Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2064/10.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
INOVAÇÃO
DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
NULIDADE
TERRAÇOS
TÍTULO CONSTITUTIVO
DIREITO DE PROPRIEDADE
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
COMPROPRIEDADE
PARTES COMUNS
REGIME APLICÁVEL
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PRPOPRIEDADE HORIZONTAL / PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO / OBRAS.
Doutrina:
- Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 192.
- Henrique Mesquita, «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», R.D.E.S., Ano XXIII, 139, nota 3.
- Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, 97 e ss., 131, 135-136.
- Mota Pinto, Direitos Reais, coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Livraria Almedina, Coimbra, 1976, 286 (nota 58).
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, 425, 433-434.
- Rui Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3.ª Edição, 213.
- Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª Edição, 121 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 294.º, 1306.º, N.º 1, 1419.º, N.º 1, 1420.º, 1421.º, 1422.º, N.º 2, 3 E 4, 1425.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DE CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 640.º, N.º 1 E 2, ALÍNEA A), 662.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 04/10/1995, PROCESSO N.º 87.261, PUBLICADO NO B.M.J. N.º 450, 492-502.
-DE 17/02/2011, PROCESSO N.º 881/09.2TVLSB.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
I. O instituto da propriedade horizontal, nos termos do artigo 1420.º, n.º 1, do CC, integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fração que lhe pertence e, paralela e forçosamente, o direito complexo de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio.

II. Dada a relação funcional entre as partes comuns do prédio e as frações autónomas, bem como as específicas relações de vizinhança entre os condóminos, os direitos que recaem sobre umas e outras, embora regulados, subsidiária e respetivamente, pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à administração, uso, fruição e disposição das partes comuns, bem como relativamente a limitações de uso e fruição das frações autónomas por parte dos respetivos condóminos.

III. Tal regime reveste a natureza própria dos direitos reais, subordinando-se ao princípio da tipicidade legal e sendo dotado de eficácia erga omnes, nos termos do artigo 1306.º, n.º 1, do CC.

IV. Nesse domínio, às obras de inovação realizadas sobre as partes comuns não é aplicável o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, 3 e 4, do CC, que se confina às inovações feitas nas frações autónomas, sendo antes aplicável o preceituado no artigo 1425.º do mesmo diploma.

V. O artigo 1425.º acolhe um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei.

VI. Nos termos do n.º 1 do artigo 1425.º, a realização de obras inovadoras sobre coisas comuns que beneficiem as já existentes ou introduzam novas coisas comuns no edifício ou consistam em demolição de antigas coisas comuns dependem da aprovação da maioria absoluta dos condóminos que seja representativa de 2/3 do valor total do prédio. E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, não é permitida a introdução de inovações em coisas comuns já existentes suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

VII. Porém, as inovações sobre as partes comuns que introduzam modificação das características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, carecem de ser aprovadas por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do CC.

VIII. Outrossim, as deliberações da assembleia de condóminos que não sejam tomadas por todos os condóminos que ratifiquem, autorizem ou aprovem inovações com esse alcance são nulas nos termos conjugados dos artigos 294.º e 1419.º, n.º 1, do citado Código.

IX. Assim, a deliberação da assembleia de condóminos tomada, apenas pela maioria dos condóminos representativa de 2/3 do valor do prédio, no sentido de aprovar ou ratificar obras consistentes na incorporação material, numa fração autónoma, de um terraço integrado nas partes comuns, ainda que exclusivamente afeto àquela fração, é nula nos termos dos indicados artigos 294.º e 1419.º, n.º 1, do CC, na medida em que modifica a área e a permilagem daquela fração, em detrimento do espaço comum e em desconformidade com as especificações fixadas no título constitutivo da propriedade horizontal.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. A sociedade AA - Sociedade Imobiliária, Lda (A.), intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 28/09/2010, contra: 

- BB (1.º R.);   

- CC, (2.ª R.);   

- DD, (3.º R.);    

- EE, (4.º R.);   

- FF, (5.º R.);   

- GG e HH, (6.ª e 7.º R.R.);   

- II, (8.º R.);   

- JJ - Sociedade de G. Imobiliária, S.A (9.º R.);   

representados nos termos do disposto no n.º 6 do art. 1433.º do CC, pela sociedade administradora do condomínio, KK, Lda, do prédio sito na Avenida …, n.º …, em Lisboa, pedindo que fossem declaradas nulas as deliberações tomadas pelos R.R. em 30/7/2010, sobre os pontos 4, 5 e 6 da respetiva ordem de trabalhos.


    Para tanto, no essencial, alegaram que:

. A A. é proprietária da fração autónoma O do prédio em referência e os R.R. proprietários das demais frações;

. Em assembleia geral de condóminos de 30/7/2010, foram aprovados por maioria do valor total do prédio os pontos 4, 5 e 6 da ordem de trabalhos com o seguinte teor:

«Ponto 4: Renovação do conteúdo da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 26 de junho de 1990, segundo a qual o condómino do 7.° andar recuado (letra P) foi autorizado a fechar o terraço com alumínio e telhado;

Ponto 5: Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.° andar recuado (letra P), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

Ponto 6: Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.° andar recuado (letra P), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (atual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra P) seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3 e vãos com 62.28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca»

. Tais deliberações violam o decidido pelo acórdão do STJ que ordenou a demolição das obras do terraço;

. Além disso, as mesmas não obtiveram a aprovação unânime de todos os condóminos para permitir efetuar obras no terraço tal como foram efetuadas pela proprietária da fração que utiliza o terraço, sendo que tais obras tiveram repercussões nefastas na estrutura do edifício;

. Dado se exigir a unanimidade, aquelas deliberações são nulas, para além de violar o caso julgado;

. Uma anterior deliberação de 26/06/90, agora renovada, nada tem a ver com o que existe atualmente no andar da R. JJ, que induziu em erro os restantes condóminos, o que sempre tornaria a deliberação anulável, nos termos dos artigos 251.º e 247.º do CC.  

2. Os R.R. contestaram por exceção, arguindo a sua ilegitimidade, bem como a caducidade do direito de anulação das deliberações em causa, e ainda por impugnação, sustentando que:

. As deliberações em causa foram tomadas pela maioria dos votos e esclarecidas quanto ao seu conteúdo, não existindo qualquer erro;

. As deliberações em foco foram renovadas em ulterior assembleia, de 5/11/2010, por maioria de 2/3, não estando em causa a exigência de unanimidade e não existindo caso julgado em relação às mesmas.

Conclui pela improcedência da ação.

3. A A. apresentou réplica, em 21/12/2010, na qual concluiu pela improcedência das exceções invocadas, pedindo a condenação da parte R. como litigante de má fé.

4. No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade, entendendo-se aí que a ação fora também intentada contra o condomínio, e relegado para final o conhecimento da caducidade.

5. Realizado a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 464-483, datada de 28/05/2015, na qual foi inserida a decisão de facto e a respetiva motivação, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos formulados, quer por improcedência quer por inutilidade superveniente.

6. Inconformada, a A. interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de facto e de direito, tendo a apelação sido julgado parcialmente procedente, declarando-se a nulidade das deliberações da assembleia de condóminos em causa, tomadas em 30/07/2010, quanto aos pontos 5 e 6 da ordem de trabalhos (renovadas/ ratificadas na assembleia de condóminos de 5/11/2010), confirmando-se, no mais, as decisões recorridas, conforme acórdão de fls. 561-595, datado de 17/05/ 2016. 

7. Desta feita, vieram agora os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - O presente recurso versa o acórdão da Relação de Lisboa que, revogando a sentença da 1.ª Instância, julgou procedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas no dia 30/07/2010 na assembleia de condóminos do prédio sito na Avenida …, …, em Lisboa, quanto aos pontos 5 e 6 da ordem de trabalhos (e renovadas/ratificadas na assembleia de condóminos de 5/11/2010), incidindo ainda a respeito da violação da lei de processo - e subsidiária nulidade do acórdão – no que respeita à alteração da matéria de facto realizada pelo Tribunal a “quo”;

2.ª - O Tribunal recorrido entendeu alterar a matéria de facto dada como provada, introduzindo nove novos factos que, todavia, não poderiam ser dados como provados;

3.ª - A Recorrida não deu cumprimento, nas suas alegações de recurso perante o Tribunal da Relação, ao disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC - ónus de especificação de pontos de facto e meios probatórios;

4.ª - A Recorrida ignorou de igual modo os ónus constantes do art. 640.º, n.º 2, do CPC, a respeito da impugnação da matéria de facto, porquanto incumbia-lhe "indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder a transcrição dos excertos que considere relevantes", o que não fez;

5.ª - O Recurso da matéria de facto promovido pela Recorrida é legalmente inadmissível pelo incumprimento por esta de elementares ónus processuais, o que deveria ter ocasionado uma rejeição liminar por parte do Tribunal “a quo”, sendo tal fundamento de recurso de revista, nos termos do disposto no art. 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC;

6.ª - Subsidiariamente, verifica-se, ainda, nulidade do acórdão proferido no mesmo âmbito, por conhecer de “questões de que não podia tomar conhecimento”, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, e 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC;

