Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
387/09.0YFLSB
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE TRABALHO COM ENTIDADE PÚBLICA
FORMA ESCRITA
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
NULIDADE DO CONTRATO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da decisão relativa à matéria de facto, pressupõe uma suposta violação das regras atinentes ao direito probatório material, tendo a mesma lugar, não só quando as instâncias hajam infringido um concreto preceito que exija determinado meio de prova para a verificação do facto, mas também, naquelas situações em que são as próprias instâncias a afirmar a exigência legal desse acrescido grau de segurança na produção da prova, actuando, assim, os poderes correctivos do Supremo sempre que se questione a exigência, ou não, dessa prova tabelada, pois em ambas as situações está em causa uma pura interpretação das regras probatórias atendíveis (art.s 722.º, nº 2 e 729.º, n.º 2 do CPC).
II - Em 2003, na celebração de contrato de trabalho com a Administração Pública, regia o D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo D.L. n.º 218/98, de 17 de Julho) que, no referente ao contrato de trabalho a termo certo, estabelecia, como princípios nucleares: (i) o contrato de trabalho a termo certo nunca se converteria em contrato sem termo; (ii) a eventual renovação do vínculo, com a duração máxima de dois anos, pressupunha a sua obrigatória comunicação por escrito ao trabalhador, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao termo do prazo convencionado, sob pena de caducidade.
III - Com a publicação da Lei n.º 23/2004, de 22 de Julho, que procedeu à revogação do D.L. 427/89, foi mantido o princípio da não convertibilidade do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado e, em matéria de renovação do vínculo, apenas se estabeleceu que tais contratos não estão sujeitos a renovação automática, guardando-se absoluto silêncio sobre as formalidades a que tal renovação passaria a estar sujeita.
IV - Esse silêncio não configura um desvio relativamente ao quadro normativo anterior, mantendo-se a exigência, para a eventual renovação do contrato, da comunicação escrita nesse sentido, por banda do empregador, uma vez que o regime instituído pela Lei 23/2004 toma por base a disciplina consagrada pelo Código do Trabalho, sem embargo das especificidades que expressamente consagra, sendo que o legislador, naquela Lei, ao contrário do que faz no âmbito do Código do Trabalho – onde assume uma vontade pressuposta das partes no sentido de que, nada dizendo no final do prazo convencionado para a duração do vínculo, este se renova sem mais, prolongando-se por período igual ao inicialmente previsto – assume que a vontade das partes aponta para a cessação do vínculo no final do período aprazado, equivalendo o seu silêncio à caducidade da contratação.
V - A coerência do sistema, não olvidando a natureza supletiva do Código do Trabalho, aponta para que a vontade das partes, sempre que seja divergente da vontade pressuposta pelo legislador, tenha que ser assumida de forma insofismável e, mais precisamente, através de declaração escrita.
VI - Não são transponíveis para o regime estabelecido pela Lei 23/2004 as razões que ditaram a regra contida no art. 140.º, n.º 3 do Código do Trabalho de exigir a forma escrita sempre que a renovação do vínculo seja feita por prazo diferente do inicial, uma vez que essa regra está em consonância com o princípio nuclear da renovação automática e “por igual período” – pelo que se essa renovação divergir quanto a um elemento da contratação precária, como é o prazo da duração do vínculo, logo se percebe a exigência legal da sua redução a escrito – princípio esse que não vigora no regime da Lei 23/2004, onde rege o princípio da caducidade do vínculo.
VII - As exigências de forma prendem-se com a necessidade de assegurar uma maior ponderação na declaração negocial emitida pelas partes: se, no regime geral, o legislador enuncia essa exigência quando os contratantes pretendem transmitir uma vontade contrária àquela que pelo mesmo foi ficcionada ao estabelecer o princípio da renovação automática, por maioria de razão, se impõe essa exigência no regime definido pela Lei 23/2004, sempre que as partes pretendam aqui um efeito contrário à vontade pressuposta da caducidade do vínculo, tanto mais que, aqui, estamos em presença de um órgão da Administração Pública, o que não deixará de aconselhar, em nome do interesse colectivo, uma acrescida ponderação.
VIII - Acresce que os desvios consagrados na Lei 23/2004, relativamente ao regime geral, apontam, todos eles, no sentido de uma maior exigência e controlo na formação, manutenção e cessação do contrato de trabalho a termo envolvendo entidades públicas, de que são paradigma os princípios da não renovação automática do convénio e da sua não convertibilidade, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.
IX - E mal se compreenderia que tendo a entidade pública de manifestar necessariamente a vontade de renovação na altura do termo do contrato, mesmo que haja pré-figurado “ab initio” esse desiderato, o possa então fazer por forma diferente daquela que teve de observar na primitiva contratação, tanto mais que a declaração escrita será a única forma de garantir que a Administração controla, efectivamente, o tipo de contratação que realiza, ponderando, no momento convencionado para o termo do vínculo, a eventual necessidade de o manter.
X - Este entendimento é, ainda, confortado com a regra estabelecida, em termos expressos, no âmbito da Lei 59/2008, de 11 de Setembro que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual a renovação do contrato a termo certo está sujeito à forma escrita (art. 104.º, n.º 3), pois foi, aqui, intento do legislador fazer uma regulação auto-suficiente daquele regime, dispensando a aplicação subsidiária do Código do Trabalho.
XI - Concluindo-se que, em face do regime estabelecido na Lei 23/2004, era exigível a forma escrita para a renovação do contrato a termo celebrado entre A. e R. (entidade pública), à míngua do documento que demonstrasse essa renovação, tinha de ser eliminada, do acervo factual, a existência da mesma, como foi decidido pela Relação.
XII - Não estando demonstrada a renovação do contrato a termo celebrado entre A. e R., o mesmo caducou na data estabelecida para o seu termo (3/2/2005), pelo que a relação laboral que persistiu entre as partes após essa data só pode ser qualificada como contrato de trabalho por tempo indeterminado, embora inválido por falta de forma escrita (art. 8.º, n.º 1 da Lei 23/2004).
XIII - Tal contrato, apesar de nulo, produziu, todavia, efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, por força do disposto no art.º 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o mesmo sucedendo quanto aos seus efeitos extintivos, nos termos do art. 116.º do mesmo código, ou seja, o contrato ficciona-se como válido para efeitos de se ajuizar da legalidade da sua cessação, quando esta ocorra antes do mesmo ter sido declarado nulo ou anulado.
XIV - Assim, tratando-se de um contrato sem termo que o R. fez cessar unilateralmente sem prévia instauração de processo disciplinar, sem justa causa e sem invocar a nulidade do mesmo, essa forma de cessação não pode deixar de ser tida como um despedimento ilícito, com as consequências legais daí decorrentes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Almada, a presente acção contra os SMAS – Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada pedindo, em resumo, que, reconhecida a ilicitude do despedimento de que foi alvo em 3 de Fevereiro de 2006, fosse o réu condenado a reintegrá-lo e a pagar-lhe a quantia de € 2 710,26 referente à retribuição e ao subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 e a três dias de férias não gozadas em 2005, bem como a indemnização por danos patrimoniais correspondente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e a indemnização por danos não patrimoniais em montante nunca inferior a € 5 000,00.

