Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
401/09.9TTVFR.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
FOLHAS DE FÉRIAS
TRABALHO A TEMPO PARCIAL
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA PENSÃO
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Anotado, 2.ª Edição, Almedina, 2005, 226.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
Legislação Nacional:
APÓLICE UNIFORME DO SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO, QUE CONSTITUI ANEXO À ALUDIDA NORMA REGULAMENTAR N.º 1/2009-R, CLÁUSULA 5.ª, CLÁUSULA 24.ª, N.º 1, AL. A).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 150.º, N.º1, 203.º, N.º1, 271.º, 273.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL (RLAT): - ARTIGOS 23.º, N.º1, 43.º, 44.º, 71.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 246/2008, DE 18 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 1.º E 3.º.
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 186.º A 188.º.
NORMA REGULAMENTAR N.º 1/2009-R, DE 8 DE JANEIRO, EMITIDA PELO INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, PUBLICADA NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, DE 23 DE JANEIRO DE 2009. – ARTIGO 5.º
REGIME JURÍDICO APROVADO PELO DECRETO‑LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL: - ARTIGOS 24.º E SEGUINTES.
REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO E DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO (DORAVANTE DESIGNADA POR LAT): - ARTIGOS 1.º, 10.º, 17.º E 26.º, 41.º, N.º1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/11/2007, PROCESSO N.º 07S2903, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11/02/2015, PROCESSO N.º 620/11.8TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 17/12/2015, PROCESSO Nº 187/11.7TUVCT.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 28/01/2016, PROCESSO N.º 1403/10.8TTGMR.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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AUJ N.º 10/2001, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2001.
Sumário :
I – O entendimento fixado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, de 21.11.2001, é extensível aos casos em que o nome do sinistrado só após o acidente foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço do empregador.

II – Tendo resultado provado que a Ré empregadora somente incluiu o nome da sinistrada na primeira folha de retribuições recebida pela Seguradora após o acidente, apesar de aquela ser sua trabalhadora há dois meses, verifica-se uma situação de não cobertura da sinistrada pelo contrato de seguro firmado entre a empregadora e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade por parte desta.

III – As prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro, entendimento que resulta do estipulado nos conjugados artigos 1.º, 10.º, 17.º e 26.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e que, em sede regulamentar, o artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, veio consagrar.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 401/09.9TTVFR.P1.S1

Revista – 4.ª Secção

ALG/RC/PH

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – AA,

Instaurou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra:

1. BB, S.A., e

2. CC, S.A.

Pedindo a condenação da R. BB (entidade patronal) a pagar-lhe uma indemnização por ITA e ITP e o capital de remição da pensão, na parte não transferida, no montante de € 9.705,05, e a condenação da R. CC (Seguradora) a pagar-lhe uma indemnização por ITA e ITP e o capital de remição da pensão e despesas efetuadas, no montante de € 24.191,82 e, ambas, no pagamento dos juros legais desde a data da citação até integral pagamento.

Subsidiariamente, em caso de absolvição da R. CC, pediu a condenação da R. BB no pagamento integral da quantia de € 34.559,75.

Alegou, para o efeito e em síntese, que:

Sofreu um acidente de trabalho no dia 11/03/2009, quando se encontrava ao serviço da Ré BB, em resultado do qual sofreu lesões que lhe determinaram Incapacidade Temporária para o Trabalho e uma Incapacidade Permanente Parcial, para além de ter suportado despesas em consequência do acidente aqui em causa. As Rés, no entanto, denegaram a sua responsabilidade pelo acidente e não lhe pagaram qualquer quantia.

2. A 1ª Ré BB contestou, argumentando, em resumo, que:

A A. auferia a remuneração mensal de € 191,46, acrescida de € 17,53 a título de subsídio de deslocação, de € 2,82 a título de subsídio de férias e € 2,82 a título de subsídio de Natal e, ainda, de € 37,08 a título de subsídio de refeição, valores participados à Seguradora; perante a descrição dos factos relativos ao acidente limitou-se a transmitir o processo de averiguação para a Ré Seguradora, participando o acidente; desconhece, por isso, as circunstâncias exactas em que o alegado acidente terá ocorrido e nada deve à A. pois tem a sua responsabilidade transferida para a Ré CC. 

Concluiu requerendo a sua absolvição do pedido e a condenação da Ré CC como litigante de má-fé e a indemnizá-la em quantia não inferior a € 2.500,00 acrescida de juros à taxa legal.

                                                

3. A 2ª Ré CC contestou, e em sua defesa alegou, em síntese, que:

A A. não se encontrava abrangida pelo contrato de seguro celebrado com a R. BB.

Concluiu, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição de todos os pedidos.

4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu as Rés do pedido.

5. Inconformada, a A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 15 de Junho de 2015, deliberou nos seguintes termos:

«Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente,

- em revogar a sentença na parte em que absolveu a Ré empregadora BB – Gestão de Recursos Humanos, Lda. do pedido, condenando-se a mesma a pagar à A. AA o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 300,18 (trezentos euros e dezoito cêntimos) e a indemnização por incapacidade temporária absoluta no montante de € 1.839,67 (mil oitocentos e trinta e nove euros e sessenta e sete cêntimos), quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde o dia seguinte ao do acidente no que concerne à ITA e desde o dia seguinte ao da alta no que respeita à pensão e

- no mais, em manter a sentença recorrida.»

6. Irresignada, veio a R. BB interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido por despacho proferido pela presente Relatora, em 11.12.2015, já transitado em julgado - cf. fls. 1314 e segts., do V Vol.

7. Igualmente inconformada, veio a A. interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:

«1. Colocam-se com o presente Recurso as seguintes questões: a) Quem é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes do acidente de trabalho sofrido pela Autora? b) Qual a retribuição a ter em conta para efeito de indemnização e quais os encargos que devem ser suportados pelo Responsável? c) Não deverão ser devidamente reanalisadas e sujeitas a um juízo as despesas médicas e medicamentos relacionadas com o acidente que foi considerado de trabalho?

2. Atenta a factualidade tida por assente, considerou-se que a A. sofreu um acidente de trabalho, em virtude se encontrarem preenchidos todos os requisitos do artigo 6.°, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente: a) A ocorrência do facto que originou o acidente; b) Ter ocorrido no local e tempo de trabalho; c) Ter ocorrido dessa lesão incapacidade para a trabalhadora; d) E existir nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.

3. Resultando em virtude do alegado acidente de trabalho, as seguintes sequelas para a A: a) Incapacidade temporária absoluta, desde 11-03-2009 até 11-12-2009; b) Incapacidade temporária parcial de 40%, desde 11-12-2009 até 11-01¬2010; c) Incapacidade permanente parcial de 13%.