7.ª – Além disso, a alteração da matéria de facto assentou no emprego de meios de prova não realizados nos autos, sendo ainda dados como provados factos que traduzem mera conclusões;

8.ª - Tal verifica-se a respeito do novo facto n.º 3, o qual é dado como provado atentas “circunstâncias” dos autos n.º 95/2000 (outro processo judicial);

9.ª - A respeito do novo facto n.º 4, que se funda, inter alius, numa perícia ocorrida (e respetivas conclusões) "na ação n.º 95/2000", bem como, ainda, dos novos factos n.º 6 e 7;

10.ª - E também o facto n.º 9 - “a linha arquitetónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fracção em causa"), que se funda nos "elementos probatórios a que vimos fazendo referência", e traduz-se, em cúmulo, numa simples conclusão;

11.ª - O que, pese embora a revogação do art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, se mostra juridicamente inadmissível [cfr., por todos, ac. do STJ de 14.01.2016;

12.ª - Em simultâneo, ao dar como provados factos que, pura e simplesmente, não foram objeto de prova {rectius, ao empregar meios probatórios não produzidos nos presentes autos), socorrendo-se para o efeito de outro processo judicial (com diferentes sujeitos processuais) e de meios de prova produzidos nesse outro processo, o Tribunal da Relação de Lisboa violou, salvo melhor entendimento, o disposto nos artigos 91.º, n.º 2, 413.º, 415.º, n.º 1, e 3.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, igualmente fundamento de recurso no presente âmbito;

13.ª - Estamos perante uma “decisão surpresa”, nula nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º 1, do CPC;

14.ª - Em sede material, consignou-se no acórdão recorrido, com base no art.º 1419.º do CC, que “as deliberações que aprovaram (tais) obras teriam de ser aprovadas por unanimidade dos condóminos, que não por maioria de 2/3.”; o acórdão reporta-se a uma deliberação tomada em assembleia de condomínio, segundo a qual se aprovou, com maioria superior a 2/3 dos votos:

(i) - a “renovação do conteúdo da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 26/06/1990, segundo a qual o condómino do 7.º andar recuado (letra "P") foi autorizado a fechar o terraço com alumínio e telhado”;

(ii) - a “autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30/07/2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações ã linha arquitectónica do edifício”;

(iii) - a “autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitetónica do edifício (atual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.º andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3 e vãos com 62.28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca”.

15.ª - O art.º 1419.º do CC diz respeito à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e não a deliberações da assembleia de condóminos; quanto a estas rege o art. 1425.º, n.º 1, ou, no limite, o art. 1422.º, n.º 3, do CC;

16.ª - A deliberação de condomínio foi tomada com a maioria legalmente exigida pelo art.º 1425.º, n.º 1, do CC, consoante é corroborado abundantemente pela jurisprudência [cfr. o ac. da Relação de Lisboa de 06/11/2008, o ac. do STJ, de 29/09/2009 e o recente ac. da Relação de Lisboa, de 17/12/2014, e o ac. do STJ, de 31/05/2012, e pela doutrina (Pires de Lima/Antunes Varela e Sandra Passinhas);

17.ª - No mesmo âmbito, incumbe ainda referir, em sentido idêntico, os acórdãos do STJ, de 23/03/1982, de 20.07.1982, de 03.12. 1991, de 26.05.1992, de 16.10.2003, de 04.03.2004, de 19.12.2006, de 19.02.2008, de 22.09.2009, de 01.06.2010;

18.ª - Foi obtida a maioria legal para a realização e manutenção das obras atualmente existentes no mesmo terraço, em concreto, a maioria de 2/3 referida nos acórdãos da Relação de Lisboa de 12/ 11/2009, e do STJ, de 01/06/2010, nos quais se estriba a pretensão jurídico-processual da Recorrida;

19.ª - Não existe qualquer fundamento para a declaração de nulidade da deliberação do condomínio;

20.ª - Para mais, ainda que se admitisse a formulação do Tribunal “a quo” – que, contudo, se não pode admitir - sempre haveria, afinal, um vício de maioria que, nos termos do disposto no art. 1433.º, n.º 1, do CC, e subsidiariamente, no art. 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), determina a anulabilidade da deliberação;

21.ª - Sendo que esta não foi tempestivamente alegada pela Recorrida (que o tentou através da apresentação de uma segunda réplica), nem pode ser objeto de declaração oficiosa pelo Tribunal, atento o disposto nos arts. 287.º, n.º 1, e 1433.º, n.º 1, do CC;

22.ª - Foram violados os artigos 287.º, n.º 1, 1419.º, n.º 1, 1422.º, n.º 3, 1425.º, n.º 1, e 1433.º, n.º 1, do CC, os artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, 91.º, n.º 2, 195.º, n.º 1, 413.º, 415.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, alínea d), 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e o art. 58.º, n.º 1, alínea a), do CSC.

        Pedem os Recorrentes que seja anulada ou revogada a alteração da matéria de facto introduzida pela Relação, por violadora da lei de processo, bem como revogada a decisão de direito, repondo-se a decisão da 1.ª instância.

      8. A Recorrente apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado.

       9. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidade do acórdão recorrido nos termos do acórdão de fls. 709/710, no sentido da sua não verificação.

        

         Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

        

         II – Delimitação do objeto do recurso


Tendo a ação sido proposta em 28/09/2010 e as decisões impugnadas proferidas em 28/05/2015 (na 1.ª instância) e em 17/05/2016 (na Relação), é aplicável à presente revista o atual regime recursório, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Como é sabido, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.


Assim, das conclusões dos Recorrentes colhem-se as seguintes questões:

i) – A questão das invocadas nulidades do acórdão recorrido, nomeadamente, a título de decisão-surpresa e por pretenso excesso de pronúncia, ao ter conhecido da impugnação da decisão de facto, em relação à qual a apelante não teria observado os requisitos legais do ónus impugnativo;

ii) – A questão da pretendida anulação ou revogação da alteração da matéria de facto introduzida pela Relação com base em meios de prova produzidos noutro processo;

iii) – A questão da natureza conclusiva de alguns dos factos incluídos nessa alteração;

iv) – A questão de fundo, quanto a saber se as deliberações da assembleia de condóminos em referência tomadas sobre os pontos  5 e 6 da ordem de trabalhos exigiam aprovação por unanimidade dos condóminos.

        

         III – Fundamentação


1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada a seguinte factualidade:

1.1. A autora (A.) é dona e possuidora legítima da fração autónoma designada pela letra "O", correspondente ao sexto andar esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, …, em Lisboa, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, descrito na 8.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha n.º 18…/… e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 1302;

1.2. O referido prédio está sujeito ao regime de propriedade horizontal, constituída por escritura de 26 de janeiro de 1970, no 20.º Cartório Notarial de Lisboa, lavrada a fls. 34, a fls. 37 verso do livro 101 C, no qual se destacou 15 frações autónomas, designadas por letras de "A" a "P":

- Fração A, loja com entrada pelo n.º 87-A da Av. … e a permilagem de 97;

- Fracção B, loja com entrada pelo n.º 87-B da Av. … e a permilagem de 86;

- Fração C, 1.° andar direito com 6 divisões, cozinha, 3 casas de banho, arrecadação e parque de estacionamento privativo na cave e a permilagem de 65;

- Fração D, 1.º andar esquerdo com a mesma composição do 1º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração E, 2.º andar direito, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 65;

- Fração F, 2.º andar esquerdo, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração G, 3.º andar direito, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 65;

- Fração H, 3.º andar esquerdo, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração I, 4.º andar direito, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 65;

- Fração J, 4.º andar esquerdo, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração L, 5.º andar direito, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 65;

- Fração M, 5.º andar esquerdo, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração N, 6.º andar direito, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 65;

- Fração O, 6.º andar esquerdo, com a mesma composição do 1.º andar direito e a permilagem de 59;

- Fração P, 7.º andar (recuado), composto de 8 casas assoalhadas, 3 casas de banho, cozinha, despensa, hall e uma arrecadação e um parque de estacionamento na cave e a permilagem de 73;

1.3. O 1.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "C", correspondente ao 1.º andar direito do imóvel; a 2.ª R. é dona e legítima possuidora das frações autónomas designadas pelas letras "E" e "L", correspondentes respetivamente ao 2.º andar direito e ao 5.º andar direito; 3.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "F", correspondente ao 2.º andar esquerdo; o 4.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "G", correspondente ao 3.° andar direito; o 5.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "R", correspondente ao 3.º andar esquerdo; os 6.º e 7.º R.R. são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra "I", correspondente ao 4.º andar direito, o 8.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "J", correspondente ao 4.º andar esquerdo; o 9.º R. é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra "P", correspondente ao 7.º andar;

1.4. Anexo à fração “P” existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício – matéria alterada pela Relação;

1.5. Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço, ocupando a construção efetuada, de forma quase integral, este último – matéria alterada pela Relação;

