Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
815/20.3T8BGC-B.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
TEMPESTIVIDADE
RECURSO DE APELAÇÃO
CONTRA-ALEGAÇÕES
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Verifica-se nulidade por omissão de pronúncia a respeito da questão, suscitada em sede de contra-alegações ao recurso de apelação, da invocada intempestividade do recurso de apelação.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. No âmbito dos autos principais, procede-se a inventário por óbito de AA e de BB, sendo seus herdeiros CC, DD, EE e FF.

Na pendência do inventário faleceu DD.

Em 29-01-2021, foi proferida sentença de habilitação de herdeiros onde se decidiu o seguinte:

«Pelo exposto, declaro habilitados, para prosseguir nos autos em substituição do falecido Interessado, DD, os seus filhos: GG, HH e II.

Mais declaro não admitir a habilitação da esposa do falecido Interessado, JJ». [negrito nosso]

Em 04-07-2021, JJ deduziu incidente de intervenção principal espontânea, tendo, em 23-09-2021, sido proferido o seguinte despacho:

«Compulsados os autos constata-se que já foi proferida decisão acerca da habilitação dos interessados diretos na partilha por morte do interessado DD, o qual decidiu não habilitar a esposa do interessado JJ.

Considerando que já recaiu decisão sobre a habilitação da interessada, somos do entendimento que tal questão, ainda que suscitada como incidente de intervenção de terceiros não pode ser novamente apreciada pelo Tribunal.

Contudo, o teor do despacho proferido a 08.02.2021 (referência citius ...) não foi notificado à requerente do incidente, não tendo, por isso, oportunidade de reagir ao mesmo.

Ante o exposto, proceda à notificação da requerente do despacho de 08.02.2021 (referência citius ...).

D.N..».

JJ interpôs, então, recurso de apelação da decisão que não admitiu a sua habilitação como sucessora de DD.

FF apresentou resposta, alegando que:

«- Não deve ser admitido o recurso porque manifestamente intempestivo;

- A ser admitido, o que só por comodidade de raciocínio se refere, deve ser-lhe atribuído o efeito meramente devolutivo, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.

- Em todo o caso, o recurso é inútil porque, aceitando a Recorrente que se verifica uma situação de indignidade sucessória relativamente à herança do Sr. AA, e nada havendo que partilhar da herança da D.ª BB, não pode intervir nos autos a Recorrente porque a partilha em nada afeta os seus direitos.».

O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão nos termos do qual decidiu:

 «Acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, admitir a intervenção da apelante, julgando-a habilitada para prosseguir nos autos em substituição do falecido DD, juntamente com os demais herdeiros deste, enquanto não for judicialmente declarada a indignidade daquele, em função do seu âmbito, assim se revogando o douto despacho recorrido.».


2. Insurge-se o Recorrente contra esta decisão através do presente recurso de revista, invocando a verificação de:

a) Nulidade do acórdão do tribunal da Relação de Guimarães por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

b) Ofensa do caso julgado;

c) Da ineficácia da decisão proferida pelo Tribunal da Relação (decisão recorrida), nos termos do disposto no art. 625.º do CPC.


3. O tribunal a quo pronunciou-se, em acórdão da conferência de 30-06-2022, sobre a invocada nulidade, afirmando:

«1) Não se verifica omissão de pronúncia, se o tribunal do recurso se pronunciou sobre as questões suscitadas nas conclusões do recorrente, na ampliação do recurso e questões de conhecimento oficioso, mas não se pronuncia sobre as contra-alegações;

2) As contra-alegações ou resposta, não atribuem ao recorrido, que não recorreu, um direito à apreciação das suas alegações/conclusões, a menos que este tenha requerido a ampliação do âmbito do recurso, ou se trate de questões de conhecimento oficioso.».


4. A respeito da admissibilidade do recurso, importa ter em conta o disposto no art. 629.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil:

«Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) com fundamento na (…) ofensa do caso julgado».

No caso dos autos, analisada a pretensão do Recorrente, mostra-se evidente que este invoca, tudo visto, a ofensa do caso julgado, razão pela qual atenta a legitimidade do Recorrente e o teor da decisão recorrida, que põe termo ao incidente de habilitação, o recurso é admissível.

Cumpre apreciar e decidir

5. Invoca o Recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, quanto às questões suscitadas pelo ora Recorrente em sede de resposta ao recurso de apelação interposto pela então apelante, ora Recorrida.

5.1. Está em causa a apreciação da matéria atinente à (in)tempestividade do recurso de apelação interposto, ao efeito a atribuir ao recurso de apelação e, por fim, à inutilidade do recurso de apelação.

Dispõe o mencionado art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi art. 666.º, n.º 1, do mesmo Código, que:

«É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».

A invocada nulidade encontra-se relacionada com o comando normativo ínsito no art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual:

«O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».

No que especificamente diz respeito à invocada nulidade por omissão de pronúncia relativamente às questões suscitadas em sede de contra-alegações, este Supremo Tribunal tem vindo a entender, de forma reiterada, que:

 «Quando as contra-alegações sejam contra-alegações em sentido próprio, ou seja, não envolvam o requerimento de ampliação do objecto do recurso, o tribunal não tem o dever de se se referir expressamente aos argumentos aí apresentados.” (acórdão de 31-03-2022, proc. n.º 4406/19.3T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt[1]).

Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 31-03-2022 (proc. n.º 1612/17.9T8LRA.C1.S1), de 04-05-2021 (proc. n.º 327/14.4T8CSC.L1.S1), de 21-10-2020  (proc. n.º 22277/17.2T8LSB.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.