4. Ora relativamente à responsabilidade, entende a Apelante que cabe à R. Seguradora CC, na responsabilidade transmitida e a R. BB subsidiariamente, a responsabilidade pela indemnização e pagamento de pensões e despesas médicas e medicamentosas que a A. teve em consequência do tratamento do acidente, em virtude de a R. BB ter transferido a sua responsabilidade infortunística para a R. CC.

5. Considera a Apelante que quanto à retribuição a ter em conta para efeito de indemnização, e uma vez que prestava trabalho a tempo parcial, deverá ser o Total da Remuneração Mensal, como se de tempo completo se tratasse, para os efeitos de cálculo nos termos do art. 44.° do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Remuneração hora(D)x oito horas diárias x 22 (média dos dias úteis de trabalho por mês) 536,80 €.

6. Mais considera a aqui Apelante que relativamente às despesas médicas e medicamentosas, atenta a prova documental, deveria o Tribunal de 1ª Instância ser convidado a julgar esse ponto, uma vez que não se pronunciou na sentença, uma vez que não tinha considerado o acidente como sendo de trabalho.

7. Devendo as RR. serem responsáveis pelo pagamento à A. dos valores constantes da tabela supra indicada, no montante global de 25.377,54 €, acrescida de juros legais.

8. Neste pressuposto, a decisão do Tribunal “a quo” ao considerar a existência do acidente e ao não condenar a R. no pagamento das despesas médicas que se encontram documentadas nos autos e que se encontram directamente relacionadas com a reparação do acidente, violou o disposto no artigo 59.°, n.º 1, alínea f), da Constituição da Republica Portuguesa, art.º 10.° da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, artigos 11.° e 23.° da Lei n.º 143/99 de 30 de Abril, art. 283.°, n.º 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e arts 2.°, 23.°, 25.° e 39.° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

9. Com efeito, ao não considerar as despesas documentadas o Tribunal “a quo” violou, no entendimento da A., as normas constantes dos artigos 607.°, n.ºs 4 e 5 do CPC e 376.° do Código Civil.

10. Bem como ao não contabilizar a indemnização como se a sinistrada trabalhasse a tempo completo (uma vez que trabalhava a tempo parcial) o Tribunal “a quo” violou, no entendimento da A., as normas contidas (para além das referidas no ponto 8) das Conclusões) nos artigos 44.° do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, e art. 71.°, n.ºs 9 e 11, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.»

 8. A R. CC contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

9. Admitido unicamente o recurso de revista interposto pela A., o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, formulou parecer sustentando a parcial procedência da revista, mais concretamente no segmento referente ao valor da retribuição a considerar para efeitos de cálculo da pensão/indemnização, e a confirmação do Acórdão recorrido quanto ao demais.

10. Apenas a Recorrente respondeu, após conhecimento do citado Parecer, mantendo a posição sustentada no recurso de revista que apresentou.

11. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR:         

- Estão em causa, em sede recursória, as seguintes questões:

Da responsabilidade da R. Seguradora pela reparação do acidente de trabalho que vitimou a A.;

Do valor da retribuição a considerar para efeitos de cálculo da pensão e indemnização devidas à A.;

Do direito da A. a ver reapreciadas pela 1.ª instância as despesas médicas e medicamentosas que peticionou.

Analisando e decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO:

A) DE FACTO

- As instâncias deram como provados os seguintes factos:

A. A Autora esteve ao serviço da 1ª Ré, sob sua direção e fiscalização, desde 15 de Janeiro de 2009, vinculada por contrato de trabalho a termo certo.

B. Posteriormente, em 16 de Janeiro de 2009, o contrato foi objecto de um aditamento, no que concerne ao período de trabalho e vencimento, tendo-se mantido inalterado até à sua cessação.

C. Estando o respetivo horário de trabalho, dependente das orientações da 1ª Ré.

D. A Ré BB celebrou um contrato de seguro de acidente de trabalho com a CC, Companhia de Seguros, SA, a prémio variável, contrato esse em vigor em 11-03-2009.

E. Até 15 de Janeiro de 2010, o contrato referido em A) não foi denunciado.

F. À A. cabia desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Repositor, nomeadamente:

a) Repor os produtos das marcas;

b) Colaborar com a loja na receção das mercadorias;

c) Aprovisionar os lineares;

d) Garantir a correta disposição dos produtos nesses lineares evitando rupturas;

e) Informar os vendedores/chefes de vendas e/ou chefes de secção da loja sobre ruturas ou pré-rupturas a fim de estimular a repetição de encomendas;

f) Manter os lineares limpos e arrumados;

g) Merchandising: aplicação de material publicitário no ponto de venda onde exerce funções ou em qualquer dos clientes a que lhe for solicitado, bem como outras de que a "BB” a pudesse incumbir.

G. A Autora prestou o seu trabalho sempre no mesmo local: estabelecimento comercial "DD" sito na Rua (…) – Mozelos, VFR.

H. Auferindo mensalmente, inclusive em Março de 2009, uma remuneração mensal composta por € 191,46 de retribuição base, € 2,82 de proporcionais de subsídio de férias, € 2,82 de proporcionais por subsídio de Natal, € 17,53 a título de subsídio para deslocação em viatura própria e € 37, 08 de subsídio de refeição – (redacção alterada pelo Tribunal da Relação).

I. Sendo esse rendimento o único que a Autora auferia para a sua sobrevivência, sendo o mesmo essencial para o equilíbrio económico-financeiro do agregado familiar, composto pela Autora e pelo seu marido.

J. Essa relação contratual manteve-se até ao dia 25 de fevereiro de 2010, data em que a A. resolveu o seu contrato de trabalho alegando justa causa, por comunicação escrita, datada de 25 de Fevereiro de 2010, enviada à 1ª Ré por carta registada com aviso de recepção.

J. a) Em 11 de Março de 2009, pelas 9h20m, encontrando-se a A. no seu local e horário de trabalho (estabelecimento "DD" sito em Mozelos), ao puxar uma palete de produtos para reposição, sentiu uma dor muito intensa nas costas – (facto aditado pelo Tribunal da Relação).

J. b) Nesse mesmo momento, queixou-se das dores à Sr.ª EE, chefe de aprovisionamento alimentar do estabelecimento "DD" – (facto aditado pelo Tribunal da Relação).

K. No dia 15 de Março, a Autora, dirigiu-se às urgências do Centro Hospitalar do Entre Douro e Vouga, de São João da Madeira.