1.6. A R. JJ procedeu a uma construção sobre o terraço em cimento e tijolo – matéria alterada pela Relação

1.7. A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível – matéria alterada pela Relação

1.8. E integra materialmente a própria fração P – matéria alterada pela Relação

1.9. A construção realizada na quase totalidade do terraço alterou o volume de construção do edifício e a sua linha arquitetónica – matéria alterada pela Relação;

1.10. As obras efetuadas pela R. JJ no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa – matéria alterada pela Relação;

1.11. Em 26/9/2000, a A. intentou contra a R. JJ - Sociedade de G. Imobiliária, S.A., uma ação declarativa de condenação com processo ordinário, com o n.º 95/2000, que correu termos na 10.ª Vara Cível de Lisboa, 1.ª Secção;

1.12. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 12/11/2009, decidiu-se julgar a ação procedente e condenar a R., além do mais, a demolir a obra inovatória realizada em 1997 de acordo com os limites acima fixados, devendo repor o terraço no estado em que estava antes dessa obra, constando ainda da fundamentação da decisão o seguinte:

«( ... ) Ora, como se vê pela leitura da ata de 11 de Junho/1997 - fls. 36/39, à assembleia de condóminos, que autorizou as obras a realizar pela ré, estiveram presentes os representantes das frações( ... ), representando um total de 38% do valor do condomínio, percentagem muito inferior aos 2/3 do valor total do prédio exigido pelas disposições acima citadas. Assim, a ré deve ser condenada a demolir todas as obras inovatórias realizadas em 1997 (...)»

- cf. Ac. da RL cuja cópia foi junta a fls. 162 a 171 cujo teor se dá por reproduzido;

1.13. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 1/06/2010, transitado em julgado, junto a fls. 173 a 183 cujo teor se reproduz, foi negada a revista daquele acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;

1.14. Em 30/7/2010, pelas 19h30m, no hall de entrada do prédio em causa reuniram os condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal, na sequência de convocatória para assembleia geral de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos:

1) - Discussão e aprovação das contas do ano de 2009;

2) - Eleição da administração para o ano de 2010;

3) - Discussão e aprovação do orçamento para o ano de 2010;

4) - Renovação do conteúdo da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 26 de Junho de 1990, segundo a qual o condómino do 7.° andar recuado (letra "P") foi autorizado a fechar o terraço com alumínio e telhado;

5) - Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.° andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de Julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

6) - Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.° andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (actual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3 e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca;

7) - Discussão e aprovação dos orçamentos dos elevadores.

8) - Discussão e aprovação de orçamento para substituição do tecto falso da pala da porta principal.

9) - Outros assuntos de interesse geral para o condomínio;

1.15. Nessa reunião, estiveram presentes, pessoalmente ou mediante procuração, os condóminos constantes da lista de presenças, a que correspondeu a permilagem de 758% (setecentos e cinquenta e oito por mil);

1.16. Aberta a reunião, o 1.º R., condómino da fração C (e representante das frações F, G, H e J) solicitou que fosse alterada a ordem de trabalhos da assembleia de condóminos, e fossem discutidos primeiro os pontos 4, 5 e 6 da Ordem de Trabalhos constante da convocatória, e colocada à votação esta alteração da ordem de trabalhos, foi a mesma aprovada por unanimidade dos condóminos presentes;

1.17. A A., por si e em representação do condómino do 6.º andar direito (fração N), votou contra os pontos quatro, cinco e seis da Ordem de Trabalhos e leu em assembleia de condóminos a sua declaração de voto, a qual ficou anexa à acta de condomínio;

1.18. Procedendo-se à votação, ficaram aprovados os pontos 4, 5 e 6 da Ordem de Trabalhos por maioria do capital e dos condóminos presentes, com 575 votos a favor (frações C, E, F, G, H, I, J, L e P) e os restantes votos dos condóminos presentes (183, relativos às frações M, N e O) contra;

1.19. Na mesma assembleia de condomínio, o condómino da fração P ditou para a ata o seguinte:

  “tendo presente a convocação de nova assembleia a realizar em Setembro ou Outubro do presente ano, solicita o Condómino do 7°. Andar que seja incluído na sua Ordem de Trabalhos a renovação/ratificação das deliberações hoje tomadas em relação aos pontos 4, 5 e 6, da Ordem de Trabalhos, se necessário for”

1.20. Na sequência do pedido do condómino da fração P, a condómina da fração O (e representante da fração N), solicitou à administração do condomínio que fizesse chegar a todos os condóminos, com a devida antecedência, cópia das decisões do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, para a realização da nova assembleia de condomínio e referiu ainda para a ata, que:

«informa a Administração e demais Condóminos que as decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça se encontram à disposição para consulta na internet, em www.dgsi.pt, podendo ser obtidas por qualquer cidadão do mundo»;

1.21. Na sequência, foi convocada uma assembleia geral extraordinária de condomínio nos termos do documento junto a fls. 251 e 252 cujo teor se reproduz, para o dia 5 de novembro de 2010, pelas 19 horas e 30 minutos, constando da ordem de trabalhos, entre outros, o seguinte:

“Renovação/ratificação das deliberações tomadas na Assembleia de Condomínio do dia 30 de Julho de 2010, sexta-feira, pelas 19 (dezanove) horas e 30 (trinta) minutos, relativas a:

a) - Renovação do conteúdo da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 26 de Junho de 1990, segundo a qual o condómino do 7.º andar recuado (letra "P") foi autorizado a fechar o terraço com alumínio e telhado;

b) - Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de Julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

c) - Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (actual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3) e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca.”

1.22. Foram anexos à convocatória para a assembleia de condomínio, para a discussão do ponto 1, alíneas a), b), e c), da Ordem de Trabalhos (4):

   (i) - Sentença proferida pela 10.ª Vara Cível de Lisboa, I." Secção,

   (ii) - Acórdão proferido pela Relação de Lisboa,

   (iii) - Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça,

   (iv) - Recurso Extraordinário para a Uniformização de Jurisprudência;

1.23. Na reunião de condomínio de 5 de novembro de 2010, estiveram presentes, pessoalmente ou mediante procuração, os condóminos constantes da lista de presenças, a que correspondeu a permilagem de 903% (novecentos e três por mil);

1.24. Procedendo-se à votação foram aprovados os pontos 1 da Ordem de Trabalhos, relativos à Renovação/ratificação das deliberações tomadas na assembleia de condomínio do dia 30 de julho de 2010, por maioria do capital e dos condóminos presentes, com 720% (setecentos e vinte) votos a favor, correspondentes às frações B, C, D, E, F, G, H, I, J, L e P do edifício, votando contra os condóminos das frações M, N e O, correspondentes a uma permilagem de 183% (cento e oitenta e três) votos­ - cf. documento de fls. 324 a 342 cujo teor se dá por reproduzido;

1.25. O terraço em causa encontra-se afeto ao uso exclusivo do condómino da fração P, tendo sido efetuadas obras no terraço, tal como resulta das atas e da decisão proferida na ação referida.


2. Do mérito do recurso


2.1. Quanto à invocada nulidade do acórdão recorrido


Os ora Recorrentes começam por impugnar o acórdão recorrido na parte em que alterou a decisão de facto da 1.ª instância, sustentando que:

- A ali apelante não dera cumprimento, nas respetivas alegações recursórias, ao disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC;

- E ignorou, de igual modo, os ónus constantes do art. 640.º, n.º 2, do CPC, a respeito da impugnação da matéria de facto, porquanto lhe incumbia “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder a transcrição dos excertos que considere relevantes”;

- Por isso, o recurso da matéria de facto era legalmente inadmissível, o que deveria ter ocasionado então uma rejeição liminar por parte da Relação;

- Assim, o Tribunal “a quo” conheceu de questão que lhe estava vedada, incorrendo em excesso de pronúncia;

- Além disso, a alteração da decisão de facto constitui decisão- surpresa, pelo que é nula nos termos dos artigos 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º 1, do CPC. 


       Antes de mais, importa ter presente que um dos temas da prova consignado sob o n.º 6 na audiência prévia, a fls. 415, era precisamente “as obras levadas a cabo pela 8.ª (rectius 9.ª) R. e o facto das mesmas alterarem a linha arquitectónica do edifício.”

      E, embora da ata do julgamento (fls. 460-463) não conste a indicação dos factos a que depuseram as testemunhas inquiridas, mas apenas daqueles sobre que recaíram as declarações de parte, da audição da prova pelo Tribunal da Relação decorre que as referidas testemunhas depuseram sobre o mencionado tema probatório.

Da sentença proferida em 1.ª instância, no que aqui releva, depois da enunciação da factualidade provada, consta que:

«A demais factualidade vertida nos articulados é conclusiva e de direito ou meramente impugnatória e argumentativa, ou resulta em contrário tendo por base os factos que ficaram provados, não competindo nesta acção aferir do já constante da decisão anterior relativa ao terraço, sendo que todavia não se logrou demonstrar que:

- Tais obras tiveram repercussões nefastas na estrutura do edifício, sendo provavelmente as responsáveis por fissuras provocadas na fachada do mesmo e que já deram origem a deliberações da assembleia do condomínio onde se insere a fracção, visando precisamente a reparação dessas fissuras (ainda que a A. a alegue como mera suspeita).»