E, subsidiariamente, pediu que, declarada a nulidade do contrato, fosse o réu condenado a indemnizá-lo, nos termos do artigo 483.º e seguintes do Código Civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em montante nunca inferior a € 20 000,00.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- esteve ao serviço do réu desde 3 de Junho até 31 de Dezembro de 2002, a exercer funções de Eng.º Mecânico, ao abrigo de um Acordo de Actividade Ocupacional, tendo permanecido ao serviço do réu durante o mês de Janeiro de 2003, sem qualquer contrato;
- em 3 de Fevereiro de 2003, foi novamente admitido ao serviço do réu, para exercer a actividade profissional correspondente à categoria de Eng.º de 2.ª classe do pessoal técnico superior, sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano;
- tal contrato foi renovado por duas vezes, em 03.02.2004 e em 03.02.2005;
- o autor auferia ultimamente a retribuição mensal de € 1 268,64;
- por carta registada datada de 1 de Fevereiro de 2006, que ele, autor, recebeu no dia seguinte, o réu comunicou-lhe a “caducidade do contrato de trabalho a termo certo resolutivo”, a partir de 3 de Fevereiro de 2006;
- sucede, porém, que o réu não cumpriu os requisitos previstos no art. 10.º, n.º 4, do D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro, relativos à renovação do contrato, uma vez que não lhe comunicou a sua intenção de o renovar a partir de 3 de Fevereiro de 2004;
- dada essa falta de comunicação, o contrato de trabalho a termo certo caducou em 2 de Fevereiro de 2004, pelo que a sua manutenção ao serviço, após aquela data, ocorreu ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo;
- por essa razão, a comunicação de caducidade do contrato que lhe foi enviada pelo réu em 1 de Fevereiro de 2006 corresponde a um despedimento ilícito, por inexistência de processo disciplinar e de justa causa;
- ainda que se entendesse que a reintegração do autor não era materialmente exequível, o contrato de trabalho por tempo indeterminado deverá ser declarado nulo, nos termos dos arts. 280.º e 294.º do CC, face ao disposto nos arts. 7.º e 8.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, produzindo efeitos como se válido fosse em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, de acordo com o disposto no art. 115.º, n.º 1, do Código do Trabalho;
- sendo a causa da invalidade do contrato imputável ao titular do órgão da entidade contratante, ora réu, este constitui-se na obrigação de indemnizar o autor pelos danos causados, nos termos do art. 483.º do CC, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, uma vez que o titular do órgão da entidade contratante actuou ilicitamente e com culpa, ao celebrar o contrato de trabalho contra as disposições legais de carácter imperativo, na medida em que sabia e não podia desconhecer que a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado só podia ser levada a cabo em obediência aos parâmetros definidos nos arts. 7.º e 8.º, da Lei n.º 23/2004.

O Réu contestou, excepcionando a sua falta de personalidade jurídica e impugnando a pretensão do Autor.

O Autor respondeu à excepção, requerendo o chamamento do Município de Almada que, aceitando o chamamento, fez sua a contestação que já tinha sido oferecida pelos SMAS.

Realizado o julgamento, com gravação da prova e sem prévia elaboração da base instrutória, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo o Réu sido condenada a pagar ao Autor a quantia líquida de € 4 059,60, a título de indemnização por despedimento ilícito (correspondendo este montante à quantia de € 5 074,56 que ao Autor seria devida a título de indemnização de antiguidade deduzida da quantia de € 1 014,96 que o Réu lhe pagou a título de compensação pela caducidade do contrato), bem como a quantia de € 1 169,64, a título de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2006, e todas as retribuições vencidas desde 19 de Março de 2006, (30.º dia anterior ao da propositura da acção), até à data da sentença (data em que foi declarada a nulidade do contrato), no montante de € 34 570,44.

Para decidir daquela forma, o Mm.º Juiz considerou o seguinte:
- o contrato de trabalho a termo celebrado em 3 de Fevereiro de 2003 regulava-se pelo disposto no D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro;
- segundo o referido diploma (art. 20.º), a renovação do contrato é obrigatoriamente comunicada por escrito ao trabalhador, sob pena de caducidade do contrato;
- não obstante o alegado, o réu não logrou provar que tinha comunicado, por escrito, ao autor, a sua intenção de renovar o contrato por uma segunda vez, sendo que a prova desse facto impendia sobre ele, nos termos do art. 342.º, do CC;
- deste modo, o contrato de trabalho a termo celebrado em 03.02.2003 e renovado em 03.02.2004 caducou no dia 2 de Fevereiro de 2005;
- apesar disso, o autor continuou a prestar a sua actividade profissional ao réu, agora sem a formalização de qualquer vínculo, até 2 de Fevereiro de 2006;
- a relação de trabalho que emergiu em 03.02.2005 consubstancia um contrato de trabalho nulo, nulidade que aqui importa declarar, por ter sido celebrado fora dos termos previstos na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, sendo que o contrato a termo anteriormente celebrado em caso algum se poderia converter em contrato sem termo, por expressa proibição legal (art. 18.º, n.º 4, do D.L. n.º 427/89);
- não obstante a sua invalidade, o contrato produziu efeitos, como se válido fosse, durante todo o tempo que esteve em execução, nos termos do art. 115.º, do Código do Trabalho;
- aquando da sua cessação, o réu não invocou a nulidade do mesmo, traduzindo-se aquela, por isso, numa situação de despedimento que deve ser considerado ilícito por ter sido decretado sem prévia instauração de processo disciplinar;
- a invalidade do contrato não permite a reintegração, mas não afecta as restantes consequências da ilicitude do despedimento.

O Réu apelou da sentença, mas o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1.ª instância.