L. Onde foi assistida por um médico de serviço.

M. No dia 17, a Autora dirigiu-se ao Hospital Casa da Saúde da Boavista, onde foi diagnosticada à A. uma "lombalgia de esforço".

N. Tendo-lhe sido receitado para tratamento 20 sessões de fisioterapia.

O. No dia 24-03-2009, a Autora realizou tomografia computorizada da coluna vertebral.

P. No dia 31 de Março, do mesmo ano, a A. dirigiu-se novamente ao Hospital Casa de Saúde da Boavista.

Q. Pelos serviços clínicos desse Hospital foi-lhe marcada uma cirurgia à coluna lombar, para o dia 2 de Abril de 2009.

R. No dia 2 de Abril de 2009, a Autora foi operada à coluna lombar pelo Dr. FF, no Hospital Casa de Saúde da Boavista, tendo saído do hospital somente no dia 6 de Abril de 2009.

S. No dia 6 de Abril, a Autora saiu do hospital, para convalescença em sua casa.

T. Na consulta seguinte, que ocorreu a 12 de Maio de 2009, a A. foi informada pelo Hospital Casa de Saúde da Boavista, somente quando já se encontrava no local, de que não iria ser assistida pelo Hospital, uma vez que a Seguradora CC, tinha declinado a responsabilidade do acidente.        

U. Alegando não existir entre a Seguradora e a 1ª Ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho válido que abrangesse a A..

V. A essa data, a Autora sentia dores bastante fortes nas costas, encontrando-se ainda totalmente incapacitada para o trabalho.

W. A partir dessa data, a Autora começou a sentir um sentimento de frustração, angústia e desespero pelo seu estado de saúde que não melhorava.

X. E pela recusa das Rés em dar-lhe de apoio.

Y. A "Casa de Saúde da Boavista" recusou expressamente o tratamento à ora A., a partir do dia 12 de Maio de 2009.

Z. A A., ora pessoalmente, ora através do seu Mandatário, procedeu a várias comunicações tanto com a Seguradora, bem como com a 1ª Ré, com vista a que a Rés assumissem a continuação dos tratamentos.

AA. Ao que as Rés nada responderam.

BB. Pelo que a Autora apresentou participação por acidente de trabalho.

CC. Posteriormente, por inúmeras vezes, por via FAX, Correio Postal, telefonicamente, pessoalmente ou através do seu Mandatário, a Autora comunicou o agravamento do seu estado de saúde às Rés.

DD. Não tendo estas respondido.

EE. O agravamento do estado de saúde da Autora resultou de recidiva da operação de que foi alvo em consequência do acidente de trabalho.

FF. No dia 9 de Novembro de 2009, através do Serviço Nacional de Saúde, a A. foi novamente submetida a cirurgia à coluna lombar.

GG. Após essa intervenção o estado de saúde da Autora melhorou.

HH. A Autora ficou portadora de Incapacidade Definitiva de 13%.

II. Entre 31 de Março de 2009 e 11 de Janeiro de 2010, a A. encontrou-se sempre com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho.

JJ. A A. informou a 1ª Ré de que não poderia trabalhar a 100%, mas sim de forma condicionada, a 50%.

KK. A mesma acordou com a Autora para que trabalhasse somente metade do tempo devido, ou seja, duas horas por dia, ao invés das 4 horas, realizando as mesmas tarefas que realizava antes, sem qualquer tipo de apoio ou especificidades.

LL. A 1ª Ré não enviou à CC, Companhia de Seguros, S.A., até à 11-03-2009, qualquer listagem dos trabalhadores abrangidos pelo contrato de seguro referido em D) que incluísse a aqui Autora.

MM. A Ré CC, Companhia de Seguros, S.A., comunicou à BB que iria encerrar o processo relativo ao sinistro acima descrito, em 24 de Abril de 2009.

NN. Em Março de 2011, a Autora auferia retribuição mensal composta por € 191,46 de retribuição base, € 2,82 de proporcionais de subsídio de férias, € 2,82 de proporcionais por subsídio de Natal, € 17,53 a título de subsídio para deslocação em viatura própria e € 37, 08 de subsídio de refeição – (facto integrado na alínea H) pelo Tribunal da Relação).

OO. A Ré BB participou a ocorrência do acidente, referido em 8), à CC, S.A., em 17-03-2009.

PP. A Ré BB contactava com a GG, Lda. que actuava em representação da CC, Companhia de Seguros, S.A., em relação a todos os assuntos relativos ao contrato de seguro referido em D).

QQ. Sendo através dela que fazia chegar à CC, Companhia de Seguros, S.A., as listagens de trabalhadores ao seu serviço.

RR. No dia 14 de Abril de 2009, a Ré BB, através de email dirigido à funcionária da GG, HH, remeteu a esta, em anexo a listagem identificada como "folha de férias-Março de 2009", onde constava a identificação da Autora, bem como o ordenado base de € 191,46 e o subsídio de alimentação de € 37,08 – (redacção dada pelo Tribunal da Relação).


B) DE DIREITO

1. Da responsabilidade da Ré Seguradora:

1.1. A primeira questão resultante da delimitação do objecto do recurso incide sobre a alegada responsabilidade da R. Seguradora CC pela reparação dos danos derivados do acidente de trabalho sofrido pela A.
Salienta-se que está assente, nos presentes autos, que a Autora sofreu um acidente de trabalho, discutindo-se, agora, a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento da indemnização, pensões e despesas médicas e medicamentosas sofridas pela A., em consequência de tal acidente.

1.2. No Acórdão recorrido, depois de ponderada, para além do mais, a circunstância de a A. não constar das folhas de férias anteriores ao acidente, mas apenas na do mês do acidente, decidiu-se que aquela não estava abrangida pelo contrato de seguro celebrado entre as RR., na modalidade de seguro a prémio variável, pelo que a reparação do acidente não poderia ser imputável à R. Seguradora.

Contrariamente, a A., ora Recorrente, argumenta que a R. BB transmitiu em devido tempo a folha de férias relativa ao mês do acidente, e nessa folha constava o seu nome, pelo que deve considerar-se como estando abrangida pelas garantias do contrato de seguro celebrado entre a sua entidade patronal e a Ré Seguradora, nos limites contratuais celebrados.

Vejamos se lhe assiste razão.
1.3. O acidente dos autos ocorreu no dia 11/03/2009, pelo que se encontra abrangido pelo Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (doravante designada por LAT), cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2000, conforme resulta da alínea a), do n.º 1, do seu art.º 41.º, conjugada com o disposto no art.º 71º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, e tendo ainda em conta o preceituado nos artigos 186.º a 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, a qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.