 

Perante isso, a A. apelante impugnou aquela decisão de facto, sustentando que deveriam ter sido ali contemplados e dados como provados os factos alegados sob os artigos 53.º a 59.º e 77.º a 81.º da petição inicial, sintetizando como tal os seguintes:

   «Anexo à fração "P" existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício;

   Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço,

   As obras existentes consistiram no avançar da fração que ocupou de forma praticamente integral o mesmo, numa área de aproximadamente 98 m2;

   A R. JJ procedeu a uma construção em cimento e tijolo; 

   A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível;

   A construção existente no terraço integra materialmente a própria fração da R. JJ;

   Hoje o que antes era terraço e parte comum do prédio é parte materialmente integrante da fração da R. JJ;

   As obras efetuadas no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa;

   A linha arquitectónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fração em causa.»

          Tal matéria foi vertida nas conclusões K) e O) que remataram as alegações da apelante.

        Ademais, no respetivo corpo alegatório, a apelante indicou como elementos probatórios factos que foram dados como provados na ação n.º 95/2000, o documento n.º 15 junto com a petição inicial e os depoimentos das testemunhas LL, MM, NN, OO e as declarações de parte dos réus DD e EE, que transcreveu, em parte, com indicação do momento em que foram tomados.

        Assim, em face da prova produzida e da subsequente decisão da 1.ª instância sobre a factualidade alegada e não contemplada nos factos dados como provados, mais não seria exigível à apelante em sede de especificação dos factos que entendia deverem ter sido julgados como provados, do que resulta uma clara delimitação do objeto do recurso nessa parte.

        De igual modo, como bem se refere no acórdão de fls. 709-710, mostra-se suficientemente observado o ónus impugnativo quanto à indicação dos concretos meios probatórios, independentemente da legalidade do seu aproveitamento, bem como quanto à localização dos depoimentos nos suportes das gravações.

        Em síntese, têm-se por verificados os requisitos do ónus da impugnação da decisão de facto estabelecidos no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC, não se divisando fundamento para que fosse rejeitado o recurso de apelação quanto àquela impugnação.


        Perante tal quadro alegatório, o Tribunal da Relação, usando do poder de cognição que lhe é conferido pelo n.º 1 do artigo 662.º do CPC, acabou por proceder à alteração da decisão de facto, ampliando-a com base na prova produzida pelas partes sobre os factos alegados, conhecendo, desse modo, do invocado erro de julgamento da 1.ª instância, consistente na não especificação dessa matéria do âmbito da factualidade provada.

E fê-lo tomando em consideração os factos alegados nos articulados, o tema da prova enunciado na audiência prévia, os meios probatórios produzidos, quer por documentos quer em audiência final, e o teor da impugnação recursória da apelante, sendo que os R.R. apelados tiveram oportunidade de se pronunciar em sede de contra-alegações.

Neste contexto processual, não se afigura que a alteração da decisão de facto da 1.ª instância, introduzida no acórdão recorrido, constitua decisão-surpresa, violadora do princípio do contraditório nos termos gerais do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Do exposto, conclui-se que o Tribunal a quo não se ocupou de questão que lhe estivesse vedada, não incorrendo, portanto, em excesso de pronúncia, nem cometeu qualquer outra nulidade processual relevante.

         Termos em que improcede as arguidas nulidades do acórdão recorrido. 


2.2. Quanto à alegada ilegalidade da alteração da decisão de facto pela Relação com emprego de elementos probatórios de outro processo


Sustentam os Recorrentes que:

- A alteração da matéria de facto pela Relação assentou no emprego de meios de prova não realizados nos autos;

- Tal se verificou a respeito do novo facto n.º 3, o qual foi dado como provado, atentas “circunstâncias” dos autos n.º 95/2000 (outro processo judicial);

- Os novos factos n.º 4, 6 e 7 se fundam numa perícia ocorrida e respetivas conclusões, “na ação n.º 95/2000", inter alios;

- E também o facto n.º 9 - “a linha arquitetónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fracção em causa"- , se funda noselementos probatórios produzidos naquela ação;  

- Em simultâneo, ao dar como provados factos que, pura e simplesmente, não foram objeto de prova nos presentes autos, socorrendo-se para o efeito de outro processo judicial (com diferentes sujeitos processuais) e de meios de prova produzidos nesse outro processo, o Tribunal da Relação de Lisboa violou, o disposto nos artigos 91.º, n.º 2, 413.º, 415.º, n.º 1, e 3.º, n.ºs 1 e 3, do CPC;

- Nessa medida, essa alteração constitui “decisão surpresa”, nula, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º 1, do CPC.


         Vejamos.


      O acórdão recorrido ocupou-se da impugnação da decisão de facto, mais precisamente sobre os pontos que a apelante pretendia que fossem dados como provados e enumerados pelo Tribunal a quo pela seguinte forma: 

   «1- Anexo à fração "P" existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício;

   2 - Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço,

   3 - As obras existentes consistiram no avançar da fração que ocupou de forma praticamente integral o mesmo, numa área de aproximadamente 98 m2;

   4 - A R. JJ procedeu a uma construção em cimento e tijolo; 

   5 - A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível;

   6 - A construção existente no terraço integra materialmente a própria fração da R. JJ;

   7 - Hoje o que antes era terraço e parte comum do prédio é parte materialmente integrante da fração da R. JJ;

   8 - As obras efetuadas no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa;

   9 - A linha arquitectónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fração em causa.»  

Apreciando os meios probatórios convocados pela apelante, em especial o doc. n.º 15 junto com a p.i., o teor da decisão judicial proferida na ação n.º 95/2000, os depoimentos das testemunhas LL, MM, NN e OO e as declarações de parte dos R.R. DD e GG, o Tribunal a quo alterou aquela decisão no sentido de dar ainda como provados os factos que se seguem: 

«Anexo à fração "P" existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício – facto n.º 1;

Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço, ocupando a construção efetuada, de forma quase integral, este último – factos n.º 2 e 3;

A R. JJ procedeu a uma construção sobre o terraço em cimento e tijolo – facto n.º 4;

A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível – facto n.º 5

E integra materialmente a própria fração P – factos n.º 6 e 7

A construção realizada na quase totalidade do terraço alterou o volume de construção do edifício e a sua linha arquitetónica – facto n.º 9

As obras efetuadas pela ré JJ no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa – facto n.º 8


E fundamentou tal alteração nos seguintes termos:

«A apelante começa por sustentar que, por efeito do caso julgado que atribui à decisão sobre a matéria de facto proferida na acção n.º 95/2000, da 10.ª Vara Cível de Lisboa, por si anteriormente proposta conta a ré JJ - Sociedade de G. Imobiliária, S.A., se considerem provados nesta acção os factos referenciados na sua impugnação.

Na acção n.º 95/2000 foram considerados provados os factos em referência sob os n.ºs 15, 18, 19, 20 e 24.

A questão está, pois, em saber se os factos que nesse processo foram tidos como provados, devem, por esse simples facto, serem considerados provados nos presentes autos.

Ora, se é certo que, nos termos do art. 421.º do CPC (antigo art. 522º), "os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil”, não é menos certo que "o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial – cfr. Ac STJ de 5 de Maio de 2005, Araújo Barros, acessível in www.dgsi.pt..

A problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela.

Os fundamentos de facto, nunca formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente, como flui do estatuído no n.º 2 do artigo 91.º do Código de Processo Civil:  "A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”.

Assim, não são os factos provados numa acção que podem ser invocados noutra, antes e apenas pode o tribunal, nesta segunda acção, servir-se dos meios de prova (depoimentos e arbitramentos) que foram utilizados na anterior.

Posto isto, apreciemos o teor da impugnação propriamente dita.

A apelante fundamenta a sua impugnação no doc. n.º 15 junto com a p.i., no teor da decisão judicial proferida na acção n.º 95/2000, nos depoimentos das testemunhas LL, MM, NN e OO e nas declarações de parte dos réus DD e GG.

Quanto ao facto n.º 1:

Consta das deliberações tomadas nas assembleias gerais de condóminos de 30/07/2010 e de 5/11/2010 referentes ao terraço em apreço que este tinha a área de 103 m2 (cento e três metros quadrados), não tendo qualquer dos condóminos feito qualquer observação quanto a tal.

Por outro lado, das medidas constantes da planta de fls. 85 dos autos (doc. n.º 4), decorre que o terraço terá uma área nessa ordem de grandeza.

Sendo assim, com base nesses elementos de prova, considera-se provado o facto em referência.

Quanto aos factos n.ºs 2 e 3:

A ré JJ adquiriu a fracção P em Fevereiro de 1997, como resulta da documentação junta aos autos.

Ora, decorreu do depoimento da testemunha NN (mulher do proprietário do 6.º andar direito do prédio em causa nos autos, onde residiram durante vários anos) que a ré JJ, enquanto proprietária da fracção “P” fez obras na sua fracção e no terraço, tendo inclusivamente furado a placa que fica por cima da sala do 6º andar direito, avançando as paredes da sua fracção sobre o terraço, deixando apenas livre um pequeno patim.