Mantendo a sua irresignação, o Réu veio interpor recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:
1.ª – Após a entrada em vigor da Lei n.º 23/04, de 22.06, a duração dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo celebrados por pessoas colectivas públicas foi alargada de dois para três anos, incluindo renovações (art. 10.º, n.º 2, da Lei 23/04 e art. 139.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e, assim sendo, o douto acórdão recorrido desrespeita aquelas disposições legais, ao decidir que o contrato de trabalho a termo certo celebrado pelas partes em Fevereiro de 2003 não poderia ser objecto de uma segunda renovação, em Fevereiro de 2005, por a lei a tanto se opor.
2.ª – A Lei n.º 23/04 deixou de exigir que a renovação dos contratos a termo certo (no âmbito da Administração Pública) tivesse que ser precedida de uma declaração escrita da entidade empregadora, manifestando a sua vontade de prolongar a relação laboral e, assim sendo, o douto acórdão recorrido, ao decidir que o contrato não foi renovado em Fevereiro de 2005 por o ora recorrente não ter comunicado, por escrito, a sua vontade de o renovar, carece de fundamento legal, porquanto não são aplicáveis, a este propósito, as disposições legais invocadas – arts. 10.º, n.º 1, e 8.º, da Lei n.º 23/04.
3.ª - O douto acórdão recorrido, ao decidir que o CTTC de 2003 caducou em 3 de Fevereiro de 2005, data a partir da qual e até 03.02.2006 passou a existir uma “relação laboral inválida” mas não qualquer contrato de trabalho a termo ou sem termo, e decidindo, ao mesmo tempo e sem nenhum fundamento, que, a partir de 03.02.2006, as partes estavam vinculadas por um contrato de trabalho sem termo (é o que necessariamente resulta da condenação) encerra, em si, uma contradição insanável, tornando-o nulo (cfr. art. 668.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC).
4.ª – Ao decidir que a relação laboral inválida, entre 03.02.2005 e 03.02.2006, se manteve depois desta data e equivalia a um contrato de trabalho sem termo, o douto acórdão recorrido declara implicitamente que o CTTC celebrado pelas partes em 2003 se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que viola flagrantemente o disposto no art. 10.º, n.º 2, da Lei n.º 23/04, segundo o qual o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por indeterminado e
5.ª – Viola igualmente o disposto no art. 47.º, n.º 2, da CRP, na medida em que, a ser mantido o douto acórdão recorrido, abrir-se-ia uma porta de acesso à função, sem concurso e sem outras formalidades essenciais, prejudicando gravemente relevantes interesses sociais, em matéria de igualdade e liberdade dos cidadãos quanto ao referido acesso (cfr., AC. N.º 683/99, T. Constitucional, in DR, 11. 03.02.2000).
6.ª – Ao ter ajuizado que o CTTC celebrado pelas partes em Fevereiro de 2003 caducou em 2005, subsistindo, desde então e até 3 de Fevereiro de 2006, uma relação laboral inválida (logo, nenhuma relação, a partir desta data), o tribunal a quo acaba por aplicar ao caso dos autos a solução jurídica definida nos doutos acórdãos que refere e cita, nos quais foram apreciadas situações radicalmente diferentes: nesses casos, existia realmente um contrato de trabalho sem termo ou como tal considerando; no caso dos autos, inexistia qualquer contrato de trabalho (na tese do douto acórdão) e, por conseguinte, ao ter, ao fim e ao cabo, ficcionado um contrato sem termo, para poder aplicar a dita solução, o acórdão recorrido elabora um juízo inválido, cuja conclusão não pode logicamente ser tirada, por inverificação ao errado pressuposto em que assenta (cfr. art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC).
7.ª – Com efeito (e passe a redundância), o CTTC que as partes celebraram não poderia, em caso algum, converter-se em contrato de trabalho sem termo e, assim sendo, mesmo que a renovação ocorrida em Fevereiro de 2005 fosse inválida, no que concerne ao alargamento do prazo, daí resultaria que o contrato a termo, embora inválido, continuaria a produzir efeitos como se válido fosse, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, ou seja, até 03.02.2006, como prescrevem os arts. 115.º, n.º 2, 116.º, n.º 2 e 440.º, n.º 2, al. a), do Código do Trabalho, disposições estas que o douto acórdão recorrido não acata, lesando seriamente os relevantes interesses de ordem pública que estão em causa.

O Recorrente rematou as suas alegações, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, declarando-se que o contrato de trabalho a termo cessou, por caducidade, no dia 03/02/2006, com as legais consequências daí decorrentes.

O Autor contra-alegou sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que os efeitos do contrato declarado nulo se produziram apenas enquanto esteve em execução, não sendo, por isso, devidos ao Autor quaisquer montantes a partir do momento em que o mesmo cessou, parecer a que só o Autor respondeu, para dele discordar.

Corridos os vistos dos adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados pela Relação coincidem com os que foram dados como provados na 1.ª instância, excepto o facto n.º 5 cuja redacção foi alterada pela 2.ª instância, e são os seguintes:
1. O Autor foi admitido ao serviço do Réu em 3 de Junho de 2002, mediante a celebração de um acordo escrito intitulado «Acordo de Actividade Ocupacional Trabalhadores Desempregados Subsidiados», o qual se mostra junto a fls. 15.
2. O Autor foi desempenhar funções de engenharia mecânica nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada.
3. O Autor permaneceu ao serviço do Réu, de forma ininterrupta, até 2 de Fevereiro de 2003.
4. No dia 3 de Fevereiro de 2003, foi celebrado entre Autor e Ré um novo acordo escrito, desta feita apelidado de «Contrato de Trabalho a Termo Certo», mediante o qual o segundo admitiu o primeiro ao seu serviço, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de engenheiro de 2.ª classe, pelo período de 1 ano, acordo este junto a fls. 20.
5. Este acordo sofreu renovação em 03.02.2004 (1).
6. Com data de 23.12.2003, o Réu elaborou a comunicação que se mostra junta a fls. 56, intitulada «Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo na Categoria de Engenheiro de 2.ª Classe».
7. O Autor auferia ultimamente a retribuição mensal de € 1 268,64.
8. Através da carta datada de 01.02.2006, cuja cópia se mostra junta a fls. 23, o Réu pôs fim ao referido acordo escrito, invocando para o efeito a «caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo», com efeitos a 03.02.2006.
9. Tendo o Autor ficado, desde então, desempregado e sem auferir subsídio de desemprego, durante 6 meses.
10. E passando por dificuldades financeiras, visto ser o único a trabalhar no seu agregado familiar, contando com a ajuda de familiares e amigos.
11. O Autor tem a seu cargo uma filha menor.
12. O Réu redigiu, em nome do Autor, a declaração que se encontra junta a fls. 25, intitulada «denúncia de contrato de trabalho a termo resolutivo certo».
13. O Autor recusou-se a assinar esta declaração.
14. A Directora do departamento onde o Autor trabalhava, Eng. BB, escreveu no livro de ponto da ETAR da Mutela, onde o Autor tinha o seu posto de trabalho, a «ordem de serviço» cuja cópia está junta a fls. 26 e cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.
15. Esta «ordem de serviço» foi do conhecimento da generalidade dos funcionários do Réu.
16. CC goza, desde Setembro de 1998, de incapacidade de 70%.
17. Em Fevereiro de 2006, o Réu pagou ao Autor as verbas discriminadas no recibo de vencimento junto a fls. 65.
18. O Réu enviou ao Autor as comunicações que se encontram juntas a fls. 63 e 64.

3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso restringe-se às seguintes questões:
- saber se a Relação podia ter alterado o n.º 5 da matéria de facto;
- saber se o vínculo laboral entre as partes cessou por caducidade ou por despedimento.

3.1 Da alteração do n.º 5 da matéria de facto
Como atrás foi referido, a Relação alterou a redacção do n.º 5 da matéria de facto. Naquele n.º 5, na 1.ª instância, deu-se como provado que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, no dia 3 de Fevereiro de 2003, tinha sofrido duas renovações, uma em 03/02/2004 e outra em 03/02/2005 (“Este acordo sofreu duas renovações, em 03/02/2004 e 03/02/2005, respectivamente”).