É também aplicável à situação dos autos, por força do disposto no respetivo artigo 5.º, a Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro, emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal, publicada no Diário da República, 2.ª Série, de 23 de Janeiro de 2009, que aprovou «a Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, bem como as respetivas Condições Especiais Uniformes …».
Ou seja a «apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem», normativa regulamentar que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009.

De acordo com a cláusula 5.ª da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho, que constitui anexo à aludida Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, e enquadra o contrato de seguro cuja execução é objecto da presente revista, o contrato seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades:
«a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido;
b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.» (sublinhado nosso).

O objecto do seguro de prémio variável depende da declaração periódica do tomador de seguro[2] que, para não celebrar diversos contratos, de acordo com as flutuações do pessoal, celebra um único contrato, de conteúdo variável em função das alterações do pessoal e respectivas remunerações.

No seguro a prémio variável, o empregador segura a sua responsabilidade pelos danos sofridos por um número variável de pessoas, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela Seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.

Tal variabilidade de pessoal, que implica necessariamente uma variação de massa salarial, terá de repercutir-se no montante dos prémios a cobrar.
De acordo com a alínea a), do n.º 1, a Cláusula 24.ª da referida apólice uniforme, relativa às obrigações do tomador do seguro, este obriga-se a «enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, conhecimento do teor das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à II, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, devendo ainda ser indicados os praticantes, os aprendizes e os estagiários».

Os seguros de prémio variável determinam, assim, para o tomador do seguro, a obrigação de enviar à Seguradora até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal (e que devem ser duplicados ou fotocópias das remetidas à II), devendo ser mencionada a totalidade das remunerações, sendo através dessas folhas de retribuições que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da Seguradora.

        Por força do disposto no n.º 1 da «condição especial 01» relativa a seguros de prémio variável, verifica-se que, «
de acordo como o disposto na alínea b), da cláusula 5.ª, das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador de seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas à Seguradora, nos termos da alínea a), do n.º 1, da cláusula 24.ª, das condições gerais da apólice» e, nos termos do n.º 2 da mesma condição especial, «o prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador de seguro».

Por tal motivo, nos termos do n.º 3 da mesma cláusula, «no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato, (…) será sempre efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato».

1.4. A propósito da questão de saber se, no caso do contrato de seguro de prémio variável, a omissão do nome do sinistrado na folha de férias não afecta a validade do contrato, importando a responsabilização da Seguradora, ou se determina a exclusão do trabalhador/sinistrado omitido do âmbito do seguro, este Supremo Tribunal proferiu o Acórdão n.º 10/2001, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 27 de Dezembro de 2001, que Uniformizou a Jurisprudência nos seguintes termos:
«No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à Seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro».

A fundamentação deste Acórdão fornece elementos relevantes no sentido do enquadramento da situação do presente processo.

Referiu-se, com efeito, naquele Acórdão, no contexto dos fundamentos da decisão proferida, o entendimento que se segue e que não pode deixar de se transcrever:
«6.3 - Conforme já referido, mais do que uma posição em termos de dogmática jurídica relativamente à questão da natureza jurídica do contrato de seguro de acidentes de trabalho, a solução da situação sob apreciação assenta particularmente na relevância das declarações do tomador.
Com efeito, neste âmbito, as mesmas são por demais importantes, até porque, e desde logo, a efectivação do seguro delas depende essencialmente, pois que elas estabelecem a medida exacta do risco que a Seguradora assume com a celebração do contrato.
Sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade (…) os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências (…), com omissões por parte do tomador de seguro e que influam sobre a existência (…) ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado, artigo 429.º do Código Comercial (e cláusula 25.ª da apólice uniforme).
Não obstante se poder concluir, da simples leitura do supra referido preceito, que a relevância das declarações para efeitos de validade do acordo opera apenas no momento da celebração do negócio, quer a jurisprudência quer a doutrina têm vindo a defender a aplicabilidade de tal regime sempre que se verifique qualquer modificação que altere (aumente) o risco, ou seja, sempre que estiverem em causa circunstâncias ou elementos relevantes para a determinação do conteúdo concreto do contrato, no caso da sua permanente actualização.
A avaliação do que sejam declarações inexactas ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feita caso a caso, sendo que a solução paradigmática encontrada por certa jurisprudência relativamente à omissão do nome do trabalhador nas folhas de férias a enviar à Seguradora nos seguros de modalidade de prémio variável parece desajustada da realidade do contrato em causa (…).
Na verdade, nesta modalidade de seguro, a entidade patronal transfere a sua responsabilidade infortunística pelos danos sofridos por um número variável de pessoas. Por conseguinte, tal variabilidade de pessoal, que implica necessariamente uma variação de massa salarial, terá de repercutir-se no montante dos prémios a cobrar.
O objecto do seguro de prémio variável depende, pois, da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos consoante as flutuações do pessoal que emprega, firma um único contrato com conteúdo variável, sendo consequentemente variável a respectiva obrigação de seguro (…).
Compreende-se, assim, a obrigação da empregadora de incluir o trabalhador nas folhas de férias a enviar à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao início das respectivas funções, n.º 4 da cláusula 5.ª da apólice uniforme, já que é através dessas folhas de férias ou salários que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da Seguradora.
A vantagem desta forma de contratação, que tem subjacente a variabilidade da identidade ou do número de pessoas que estão ao serviço do tomador de seguro, reside no facto de, pela celebração de um único contrato, poder ser dado cumprimento ao que, no fundo, são obrigações de seguro independentes, porquanto cada uma destas obrigações surge relativamente a cada prestador de serviço e depende das condições próprias da prestação de trabalho (…), pelo que, e consequentemente, a responsabilidade a assumir pela Seguradora depende, necessariamente, da identificação do pessoal.
Assim, não se encontrando determinado trabalhador incluído nas folhas de férias enviadas à Seguradora, verifica-se, segundo cremos, uma situação de não cobertura e não de omissão de declaração relevante para efeitos de nulidade do contrato, pois o comportamento omissivo por parte do tomador de seguro/empregador nada influenciou os riscos de verificação do sinistro assumidos pela Seguradora relativamente aos demais trabalhadores.
De outro modo, poderia verificar-se, no caso de produção de acidente com um trabalhador regularmente inscrito, a possibilidade da Seguradora invocar a nulidade do contrato em virtude de, ao serviço do mesmo tomador do seguro, um (ou outros) trabalhador(es) nunca ter(em) sido mencionado(s) nas folhas de férias.
O contrato de seguro de prémio variável exige, assim, o cumprimento de várias obrigações de seguro, independentes entre si, embora unidas por um único contrato cujo objecto vai sendo determinado caso a caso.
O incumprimento, por parte do tomador de seguro, da obrigação consubstanciada na inclusão do(s) trabalhadore(s) ao seu serviço na folha de férias a enviar à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao do início das funções do(s) respectivo(s) trabalhador(es), determina, consequentemente, a não assunção de responsabilidade, por parte da Seguradora, pelos danos sofridos pelo trabalhador omitido, pois verifica-se uma situação de não cobertura, decorrente do não preenchimento das condições necessárias estabelecidas pelas partes, para a assunção da responsabilidade, tendo a entidade patronal de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador» - (sublinhados nossos).

