de € 249.398,94, referente a metade do valor do terreno onde foi implantada a obra que construiu com a Autora.

            Sustentou que o saldo apurado entre as partes não traduz a realidade, porquanto, tendo as mesmas acordado que suportariam em partes iguais os custos com a respectiva construção, aí se incluindo o custo do lote de terreno onde foi edificada a construção, se deveria ter em conta a quantia de € 249.398,94, porquanto se considerou a quantia de € 124.760,39, que a Autora entregou à Ré para liquidação de parte do valor de tal terreno.

            O Acórdão recorrido considerou que o terreno era da Ré, constituindo a sua contribuição inicial e imprescindível para a execução da obra acordada, razão pela qual sendo de considerar um dos elementos a ter em conta como custo de construção do bloco de apartamentos, não poderia ser considerado autonomamente – item 18) dos factos provados.

            Sem o dizer expressamente, a Ré, no recurso de revista, implicita que as instâncias decidiram mal ao não contabilizar metade desse valor como contribuição da recorrente.

            Não tem razão a Ré: sendo o terreno sua propriedade e tendo-lhe sido atribuído, por consenso, o valor € 498 797,89, se o valor de metade [€ 249.398,94] fosse contabilizado como seu crédito, existiria duplicação daquele valor, tendo como efeito o pagamento por parte da Autora da totalidade do valor acordado.

 A Autora despendeu a quantia de € 124.760,39, razão pela qual foi levada tal quantia à conta-corrente financeira apresentada pela Ré.

A Ré/recorrente não questionou no recurso de apelação o julgamento da matéria de facto, pelo que tendo a Relação operado com os factos provados na 1ª Instância, outra não poderia ter sido a decisão que agora, pelos motivos expostos, se confirma.

Destarte o recurso soçobra.

Sumário:

1. A associação em participação não é uma sociedade, desde logo por não existir património comum, nem “affectio societatis”.

 A associação em participação é caracterizada por três elementos essenciais: a) estrutura associativa; b) actividade económica de uma pessoa em sentido jurídico, [no caso em apreço, duas sociedades comerciais]; c) a participação de outra nos ganhos e perdas daquela actividade.

 Na associação em participação existe uma contribuição de meios para a actividade exercida por outra pessoa, ficando a primeira com o direito a participar nos lucros ou perdas.

           

            2. Se as partes acordam em construir, em conjunto, um bloco de apartamentos num terreno propriedade da Ré, tendo o valor desse terreno sido considerado “custo da construção”, não pode ela pretender que metade do valor deva ser contabilizado como seu crédito autónomo e correspectivo débito da Autora – em sede de prestação de contas – porque, se assim fosse o valor do terreno onde a obra foi implantada seria contabilizado duplamente como crédito da Ré, que não pagou qualquer valor do terreno por ser seu, o que equivaleria a que a Autora, ao contrário do acordado, suportasse o custo integral do preço.

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pela Ré/recorrente.

                                        

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Julho 2014

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

___________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] Existe manifesto lapso de escrita, como claramente resulta do ponto 19. dos factos provados. Assim, rectificando-o, consigna-se que no ponto 4. da decisão deveria constar – “Julgo verificada a contribuição da Ré na quantia de € 904.580,31 e a contribuição da Autora na quantia de € 811.482,07 relativamente à “conta-corrente financeira”, de onde resulta um saldo positivo e consequente crédito a favor da Ré no valor de € 93.098,24.”.

A manter-se o ponto 4. da decisão da 1ª Instância, o saldo não seria a favor da Ré, como ali se diz, mas a favor da Autora. No ponto 19) dos factos provados resulta, claramente, que a Ré despendeu € 904.580,31 e a Autora € 811.482,07. Destarte, o saldo de € 93.098,24 é a favor da Ré, como se refere no ponto 4) da sentença; mas só será assim se se rectificar a identificação das partes, como se procedeu.