A Relação decidiu alterar o teor daquele n.º 5, eliminando a referência à segunda renovação, considerando esta como não escrita, nos termos do artigo 646.º, n.º 4, do CPC. E fê-lo, em síntese, com o fundamento de que a renovação do contrato em 03/02/2005 só era possível se fosse reduzida a escrito, constasse de documento escrito, uma vez que a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, não permitia a renovação automática do contrato, documento esse que constava dos autos, ao contrário do que sucedia relativamente à renovação operada em 03/02/2004.
Discordando, o recorrente alegou, em resumo, o seguinte:
- quando o contrato foi celebrado vigorava o D.L. n.º 427/89, que no seu artigo 20.º estabelecia um prazo de dois anos como sendo a duração máxima da generalidade dos contratos de trabalho a termo certo;
- o mesmo diploma também estabelecia que a renovação de tais contratos, celebrados no âmbito da Administração Pública, devia ser comunicada pelo empregador ao trabalhador, por escrito e com uma antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo previsto, sob pena de caducidade do contrato (artigo 20.º, n.º 4);
- neste contexto, em Dezembro de 2003, a recorrente comunicou por escrito ao autor a sua vontade de renovar o contrato até 03/02/2005;
- em Junho de 2004, entrou em vigor a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, a qual revogou os artigos 18.º a 21.º do D.L. n.º 427/89, passando a estabelecer que o contrato de trabalho a termo certo, no âmbito da Administração Pública, podia ter a duração de três anos, incluindo as renovações, duração essa que podia atingir os seis anos (artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2004 e artigo 139.º, ns.º 1 e 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto);
- a mesma Lei, mantendo a disposição de que o aludido contrato não se converte, em caso algum, em contrato sem termo e que não está sujeito a renovação automática (artigo 10.º, n.º 1 e 2), deixou, todavia, de prescrever que caducaria no termo do prazo que estivesse a correr, se não fosse renovado por escrito e com uma determinada antecedência em relação ao termo desse prazo;
- podiam, pois, as partes acordar quanto à renovação do contrato, até este atingir uma duração máxima de seis anos, no pressuposto de que continuava a verificar-se os requisitos legais para a celebração/renovação desse tipo de contrato, sem terem que formalizar esse acordo por escrito;
- neste contexto, e até porque as partes aceitaram, ab initio, que o contrato fosse renovado (cláusula 6.ª do contrato), nada as impedia de, em 2005, prorrogar a vigência do mesmo sem necessidade de qualquer comunicação escrita, nesse sentido, e foi o que realmente fizeram;
- por conseguinte e uma vez que, com a entrada em vigor da Lei 23/2004, a renovação do contrato de trabalho a termo deixou de ter de ser reduzida a escrito, não deveria a Relação ter decidido que o acordo das partes quanto à existência de duas renovações (uma em 03/02/2004 e outra em 03/02/2005) devia ter-se por não escrito e, consequentemente, por não provado.

Como decorre do assim alegado pelo Réu, este entende que, a partir da entrada em vigor da lei n.º 23/2004, a renovação do contrato de trabalho a termo certo que tinha celebrado com o Autor não estava sujeita a comunicação escrita e que, por isso, a Relação não podia ter dado como não escrito o n.º 5 da matéria de facto, na parte em que aí se dizia que o contrato tinha sido objecto de renovação em 03/02/2005.

A questão assim colocada pelo Recorrente diz respeito a um erro que a Relação alegadamente terá cometido na fixação da matéria de facto.

Conforme consta do artigo 722.º, n.º 2, do CPC, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, sendo que, em consonância com tal normativo, o artigo 729.º do mesmo Código, referindo-se aos termos em que julga o tribunal de revista, estipula no seu n.º 2, que “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo no caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”.
Fora daquelas situações excepcionais, e no que toca à matéria de facto, o Supremo apenas poderá mandar baixar o processo ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 3 do artigo 729.ºdo CPC, quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando na decisão sobre a matéria de facto ocorram contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.
Compreende-se que assim seja, uma vez que a vocação funcional do Supremo, enquanto Tribunal de revista, se reconduz à aplicação definitiva, sobre a factualidade já firmada pelas instâncias, do regime jurídico tido por adequado – n.º 1, daquele artigo 729.º.

3.1.1
Conforme resulta do transcrito artigo 722.º, n.º 2, a intervenção do Supremo, no domínio da decisão relativa à matéria de facto, pressupõe uma suposta violação das regras atinentes ao direito probatório material.
Na situação em apreço, está concretamente em causa o segmento normativo que alude à “…ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto.”
A literalidade do preceito parece sugerir que a intervenção correctiva do Supremo só teria cabimento quando as instâncias houvessem infringido um concreto preceito que exija determinado meio de prova para a verificação do facto, o que poderia conduzir ao entendimento de que essa intervenção já não teria lugar naquelas situações em que são as próprias instâncias a afirmar a exigência legal desse acrescido grau de segurança na produção da prova.
Não é essa, porém, a nossa convicção.
Os poderes correctivos do Supremo actuam sempre que se questione a exigência, ou não, dessa prova tabelada, pois que em ambas as situações está em causa uma pura interpretação das regras probatórias atendíveis.
Segundo o Acórdão em crise, foi justamente a verificação de uma tal exigência normativa que determinou a eliminação operada.
E – cabe reconhecê-lo – a conclusão extraída está em perfeita consonância com a motivação que a suporta: se o facto em análise só pode ser provado por documento, está bem de ver que o mesmo jamais poderia integrar a Base Instrutória ou, na sua ausência, ser objecto de resposta com respaldo na discussão probatória meramente oral, e, até, por virtude da simples posição que as partes tenham eventualmente assumido, a tal propósito, nos seus articulados.
Haveria, pois, que o eliminar, como sucedeu, nos termos do artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Ora, o que a Recorrente justamente peticiona é a emissão de um veredicto sobre essa afirmada exigência, o que leva a reconduzir a sua censura, por necessário, à questão de saber se, no caso, se impõe, ou não, a sentenciada exigência probatória.
Sendo assim, haverá que indagar o regime de direito probatório material aplicável ao caso, o que pressupõe a emissão de um juízo de direito substantivo, no final de cuja incursão se saberá se o facto foi bem ou mal eliminado.
Nesta medida, não pode este Supremo Tribunal deixar de conferir à questão a reclamada pronúncia.

3.1.2
À data em que foi celebrado o contrato de trabalho entre as partes – 3/2/2003 – vigorava o regime estabelecido pelo D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo D.L. n.º 218/98, de 17 de Julho), que definiu a constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, sendo que a um tal regime se achava vinculada a Ré, por virtude do preceituado no artigo 1.º do D.L. n.º 409/91, de 17 de Outubro.
No âmbito desse quadro normativo – e no que concretamente releva para a decisão do vertente litígio – avultavam dois princípios nucleares:
- o de que o contrato de trabalho a termo certo nunca se converteria em contrato sem termo (artigo 18.º, n.º 2);
- o de que a eventual renovação do vínculo, com a duração máxima de dois anos, pressupunha a sua obrigatória comunicação por escrito ao trabalhador, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao termo do prazo convencionado, sob pena de caducidade (artigo 20.º, n.º 1 e 4).
Posteriormente, foi publicada a Lei n.º 23/2004, de 22 de Julho, que veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho na esfera das pessoas colectivas públicas, cuja aplicação estendeu à Administração Regional, Autónoma e Local (artigo 1.º, n.º 5).
Não obstante a revogação expressa – a que procedeu (artigo 30.º) – do artigo 18.º do D.L. nº 427/89, o novo diploma manteve, no seu artigo 10.º, n.º 2, a solução, vinda do pretérito, da não convertibilidade dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, conservando expressamente, deste modo, o primeiro dos princípios nucleares a que aludimos supra.
Em matéria de renovação do vínculo, porém, limitou-se a nova Lei a dizer que “o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática” – artigo 10.º, n.º1 – guardando absoluto silêncio sobre as formalidades a que uma tal renovação passaria a estar sujeita.
E a questão que, por isso, se coloca é justamente a de saber se esse silêncio configura, ou não, um desvio relativamente ao quadro normativo anterior, no âmbito do qual a eventual renovação do contrato pressuponha, como vimos, uma necessária comunicação escrita nesse sentido, por banda do empregador.
A resposta exige uma indispensável incursão interpretativa aos princípios gerais que enformam o novo regime.