        Por força desde Acórdão uniformizador, é atualmente pacífico o entendimento de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho a prémio variável é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro relativamente aos demais.

Esta Secção tem mantido a doutrina decorrente daquele Acórdão aos casos em que o nome do sinistrado só é integrado nas folhas de retribuições após a ocorrência do sinistro, sendo disso exemplo o Acórdão do STJ, de 14/11/2007[3], de onde foi extraído o seguinte sumário:

«1. Na sequência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, de 21.11.2001, é pacífico o entendimento de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro.
2. Essa doutrina é extensível aos casos em que o nome do sinistrado só após o acidente foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço do empregador.
3. Provando-se que o empregador, durante cerca de sete meses, omitiu o nome do sinistrado nas folhas de retribuições, cujo nome apenas surge incluído na primeira folha de retribuições recebida pela Seguradora após o acidente, verifica-se uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre o empregador e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade pela Seguradora

No mesmo sentido, veja-se o recente Acórdão do STJ, desta Secção, proferido em 28/01/2016[4], onde também se defendeu que:

“A Jurisprudência vertida no Acórdão Uniformizador n.º 10/2001, de 21-11-2001, tem plena aplicação aos casos em que o nome do sinistrado – só após o acidente – foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omisso em anteriores folhas de retribuições, relativas a períodos de tempo em que aquele já se encontrava ao serviço do empregador”.

Para se concluir que:
«Tendo resultado provado que a Ré Empregadora somente incluiu o nome do sinistrado na primeira folha de retribuições recebida pela Seguradora após o acidente, apesar de aquele ser seu trabalhador desde 6-7-2007, e de o contrato de seguro se ter iniciado em 7-10-2007, verifica-se uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre a empregadora e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade por parte desta».

Os fundamentos da citada jurisprudência permanecem actuais, não obstante as alterações legislativas entretanto verificadas no enquadramento jurídico do contrato de seguro, decorrentes da entrada em vigor do regime jurídico aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, conforme se alcança da disciplina estabelecida nos artigos 24.º e seguintes daquele regime, nomeadamente sobre os deveres que oneram as partes no contrato e sobre as consequências do incumprimento desses deveres decorrentes dos artigos 25.º e 26.º do mesmo regime.

         Isto porque, conforme se refere no Acórdão desta Secção, do STJ, de 11/02/2015
[5], «… no contrato de seguro vigora uma exigência de boa-fé, que tem de estar presente não só nos deveres de comunicação inicial do risco pelo tomador ou pelas alterações supervenientes do mesmo, mas em toda a execução do contrato.
A concretização dos riscos cobertos tem uma particular importância na formação do contrato, devendo o tomador do seguro fornecer, com verdade, todos os elementos necessários à caracterização do risco cuja transferência pretende, sendo essa caracterização elemento essencial da proposta que apresenta à Seguradora.
Para além de sujeitar a celebração do contrato ao princípio da boa fé, a Lei é particularmente rigorosa no que se refere ao incumprimento do dever de verdade na negociação do contrato e na respectiva execução».

1.5. Posto isto, e reportando-nos ao caso sub judice, verifica-se que:

De acordo com a matéria de facto dada como provada, a A. foi contratada em 15/01/2009, para trabalhar sob a direcção e fiscalização da R. BB e exercer funções inerentes à categoria profissional de Repositora, no estabelecimento "DD", sito em Mozelos, mediante uma remuneração mensal composta, desde Março de 2009, por € 191,46 de retribuição base, € 2,82 de proporcionais de subsídio de férias, € 2,82 de proporcionais por subsídio de Natal, € 17,53 a título de subsídio para deslocação em viatura própria e € 37, 08 de subsídio de refeição.
Também se provou que, no dia 11.03.2009, pelas 9.20 horas, encontrando-se a A. no seu local e horário de trabalho (estabelecimento "DD" sito em Mozelos), ao puxar uma palete de produtos para reposição, sentiu uma dor muito intensa nas costas.
Flui, igualmente, da matéria de facto que, em consequência disso, no dia 15/03/2009, a A. dirigiu-se às urgências do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, de São João da Madeira, onde foi assistida por um médico de serviço; no dia 17/03/2009, dirigiu-se ao Hospital Casa de Saúde da Boavista, onde lhe foi diagnosticada uma "lombalgia de esforço"; no dia 02/04/2009 foi operada à coluna; o seu estado de saúde sofreu um agravamento que resultou de recidiva daquela operação; no dia 09/11/2009 foi sujeita a nova cirurgia à coluna lombar no SNS; entre 31/03/2009 e 11/01/2010 esteve com ITA, e ficou portadora de uma IPP de 13%.
Decorre também do quadro factual traçado em juízo, que a R. BB celebrou um contrato de seguro de acidente de trabalho com a R. CC a prémio variável, contrato esse em vigor em 11/03/2009, data em que ocorreu o acidente sofrido pela Autora.

Finalmente, provou-se ainda que:

- A R. BB contactava com a GG, Lda. que actuava em representação da R. CC, em relação a todos os assuntos relativos ao aludido contrato de seguro, e que era através daquela que fazia chegar a esta as listagens de trabalhadores ao seu serviço;

- Até ao dia 11/03/2009, a R. BB não havia enviado à R. CC qualquer listagem dos trabalhadores abrangidos pelo aludido contrato de seguro que incluísse a aqui Autora;

- Em 17/03/2009, a R. BB participou à R. CC a ocorrência do acidente acima referido.

- Apenas no dia 14/04/2009, a R. BB, através de email dirigido à funcionária da GG, HH, remeteu a esta, em anexo a listagem identificada como "folha de férias-Março de 2009" onde constava a identificação da Autora, bem como o ordenado base de € 191,46 e o subsídio de alimentação de € 37,08.

Em síntese, a sinistrada foi vítima do acidente que constitui o objecto do presente processo em 11/03/2009 e, apesar de trabalhar por conta da R. BB desde 15/01/2009, só foi incluída na folha de férias relativa ao mês Março de 2009 remetida por esta R. à R. Seguradora somente em 14/04/2009.