Resulta, assim, da referida jurisprudência que o objecto do recurso é composto apenas pela matéria constante das conclusões do recorrente na alegação de recurso, das conclusões do recorrido na ampliação do recurso e das questões de conhecimento oficioso, sendo evidente que apenas «há omissão de pronúncia quanto às questões sobre as quais recai um dever de pronúncia» (nas palavras do referido acórdão de 31-03-2022).


5.2. Feito este breve enquadramento, no que especificamente diz respeito à matéria respeitante ao efeito do recurso de apelação, cumpre afirmar que, tendo sido tal matéria invocada pelo ora Recorrente em sede de contra-alegações ao recurso de apelação, impunha-se ao Tribunal da Relação que sobre a mesma se pronunciasse, até porque compete ao relator «corrigir o efeito atribuído ao recurso e o modo de subida» (art. 652.º, n.º 1, alínea a), do CPC), razão pela qual existia, no caso concreto, um dever de pronúncia.

Sucede que, compulsados os autos, resulta que o Tribunal da Relação se pronunciou, de forma expressa, sobre essa matéria no âmbito do despacho de admissão do recurso, proferido em 28-03-2022, deixando escrito:

«Recurso próprio, admitido com o efeito e modo de subida adequados, tendo em conta o disposto no artigo 1123º nº 1, 2 alínea b) e 3 NCPC, atenta a razão invocada.».

Muito embora o Recorrente discorde de tal apreciação por ser contrária à sua pretensão, o certo é que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre a matéria respeitante ao efeito a atribuir ao recurso, não se verificando, pois, qualquer omissão de pronúncia.

5.3. Quanto à matéria da inutilidade do recurso de apelação, cumpre recordar que, em sede de contra-alegações, o ora Recorrente invocou o entendimento de que:

«p) o recurso é inútil pois que a Recorrente aceita que a indignidade sucessória existe relativamente ao pai de seu falecido marido (e não também já relativamente á mãe, assim o refere).

q) A verdade é que os bens da D.ª BB foram partilhados em 1989 e formalizada a partilha em 9 de Junho de 2000 – cfr. escritura de partilha junta aos autos.

r) Nada mais havendo para partilhar que fizesse parte do acervo hereditário da D.ª BB.».

No caso dos autos, temos que a invocada inutilidade configura um mero argumento em sentido contrário ao pretendido pela então apelante, sendo, por esse motivo, manifesto que não existia um dever de pronúncia sobre tal matéria, nos termos da jurisprudência supra referida.

Em todo o caso, sempre cumprirá assinalar que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre a referida inutilidade, deixando expresso que:

«[E]nquanto não se verificar a declaração judicial de indignidade, no caso de falecimento do interessado, que tem pendente uma ação de declaração de indignidade, são chamados à sucessão os herdeiros deste, dado que a indignidade sucessória não opera automaticamente (…) Sendo certo que a apelante não é herdeira direta na herança dos pais do seu falecido marido, no entanto, não deixa de ser herdeira deste e ainda não se mostra partilhada a herança dos seus pais, dado que se assim não fosse o inventário requerido careceria de fundamento.». [negrito nosso]

Não estando em causa o acerto ou desacerto da decisão, verifica-se que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre a invocada inutilidade, afastando-a, não ocorrendo, também nesta parte, omissão de pronúncia.


5.4. Chegamos, assim, à alegada omissão de pronúncia respeitante à (in)tempestividade do recurso de apelação, cumprindo afirmar que, nesta parte, assiste razão ao Recorrente.

A matéria atinente às condições de admissibilidade de recurso, por ser logicamente prévia ao seu conhecimento, pode e deve ser apreciada pelo Tribunal da Relação (cfr. alínea b), do n.º 1, do art. 652.º do CPC).

Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 21-09-2021 (proc. n.º 10538/16.2T8LRS.L1.S1) disponível em www.dgsi.pt):

«Quando o recorrido nas contra-alegações da apelação invoca a inadmissibilidade do recurso, explicitando o motivo concreto pelo qual o mesmo não deve ser admitido, essa problemática relativa às condições de admissão do recurso deve ser conhecida – pelo relator, em despacho (com possibilidade de os interessados pedirem a confirmação pelo colectivo) ou pelo colectivo, em acórdão – com maior ou menor desenvolvimento e fundamentação, dependendo das circunstâncias e, não havendo qualquer referência ao assunto, na perspectiva solicitada pelo recorrido, pode admitir-se que ocorreu omissão de pronúncia, relevante para efeitos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.».

Assim sendo, considera-se que não estão em causa meros argumentos a ser considerados no âmbito do recurso interposto pela apelante, antes se trata de matéria prévia ao conhecimento do objecto do recurso que não pode deixar de ser apreciada pelo Tribunal da Relação.

O que fica dito assume uma relevância adicional no caso vertente, pois que a tempestividade do recurso de apelação interposto é essencial para que se possa afirmar a verificação de caso julgado.

Conclui-se que o acórdão recorrido padece, nesta parte, de nulidade por omissão de pronúncia, devendo, por esse motivo, ser anulado, baixando os autos para conhecimento da questão da invocada intempestividade do recurso de apelação interposto pela ora Recorrida e para prolação de nova decisão em função do que se decidir sobre aquela matéria.


6. Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo Recorrente.


7. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, decidindo-se:

a) Anular o acórdão recorrido;

b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciada a questão da invocada intempestividade do recurso de apelação interposto pela ora Recorrida e para prolação de nova decisão em função do que se decidir sobre aquela matéria.

Custas a final.


Lisboa, 10 de Novembro de 2022


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira

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[1] Relatado pela Conselheira Catarina Serra, 1.ª Adjunta no presente acórdão.