3.1.3.
Interpretar uma lei significa descobrir o sentido que está por detrás da expressão utilizada e, sempre que essa expressão possa conter sentidos diversos, eleger a verdadeira significação que o legislador pretendeu conferir-lhe (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in “Noções Fundamentais do Direito Civil”, volume II, 5ª edição, página 130).
Para tal, deverá o interprete socorrer-se dos princípios basilares contidos no artigo 9.º do Código Civil.
Partindo da letra da lei, haverá que eliminar, desde logo, aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência.
Mas, como o sentido literal representa apenas o conteúdo possível da lei, torna-se necessário averiguar, de seguida, se ele corresponde efectivamente ao pensamento do legislador.
Nessa tarefa crítica intervêm elementos lógicos, sendo usual cindi-los em elementos sistemáticos, históricos e teleológicos ou racionais.
O elemento sistemático pressupõe o apelo a outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar e, bem assim, àquelas que regulam os institutos afins, de acordo com a unidade intrínseca que é suposto nortear todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico, por seu turno, pressupõe a análise do preceito material em causa, por apelo às suas fontes e respectivos trabalhos preparatórios.
O elemento teleológico, por fim, consiste em apurar a “ratio legis”, isto é, o fim visado pelo legislador e as soluções que ele pretendeu alcançar com a norma produzida.
No final da tarefa que se propôs, acabará o intérprete por alcançar um dos seguintes resultados ou modalidades interpretativas: interpretação declarativa, extensiva, restritiva, revogatória ou enunciativa (cfr. nesta matéria, o Acórdão desta Secção de 3/5/06, proferida no Agravo nº 251/06).
3.1.4.
O regime instituído pela Lei n.º 23/2004 toma por base a disciplina consagrada pelo Código do Trabalho em matéria de contratação, sem embargo das especificidades que expressamente consagra (artigo 2.º, nº 1).
Esta menção tem importância, porque o diploma comum passou a ser a referência supletiva do novo quadro normativo.
Vejamos então as diferenças mais significativas entre eles, no que importa ao objecto da revista.
Antes de mais, cabe recordar a relevante especificidade, já acima aflorada, que emerge do artigo 10.º, n.º 2, nos termos do qual os contratos de trabalho a termo resolutivo não se convertem, em caso algum, em contratos por tempo indeterminado.
Logo aqui se vislumbra um notório desvio no confronto com a disciplina laboral comum, que consagra a regra da convertibilidade do contrato de trabalho a termo em contrato por tempo indeterminado, quando não se mostrem respeitadas as circunstâncias legais em que é possível a sua celebração, ou quando resultem excedidos os prazos máximos fixados legalmente para a sua duração (artigos 131º, n.º 4, 140º, nº 4 e 141.º do Código do Trabalho de 2003, a cujo diploma importa atender no sobredito confronto, por ser ele o coevo da Lei n.º 23/2004).
Ademais, no âmbito do regime firmado pela referida Lei, os contratos de trabalho a celebrar pela Administração Pública, sejam com termo, sejam sem ele, estão sempre sujeitos à forma escrita, sob pena de nulidade, ao invés do que sucede no compêndio comum, em que uma tal formalidade só é exigida para a celebração dos contratos a termo.
Mas, para além de se exigir, em qualquer circunstância, a forma escrita para a celebração inicial do contrato, também se exige – e com cominação idêntica – a menção expressa, no texto do convénio, de determinadas circunstâncias, como sejam o nome e o domicílio dos contratantes, o tipo de contrato e respectivo prazo, a actividade contratada e a retribuição do trabalhador.
Também se anota uma sensível diferença no elenco das situações em que é admissível a contratação a termo resolutivo que, no âmbito da Lei n.º 23/3004, se circunscrevem àquelas que vêm taxativamente enumeradas no seu artigo 9.º, que não coincidem com as que enuncia, em termos gerais, o Código do Trabalho.
Vejamos agora o que se passa no âmbito concreto da renovação contratual.
No regime geral, o legislador assume uma vontade pressuposta das partes no sentido de que, nada dizendo no final do prazo convencionado para a duração do vínculo, este se renova sem mais, prolongando-se por período igual ao inicialmente previsto (artigo 140.º, n.º 2).
Admite-se, assim, a renovação automática do contrato, dispensando-se consequentemente as partes de produzir qualquer declaração nesse sentido.
Porém, se algum dos contratantes quiser fazer cessar o convénio, já terá de expressar essa sua vontade mediante declaração escrita, tal como prescreve o artigo 388.º, n.º 1.
Em contrapartida, a vontade pressuposta do legislador, no domínio da Lei nº 23/2004, já é de sinal contrário: ao consignar expressamente que não admite a renovação automática (artigo 10.º, n. 1), o legislador assume que a vontade das partes aponta para a cessação do vínculo no final do período aprazado, equivalendo o seu silêncio, daí, à caducidade da contratação.
É aqui – assim o cremos – que o elemento sistemático de interpretação nos fornece um subsídio de particular relevo: a coerência do sistema – não sendo de olvidar aqui a natureza supletiva e, portanto, complementar do Código do Trabalho – aponta para que a vontade das partes, sempre que seja divergente da vontade pressuposta pelo legislador, tenha que ser assumida de forma insofismável e, mais precisamente, através de declaração escrita.
Compreende-se agora que a omissão normativa da Lei nº 23/2004, a propósito da necessidade de renovação escrita, não tenha tido o propósito de romper com a disciplina que vinha do pretérito e que – já o vimos – exigia essa formalidade: o que acontece é que uma tal previsão expressa se tornou desnecessária, tanto quanto é certo que essa mesma solução passa a decorrer de mera aplicação subsidiária do regime geral, que exige uma declaração escrita sempre que a vontade das partes divirja da vontade pressuposta pelo legislador.
Se assim não fosse, mal se perceberia o motivo por que o regime geral exige a forma escrita para a declaração tendente à comunicação da caducidade do contrato – e que se traduz, como vimos, na emissão de uma vontade contrária à que resulta da lei ao prever a renovação automática – quando confrontada com a eventual inexigibilidade dessa mesma forma no âmbito do regime específico da contratação celebrada com ente público – quando a vontade das partes vá aqui, também ela, em sentido contrário ao previsto na lei.
Ainda poderia admitir-se que o Código do Trabalho contém uma regra que perturba o entendimento para o qual propendemos: referimo-nos ao seu artigo 140.º, n.º 3, na parte em que exige a forma escrita sempre que a renovação do vínculo seja feita por prazo diferente do inicial.
Perante tal regra, poderia haver a tentação de extrair daí uma ilação “a contrario sensu”: se a Lei n.º 23/2004 nada diz sobre as formalidades da renovação, a aplicação supletiva do Código do Trabalho conduziria à desnecessidade da declaração escrita, sempre que a renovação contemplasse prazo idêntico ao inicial.
Mas o argumento não resiste, mais uma vez, ao confronto dos dois regimes.
A regra apontada está em consonância com o princípio nuclear da renovação automática e “por igual período”: ora, se essa renovação divergir quanto a um elemento essencial da contratação precária – como é o prazo da duração do vínculo – logo se percebe a exigência legal da sua redução a escrito, para cuja necessidade a lei se afadigou em prevenir expressamente as partes.
Nada de semelhante se passa no regime da Lei n.º 23/2004: aqui, rege o princípio da caducidade do vínculo e, consequentemente, não são para ele transponíveis as razões que ditaram a disciplina daquele artigo 140.º, n.º 3.
Sabendo-se que as exigências de forma se prendem com a necessidade de assegurar uma maior ponderação na declaração negocial a emitir pelas partes, uma tal exigência – enunciada pelo legislador no regime geral quando os contratantes pretendam transmitir uma vontade contrária àquela que pelo mesmo foi ficcionada ao estabelecer o princípio da renovação automática – também se imporá, ao menos por razão idêntica, o regime definido pela Lei n.º 23/2004 – sempre que as partes pretendam aqui um efeito contrário à vontade pressuposta da caducidade do vínculo.
Diríamos até que uma tal exigência se impõe, neste caso, por maioria de razão:
- enquanto no regime geral as partes são entidades civis, que se movem no exercício da sua autonomia privada, a presença de um órgão da Administração Pública, que é inerente ao regime da Lei n.º 23/2004, não deixará de aconselhar, em nome do interesse colectivo, uma acrescida ponderação.
Por outro lado, estamos em crer que o elemento teleológico de interpretação também conforta a tese que sufragamos:
- é que os desvios consagrados pela citada Lei relativamente ao regime geral apontam, todos eles, no sentido de uma maior exigência e controlo na formação, manutenção e cessação do contrato de trabalho a termo envolvendo entidades públicas, de que são paradigma os princípios da não renovação automática do convénio e da sua não convertibilidade, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.
Esta parece ser também a posição assumida por Inês Reis (“Os Regimes de Contratação na Administração Pública”, in “Trabalho, Segurança Social, Revista de Actualidade Laboral”, Novembro de 2005, página 11) ao discorrer do seguinte jeito:
“Em sede de duração dos contratos a termo certo na Administração Pública, vigora a regra segundo a qual os mesmos não estão sujeitos a renovação automática, não se convertem, em caso algum, em contratos por tempo indeterminado, e caducam no termo do prazo estipulado. Assim, contrariamente ao que sucede no regime geral dos contratos a termo certo, a caducidade opera independentemente de declaração negocial nesse sentido. Portanto, no final de cada período de contratação, a Administração Pública reavalia a necessidade de manutenção do contrato e, se for o caso, produz nova declaração de vontade nos termos previstos para a contratação inicial. (sublinhado nosso).
A propósito da renovação do contrato e da manifestação da vontade das partes nesse sentido, escrevem, por seu turno, Maria do Rosário Palma Ramalho e Pedro Madeira de Brito:
“O facto de os contratos a termo certo não estarem sujeitos a renovação automática, caducando no termo do prazo estipulado, não impede que os mesmos sejam objecto de renovação expressa (…) [que] pode resultar de acordo inicial ou sucessivo. No caso de as partes estipularem no acordo inicial que o contrato pode ser objecto de renovação, esta fica, todavia, dependente de uma manifestação de vontade nesse sentido por ocasião do termo do período em curso, (…) não são admissíveis cláusulas de renovação automática nos contratos a termo celebrados por pessoas colectivas públicas” (in “Contrato de Trabalho na Administração Pública, Anotação ao Regime Jurídico Aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho”, Almedina, 2ª edição, página 59).
Ora, mal se compreende que tendo a entidade pública de manifestar necessariamente a vontade de renovação na altura do termo do contrato, mesmo que haja pré-figurado “ab initio” esse desiderato, o possa então fazer por forma diferente daquela que teve de observar na primitiva contratação.
Ainda aquela autora, desta feita, in “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2006, página 306, enumera as especificidades apresentadas pelo regime da Lei n.º 23/2004, salientando, entre elas, que “…em matéria de renovação, o artigo 10.º, n.º 1 deste diploma desvia-se do regime laboral geral para estabelecer o princípio da não renovação automática; o contrato só pode assim ser renovado por forma expressa, o que exige a reavaliação das suas motivações”.
Ora, segundo cremos, a declaração escrita será a única forma de garantir que a Administração controla, efectivamente, o tipo de contratação que realiza, ponderando, no momento convencionado para o termo do vínculo, a eventual necessidade de o manter.
Este entendimento é, aliás, confortado pela estatuição acolhida na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro que aprovou o “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” e que, no n.º 3 do seu art. 104.º, estabelece que “A renovação do contrato [a termo certo] está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, bem como a forma escrita”.
E bem se compreende que, sendo intento do legislador de 2008 fazer, por intermédio daquela Lei, uma regulação auto-suficiente do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”, viesse especificamente consagrar, no seu quadro normativo, a regra da redução a escrito da renovação dos contratos a termo, pois que, com a sua edição, deixou de fazer apelo, nos casos omissos, aos preceitos do Código do Trabalho.
É dizer, pois, que a desnecessidade por nós invocada anteriormente – fls. 16/v – haveria de ficar agora expressamente prevista.
Subscrevemos, deste modo, a tese das instâncias quanto à questão em análise.