Face ao circunstancialismo fáctico provado e ao enquadramento jurídico e jurisprudencial explanado supra, impõe-se concluir que o contrato de seguro a prémio variável celebrado entre as RR. é ineficaz em relação à produção dos efeitos pretendidos pela Recorrente, relativamente ao acidente de que nos dá conta os presentes autos, não permitindo considerar tal acidente abrangido pelo referido contrato de seguro celebrado com a Ré Seguradora.

1.6. Com efeito, a inclusão da sinistrada na folha de férias relativa ao próprio mês do acidente e remetida à Seguradora trinta e quatro dias após a ocorrência do sinistro, e sem qualquer motivo relevante, não permite enquadrar o acidente dos autos no âmbito daquele contrato de seguro.
Verifica-se, por conseguinte, uma situação de não cobertura da sinistrada pelo contrato de seguro firmado entre as RR., o que determina a não assunção de responsabilidade por parte da R. CC.

Improcede, por tal motivo, o recurso nesta parte.

2. Quanto à questão do valor da retribuição a considerar para efeitos de cálculo da indemnização/pensão:

2.1. A segunda questão objecto do presente recurso de revista prende-se com o valor da retribuição a considerar para efeitos de cálculo da pensão/indemnização devidas à A., ora Recorrente.

2.2. No Acórdão recorrido decidiu-se, a este propósito, nos seguintes termos:
«Posto isto, e tendo resultado provado que a sinistrada auferia mensalmente, inclusive em Março de 2009, uma remuneração mensal composta por € 191,46 de retribuição base, € 2,82 de proporcionais de subsídio de férias, € 2,82 de proporcionais por subsídio de Natal, € 17,53 a título de subsídio para deslocação em viatura própria e € 37, 08 de subsídio de refeição, temos que aquela auferia uma retribuição anual no montante de € 3.298,68 (€ 191,46x14+€ 17,53x12+€37,08x11).
E, face ao que ficou dito, e ponderando a IPP atribuída à sinistrada de 13%, tem direito a receber o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 300,18 (€3.298,68x70%x13%).
Tem também direito a receber a indemnização por ITA, ponderando o período de 31/03/2009 a 11/01/2010, ou seja, 287 dias, no montante de € 1.839,67 (€3.298,68:12:30x70%x287 dias).
A estas quantias acrescem juros de mora, conforme o disposto no artigo 135.º. do C.P.T. e n.º 4, do artigo 17.º, da anterior  LAT

A A., ora Recorrente, argumenta, por seu turno, que a retribuição a ter em conta para efeitos de indemnização deverá ser o “Total da Remuneração Mensal, como se de tempo completo se tratasse”, uma vez que prestava trabalho a tempo parcial, nos termos do art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

Vejamos se lhe assiste razão. 

2.3. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT)[6], os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos termos previstos naquela lei e demais legislação complementar.

O direito à reparação compreende as prestações em espécie e em dinheiro enunciadas no art. 10º da LAT.

No que se refere às prestações em espécie, as mesmas incluem “as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa” – cf. alínea a) do art.º 10º.

Neste âmbito, especifica o art. 23º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT)[7], que as prestações em espécie previstas na citada alínea a), assumem as seguintes modalidades:
a) Assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;
b) Assistência farmacêutica;
c) Enfermagem;
d) Hospitalização e tratamentos termais;
e) Hospedagem;
f) Transportes para observação, tratamento ou comparência a actos judiciais;
g) Fornecimento de aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia, sua renovação e reparação;
h) E reabilitação funcional”.

Já as prestações em dinheiro, comportam:
- Indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho;
- Indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente;
- Pensões aos familiares do sinistrado;
- Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
- Subsídio para readaptação de habitação;
- Subsídio por morte e despesas de funeral – cf. alínea b), do art. 10º, da LAT.

De acordo com o disposto no art.º 17º nº 1 da LAT, na parte que ora releva, se do acidente resultar redução na capacidade de ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações:
1. Na Incapacidade Permanente Parcial inferior a 30%: ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados – cf. alínea d), do seu n.º 1;
2. Na Incapacidade Temporária Absoluta: a indemnização diária igual a 70% da retribuição – cf. alínea e), do n.º 1;
3. E na Incapacidade Temporária Parcial: a indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho (alínea f) do n.º 1).

Estatuindo tal normativo, a este propósito, que as indemnizações por Incapacidade Temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as Pensões por Incapacidade Permanente no dia seguinte ao da alta – cf. seu n.º 4.

2.4. O regime jurídico dos acidentes de trabalho introduzido pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, não só reconheceu aos trabalhadores e seus familiares o direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, como também regulou, de forma circunstanciada, o cálculo das indemnizações e pensões a atribuir aos respectivos sinistrados em consequência dos acidentes sofridos.

A este propósito e em matéria de retribuição, importa atender ao preceituado no seu artigo 26.º, onde se estabelece expressamente que:

- As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária, ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente retribuição normalmente recebida pelo sinistrado – cf. seu n.º 1;

- E as pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado” – cf. seu n.º 2.

Entendendo-se por:

- Retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios – cf. seu n.º 3;

- E retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade – cf. n.º 4.

Mais se estabelece na referida norma para efeitos de cálculo da retribuição que:

- Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente;

- E, na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do Juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos – cf. seu n.º 5.

Normativo aplicável ao trabalho não regular e aos trabalhadores a tempo parcial vinculados a mais de uma entidade empregadora (cf. seu n.º 9), sendo certo que em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, por força do preceituado no seu n.º 8.

2.5. O quadro legal traçado mostra-se complementado pelo Regula-mento da Lei de Acidentes de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, que teve como objectivo melhorar o nível das prestações garantidas aos sinistrados e, nessa medida, procedeu à revisão da base de cálculo das indemnizações e pensões nos termos que o citado diploma legal expressamente prevê.

Consignando-se, no seu art. 43º, o modo de fixação das pensões por incapacidade e indemnizações.

Daí resulta que:

- As pensões respeitantes a incapacidade permanente são fixadas em montante anual;

- E as indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados – cf. seus nºs 1 e 2.

Fixando-se, ainda, que nas incapacidades temporárias superiores a 15 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas e) e f), do n.º 1, do artigo 17.º, da Lei – cf. seu nº 3.

Igualmente se prevê a forma do cálculo das prestações nas situações específicas dos trabalhadores a tempo parcial, nos termos estatuídos no seu art. 44º, segundo o qual, o cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.