E decorreu igualmente dos depoimentos das testemunhas OO (a sua mãe reside numa das fracções do prédio em apreço nos autos e representou a mesma em algumas reuniões de condóminos) que as obras foram realizadas em finais da década de 1990 e ocupam a quase totalidade do terraço.

E a testemunha PP (administrativa; trabalha por conta da QQ - Soc. de Mediação Imobiliária, Lda desde há 4 anos, sociedade essa que administra o condomínio, e anteriormente trabalhou por conta da KK, Lda) confirmou que há poucos meses se deslocou há fracção P e constatou a existência de uma pequena varanda onde antes era terraço.

Conjugando os depoimentos das referidas testemunhas, as quais, revelaram conhecimento pessoal dos factos acima referenciados, com a circunstância de nos autos n.º 95/2000 ter sido ordenada a destruição das obras realizadas no ano de 1997, dá-se como provado que:

Em 1997 a R. JJ efectuou obras na sua fracção e no terraço, ocupando a construção efectuada, de forma quase integral, este último.

Quanto ao facto n.º 4:

Nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência revelou um conhecimento preciso desta matéria, por não se terem deslocado à fracção P após a realização das obras no terraço, embora as testemunhas LL (foi proprietário da fracção correspondente ao 6.º andar esquerdo do prédio em causa nos autos até 1997/98), NN e OO tivessem declarado que as obras aparentam ser em alvenaria.

Seja como for, decorre do acórdão da Relação proferido na acção n.º 95/2000, que nesses autos foi realizada uma perícia na qual, além do mais, se refere que “a construção executada encontra-se intimamente ligada à construção do andar que existia” e que a nova construção “além de envidraçados assentes em PVC, mantém o tipo de materiais previamente existentes no andar ampliado”.

Ora, o andar que existia antes das obras no terraço, como decorreu dos depoimentos prestados pelas testemunhas, era em alvenaria.

Assim, conjugando as conclusões daquela perícia, com o declarado pelas aludidas testemunhas, considera-se ter sido feita prova suficiente de que a construção realizada pela ré JJ foi feita em cimento e tijolo, sendo tal conforme com o que é normal ocorrer em situações similares.

Considera-se, por isso, provado que a ré JJ procedeu a uma construção sobre o terraço em cimento e tijolo.

Quanto ao facto n.º 5:

Este facto foi alegado no art. 77.º da p.i. e foi confessado pela ré na contestação (art. 43.º).

Assim sendo, e para além desse facto fluir da prova produzida a que supra se fez referência, considera-se o mesmo assente por acordo das partes.

 Quanto aos factos n.ºs 6 e 7:

Decorre dos elementos de prova a que supra fizemos referência que a construção realizada na quase totalidade do terraço tem natureza não amovível e encontra-se ligada à construção do andar que existia, mantendo o tipo de materiais previamente existentes no andar.

Deste modo, considera-se provado que: A construção existente no terraço integra materialmente a própria fracção P.

Quanto ao facto n.º 8:

Consta do doc. n.º 15  (fls. 187/188) - informação emitida pela CML, datada de 17/04/2008 - que não foram encontrados elementos que comprovem algum pedido de licenciamento de obras a partir de 1990, relativo ao terraço anexo à fracção P em causa nos autos.

Assim sendo, e não tendo sido junto qualquer documento comprovativo do licenciamento da construção efectuada sobre o terraço de cobertura, dá-se como provado que as obras efectuadas pela ré JJ no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa.

Quanto ao facto n.º 9:

- A linha arquitectónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fracção em causa"

Dos elementos probatórios a que vimos fazendo referência decorre que a ré JJ construiu sobre a quase totalidade do terraço, construção essa que passou a integrar materialmente a fracção P.

Significa isto que foi alterado o volume da construção até então existente, com a edificação sobre o terraço, e que pelo menos uma das paredes exteriores do edifício, na parte em que delimitava a fracção P, deixou de delimitar a superfície coberta desta e de determinar, nesse ponto, a consistência volumétrica do edifício, tendo, dessa maneira, sido alterado o perfil arquitectónico daquele.

Deste modo, considera-se provado que a construção realizada na quase totalidade do terraço alterou o volume de construção do edifício e a sua linha arquitectónica.»

        

      Como já foi referido, os ora Recorrentes apenas questionam os factos indicados sob os números 3, 4, 6, 7 e 9, que correspondem, respetivamente, aos vertidos nos pontos 1.5, 1.6, 1.8 e 1.9 da factualidade acima descrita, cujo teor é o seguinte:

«1.5. Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço, ocupando a construção efetuada, de forma quase integral, este último – correspondente aos factos n.º 2 e 3;

1.6. A R. JJ procedeu a uma construção sobre o terraço em cimento e tijolo – correspondente ao facto n.º 4;   

1.8. E integra materialmente a própria fração P – correspondente aos factos n.º 6 e 7

   1.9. A construção realizada na quase totalidade do terraço alterou o volume de

construção do edifício e a sua linha arquitetónica – correspondente ao facto n.º 9

Não são, pois, aqui alcançados os factos constantes dos seguintes pontos da factualidade dada como provada acima descrita:

«1.4. Anexo à fração “P” existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício – correspondente ao facto n.º 1;

1.7. A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível – correspondente ao facto n.º 5.» 

Também não vem questionado pelos Recorrentes o facto dado como provado em 1.25, segundo o qual:

O terraço em causa encontra-se afeto ao uso exclusivo do condómino da fração P, tendo sido efetuadas obras no terraço, tal como resulta das atas e da decisão proferida na ação referida.

 

Ora, relativamente ao dito factos 3, transposto para o ponto 1.5, o Tribunal a quo baseou o respetivo juízo probatório nos depoimentos das seguintes testemunhas:

- NN, mulher do proprietário do 6.º andar direito do prédio em referência, onde residiram durante vários anos, segundo o qual a R. JJ, enquanto proprietária da fração “P”, fez obras nesta e no terraço, tendo inclusivamente furado a placa que fica por cima da sala do 6.º andar direito, avançando as paredes da sua fração sobre o terraço, deixando apenas livre um pequeno patim;

- OO, cuja mãe reside numa das frações do prédio em apreço, segundo o qual as obras em foco ocupam a quase totalidade do terraço;

- PP, trabalhadora administrativa, desde há quatro anos, por conta da PP - Soc. de Mediação Imobiliária, Ld.ª, sociedade que administra o condomínio, e anteriormente da KK, Lda, a qual confirmou que, há poucos meses, se deslocara à fração P e constatara a existência de uma pequena varanda onde antes era terraço.

       E o Tribunal a quo conjugou tais depoimentos com a circunstância de nos autos n.º 95/2000 ter sido ordenada a destruição das obras realizadas no ano de 1997.

       Significa isto que os fatores decisivos do referido juízo probatório centraram-se em tais depoimentos, embora a convicção do tribunal fosse ainda reforçada pela mera circunstância objetiva de ter sido ordenada, na ação n.º 95/2000, a destruição das obras realizadas no ano de 1997, circunstância esta que se traduz, enquanto decisão judicial, em facto judicialmente notório, nem tão pouco negado pelas partes, e portanto atendível nos ter-mos do artigo 412.º, n.º 2, do CPC.


Quanto aos factos 4, 6, 7 e 9 transpostos para os pontos 1.6, 1.8 e 1.9, o tribunal a quo começou por fundar os respetivos juízos probatórios nos depoimentos das testemunhas LL, que fora proprietário da fração correspondente ao 6.º andar esquerdo do prédio em causa até 1997/98, e NN e OO, na parte em que declararam que as obras aparentam ser em alvenaria, o que reforçou com referência ao resultado de uma perícia realizada no âmbito da ação n.º 95/2000, em que se refere que “a construção executada encontra-se intimamente ligada à construção do andar que existia” e que a nova construção “além de envidraçados assentes em PVC, mantém o tipo de materiais previamente existentes no andar ampliado”.

É certo que tal perícia constitui, nos presentes autos, prova extraprocessual que só poderia ser aqui considerada contra a mesma parte, nos termos do artigo 421.º do CPC.

Sucede que a referida ação n.º 95/2000 foi instaurada pela ora A. apenas contra a aqui 9.ª R. JJ - Sociedade de G. Imobiliária, S.A., sem intervenção dos ora restantes R.R..

Não obstante isso, as deliberações impugnadas na presente ação, em particular as tomadas sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 30/7/2010, renovada na assembleia de 5/11/2010, tiveram precisamente por fim ratificar as obras mandadas demolir naquela ação, o que só pode significar que todos os R.R. aqui demandados admitem, pelo menos objetivamente, a existência dessas obras, como pressuposto que foi daquelas deliberações.

De resto, a matéria dada como provada pela Relação nos pontos 1.6, 1.8 e 1.9 estão em sintonia com os pontos 1.7 e 1.25, não questionados aqui pelos ora Recorrentes, segundo os quais, respetivamente:

- A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível – ponto 1.7 correspondente ao facto n.º 5

- O terraço em causa encontra-se afeto ao uso exclusivo do condómino da fração P, tendo sido efetuadas obras no terraço, tal como resulta das atas e da decisão proferida na ação referida - ponto 1.25.