3.1.5.
Aqui chegados, só podemos concluir que bem andou a Relação ao eliminar, do acervo factual, aquela sobredita segunda renovação: à míngua do documento que a demonstrasse, essa renovação jamais poderia ser dada como provada, sendo irrelevante, para este concreto efeito, a questão de saber se estamos perante um requisito “ad substantiam” ou “ad probationem”.
3.2. Da cessação do contrato
Como atrás, no ponto (1.Relatório), já referido, na primeira instância entendeu-se que o contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de um ano, celebrado entre as partes em 3/2/2003, tinha sido objecto de uma renovação e que o mesmo tinha caducado em 3/2/2005, por falta de documento escrito que provasse uma segunda renovação (não obstante – insiste-se – o teor do facto n.º 5, na versão que lhe foi inicialmente conferida).
E entendeu-se, também, que a relação laboral que foi mantida entre as partes, entre 3/2/2005 e 3/2/2006, era de qualificar como sendo um contrato de trabalho por tempo indeterminado que, sendo embora nulo, produziu efeitos como se válido fosse, durante todo o período em que esteve em execução, inclusive no que toca aos factos extintivos do mesmo, o que implicava que a sua cessação, por iniciativa do Réu, sem expressa invocação da nulidade que o afectava, fosse considerado um despedimento, sendo este ilícito por ter sido decretado sem a prévia instauração de processo disciplinar.
E, em consonância com esse entendimento, na sentença da primeira instância entendeu-se que o Autor não tinha direito à reintegração, mas que tinha direito às chamada indemnização de antiguidade, no montante de € 4.059,60, e ás chamadas retribuições intercalares, no montante de € 34.570,44, vencidas desde 19/3/2006 (ou seja, desde o 30º dia que antecedeu a data de propositura da acção, em 30/4/2006) até à data da sentença, por ter sido nesta data que a nulidade do contrato foi declarada.
No Acórdão ora recorrido o entendimento perfilhado foi substancialmente igual ao que fora sufragado na sentença, excepto no que diz respeito à qualificação da relação laboral mantida a partir de 3/2/2005, que foi considerada não como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas como uma “relação laboral inválida”.
No recurso de Revista, a Ré defende a tese de que não houve despedimento, mas sim a caducidade do contrato no termo da sua segunda renovação.
E, nesse sentido, alegou, em resumo, que:
- A segunda renovação não carecia de ser reduzida a escrito uma vez que a Lei n.º 23/2004 a tal não obrigava, porquanto, apesar de continuar a dizer que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com a Administração Pública não estavam sujeitos a renovação automática (artigo 10.º, n.º 1 e 2), deixou de prescrever que caducariam no termo do prazo, se não fossem renovados por escrito com uma determinada antecedência em relação ao termo desse prazo;
- A segunda renovação era legalmente admissível, dado que a Lei n.º 23/2004 revogou os artigos 18.º a 21.º do D.L. 427/89 e passou a estabelecer que a duração dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com a Administração Pública podia ir até 3 e mesmo até 6 anos (artigos 10.º, n.º 2 da Lei 23/2004 e artigo 139.º, n.º 1 e 2 do D.L.427/89);
- Nada obrigava as partes a manter a relação laboral durante seis anos, não estando, por isso, a Ré impedida de não renovar o contrato em 3/2/2006;
- O Acórdão recorrido, depois de afirmar que o contrato caducara em Fevereiro de 2005, porque legalmente não podia vigorar para além dessa data, concluiu que a prestação de trabalho mantida no período de 3/2/2005 a 3/2/2006 já não podia ser considerado como um contrato de trabalho a termo, mas que também não podia ser tida como um novo contrato, só podendo ser entendida como uma “relação laboral inválida”;
- Nesta ordem de ideias, a dita relação laboral inválida produziu efeitos, como se válida fosse, durante o tempo por que durou, à semelhança do que sucede com um contrato de trabalho declarado nulo ou anulado, como prescreve o artigo 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003;
- Porém, se assim é, o tribunal a quo deveria ter decidido que a “relação laboral inválida” só produziu efeitos desde Fevereiro de 2005 até Fevereiro de 2006, uma vez que a partir de 3/2/2006 não existiu entre as partes qualquer relação laboral, mesmo inválida;
- Se a relação inválida cessou em 3/2/2006 e se as partes não estiveram vinculadas por qualquer contrato de trabalho desde 2/2/2005, como o tribunal a quo entendeu, é pura ficção equacionar a existência de um contrato juridicamente inexistente e, ao abrigo do mesmo, condenar o recorrente a pagar ao recorrido uma quantia correspondente às retribuições que auferiria a partir da extinção da relação laboral inválida, como se existisse um contrato de trabalho;
- Ao decidir o caso dos autos como se existisse um contrato de trabalho sem termo e inválido, o tribunal a quo está a sustentar que tal contrato nasceu ope legis, na sequência da caducidade do contrato a termo certo que as partes celebraram em Fevereiro de 2003 (o único que celebraram), o que viola flagrantemente o disposto no art.º 10.º, n.º 2 da Lei 23/2004);
- E está igualmente a sustentar que é possível constituir relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado sem concurso, o que não é permitido, desde logo, pelo artigo 27.º, n.º 2 da CRP;
- Considerando, porém, o entendimento a que chegou a Relação de que o contrato caducara em 3/2/2005 (porque não foi comprovadamente renovado por escrito e porque já não era possível alargar o respectivo prazo), ter-se-á de concluir que, naquela data, foi operada uma renovação ilícita, traduzindo-se tal renovação numa modificação inválida do prazo do contrato, mas este continuaria a ser um contrato a termo certo, não podendo, de modo algum, converter-se em contrato sem termo, porque a tal se opunha, terminantemente, o artigo 10.º n.º 2 da Lei 23/2004 e o artigo 47.º, n.º 2 da CRP;
- E, sendo assim, subsistiria o contrato a termo que as partes obviamente aceitaram quando voluntariamente prolongaram a relação do emprego até 3/2/2006;
- Deste modo, a alteração do prazo de duração do contrato, mesmo que inválida fosse, produziria efeitos como se fosse válida, em relação ao tempo durante o qual ambas as partes quiseram que o contrato continuasse em vigor, ou seja, até Fevereiro de 2006, altura em que operaria a caducidade se, como sucedeu, as partes ou uma delas não quisessem renová-lo;
- Acresce que a caducidade operaria sem necessidade de qualquer declaração do empregador nesse sentido, razão pela qual a comunicação então dirigida ao Autor é inócua, para efeitos da cessação do contrato de trabalho, uma vez que este cessaria, por força da lei, salvo se ao trabalhador fosse dirigida uma declaração no sentido de renovar o contrato;
- Assim, se existisse um contrato sem termo e o recorrente se tivesse recusado a receber a prestação do trabalho do Autor a partir de 3/2/2006, sem o competente processo disciplinar estaríamos perante um despedimento ilícito como se refere no acórdão recorrido;
- E o mesmo sucederia se o contrato fosse a termo certo e aquela recusa se verificasse antes de esse termo ocorrer, caso em que a compensação a atribuir ao Autor teria em conta o termo do contrato (artigos 116.º, n.º 2 e 440.º do Código do Trabalho);
- No caso em apreço, o único contrato de trabalho que existiu foi um contrato de trabalho a termo certo cuja duração máxima inicialmente prevista e legalmente imposta era de dois anos, duração essa que foi prolongada por mais um ano, como a lei passou a permitir, obviamente com o acordo das partes;
- Esse contrato a termo, se caducou em 2005, não poderia ter continuado em execução jurídica mas poderia ter continuado em execução de facto, e, assim sendo, produziria efeitos durante o tempo em que esteve em execução, isto é, até 3/2/2006.