Analisando esta norma refere Carlos Alegre:

“Não havia norma expressa sobre o tema do artigo em epígrafe (art. 44º), na legislação anterior. Todavia, era entendimento geral da jurisprudência infortunística laboral que a base de cálculo das prestações devia ser a retribuição por inteiro que o trabalhador sinistrado auferiria, se trabalhasse a tempo inteiro. Na base deste entendimento estava o princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima. O que era entendimento jurisprudencial, tomou, com a norma supra, eficácia legal, o que bem se compreende já que a incapacidade não afecta, apenas, a execução do trabalho a tempo parcial, mas toda e qualquer outra actividade que pudesse executar, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de exercício de actividade, e não apenas no período de tempo equivalente ao horário parcial vigente aquando da ocorrência do acidente – cf. Acórdão do STJ, de 19/7/2002”.[8]  

Sobre a presente questão relativa ao cálculo das prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial, decidiu-se na sequência dos dispositivos legais citados, e ainda recentemente, no Acórdão desta Secção, do STJ, datado de 17/12/2015[9], que tais prestações devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro.

Entendimento alicerçado nos fundamentos que se transcrevem e no qual são retomadas as considerações que antecedem:

«Neste plano de consideração, as primeiras regras a atender são as enunciadas nos n.os 1 a 4 do artigo 26.º da Lei n.º 100/97, as quais, para o cálculo das prestações em causa, remetem para a retribuição normalmente auferida, à data do acidente.
A consideração da retribuição normal correspondente ao dia do acidente e não da retribuição efetivamente paga ao sinistrado é expressamente prevista no n.º 5 do citado artigo 26.º, norma que o n.º 9 deste artigo manda aplicar aos trabalhadores a tempo parcial, o que objetiva uma reparação mais adequada dos danos emergentes da redução na capacidade de trabalho ou de ganho emergente de acidente de trabalho.
Efetivamente, se fosse considerada relevante para o cálculo das prestações devidas a trabalhadores a tempo parcial a retribuição efetivamente paga ao sinistrado pelo empregador, ficaria por ressarcir a perda da capacidade de trabalho e de ganho do trabalhador em consequência do acidente, na parte complementar do dia normal de trabalho não ocupado com a atividade prestada ao responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.
O que se compreende, uma vez que o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de desempenho da correspondente atividade profissional.
Acresce que, tal como é realçado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de junho de 2002, proferido no Processo n.º 2773/01, da 4.ª Secção, «não existe uma relação direta de proporcionalidade entre a duração do horário de trabalho praticado no momento do acidente e a duração das incapacidades deste derivadas: a incapacidade permanente vai afetar o sinistrado para o resto da sua vida ativa, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de exercício de atividade, e não apenas no período de tempo equivalente ao horário parcial vigente aquando da ocorrência do acidente».
Daí a razoabilidade da solução enunciada e que o Acórdão referido considera válida para todas as situações de trabalho parcial, porque inteiramente alicerçada no «princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima» (cf. CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Anotado, 2.ª edição. Almedina, Coimbra, 2005, p. 226).
Em suma: as prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro, entendimento que emerge do estabelecido nos conjugados artigos 1.º, 10.º, 17.º e 26.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e que, em sede regulamentar, o artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, consagrou

2.6. Ora, posto isto, e reportando-nos ao caso sub judice, importa ter presente que resultou provado que:

A Autora sofreu um acidente de trabalho, em 11/03/2009, quando desempenhava a actividade de repositora ao serviço da 1ª Ré BB e que, à data, auferia mensalmente € 191,46 de retribuição base, € 2,82 de proporcionais de subsídio de férias, € 2,82 de proporcionais por subsídio de Natal, € 17,53 a título de subsídio para deslocação em viatura própria e € 37, 08 de subsídio de refeição.
Extrai-se também dos factos provados que o horário de trabalho da A. estava dependente das orientações da 1ª R. BB, resultando, ainda, do n.º 1, da Cláusula Quarta, do Aditamento ao Contrato de Trabalho celebrado entre as partes (documento n.º 2, junto com a petição inicial), que o período normal de trabalho convencionado, em regime de tempo-parcial, foi «de 19 horas semanais, distribuídas segundo a necessidade e a natureza do serviço a prestar, de acordo com o horário de funcionamento da “BB”» – cf. pág. 293, do 2º Vol.; cf. também os factos provados e inseridos no ponto B).
Ficou, ainda, demonstrado, que a A. esteve com ITA de 31/03/2009 a 11/01/2010, ou seja, 287 dias, tendo ficado portadora de uma IPP de 13%.

Releva, igualmente, o preceituado no nº 1 do art. 150º do Código do Trabalho de 2009, no qual se estabelece que se considera trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável e, por sua vez, o nº 1 do artigo 203.º do mesmo Código, que fixa que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana.[10]

Assim sendo, face ao circunstancialismo fáctico provado e ao enquadramento jurídico e jurisprudencial acima enunciado, forçoso é concluir que a base para o cálculo das prestações devidas à sinistrada é constituída pela retribuição normal que aquela auferiria se trabalhasse a tempo inteiro – cf. arts. 10º, 17º e 26º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro (=LAT), conjugados com os arts. 43º e 44.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (=RLAT).

Destarte, e porque o Acórdão recorrido decidiu sem atender ao disposto no art. 44º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, não se pode manter nesta parte.
Deve, por conseguinte, no caso sub judice, ter plena aplicação o princípio estatuído neste normativo no que concerne ao cálculo das prestações devidas à Autora sinistrada/trabalhadora.

2.7. Sendo essa a base do cálculo impõe-se determinar o valor da retribuição devida à Autora, observando-se, para tal, o preceituado nos arts. 270º e segts do Código do Trabalho de 2009.

Auferindo a A. uma retribuição base de € 191,46, pelo exercício da sua actividade profissional a tempo parcial, num período normal de trabalho de 19 horas por semana, a retribuição normal que auferiria se trabalhasse a tempo inteiro ascenderia, segundo a forma de cálculo prevista no art.º 271.º, do Código do Trabalho de 2009, a € 372,80 mensais [(€ 191,46 x 12) : (52 x 19) = € 2,33/hora x 40 horas semanais x 4 semanas)].
Atendendo, no entanto, ao facto de a retribuição não poder ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho – art.º 26.º, n.º 8, da LAT – a retribuição a ter em conta para o cálculo das prestações devidas à sinistrada corresponde à retribuição mínima garantida à data do acidente, ou seja, ao valor de € 450,00 mensais (cf. Decreto-Lei n.º 246/2008, de 18/12).

Com efeito, em matéria de retribuição mínima mensal garantida estabelece o nº 1 do art. 273º, do Código do Trabalho de 2009, que é garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por legislação específica, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social.
Princípio com igual sentido no nº 1 do art. 266º, do Código do Trabalho de 2003.