       Com efeito, da decisão proferida na ação referida, que é a ação n.º 95/2000 (fls. 169/v.º e 178), resulta que:

   «- As obras efetuadas pela R. no terraço se traduziram na sua ocupação quase integral (resposta ao quesito 1.º);

    - A fração em causa avançou e ocupou quase toda a área do terraço (resposta ao quesito 2.º);

   - A R. procedeu a uma construção em cimento e tijolo (resposta ao quesito 6.º).»

        E do acórdão da Relação de Lisboa proferido naquela ação colhe-se, a dado passo (fls. 169), que a resposta ao quesito 6.º assentou na seguinte consideração:

«(…) face ao relatório da peritagem e aos depoimentos das testemunhas, a R. procedeu a uma construção de cimento e tijolo, única forma de essa construção ter as características apontadas na peritagem – o Exm.º Perito dá conta de que “a construção executada encontra-se intimamente ligada à construção do andar que existia” de tal forma que é difícil determinar onde acaba a antiga fracção e começa a construção inovadora; a nova construção, “… além de envidraçados assentes em PVC, mantém o tipo de materiais previamente existentes no andar ampliado

Desse modo, os referidos elementos extraídos do indicado relatório pericial traduziram-se em factos instrumentais em relação ao facto essencial ali constante da resposta ao quesito 6.º.

A este propósito, importa esclarecer que esta alusão aos factos dados como provados na referida ação n.º 95/2000 não se reconduz a uma transposição direta desses factos para o presente processo, já que sobre eles não recai o efeito de caso julgado material, como bem se decidiu no acórdão recorrido, mas apenas como explicitação do facto dado como provada 2.ª parte do ponto 1.25 da factualidade acima descrita - tendo sido efetuadas obras no terraço, tal como resulta (…) da decisão proferida na ação referida -, matéria esta que não vem posta em causa pelos Recorrentes.         

E em especial, no que respeita aos factos n.º 6 e 7 (vertidos no ponto 1.8 da factualidade provada), foi a partir dos depoimentos das testemunhas LL e NN e OO, na parte em que declararam que as obras aparentam ser em alvenaria, bem como da natureza não amovível da construção (ponto 1.7, não impugnado), em conjugação com o contexto probatório (relatório pericial) sobre as obras efetuadas no terraço, tal como resulta na decisão da ação n.º 95/2000 - para que, de resto, remete o ponto 1.25 -, que o Tribunal a quo deu como provado que a construção efetuada pela R. no referido terraço “integra materialmente a própria fração P”.   

Trata-se, pois, de uma ilação a título de presunção judicial, à luz das regras da experiência, sobre a qual, não padecendo de manifesta ilogicidade, como não padece, não compete a este tribunal de revista sindicar, como decorre do preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC. 

Desta sorte, não se pode deixar de ter por fixada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1.5, 1.6, 1.8 e 1.9 da factualidade dada acima descrita.


2.3. Quanto à natureza conclusiva de alguns dos factos considerados na alteração da decisão de facto


Neste capítulo, sustentam os Recorrentes que o facto constante do ponto 1.9, na parte em que se refere a que “a linha arquitetónica do edifício foi alterada e também foi alterado o volume da construção com o aumento da área da fracção em causa"), se traduz numa simples conclusão.

Não se ignora que a mera referência a alteração da linha arquitetónica e da volumetria encerra, por si, um juízo de pendor conclusivo.

No entanto, tal conclusão decorre, necessariamente, das características físicas das obras realizadas e descritas nos pontos 1.4 a 1.8 da factualidade provada, como, aliás, também se concluiu no acórdão do STJ, de 01/06/ 2010, proferido na ação n.º 95/2000, reproduzido a fls. 173-183 (fls. 182).

Termos em que improcedem, neste particular, as razões dos Recorrentes.   


2.4. Quanto à questão da invalidade das deliberações da assembleia de condóminos tomadas sobre os pontos 5 e 6 da ordem de trabalhos   


Antes de mais, importa reter que o objeto da presente ação, na parte pertinente ao questionado nesta revista, traduz-se em ajuizar sobre a validade das deliberações da assembleia de condóminos aprovadas na reunião de 30/7/2010, e renovadas/ratificadas na reunião de 05/11/2010, sobre os pontos 5 e 6 da respetiva ordem de trabalhos, com o seguinte teor:

«5) - Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de Julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

6) - Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (actual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3) e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca.»

      E trata-se, concretamente, de saber se tais deliberações, ao ratificar as obras efetuadas no terraço do prédio em referência pela R. JJ e ao autorizar, para futuro, obras naquele terraço com as características descritas sob o transcrito ponto 6, têm por objeto o tipo de inovações previstas nos artigos 1422.º, n.º 3, e 1425.º, n.º 1, do CC, para cuja realização bastaria a aprovação da maioria dos condóminos representativa de dois terços do valor total do prédio, ou se as mesmas são de molde a implicar a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal para o que seria necessária a aprovação de todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do mesmo Código.    


Diversamente do decidido em 1.ª instância, o acórdão recorrido declarou nulas aquelas deliberações, por considerar que, sendo modificativas do título constitutivo e não tendo sido aprovadas por unanimidades dos condóminos, violavam a norma imperativa do citado artigo 1419.º do CC.

Por sua vez, os Recorrentes contrapõem que tais deliberações são válidas, na medida em que, recaindo sobre inovações numa parte comum do prédio, foram aprovadas pela maioria de 2/3, nos termos dos artigos 1422.º, n.º 3, e 1425.º, n.º 1, do CC, não lhe sendo, por isso, aplicável o preceituado no artigo 1419.º.


Vejamos.


Como é sabido, nos termos consagrados no artigo 1420.º, n.º 1, do CC, o instituto da propriedade horizontal integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fração que lhe pertence e, paralela e forçosamente, o direito complexo de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio.

E para que se possa fazer a clara distinção entre os objetos sobre que recaem aqueles direitos, o artigo 1418.º do CC prescreve, no seu n.º 1, que do título constitutivo da propriedade horizontal constem, obrigatoriamente, a especificação individualizada das partes correspondentes às várias frações e a fixação do valor relativo a cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio. Além disso, segundo o n.º 2, do mesmo artigo, do referido título podem ainda constar outras especificações (portanto facultativas), designadamente sobre o fim a que se destina cada fração ou a parte comum e sobre a disciplina, em regulamento do condomínio, do uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas.       

A par disso, o artigo 1421.º do CC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 267/94, de 25-10, determina quais as partes do edifício que se têm por imperativamente comuns (n.º 1) e quais as que se presumem iuris tantum comuns (n.º 2), podendo ainda, segundo o n.º 3 daquele normativo, o título constitutivo afetar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.

Dada, pois, a relação funcional entre as partes comuns do prédio e as frações autónomas, bem como as específicas relações de vizinhança entre os condóminos, os direitos que recaem sobre umas e outras, embora regulados, subsidiaria e respetivamente, pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à administração, uso, fruição e disposição das partes comuns, bem como relativamente a limitações de uso e fruição das frações autónomas por parte dos respetivos condóminos.

Tal regime reveste a natureza própria dos direitos reais, subordinando-se ao princípio da tipicidade legal, sendo dotado de eficácia erga omnes, nos termos do artigo 1306.º, n.º 1, do CC.


Nesse quadro, no que aqui releva, o artigo 1419.º, n.º 1, do CC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 116/2008, de 04/07, sob a epígrafe Modificação do título, dispõe que:

Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.

     Por sua vez, o artigo 1422.º do mesmo diploma, na redação dada ao n.º 3, pelo Dec.-Lei n.º 267/94, de 25/10, prescreve que:

1 – Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2 – É especialmente vedado aos condóminos:

a) – Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício;

3. As obras que modificam a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovadas por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

4. Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fração autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

     Por outro lado, o artigo 1425.º do referido Código, na redação em vigor à data das deliberações em causa, sobre a epígrafe Inovações, dispunha que:

1 – As obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

2. Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

        

      Do confronto entre o disposto nos artigos 1422.º, n.º 2, 3 e 4, e 1425.º do CC, segundo a doutrina e jurisprudência hoje largamente maioritárias, tem sido entendido que o preceituado nos n.ºs 2 a 4 do citado artigo 1422.º respeita apenas ao exercício dos direitos sobres as frações autónomas, não obstante a referência feita no n.º 1 deste artigo às partes comuns, tanto mais que o artigo 1427.º do mesmo Código só permite aos condóminos realizar reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, em caso de falta ou impedimento do administrador.[1]

      Nessa linha de entendimento, às obras de inovação realizadas sobre as partes comuns não é aplicável o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, que se confina às inovações feitas nas frações autónomas, sendo antes aplicável o preceituado no artigo 1425.º, embora numa hipótese e noutra, seja semelhante a regra de aprovação das inovações pela maioria dos condóminos representativa de dois terços do valor total do prédio, ressalvado o caso previsto no n.º 2 do artigo 1425.º.  