3.2.1.
Como decorre da argumentação produzida pelo Recorrente, a tese por ela sustentada no recurso de Revista assenta em dois pilares:
- o primeiro é o de que houve efectivamente uma segunda renovação do contrato;
- o segundo é o de que, não tendo havido essa segunda renovação efectiva, a manutenção da relação laboral depois de finda a primeira renovação em 3/2/2005 e até 3/2/2006 não constitui um contrato de trabalho novo, mas sim a manutenção fáctica do contrato a termo certo que entre as partes tinha sido celebrado, o qual teria cessado no seu termo por caducidade e não por despedimento.
No que toca à existência de uma efectiva renovação do contrato, é matéria já resolvida a propósito da questão inicialmente abordada.
Assim, não tendo sido dada como provada a renovação expressa do contrato em 3/2/2005, o contrato em questão caducou automaticamente naquela data (que era o termo da renovação que tinha sido operada em 3/2/2004).
(Anote-se que a renovação do contrato em 3/2/2005 era admissível à luz do novo regime contido na Lei n.º 23/2004, aqui aplicável – artigo 12.º do Código Civil – que, embora nada estipule acerca da duração e renovação dos contratos a termo certo, manda aplicar – artigo 2.º, n.º 1 – aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas “o regime do código do trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei”, sendo que a regra contida no artigo 139.º, n.º 1 do Código do Trabalho é a de que os contratos de trabalho a termo certo podem ter uma duração até três anos, incluindo renovações que não podem ser mais que duas).
E, sendo assim, isto é, tendo o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, em 3/2/2003, caducado automaticamente em 3/2/2005, evidente se torna também a falta de consistência jurídica do segundo pilar argumentativo do Recorrente.
É certo que a relação laboral entre as partes continuou para além de 3/2/2005, mas não se pode afirmar que essa relação continuou a revestir a forma de um contrato de trabalho a termo certo, uma vez que o anterior tinha caducado e não se provou que as partes tivessem formalizado por escrito a celebração de um novo contrato precário.
Neste contexto legal, a relação laboral que persistiu a partir de 3/02/2005 só pode ser qualificada como contrato de trabalho sem termo, como bem decidiu a primeira instância, embora inválido por falta de forma escrita (artigo 8.º, n.º 1 da Lei 23/2004).
Tal contrato, apesar de nulo, produziu, todavia, efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, por força do disposto no artigo 115.º, n.º1 do Código do Trabalho de 2003, sendo que “ [a]os factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato” (artigo 116.º, n.º 1 do CT).
Por outras palavras, apesar de nulo, o contrato ficciona-se como válido para efeitos de se ajuizar da legalidade da sua cessação, quando esta ocorra antes do mesmo ter sido declarado nulo ou anulado.
Ora, tratando-se de um contrato sem termo que o Réu fez cessar unilateralmente sem prévia instauração de processo disciplinar, sem justa causa e sem invocar a nulidade do mesmo, essa forma de cessação não pode deixar de ser tida como um despedimento ilícito, como bem decidiram as instâncias.
E, não tendo o Recorrente posto em causam, no recurso, as consequências que as instâncias extraíram dessa ilicitude, impõe-se a confirmação da decisão recorrida.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista, confirmando-se na íntegra o acórdão impugnado.
Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010