Ora, no âmbito do acordo de concertação social de Dezembro de 2006, o Governo e os parceiros sociais acordaram nos termos da fixação e evolução da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) com vista a atingir o valor de € 450 em 2009, assumindo-se como objectivo de médio prazo o valor de € 500 em 2011.
E foi neste contexto que o Decreto-Lei n.º 246/2008, de 18 de Dezembro, veio actualizar o valor da retribuição mínima mensal garantida para o ano de 2009, aprovando, para esse efeito, o montante de 450 €.

Podendo ler-se no seu art. 1º, subordinado à epígrafe de “Valor da retribuição mínima mensal garantida” que:

“O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 266.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003[11], de 27 de Agosto, é de € 450”.

Com a consagração, no seu art. 3º, da sua entrada em vigor:

“O presente decreto-lei entra em vigor a 1 de Janeiro de 2009”.

Por conseguinte, a retribuição mínima garantida a atender para o cálculo das prestações devidas à sinistrada corresponde ao referido valor de € 450,00 mensais.

Importa, ainda, para determinação desse quantum, atentar ao estabelecido no art. 43.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quanto à parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, dado que a A. esteve em situação de Incapacidade Temporária por período superior a 15 dias.
Pelo que, a retribuição anual a considerar para efeito de cálculo das importâncias a que a A. tem direito corresponde a € 6.918,24 (€ 450,00 x 14 + € 17,53 x 12 + € 37,08 x 11).

Tendo em conta a referida retribuição, e dado o período de tempo de ITA, que perfez 287 dias, a A. tem direito, a este título, a uma indemnização no valor de € 3.753,15 (€ 450,00 x 14 meses: 12 meses: 30 dias x 70% x 287) + (€ 17,53: 12 meses: 30 dias x 70% x 287) + (€ 37,08 x 11 meses: 12 meses: 30 dias x 70% x 287 dias).

Destarte, ponderando a IPP atribuída à sinistrada de 13%, tem a mesma direito a receber o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 629,56 (€ 6.918,24 x 70% x 13%), devida desde o dia seguinte à data da alta.

Sobre as quantias em dívida incidem, ainda, juros de mora à taxa anual de 4%, desde a data de vencimento das prestações integrantes, nos termos previstos no artigo 17.º, n.º 4, da LAT.

Procede, assim, nesta parte, o recurso de revista.


3. Quanto às despesas médicas e medicamentosas:

3.1. A terceira e última questão resultante da delimitação do objecto do recurso prende-se com o alegado direito da A. a ver reapreciadas pela 1.ª instância as despesas médicas e medicamentosas que peticionou.

3.2. Invoca a Autora a este propósito que «(…) despendeu € 2.209,59 em despesas de saúde relacionadas com a cura do Acidente de Trabalho (…), mas que, «o Tribunal da Relação não se pronuncia sobre as mesmas, porque simplesmente o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre as mesmas, em virtude de ter considerado que não existia um acidente de trabalho.»
Conclui a A. que «(…) deveria o Tribunal de Primeira Instância ser convidado a pronunciar-se relativamente às supra alegadas despesas, condenando os Responsáveis em conformidade».

Conclusão que não podemos subscrever.

3.3. Com efeito, analisado o Acórdão recorrido verifica-se que, ao contrário do que invoca a A., o Tribunal da Relação tomou posição expressa em relação às despesas médicas e medicamentosas peticionadas nos autos.
E fê-lo nestes termos:
«No que concerne às despesas médicas e medicamentosas e com deslocações peticionadas pela A., uma vez que não resultou provado qualquer facto respeitante às mesmas improcede, necessariamente, o peticionado.»

Ora, cotejada a matéria de facto provada pelas Instâncias, verifica-se que, efectivamente, não foram dadas como provadas quaisquer das mencionadas despesas descritas pela A.
E assim sendo, não podemos deixar de concluir que o Tribunal da Relação decidiu com acerto ao julgar improcedente o peticionado neste âmbito, carecendo de fundamento legal o pedido formulado nesta revista pela A. no sentido de “convidar” a 1.ª Instância “a pronunciar-se sobre as despesas médicas e medicamentosas”.

Razão pela qual improcede o recurso nesta parte.


IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em conceder parcialmente a revista e revoga-se o Acórdão recorrido, nos termos e com os presentes fundamentos, alterando-se o respectivo dispositivo e, consequentemente, vai a 1ª Ré BB – Gestão de Recursos Humanos, Lda. condenada a pagar à A. AA:


a) A quantia de € 3.753,15 (três mil, setecentos e cinquenta e três euros e quinze cêntimos), a título de indemnização por Incapacidade Temporária Absoluta (ITA);
b) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 629,56 (seiscentos e vinte e nove euros e cinquenta e seis cêntimos);
c) Quantias essas acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia seguinte àquele em que ocorreu o acidente, no que concerne à ITA, e desde o dia seguinte ao da alta, no que respeita à pensão anual e vitalícia, até integral pagamento.

- Mantém-se, no mais, o decidido no Acórdão recorrido.

- Custas, nas instâncias e na revista, a cargo da 1ª Ré BB – Gestão de Recursos Humanos, Lda., entidade responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho aqui em causa.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 21 de Abril de 2016.


Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)


Ribeiro Cardoso


Pinto Hespanhol

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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Entendido, nos termos da cláusula 1ª da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho aprovada pela norma n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro de 2009, como sendo «a entidade empregadora que contrata com a Seguradora, sendo responsável pelo pagamento dos prémios»
[3] Proferido no âmbito da revista n.º 07S2903, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponível em www.dgsi.pt.
[4] No âmbito do processo 1403/10.8TTGMR.G1.S1, Relatado por Ana Luísa Geraldes, e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Proferido no âmbito da revista n.º 620/11.8TTLSB.L1.S1, Relatado por Leones Dantas, e disponível em www.dgsi.pt.
[6] A Lei nº 100/97, de13 de Setembro – Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais – é a que tem aplicação ao caso sub judice, porquantoa Autora sofreu o acidente de trabalho em 11/03/2009.
[7] RLAT = Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho, aplicável ao caso em análise, face à data em que ocorreram os factos..

[8] Cf. Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Anotado, 2ª Edição, Almedina, 2005, pág. 226, igualmente citado nos autos.
[9] Proferido no âmbito do processo nº 187/11.7TUVCT.G1.S1, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponível em www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.

[10] Normativo que não sofreu alteração em relação ao n.º 1 do artigo 163.º do Código do Trabalho de 2003, que contém princípio similar.

[11] Normativo que encontra correspondência actual no nº 1 do art. 273º, do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.