       Adotando tal entendimento, uma vez que as obras visadas pelas deliberações aqui impugnadas respeitam a um terraço integrado nas partes comuns, ainda que com afetação exclusiva à fração P, não nos ocuparemos da interpretação e aplicação do disposto no sobredito artigo 1422.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, como pretendem os Recorrentes. 


E, no respeitante ao artigo 1425.º, convém ter presente que, hoje, quer a doutrina quer a jurisprudência também largamente maioritárias, têm vindo a considerar que as inovações a que se referem tanto o n.º 1 como o n.º 2 respetivos se circunscrevem àquelas que sejam introduzidas nas partes comuns do prédio não compreendendo portanto as introduzidas nas frações autónomas, interpretação esta que melhor condiz com o disposto no 1426.º do CC, ao determinar que “as despesas com as inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424.º e já que, como foi dito, as inovações introduzidas naquelas frações cairão no âmbito normativo do artigo 1422.º do CC, no quadro das limitações decorrentes das relações de vizinhança[2].

      E, neste domínio, tem sido considerado pela doutrina e jurisprudência que o citado artigo 1425.º acolhe um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei.

      Nesta base, segundo o ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, o n.º 1 do artigo 1425.º tem em vista as “obras inovadoras, que tanto podem beneficiar coisas comuns já existentes, como introduzir novas coisas comuns no edifício (…) ou demolir antigas coisas comuns.” Já o n.º 2 do mesmo artigo diz respeito “apenas às inovações introduzidas nas coisas comuns já existentes”.[3]               

       Assim, para os efeitos do artigo 1425.º, nas palavras de Aragão Seia, “são inovações apenas as obras que trazem algo de novo em benefício das coisas comuns já existentes, ou que as melhoram e, ainda, as que levam ao seu desaparecimento ou a modificações do seu uso”[4].

         Porém, segundo o mesmo Autor[5]:

“Estas obras não podem prejudicar a utilização, por parte de qualquer condómino, tanto das coisas próprias como das coisas comuns. Mas mesmo que a parte comum esteja afecta ao uso exclusivo de um condómino, como um terraço de cobertura, por exemplo, ele não poderá efectuar aí qualquer construção sem autorização de todos os outros, nos termos legais.

Qualquer alteração que um condómino pretenda introduzir nas partes comuns para benefício da sua fração terá de obter a aprovação das entidades legais e o acordo de todos os condóminos para alteração do título constitutivo – artigo 1419.º”  

        É certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 1425.º, a realização de obras inovadoras sobre coisas comuns que beneficiem as já existentes ou introduzam novas coisas comuns no edifício ou consistam em demolição de antigas coisas comuns dependem da aprovação da maioria absoluta dos condóminos e que seja ainda representativa de 2/3 do valor total do prédio. Mas, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, não é permitida a introdução de inovações em coisas comuns já existentes suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

       Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 1425.º, tais inovações, como refere Aragão Seia, “não podem ser efectuadas em prejuízo de algum dos condóminos, desde que contra a sua vontade, mesmo com autorização dos restantes (…)»[6].

No caso vertente, poder-se-ia suscitar a questão de saber se as obras efetuadas ou a realizar no futuro no terraço em referência, objeto das deliberações aqui impugnadas, se apresentam como suscetíveis de prejudicar a utilização daquele terraço ou de coisas próprias, por parte de algum dos condóminos que nelas não consentisse, caso em que careciam pelos menos de autorização ou aprovação desse condómino.

Porém, considerando que o referido terraço se encontra afeto ao uso exclusivo do condómino da fração P e que da factualidade dada por provada nada consta de relevante que permita concluir pela suscetibilidade de prejuízo de utilização por parte de algum condómino, em particular da A., não se afigura aplicável, sem mais, o disposto no n.º 2 do mencionado artigo 1425.º.


Aqui chegados, importa agora saber se, apesar do preceituado no artigo 1425.º, n.º 1, do CC, as obras de inovação sobre as partes comuns que impliquem a modificação do título constitutivo carecem de aprovação por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do mesmo diploma, e bem assim as deliberações da assembleia de condóminos que visem aprová-las ou ratificá-las, sob pena de nulidade.

         Segundo os ensinamentos de Mota Pinto[7]:

   «Os actos de disposição de partes comuns só podem ser decididos por unanimidade, mesmo em relação às partes comuns enunciadas pela lei no artigo 1421.º - solo, o telhado, os terraços de cobertura (…), e não por maioria, mesmo qualificada.»


            E nas palavras do mesmo Autor[8]:

   «O terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou para usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar.»

     Por seu turno, o aresto do STJ, de 04/10/1995[9], citado no acórdão recorrido, ocupando-se de um caso com alguma analogia com o caso dos presentes autos, considerou que:

«A aprovação da obra inovadora por parte dos condóminos não pode ser feita por um qualquer modo.

(…)

Há ainda obras de tal natureza que modificam o próprio prédio tal como ficou caracterizado no título constitutivo da propriedade horizontal.

Pense-se naquelas hipótese em que (…) uma das fracções autónomas aumenta de área à custa de um espaço comum como sucederá na hipótese ma loja existente no rés-do-chão do prédio seja ampliada, incorporando nela a garagem comum, ou parte dela, existente no mesmo rés-do-chão ou na cave, também com a consequente alteração das percentagens que no valor do todo cabe a cada uma das fracções autónomas (aumento da percentagem no valor da loja e diminuição correspondente nos valores das demais fracções autónomas (…).

Estas modificações do prédio, tal como vem caracterizado no título constitutivo da propriedade horizontal, implicam a modificação do próprio título constitutivo, o que tem de ser feito por acordo de todos os condóminos (…).

      É certo que os Recorrentes convocam, em seu abono, vários acórdãos do STJ a considerar espécies concretas de inovações que qualificaram como passíveis de ser efetuadas mediante aprovação por maioria dos condóminos representativa de 2/3 do valor total do prédio, nos termos do artigo 1425.º do CC, para daí inferirem que toda e qualquer inovação sobre as partes comuns esteja apenas sujeita àquele preceito e nunca ao disposto no artigo 1419.º, n.º 1.

      Todavia, salvo o devido respeito, não se afigura que os casos ali versados possam ser, sem mais, equiparados ao dos presentes autos. De um modo geral, os indicados arestos ocuparam-se de situações em que, de um modo ou de outro, estavam em causa inovações que interferiam com as linhas arquitetónicas ou o arranjo estético do prédio, mas não propriamente de inovações consistentes na incorporação material de uma parte comum numa fração autónoma, em desconformidade com o constante do título constitutivo da propriedade horizontal.  

E nem mesmo o acórdão do STJ de 01/06/2010, proferido na ação n.º 95/2000, reproduzido a fls. 173-183 (fls. 182), se chegou a ocupar, pelo menos diretamente, da validade da deliberação da assembleia de condóminos aprovada em 26/06/990 - de resto de teor diferente das deliberações ora em foco -, ficando-se pela apreciação da legalidades das obras em causa, considerando que não tinham sido aprovadas pela maioria qualificada de 2/3, sem que houvesse ali necessidade de equacionar tal legalidade em função do teor do título constitutivo da propriedade horizontal.

Por outro lado, a norma do artigo 1425.º, n.º 1, não deve ser interpretada como especial ou excecional em relação à norma imperativa do artigo 1419.º, n.º 1, antes devendo ser conjugados os respetivos âmbitos normativos.

Assim, das inovações visadas pelo artigo 1425.º, n.º 1, devem ser excluídas aquelas que importem modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, na medida em que, com este alcance, caem no âmbito da norma imperativa do artigo 1419.º, n.º 1.

Em suma, as inovações sobre as partes comuns que introduzam modificação nas características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, carecem de ser aprovadas por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do CC. Outrossim, as deliberações da assembleia de condóminos que não sejam tomadas por todos os condóminos que ratifiquem, autorizem ou aprovem inovações com esse alcance são nulas nos termos conjugados dos artigos 294.º e 1419.º, n.º 1, do citado Código.

Resta saber se as deliberações aqui impugnadas têm por objeto obras inovadoras efetuadas ou a realizar no terraço em referência cujo resultado implique a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal.