Sousa Grandão (Relator por vencimento)

Pinto Hespanhol

Sousa Peixoto (Vencido)
Declaração de voto
Votei vencido por entender – como no projecto de acórdão que apresentei sustentava –, que a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, não exigia a forma escrita para a renovação do contrato e que, por essa razão, a Relação não podia ter alterado a redacção do n.º 5 da matéria de facto, o qual deveria ter mantido o teor que lhe fora dado na 1.ª instância, com as legais consequências que daí advinham: caducidade do contrato no final da segunda renovação em 3.2.2006, a inexistência de despedimento e a absolvição da ré do pedido.

E tal entendimento assentava, resumidamente, na seguinte ordem de razões:
- o contrato de trabalho a termo certo, em apreço nos autos, foi celebrado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que, então, definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública e que, por força dos disposto no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro, também era aplicável à administração local;
- o art.º 20.º do D.L. n.º 427/89, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 218/98, de 17 de Julho, estabelecia, no seu n.º 1, que o contrato de trabalho a termo certo podia ser objecto de renovação e, no seu n.º 4, estipulava que a renovação era obrigatoriamente comunicada, por escrito, ao contratado com a antecedência mínima de 30 dias sobre o termo do prazo, sob pena de caducidade;
- perante as disposições citadas, era evidente que a renovação do contrato só podia ocorrer se a entidade empregadora tivesse comunicado ao trabalhador a sua vontade de o renovar, com a antecedência de 30 dias relativamente ao termo do prazo, por se tratar de uma formalidade ad substantiam;
- sucedeu, porém, que os artigos 18.º a 21.º do D.L. n.º 427/89 foram revogados pelo art.º 30.º, alínea b), da Lei n.º 23/2004, que veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas e que também é aplicável à administração regional autónoma e à administração local, embora passível de adaptações a introduzir em diploma próprio (vide art.º 1.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2004);
- a Lei n.º 23/2004 já estava em vigor quando a primeira renovação do contrato chegou ao seu termo em 3.2.2005 e, por isso, a questão de saber se a renovação do contrato em 3.2.2005 estava sujeita, ou não, à forma escrita há-de ser resolvida à luz da referida Lei;
- no seu art.º 2.º, n.º 1, a Lei n.º 23/2004 estabelece que aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades nela referidas;
- relativamente à renovação do contrato de trabalho a termo resolutivo certo, a Lei n.º 23/2004 estipula que o contrato não está sujeito a renovação automática (art.º 10.º, n.º 1), mas não proíbe a sua renovação e nada diz acerca da forma que essa renovação há-de revestir, o que significa que, nestas matérias, o contrato se rege pelo disposto no Código do Trabalho;
- o Código do Trabalho admite a renovação do contrato e não exige que a mesma seja reduzida a escrito, salvo quando for estipulado um prazo diferente do inicial (art.º 140.º, n.º 3);
- nada obstava, por isso, a que as partes renovassem o contrato em 3.2.2005, por forma não escrita, uma vez que a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir (art.º 219.º do C.C.).

Pese embora o brilho da argumentação aduzida no acórdão, continuo a entender que a interpretação perfilhada no projecto que apresentei é a mais consentânea com a letra da lei.

Com efeito, como no projecto também se dizia, dispondo o art.º 9.º do C.C., nos seus n.os 2 e 3, que o intérprete não pode levar em consideração o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (n.º 2) e que, na fixação do sentido e alcance da lei, deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3) e sabendo o legislador que o D.L. n.º 427/89 exigia para todas as renovações do contrato uma declaração escrita da entidade empregadora, não vejo como é que no âmbito da Lei n.º 23/2004 se possa defender o entendimento de que toda e qualquer renovação do contrato tem de revestir a forma escrita.

Na verdade, se esta tivesse sido a vontade do legislador, ele tê-lo-ia dito claramente como fez no Decreto-Lei n.º 427/89, sendo que o facto de não o ter dito só pode ser interpretado como a manifestação de vontade de que, nessa matéria, quis adoptar o regime do C.T., que, como já dissemos, só exige a forma escrita nos casos em que a renovação é feita por prazo diferente do que foi inicialmente estipulado.

Salvo o devido respeito, não há elemento sistemático ou teleológico que resista à letra da lei e ao elemento histórico que decorre do Decreto-Lei n.º 427/89.

E nem se diga, como se diz no acórdão, que a omissão normativa da Lei n.º 23/2004, a propósito da necessidade de renovação escrita, não visou romper com a disciplina que vinha do pretérito, que exigia tal formalidade, tendo resultado apenas do facto de tal previsão expressa se ter tornado desnecessária, pois, se essa tivesse sido a intenção do legislador, como explicar que na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas, ele tivesse reposto a exigência de forma escrita para a renovação do contrato de trabalho a termo certo, apesar de nessa mesma lei ter mantido a regra da não renovação automática do contrato de trabalho a termo certo (art.º 104.º)?
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(1) Na 1.ª instância, o n.º 5 tinha o seguinte teor: “Este acordo sofreu duas renovações, em 03.02.2004 e03.02.2005, respectivamente”.