Da factualidade provada colhe-se que:

1.4. Anexo à fração “P” existia um terraço com a área de cerca de 103 m2, constituído por uma placa, que servia de cobertura ao edifício – matéria alterada pela Relação;

1.5. Em 1997, a R. JJ efetuou obras na sua fração e no terraço, ocupando a construção efetuada, de forma quase integral, este último – matéria alterada pela Relação;

1.6. A R. JJ procedeu a uma construção sobre o terraço em cimento e tijolo – matéria alterada pela Relação

1.7. A construção existente no terraço tem natureza definitiva e não amovível – matéria alterada pela Relação

1.8. E integra materialmente a própria fração P – matéria alterada pela Relação

1.9. A construção realizada na quase totalidade do terraço alterou o volume de construção do edifício e a sua linha arquitetónica – matéria alterada pela Relação

1.10. As obras efetuadas pela R. JJ no terraço não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa – matéria alterada pela Relação;

1.14. Em 30/7/2010, pelas 19h30m, no hall de entrada do prédio em causa reuniram os condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal, na sequência de convocatória para assembleia geral de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos:

5) - Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.° andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de Julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

6) - Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.° andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (actual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3 e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca;

1.15. Nessa reunião, estiveram presentes, pessoalmente ou mediante procuração, os condóminos constantes da lista de presenças, a que correspondeu a permilagem de 758% (setecentos e cinquenta e oito por mil);

1.18. Procedendo-se à votação, ficaram aprovados os pontos 4, 5 e 6 da Ordem de Trabalhos por maioria do capital e dos condóminos presentes, com 575 votos a favor (frações C, E, F, G, H, I, J, L e P) e os restantes votos dos condóminos presentes (183, relativos às frações M, N e O) contra;

1.21. Na sequência, foi convocada uma assembleia geral extraordinária de condomínio nos termos do documento junto a fls. 251 e 252 cujo teor se reproduz, para o dia 5 de novembro de 2010, pelas 19 horas e 30 minutos, constando da ordem de trabalhos, entre outros, o seguinte:

“Renovação/ratificação das deliberações tomadas na Assembleia de Condomínio do dia 30 de Julho de 2010, sexta-feira, pelas 19 (dezanove) horas e 30 (trinta) minutos, relativas a:

b) - Autorização da manutenção do terraço do edifício, de uso exclusivo pelo condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), no estado em que se encontra à data da deliberação de condomínio, ou seja, a 30 de Julho de 2010, ratificando todas e quaisquer obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no mesmo terraço até à mesma data, quer enquanto inovações, quer enquanto alterações à linha arquitectónica do edifício;

c) - Autorização a que, de futuro, e em caso de algumas das obras, alterações, modificações e remodelações realizadas no terraço de uso exclusivo do condómino do 7.º andar recuado (letra "P"), serem consideradas contrárias à linha arquitectónica do edifício (actual ou anteriormente existente), bem como se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") seja autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3) e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca.”

1.24. Procedendo-se à votação foram aprovados os pontos 1 da Ordem de Trabalhos, relativos à Renovação/ratificação das deliberações tomadas na assembleia de condomínio do dia 30 de julho de 2010, por maioria do capital e dos condóminos presentes, com 720% (setecentos e vinte) votos a favor, correspondentes às frações B, C, D, E, F, G, H, I, J, L e P do edifício, votando contra os condóminos das frações M, N e O, correspondentes a uma permilagem de 183% (cento e oitenta e três) votos - cf. documento de fls. 324 a 342 cujo teor se dá por reproduzido;

1.25. O terraço em causa encontra-se afeto ao uso exclusivo do condómino da fração P, tendo sido efetuadas obras no terraço, tal como resulta das atas e da decisão proferida na ação referida.»

E do ponto 1.2 da indicada factualidade constam as diversas permilagens fixadas no título constitutivo para cada fração autónoma, onde se a maior permilagem da fração P, de 75, em relação às demais frações habitacionais na ordem dos 59 e 65 e das lojas de 86 e 97.


Perante este espectro factual mostra-se claro que as obras realizadas pela R. JJ no terraço em causa, objeto da aprovação/ratificação pelas deliberações impugnadas sob o ponto 5 da ordem de trabalhos, traduzem-se numa construção em tijolo e cimento, definitiva e inamovível, que incorporou materialmente o referido terraço, na sua quase totalidade, na fração P, alterando o volume de construção do edifício e a sua linha arquitetónica, o que só pode significar o aumento da área desta fração e da correspondente permilagem, bem como a correspetiva diminuição da permilagem das restantes frações, em desconformidade com o constante, nessa parte, do título constitutivo. Nestas evidentes circunstâncias materiais, não se afigura consistente o argumento puramente semântico de que o terraço continuaria mesmo assim a integrar as partes comuns.

É certo que a alteração verificada na linha arquitetónica e da volumetria do edifício não é, por si só, reveladora de alteração de características como tal especificadas naquele titulo, mas do que não se pode duvidar é de que, pelo menos, a área e a permilagem da fração P, com a referida incorporação material do terraço, dão a esta fração características espaciais e valor económico relativo em manifesta desconformidade com as que lhe estão atribuídas nesse título, em detrimento das partes comuns e das permilagens atribuídas às restantes frações, com a consequente assimetria na repartição dos encargos comuns pelos condóminos.

Não se trata, por conseguinte, de obras em parte comum do prédio que apenas interfiram na linha arquitetónica ou na volumetria do edifício, como sucedia na generalidade dos acórdãos convocados pelos Recorrentes, mas antes de obras que se traduzem na incorporação material de uma parte comum - como era a expressiva área do terraço em referência - na fração autónoma P, com a consequente repercussão modificativa das respetivas permilagens e valores económicos em relação, nesse particular, ao constante do título constitutivo.    

Não se ignora que as referidas deliberações não visaram diretamente uma alteração formal do título constitutivo, mas ainda assim consubstanciam a assunção por via negocial - a que se reconduz a expressão da vontade coletiva manifestada na assembleia de condóminos - de uma situação de facto desconforme com aquele título.

Nessa medida, as deliberações tomadas pela assembleia de condóminos em 30/7/2010 e renovada pela assembleia de 05/11/2010 sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos, ao aprovar/ratificar tais obras, não tendo sido tomada, como não foi, por todos os condóminos, viola a norma imperativa do artigo 1419.º do CC, sendo por isso nula, nos termos do artigo 294.º do mesmo diploma.


Já as deliberações sobre o ponto 6 da ordem de trabalhos autoriza obras, de futuro, no referido terraço, para o efeito de:

  - virem a ser consideradas “contrárias à linha arquitetónica do edifício (actual ou anteriormente existente),

  - ou, se as mesmas obras, alterações, modificações e remodelações se considerarem contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, o condomínio do 7.° andar recuado (letra "P") ser autorizado a construir e a manter, no mesmo terraço, com uma área de 103 m2, uma construção com a volumetria de 278,1 m3 e vãos com 62,28 m2, empregando materiais de PVC, e devendo a cor empregue ser branca.

     Pese embora alguma complexidade do alcance do teor desta autorização, ela encerra, pelo menos, uma componente suscetível de colidir com o título constitutivo, na parte em que poderão permitir a realização de obras futuras sobre o terraço na sua configuração atual, em si violadora do título constitutivo nos termos acima expostos, além de visar, ainda que em abstrato, inovações que possam ser contrárias a qualquer norma legal, regulamentar ou outra, consoante o determinado pelos órgãos administrativos e/ou judiciais competentes, não obstante parecerem estar condicionadas às áreas, volumetrias e materiais ali especificados.

    Assim sendo, tal deliberação é também nula, nos termos conjugados dos artigos 294.º e 1419.º, n.º 1, do CC, na medida em que autoriza a manter, construir e modificar o referido terraço materialmente incorporado, de forma inamovível, na fração P, mormente com uma área e permilagem desta, em desarmonia com as especificações fixadas no título constitutivo.


IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista nos seguintes termos:

a) – Confirmar o segmento decisório do acórdão recorrido na parte em que declarou nulas as deliberações impugnadas sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente;

b) – Confirmar o segmento decisório do acórdão recorrido na parte em que declarou nulas as deliberações sobre o ponto 6 da ordem de trabalhos, mas apenas na medida em que as obras ali previstas permitam manter, construir e modificar o referido terraço materialmente incorporado, de forma inamovível, na fração P, mormente com uma área e permilagem desta, em desarmonia com o fixado no título constitutivo.

As custas da ação e do recurso ficam totalmente a cargo dos Recorrentes, uma vez que a delimitação do âmbito da nulidade declarada quanto às deliberações referidas em b) não se traduziu em decaimento da A. a que corresponda valor económico útil ou atividade processual relevante para efeitos de tributação.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2017

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

                             

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

__________________
[1] No sentido exposto, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, pp. 425; Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, p. 97 e seguintes; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª Edição, pp. 121 e seguintes.
[2] No sentido exposto, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, pp. 433-434; Henrique Mesquita, in A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES Ano XXIII, 139, nota 3; Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Coimbra Editora, 3.ª Edição, p. 192; Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, p. 131. No mesmo sentido, vide, por todos o acórdão do STJ, de 17/02/2011, relatado pelo Juiz Cons. João Bernardo, no processo n.º 881/09.2TVLSB.L1.S1, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. No sentido de que o n.º 1 do art.º 1425.º do CC abrange também as inovações introduzidas nas frações autónomas, vide Rui Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3.ª Edição, p. 213.         
[3] In Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, p. 434
[4] In Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, p. 135.
[5] Ob. cit. p. 135-136.
[6] Ob. cit. p. 136.
[7]  In Direitos Reais, coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Livraria Almedina, Coimbra, 1976, p. 286
[8] In ob. cit. p. 286, nota 58
[9] Relatado pelo Juiz Cons. Sousa Inês no processo n.º 87.261, publicado no BMJ n.º 450, pp. 492-502.